Mídias religiosas desinformam ao afirmar que procedimentos para salvar yanomamis boicotam liberdade de religião

Leitores e leitoras do Bereia enviaram solicitações de checagem sobre uma série de publicações que circulam em mídias sociais religiosas e afirmam que o governo Lula estaria promovendo impedimento às ações missionárias em solo Yanomami.  Os textos apresentam o o argumento de que durante o governo anterior houve maior possibilidade de atuação religiosa com povos originários, enquanto o atual governo estaria promovendo um boicote religioso movido por questões políticas. 

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O que o atual governo federal encaminhou

Ao tomar conhecimento da atual situação dos povos Yanomami, o atual governo, junto a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, expediram conjuntamente a Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023, que estabelece uma série de procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami. Diz a parte principal do documento:

Art. 1º Definir procedimentos para acesso à Terra Indígena Yanomami visando o resguardo a respeito aos povos indígenas durante o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.

 Art. 2º O ingresso à Terra Indígena Yanomami será coordenado a partir das ações prioritárias definidas no Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública ( CO E – Yanomami ) .

 Art. 3º As autorizações em vigor já existentes e emitidas pela Funai para ingresso na Terra Indígena Yanomami deverão ser reavaliadas pelo órgão indigenista, visando resguardar a integridade dos indígenas. 

Art. 4º A Funai suspenderá novas autorizações de ingresso à Terra Indígena Yanomami no período de vigência da Portaria GM/MS Nº 28, de 20 de janeiro de 2023. 

Art. 5º As autorizações de que trata esta Portaria não se aplicam aos profissionais de saúde e saneamento vinculados à Sesai e às instituições parceiras, aos servidores da Funai e aos demais servidores e agentes públicos em missão na respectiva Terra Indígena para os quais devem ser seguidas as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas.

A decisão governamental visa, sobretudo, a recuperação de territórios invadidos por garimpeiros, grileiros e pessoas que promovem o desmatamento ilegal da área de florestal na reserva ecológica. Foi por conta das ações desses invasores em solo yanomami que se deu a crise sanitária  descoberta quando o atual governo tomou posse. Foi verificado que jovens e adultos indígenas apresentavam quadros severos de contaminação por mercúrio, desnutrição grave e malária. 

Com as medidas de controle territorais, apenas servidores em missão da FUNAI e SESAI poderão entrar em solo Yanomami. Ou seja, não apenas garimpeiros e grileiros estão sendo retirados das reservas nacionais, como também quaisquer outros grupos de pessoas não ameríndios que vinham tendo livre acesso à Terra Indígena Yanomami. Esta medida visa garantir a recuperação física dos povos originários, uma vez que boa parte das doenças, infecções e problemas de saúde que porventura venham a acometer essa população, são levadas até eles por meio do contato com pessoas de outras origens. Contudo, o procedimento também garante a não disseminação de enfermidades tropicais que podem circular entre os yanomamis em outras áreas do país, já que, ao transitar entre áreas urbanas e reservas, os missionários podem levar contaminações de uma área para outras.

A Portaria Conjunta, de janeiro passado, contém um anexo com as várias orientações aos servidores de órgãos como a FUNAI, o Ministério da Saúde, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), entre outros, únicas pessoas não-ameríndias que podem ter acesso à Terra Yanomami para prestar serviços. O anexo contém um termo de compromisso individual, que deve ser assinado por quem ingressa na Terra com o registro do objetivo da solicitação de entrada e da ciência de oito obrigações legais, entre elas a carteira de vacinação atualizada, mais as “Normas de conduta em Terras Indígenas”, compostas por 14 pontos: ida às aldeias, postura, saúde, uso de armas, drogas e bebidas alcóolicas, linguagem, alimentação, gestão do lixo, biodiversidade, artesanato, respeito à diversidade, uso de cartão de banco e senhas, outros. 

O ponto nº 11 das “Normas de conduta em Terras Indígenas” diz: “Proselitismo religioso: é terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas”. Foi este registro o conteúdo explorado nas publicações de mídias religiosas, enviadas por leitores e leitoras ao Bereia para checagem, com a denúncia de impedimento da liberdade religiosa.

Abusos do proselitismo religioso

A presença de missões religiosas (católicas e evangélicas, especialmente) em terras indígenas no Brasil tem histórico que remonta à colonização. Direitos culturais são os mais afetados por ações de homogeneização e ocidentalização de usos e costumes, na busca do apagamento de diferenças. A conversão à fé cristã significou, também, ao longo dos séculos, a assimilação da cultura dos missionários na imposição da língua, da forma de vestir, de comer, de organizar a família e se relacionar com ela, de viver em comunidade, de se integrar ao meio ambiente, de fazer política.

Jesus Alfonso Flórez Lopes e Roberto Antônio Liebgott, em entrevistas à pesquisa “Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação”, promovida pelo Fórum Ecumênico América do Sul, da articulação ecumênica ACT Aliança (FESUR), em 2020, afirmam que

“A Igreja Católica Romana mudou de atitude depois do Concílio Vaticano II, com a instituição das pastorais sociais e da discussão sobre inculturação do Evangelho, na América Latina, em especial, nas Conferências Episcopais Latino-Americanas de Medellín (1968) e Puebla (1979). Ainda assim, os grupos fundamentalistas, que se destacam no Catolicismo Romano na região, desde os anos do pontificado de João Paulo II, exercem incidência sobre as atividades missionárias, gerando tensão entre agentes comprometidos com as causas indígenas e negras e líderes que cobram ‘conversões‘”.

A pesquisa FESUR explica que “grupos evangélicos começam a atuar mais intensamente em meados do século 20, entre indígenas, especialmente por meio de agências missionárias estadunidenses, e entre populações negras, por meio de projetos evangelísticos de igrejas em territórios ocupados por elas. Nos anos 2000 identifica-se a ampliação das atividades destes grupos fundamentalistas, algumas delas atreladas a empresas do agronegócio, mineradoras, madeireiras, de garimpo e de especulação imobiliária, que buscam intervir em territórios dessas populações para alcançar seus interesses econômicos”.

Algumas agências missionárias evangélicas já foram alvo de processos judiciais por conta de violação de direitos indígenas no Brasil. Entre elas estão a Jovens com Uma Missão (Jocum) e a Missão Novas Tribos, que teve a identidade alterada, em 2017, para Ethnos 360º. A pesquisa FESUR mostra que a Jocum sofreu processo e teve missionários expulsos da aldeia Suruwahá, no Amazonas, em 2003, por “praticar proselitismo, desestruturar a comunidade (tendo gerado suicídios em massa), escravização de indígenas, extração ilegal de sangue, biopirataria de sementes da floresta, construção de pista de pouso ilegal, venda ilegal de madeira, remoção de indígenas de forma ilegal, sequestro de crianças e racismo”.

A pesquisa FESUR também mostra que a Missão Novas Tribos (Ethnos 360º) foi alvo de vários processos judiciais. Em 1991, o Supremo Tribunal Federal (STF) baniu a agência do território Zo’é, especialmente por conta da transmissão de doenças (gripe e malária), que ocasionaram 45 mortes de indígenas e, também, ações incompatíveis com a política para povos isolados em curso no país. 

Durante o governo de Jair Bolsonaro, tanto a Jocum quanto a Missão Novas Tribos tiveram portas abertas para a ampliação de suas ações entre indígenas, em especial, os habitantes de aldeias isoladas (sem contato com pessoas não-indígenas). No final de janeiro de 2020, o presidente da MNT do Brasil Edward Luz, anunciou publicamente a aquisição do “helicóptero Ethnos360 Aviation R66” e disse a um pequeno grupo de evangélicos em reunião no Rio de Janeiro, que: “Deus fará qualquer coisa para que a humanidade ouça a Sua Palavra. Se um helicóptero se torna necessário, Ele o fornece”.

