O que se sabe sobre as relações entre o banqueiro preso Daniel Vorcaro e Banco da Igreja da Lagoinha
A prisão do banqueiro Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, instituição colocada em liquidação extrajudicial pelo Banco Central em 18 de novembro passado, reacendeu questionamentos sobre irregularidades na Igreja Batista da Lagoinha, uma das maiores e mais influentes denominações evangélicas do país.
Reportagens recentes com declarações de parlamentares que integram a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, instalada para apurar fraudes em descontos indevidos em benefícios previdenciários, mencionam vínculos pessoais e possíveis repasses financeiros envolvendo o banqueiro e a igreja. Porém, ainda não há documentação pública que confirme o teor e a natureza dessas transações.
Como há muita circulação de conteúdo nas redes digitais sobre este tema que envolve um grupo religioso, o Bereia oferece informação sobre o que já é conhecido, o que está sendo especulado e colocado como suspeita e permanece sem comprovação.
Quem é Daniel Vorcaro e por que ele foi preso?
Daniel Vorcaro é um empresário do setor financeiro e controlador do Banco Master, instituição que cresceu oferecendo produtos chamativos ao público, como CDBs com rendimento acima da média do mercado, o que atraiu milhares de investidores.
O banco atuava também no setor de crédito consignado e em chamadas operações estruturadas, que são montagens financeiras mais complexas usadas para captar recursos ou conceder crédito a empresas — muitas vezes envolvendo garantias, fundos e emissão de títulos. Também realizava financiamentos de grande porte, isto é, empréstimos milionários para empresas e projetos específicos.
A prisão de Vorcaro ocorreu no âmbito de uma operação da Polícia Federal que investiga fraudes financeiras, lavagem de dinheiro e gestão temerária dentro do conglomerado Master. Segundo a PF, há indícios de que o banco teria operado esquemas envolvendo empréstimos consignados irregulares, triangulação de recursos e movimentações incompatíveis com a legislação bancária.
A investigação também apura vínculos entre empresários, intermediários e entidades que teriam se beneficiado de créditos indevidos. A operação está associada a apuração mais ampla sobre crimes financeiros e possíveis danos a aposentados, tema que ganhou relevância após o avanço dos trabalhos da CPMI do INSS.
O que se sabe sobre a relação entre Vorcaro e a Igreja Batista da Lagoinha
Até o momento, o que existe de público sobre a relação entre Daniel Vorcaro e a Lagoinha é uma combinação de menções da imprensa, vínculos familiares e declarações de membros da CPMI do INSS, mas ainda não há documentação financeira pública que detalhe doações, contratos ou transferências diretas entre o banqueiro e a denominação.
Reportagens citadas por veículos nacionais apontam que a família de Vorcaro mantém laços estreitos com a igreja, sobretudo em Belo Horizonte. Um dado relevante é que a irmã mais nova do banqueiro, Natalia Vorcaro Zettel, é pastora e uma das líderes da Lagoinha Belvedere, fundada em outubro de 2024, localizada em um dos bairros mais nobres da capital mineira. A presença de membros da família em posições de liderança reforça a percepção pública de proximidade, mas não implica, por si só, qualquer irregularidade.
É importante destacar que a família de Daniel Vorcaro não é alvo das investigações da Polícia Federal relacionadas ao Banco Master. A apuração se concentra em operações financeiras atribuídas ao banqueiro e ao grupo empresarial sob seu comando.
Ainda assim, circulam em meios políticos e jornalísticos afirmações sobre possíveis repasses financeiros, citadas de forma indireta em notas vinculadas a investigações federais. Alguns trechos de relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), ligado ao Banco Central, mencionados por parlamentares e reproduzidos na imprensa, fazem referência a operações consideradas “atípicas” envolvendo entidades religiosas, entre elas a Lagoinha. Contudo, tais relatórios não foram divulgados oficialmente, o que impede confirmar valores, datas ou o contexto dessas movimentações.
A Lagoinha, por sua vez, é uma organização religiosa com forte presença nacional, conhecida por receber empresários, realizar projetos sociais e movimentar grandes volumes financeiros em suas diversas unidades. É necessário distinguir entre transações regulares próprias desse tipo de instituição e eventuais operações que motivam especulação pública.
