A crescente inclusão de LGBT+ nas igrejas evangélicas e a expansão de igrejas denominadas inclusivas/afirmativas têm desafiado o tradicionalismo das igrejas no Brasil. Com uma teologia que acolhe os homoafetivos e propõe uma nova leitura da Bíblia, que valoriza a diversidade sexual e evita a demonização de LGBTs, essas novas congregações têm conquistado uma parcela significativa da população historicamente marginalizada, frequentemente forçada a passar por terapias de “reorientação sexual”.
Esse cenário está se consolidando com a rápida ascensão de igrejas inclusivas, especialmente em um país onde o número de evangélicos tem crescido de forma significativa. Não muito tempo atrás, quem pertencia à população LGBT+ precisava negar sua identidade ou reprimir seus desejos por meio de orações, jejuns e até “exorcismos” para serem aceito/a em igrejas tradicionais. Hoje, esta realidade está bem transformada, principalmente com o expressivo número de igrejas lideradas por homossexuais, que mantêm os dogmas cristãos tradicionais, mas com um foco inclusivo.
O acolhimento da diversidade
O número crescente de igrejas inclusivas no Brasil tem tensionado lideranças das igrejas tradicionais e gerado um movimento de reavaliação. De acordo com a jornalista Carla Nunes, que organizou o “Mapeamento das Igrejas Inclusivas no Brasil” (2023), o número de igrejas neste formato gira em torno de 105 no Brasil. Este fenômeno tem levado a uma migração significativa de membros, principalmente de identidade LGBT+, que antes estavam ausentes ou marginalizados dos espaços religiosos tradicionais.
O impacto é notável, com uma diminuição na arrecadação de dízimos e ofertas nas igrejas convencionais, já que a membresia LGBT+ tem se transferido para esses novos templos.
Exemplo disso é a Igreja Cidade de Refúgio Church, em São Paulo, uma das maiores igrejas voltadas para a comunidade LGBT+ no Brasil, liderada pelas pastoras lésbicas Lanna Holder e Rosania Rocha. Com mais de mil membros em sua sede, dezesseis filiais pelo país e uma em Lisboa, a igreja oferece uma infraestrutura moderna, que inclui um templo de dois andares e equipamentos de som e luz de ponta, atraindo um público sofisticado e crescente. “A Cidade de Refúgio Church vai na contramão do sistema religioso estabelecido no país, nós somos resistência”, comenta Lanna Holder.
Este movimento de inclusão também está influenciando denominações tradicionais. A Igreja Betesda, por exemplo, que durante anos se manteve firme em postura de condenação à identidade LGBT+, iniciou, há alguns anos, um processo de acolhimento de pessoas homoafetivas. O processo foi liderado pelo pastor heterossexual, que preside a igreja, Ricardo Gondim, que reavaliou aquela posição e decidiu abraçar LGBT+ na igreja-sede, que fica na capital paulista.
Mudança de protagonismo
Se antes, líderes como Silas Malafaia e Edir Macedo eram conhecidos por suas declarações públicas contra as pessoas LGBT+, hoje suas palavras perdem força diante das crescentes aceitação e visibilidade do movimento evangélico inclusivo. O impacto não se limita apenas às igrejas e tem também afetado a música gospel, com a crescente entrada de artistas LGBT+ no cenário musical religioso.
Plataformas como Spotify, por exemplo, já têm playlists dedicadas ao público cristão inclusivo, ampliando o alcance de cantores religiosos independentes, como Jean Leão, um cantor carioca que agora tem a oportunidade de apresentar sua música fora do contexto tradicional. Leão, que hoje faz parte da playlist “Gospel LGBTQIAPN+”, conta: “Fiquei anos em conflitos e reprimindo meu talento musical; apenas pelo fato de ser gay, era impedido de exercer minha arte dentro da igreja tradicional”.
A política e a fé
Paralelamente à mudança nas práticas religiosas, na política, a Bancada Evangélica no Congresso Nacional, de viés conservador, tem se mobilizado para tentar reverter os avanços em direitos conquistados pela população LGBT+. Com o discurso baseado na defesa da “família tradicional”, muitos parlamentares desta ala têm atuado ativamente contra projetos que buscam garantir a igualdade de direitos e combater a discriminação.
Nos últimos cinco anos, 39,6% dos Projetos de Lei anti-LGBTQIA+ apresentados no Legislativo brasileiro tiveram como foco principal a população trans. As propostas abordam restrições relacionadas ao uso de banheiros, a participação de atletas em competições, o acesso ao processo de transição e discussões sobre a definição de gênero.
Os dados são da Observatória, uma plataforma da Agência Diadorim que acompanha as ações legislativas contrárias aos direitos LGBT+. A pesquisa analisou os PLs apresentados entre janeiro de 2019 e outubro de 2024 nas esferas estadual, na Câmara dos Deputados e no Senado. No total, foram levantadas 1.012 propostas – 575 delas em apoio à população LGBT+ e 437 contrárias aos seus direitos.
O paradoxo é evidente: muitos líderes religiosos, que deveriam pregar o amor ao próximo, acabam sendo protagonistas de discursos e atitudes que promovem a segregação e a violência contra pessoas LGBT+.
Por outro lado, lideranças progressistas de identidade evangélica têm ganhado espaço, como o deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e o pastor da Comuna do Reino, de Belo Horizonte, Fillipe Gibran. Este, em particular, tem se destacado ao acolher homoafetivos e transsexuais em seu púlpito e ao se posicionar contra os discursos homofóbicos, sexistas e machistas de lideranças tradicionais. “A igreja evangélica brasileira trocou Jesus pelo poder e pelo dinheiro”, Gibran.
A crescente visibilidade de vozes progressistas evangélicas e o fortalecimento de igrejas inclusivas são indicativos de uma transformação necessária e urgente no cenári religioso brasileiro, onde a luta pela aceitação e pelo respeito à diversidade tem ganhado força. Eles desafiam as velhas estruturas e trazem à tona um debate cada vez mais relevante sobre fé, identidade e direitos humanos.
** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia