Já dizia o pregador: “…tudo é vaidade”. A gente encontra esse texto lá no livro de Eclesiastes. E a palavra vaidade tem o sentido de coisa sem valor, supérflua. É besteira. O tema abordado aqui me fez lembrar isso.
Projeto de fim dos tratamentos das excelências
O Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 332/2017, que tramitou no Senado Federal, de autoria do senador Roberto Requião, determinava que ficaria proibida a exigência, por parte de autoridades, que lhe sejam dispensados tratamento como Vossa Excelência ou Vossa Magnificência. A proposta ainda sugeria que “senhor” ou “senhora” seria suficiente para denotar respeito em quaisquer casos.
O senador justificava que, em uma Democracia, é incabível o uso de tratamento protocolar herdado de uma Monarquia, que traz uma série de exageros. No outro lado do pêndulo, lembramos o depoimento do ex-presidente Lula, que se dirigiu a uma procuradora chamando-a de “querida”. Na ocasião, foi interpelado pelo juiz Sérgio Moro, que exigiu o tratamento protocolar, sugerindo “doutora”.
O PLS nº 332 visava estabelecer “normas sobre o tratamento protocolar escrito e oral destinado ou referente aos detentores de cargo público”. Na sua ementa, consta que ele “simplifica e uniformiza o tratamento protocolar das autoridades e servidores públicos nas formas escrita e oral”. Apesar de a consulta pública apontar que mais de 90% das pessoas que participaram eram a favor do projeto, no fim de 2018, ele foi arquivado sem a devida atenção.
Costumes e prática social
A linguagem faz parte da prática social e demonstra como vivemos. Nesse particular, temos a demonstração de que pessoas se dirigem a outras com termos que aparentem respeito para conseguir coisas ou por coação, para bajular ou ainda para cumprir protocolo que o poder exige.
No ambiente dos poderosos, temos pessoas que abusam do poder e querem demonstrar superioridade, seja com argumentos de lei ou com humilhação. Nesse sentido, o reconhecimento pode ser feito por coação, como dito acima, ou por interesse, dando a alguém um título inexistente ou inadequado..
As excelências e os doutores
Creio que há muitas nuances na forma de tratamento das excelências. Há algumas detalhadas por lei, relacionadas em listas de redação oficial (vide Manual de Redação da Presidência da República). Mas quem nunca foi chamado de “excelentíssimo” por algum amigo?
No caso de doutores, é mais aparente. Advogados e médicos têm a prática comum de serem chamados assim. Há os doutores que são donos de empresas, assim tratados até em cartas, mesmo sem formação alguma. Além disso, certos trabalhadores (garçons, ascensoristas, frentistas, por exemplo). Tratam por “doutores” qualquer um que se valha de seus serviços.
Considerando que doutores têm formação acadêmica adequada, parece ser injusto um cliente de médico e advogado não saber se é atendido por um doutor de formação. Mesmo assim, muitos exigem tal tratamento.
Como era de se esperar, o projeto não foi nem sequer analisado efetivamente, muito menos aprovado (os vaidosos não permitiram). De qualquer forma, é bom salientar que, mesmo se a proposta passasse, não creio que haveria mudança na redação oficial. Ali há ambiente para a formalidade. Mas a vaidade impera ainda. Uma besteira, não é mesmo?
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