A fintech ligada à Lagoinha: o “banco da igreja” entrou no debate público
Nos últimos anos, a Igreja Batista da Lagoinha expandiu sua atuação em comunicação, educação e serviços comunitários. Nesse contexto, surgiu uma fintech (instituição financeira digital) associada à denominação, o Clava Forte Bank, divulgada como um “banco digital cristão” voltado para fiéis, igrejas e pastores. Dados públicos registram que os sócios/administradores registrados são André Machado Valadão e Eduardo Pentagna Guimarães Pedras.

Embora não seja um banco regulado pelo Banco Central nos moldes tradicionais, a plataforma opera como correspondente bancário digital, oferecendo conta digital, cartões, microcrédito e serviços voltados a templos e instituições religiosas. No momento da apuração desta matéria, o site oficial da fintech estava fora do ar
A fintech Clava Forte, fundada em março de 2024, com a justificativa de ser um “banco para impulsionar os projetos do Reino de Deus” e uma fintech voltada a oferecer soluções financeiras a igrejas, pastores e empresas cristãs. A empresa é apresentada ainda com atividades registradas nos setores de desenvolvimento de software, intermediação de serviços e agenciamento de negócios.
A Clava Forte reapareceu no debate público porque foi mencionada em discussões parlamentares e em reportagens que tratam de “movimentações atípicas” envolvendo entidades religiosas. Algumas dessas abordagens conectam o Clava Forte ao contexto mais amplo das investigações do Banco Master, uma associação ainda sem comprovação documental por parte das autoridades.
A relevância da fintech nesta matéria se dá pelo contexto: ela integra um ecossistema financeiro mais amplo ao redor da igreja, que tem sido citado por parlamentares ao discutir a necessidade de transparência e rastreamento de recursos enviados ou recebidos por instituições religiosas.
A CPMI do INSS e as investigações sobre repasses a instituições religiosas
A CPMI do INSS foi criada para investigar um esquema nacional de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas, envolvendo associações, sindicatos e entidades que passaram a cobrar mensalidades e serviços sem autorização dos beneficiários. O golpe operava principalmente por meio de crédito consignado não solicitado e “taxas associativas” aplicadas de forma automática, resultando em prejuízos milionários para idosos e para o próprio INSS.
A comissão apura a participação de organizações como a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer), a Amar Brasil (Associação de Assistência ao Trabalhador), a AAB (Associação dos Aposentados do Brasil) e a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), além de rastrear possíveis fluxos financeiros entre essas entidades e líderes religiosos ou políticos.
Segundo as investigações da Polícia Federal, da CGU e da CPMI do INSS, o esquema funcionaria da seguinte forma: aposentados e pensionistas tinham descontos inseridos em seus benefícios sem autorização, geralmente na forma de taxas associativas ou serviços fictícios. Esse dinheiro era repassado para entidades conveniadas ao INSS — como Conafer, Amar Brasil, AAB e CBPA — que, segundo as suspeitas apuradas, retinham parte dos valores e direcionavam outra parte para instituições financeiras parceiras, que lucravam com a operação. Há também a hipótese, ainda em investigação, de que parte desses recursos retornava em forma de comissões irregulares ou propina, alimentando um circuito de enriquecimento ilícito entre empresários, dirigentes de entidades e intermediários.
CPMI e Igrejas
A Comissão Parlamentar tornou-se uma das fontes centrais para entender por que igrejas, entre elas a Batista da Lagoinha, passaram a ser mencionadas em debates sobre repasses financeiros. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Receita Federal, encaminhados à comissão, apontam movimentações volumosas e incomuns envolvendo entidades investigadas e diversas organizações religiosas.
Entre os repasses citados em sessões da CPMI estão:
- R$ 694 mil enviados para a Sete Church, em Barueri (SP);
- R$ 200 mil destinados a um pastor da mesma região;
- R$ 1,9 milhão da CBPA – Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura para uma empresa intermediária, que posteriormente enviou valores a familiares do deputado federal evangélico Silas Câmara (Republicanos/AM) e à Fundação Boas Novas, pertencente à igreja dele, a Assembleia de Deus em Manaus.