No início de 2020, um dos ex-missionários da MNT, o antropólogo Ricardo Lopes Dias foi nomeado para comandar a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai. A nomeação foi contestada por associações indígenas, por organizações não-governamentais que atuam pelos direitos dos povos originários, pela Associação Brasileira de Antropologia, pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, e pelo Ministério Público Federal, que ajuizou uma ação civil pública, em fevereiro de 2020, para suspender a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias. O processo pediu a suspensão da nomeação por evidente conflito de interesses, incompatibilidade técnica, risco de retrocesso na política de não contato adotada pelo Brasil, desde a década de 1980, e aponta ameaça de genocídio e etnocídio contra os povos indígenas.

Depois de nove meses de disputas judiciais com afastamentos e reconduções, Ricardo Lopes Dias foi exonerado (27 de novembro de 2020). Durante o período em que esteve na Funai, o missionário foi acusado, por lideranças indígenas, de omissão diante da ameaça da covid-19 nas aldeias, e de ter permitido a entrada de missionários da Ethnos 360° na área de índios isolados.  Este caso foi denunciado ao Ministério Público Federal e à Diretoria de Proteção Territorial da Funai, classificado como ameaça à  política pública do não contato aos índios isolados, e acusa o então coordenador da Funai de “proselitismo religioso junto aos  indígenas recém-contatados”.

Religião e contaminação

No livro, “A queda do céu”, a liderança yanomami Davi Kopenawa e o antropólogo Bruce Albert lembram que os povos originários não têm o mesmo sistema imunológico que as pessoas de outras origens, logo, boa parte dos problemas de saúde que vitimam os yanomamis são frutos desse contato. “Fumaças de doença” ou “fumaça do metal” é como os povos yanomamis chamam as enfermidades provenientes do garimpo. Outras como gripes, sarampo, malária e varíola são chamadas de “doenças de contato”.

Neste contexto,as práticas de proselitismo religioso com povos ameríndios  são, ainda hoje, uma questão recorrente nos debates públicos (políticos e acadêmicos). Estão incluídas dentre essas questões as práticas missionárias, a concepção de pessoa e infanticídio amerindio, crises humanitárias e questões socioculturais. Os defensores do isolamento, ou do mínimo contato, com os yanomamis argumentam que os mesmos possuem uma diferente compreensão e composição da realidade, o que difere substancialmente da visão ocidental. Nas discussões se argumenta que os yanomamis possuem uma compreensão e uma composição da realidade que diferem substancialmente da visão dos não-indígenas. É uma estrutura cultural que o pesquisador brasileiro Eduardo V. de Castro chama de “ontologia ameríndia”. Nesse contexto se destacam os povos ameríndios que ainda não possuem contato com pessoas de outras origens. Este processo cria uma série de impasses e questões humanitárias, uma vez que, com a cultura diferente, o contato entre esses dois grupos humanos gera não apenas um mal-estar físico (com as doenças trazidas pelos não-ameríndios), como um choque cultural, o que acaba por promover uma série de violências simbólicas e físicas, levando à morte em ambos os grupos. 

Com a crise de saúde pública e humanitária que assola os povos yanomamis, passou a ser definido, oficialmente, que somente pessoas autorizadas pelo governo federal têm a permissão para entrar na Terra Indígena. As autorizações de permanência na região, segundo a Portaria, se aplicam aos profissionais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Funai,  responsáveis pela contratação de servidores e agentes públicos na respectiva terra indígena, os quais devem seguir as orientações e as regulamentações específicas de seus órgãos, sempre em respeito aos direitos dos povos indígenas

Impedimento à liberdade religiosa?

Bereia já realizou checagens de publicações similares a essas e verificou que elas envolvem denúncias enganosas que buscam levar fiéis cristãos a acreditarem que há ações de perseguição de certos grupos políticos contra igrejas e projetos missionários no Brasil. 

No caso que envolve os povos Yanomami, as restrições e medidas protetivas estabelecidas na Portaria GM/MS Nº 28 são emergenciais e representam a garantia e manutenção da vida daquela população. Representam também a suspensão de ações abusivas de instrumentalização da religião cristã nos órgãos públicos que devem atuar na defesa da vida dos povos indígenas.