A CPMI também identificou relações entre dirigentes da Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) e igrejas do Distrito Federal, sugerindo um entrelaçamento entre líderes religiosos e entidades beneficiadas pelo esquema investigado.
Com isso, a comissão protocolou requerimentos de quebra de sigilo bancário e fiscal, além de convocações de líderes religiosos citados nos documentos. Parlamentares também demonstraram interesse em examinar operações do Clava Forte Bank, embora não haja evidências oficiais de irregularidades envolvendo a fintech.
A CPMI reforça que nenhuma instituição religiosa é, até agora, investigada formalmente, mas defende que todos os destinatários de recursos provenientes de entidades suspeitas devem prestar esclarecimentos.
Lagoinha e Daniel Vorcaro no radar político da CPMI
A relação entre Daniel Vorcaro, o setor de crédito consignado e lideranças da Igreja Batista da Lagoinha ganhou ainda mais visibilidade após declarações do deputado federal Rogério Correia (PT-MG) durante sessão da CPMI do INSS. Em a fala, registrada em notas taquigráficas, o parlamentar apresentou uma série de conexões que, segundo ele, justificariam a ampliação das investigações da comissão.
Correia afirmou que Vorcaro teria forte atuação no setor de crédito consignado, que é justamente o eixo central das fraudes investigadas pela CPMI e que o banqueiro seria “muito amigo” do pastor André Valadão, liderança nacional da Lagoinha. O deputado indicou que haveria vínculos indiretos entre Vorcaro e o cunhado de André Valadão, Gustavo Zettel, citado como um grande doador para a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro. Ele ainda demandou que a fintech Clava Forte seja investigada devido a possíveis conexões com entidades como Amar Brasil e Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares (Conafer), ambas sob suspeita no esquema de descontos indevidos.
Rogério Correia também mencionou na sessão da CPMI dois repasses citados em documentos da comissão que envolvem a igreja: R$ 200 mil enviados pelo investigado Américo Monte ao pastor da Lagoinha Alphaville André Fernandes; o patrocínio do evento de Réveillon da Lagoinha (“Vira Brasil”), no estádio Allianz Parque (São Paulo-SP), em 2024, pelo ex-presidente da Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB) Felipe Macedo, investigado e apontado como alguém próximo de lideranças da igreja, incluindo André Valadão, presidente da Lagoinha Global, responsável por mais de 700 templos no Brasil e exterior.
Durante a mesma sessão da comissão, o deputado Rogério Correia também expôs uma série de ligações familiares e institucionais que envolvem lideranças da Lagoinha e a família Vorcaro: “O pastor Fabiano Zettel, líder de uma das unidades da Lagoinha, seria cunhado de Henrique Vorcaro, pai do banqueiro Daniel Vorcaro, pois sua filha seria casada com ele. Henrique Vorcaro, por sua vez, seria sócio de André Valadão em alguns negócios”. Correia afirmou ainda que André Valadão teria autorizado Fabiano Zettel a abrir a unidade Lagoinha Belvedere e que, a partir dessa ligação, teria surgido o banco digital Clava Forte.

Essa declaração, apresentada pelo deputado com base em sua interpretação dos documentos e depoimentos analisados pela comissão, não foi comprovada por autoridades policiais ou financeiras. Entretanto, ela compõe o conjunto de justificativas usadas por parlamentares para defender a necessidade de aprofundamento de investigações sobre a fintech Clava Forte e líderes da igreja Lagoinha.
Para Correia, esses elementos comporiam um “ecossistema de relações” entre empresários investigados, entidades suspeitas e lideranças religiosas. Em sua interpretação, o deputado destacou que “as pontas precisam ser ligadas” entre Vorcaro, figuras religiosas e atores políticos.
Ele afirmou ainda ter recebido a informação de que o banco digital Clava Forte teria encerrado suas atividades recentemente, após a prisão de Daniel Vorcaro, o que, segundo ele, reforçaria a necessidade de apuração sobre a natureza e o funcionamento da fintech. Ressaltou também que possíveis ligações entre o Banco Master e operações de crédito consignado poderiam justificar a convocação de Vorcaro pela comissão.
Correia finalizou dizendo que há “uma mistura muito grande” entre empresários investigados, lideranças religiosas e estruturas financeiras, e que caberia à CPMI esclarecê-las. As declarações constam integralmente nas notas oficiais do Senado, mas não constituem prova de irregularidade.
Em outra frente, o deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), presidente da Comissão Parlamentar em Defesa do Estado Laico, encaminhou ofício à Polícia Federal “solicitando a apuração de possíveis relações de natureza econômica e institucional entre o líder da Igreja Batista da Lagoinha pastor André Valadão, e o empresário Daniel Vorcaro.”
O requerimento que coloca a Clava Forte Bank no centro do debate
As declarações do deputado Rogério Correia ganharam peso institucional quando, na mesma sessão, ele apresentou um requerimento formal pedindo que a CPMI encaminhe ao Coaf e à Receita Federal a elaboração de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) e a quebra de sigilo bancário e fiscal da Clava Forte Bank S/A.

O requerimento, de 19 de novembro de 2025, solicita um dossiê completo com dados bancários, fiscais, declarações contábeis e movimentações financeiras da empresa da Igreja Batista Lagoinha, de março de 2024 a novembro de 2025.
O documento ressalta que a Clava Forte não aparece entre as instituições autorizadas ou supervisionadas pelo Banco Central, o que, segundo o parlamentar, “acende alertas” sobre a regularidade das operações. O texto cita ainda o empresário investigado Felipe Macedo Gomes, apontando que ele teria patrocinado eventos da Lagoinha e que manteria proximidade com lideranças da igreja.
O requerimento sustenta que seria necessário investigar o “fluxo financeiro existente entre essas entidades e a Clava Forte”, especialmente no contexto das movimentações atribuídas ao grupo conhecido como Golden Boys, suspeito de drenar recursos de aposentados por meio de operações fraudulentas.
O parlamentar afirma que a análise dos RIFs e das movimentações financeiras é “essencial” para identificar: eventuais favorecimentos indevidos, vantagens econômicas ou operações compatíveis com lavagem de dinheiro.
Os Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) são documentos produzidos pelo Coaf que apontam movimentações de dinheiro consideradas fora do padrão, como valores muito altos, transações rápidas ou incompatíveis com a renda declarada. Eles não são provas de crime, mas funcionam como alertas enviados às autoridades — como a Polícia Federal ou a CPMI — para ajudar a identificar possíveis irregularidades financeiras.
Embora o requerimento não constitua qualquer prova de irregularidade e é um pedido de investigação a partir de uma suspeita, ele torna fato que a instituição financeira Clava Forte, e, por consequência, a proprietária, a Igreja Batista da Lagoinha, passou a integrar o escopo da CPMI, ao lado de entidades investigadas por fraudes, como Amar Brasil, Conafer, AAB e CBPA.
A presença da Igreja da Lagoinha e da família Vorcaro no debate público se deve, principalmente, à Operação Compliance Zero, que prendeu Daniel Vorcaro, ao contexto da CPMI do INSS, com a documentação apresentada por um parlamentar, e à existência de uma fintech ligada à denominação. Até o momento, porém, o que existe é uma combinação de proximidade familiar, interpretações políticas e suspeitas, ainda sem investigações e sem provas de irregularidades financeiras relacionadas à igreja.
O Bereia seguirá acompanhando o desenrolar das investigações para atualizar esta matéria caso novos documentos oficiais sejam divulgados.
Referências:
Senado https://www25.senado.leg.br/web/atividade/notas-taquigraficas/-/notas/r/14263
https://www6g.senado.leg.br/busca/?portal=Atividade+Legislativa&q=inss+lagoinha
https://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2025/08/ao-vivo-instalacao-da-cpmi-do-inss-2013-20-8-25
https://legis.senado.leg.br/atividade/comissoes/comissao/2794/requerimentos-cpi?numero=02637
Banco Central https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/20936/nota
https://www.instagram.com/lagoinha.belvedere
Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-11/fraudes-no-master-podem-chegar-r-12-bilhoes-estima-diretor-da-pf
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