A abordagem sobre a proibição do proselitismo religioso em solo yanomami como impedimento da liberdade religiosa apaga a crise humanitária enfrentada na região provocada pela omissão governamental do mandato anterior. Os textos manipulam o teor da Portaria do atual governo, uma vez que o ponto referente ao proselitismo religioso não é medida inédita e está alocado em um conjunto de normas de conduta a serem observadas pelos profissionais que terão acesso às terras. 

No art. 7º do documento está previsto que “os demais casos de solicitações de entrada em Terra Indígena não detalhados nesta Portaria serão avaliados pela Funai, sempre em diálogo com as comunidades indígenas, Sesai e COE, devendo a solicitação ter antecedência mínima de 5 dias úteis da data de ingresso pretendida”.

Tratar as medidas de salvamento da população yanomami sob grave risco de morte como impedimento à livre prática da religião é abordagem que não apenas ignora a seriedade da situação como também reduz uma crise humanitária e de saúde pública a uma disputa ideológico-partidária. 

Bereia registra que atuação de igrejas e instituições religiosas em terras indígenas é uma questão complexa, que demanda reflexão e estudo, uma vez que não se trata de como  agentes religiosos são recebidos ou tratados pelo governo federal, mas de como se dá a relação entre os agentes e os povos tradicionais e as consequências deste processo. 

Para maior aprofundamento, Bereia recomenda a leitura do livro “A queda do Céu” e os estudos do antropólogo americanista Eduardo Viveiros de Castro, obras elucidativas sobre a vida, a cultura e o contato entre povos ameríndios e de outras origens.

Referências de checagem:

Governo Federal.

https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svsa/resposta-a-emergencias/coes/coe-yanomami/publicacoes-tecnicas/decretos-e-portarias/portaria-conjunta-funai-sesai.pdf/view Acesso em: 14 fev 2022

https://www.gov.br/funai/pt-br/atuacao/povos-indigenas/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato Acesso em: 14 fev 2022

G1.

https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/10/mais-de-mil-yanomami-sao-atendidos-em-hospital-de-campanha-durante-crise-de-saude.ghtml Acesso em: 14 fev 2022

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/01/29/malaria-pneumonia-desnutricao-contaminacao-por-mercurio-fantastico-mostra-a-tragedia-humanitaria-na-terra-indigena-yanomami.ghtml Acesso em: 14 fev 2022

Pesquisa FESUR. https://kn.org.br/noticias/fundamentalismo-crise-na-democracia-e-ameaca-aos-direitos-humanos-na-america-do-sul-e-tema-de-pesquisa-publicada-por-koinonia/7837 Acesso em: 13 fev 2023

Ministério Público Federal. http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/docs/acp-coordenador-funai-1 Acesso em: 13 fev 2023

Revista Arquivos Analíticos de Políticas Educativas. https://www.redalyc.org/pdf/2750/275022797034.pdf Acesso em: 14 fev 2022

Youtube.

https://www.youtube.com/watch?v=eSrJcwnqOt4 Acesso em: 14 fev 2022 

https://www.youtube.com/watch?v=pjHAsIDbBEQ Acesso em: 14 fev 2022

https://www.youtube.com/watch?v=xuDflgXnPVY Acesso em: 14 fev 2022

Revista Espaço Ameríndio. https://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/46403 Acesso em: 14 fev 2022

MPF. http://www.mpf.mp.br/df/sala-de-imprensa/docs/acp-coordenador-funai-1 Acesso em: 14 fev 2022.

Coletivo Bereia. 

https://coletivobereia.com.br/ministra-damares-alves-faz-acusacoes-sem-provas-sobre-contaminacao-de-indigenas-por-covid-19/ Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/o-atual-governo-levou-morte-aos-indigenas/ Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/site-desinforma-ao-afirmar-que-o-ministro-do-stf-proibe-missionarios-de-pregarem-a-tribos-indigenas-isoladas/ Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/?s=indigenas Acesso em: 14 fev 2022

https://coletivobereia.com.br/liderancas-evangelicas-publicam-falsidades-sobre-a-crise-humanitaria-dos-yanomamis/ Acesso em: 14 fev 2022

Poder 360. https://www.poder360.com.br/justica/pf-identificou-financiadores-do-garimpo-ilegal-em-terras-yanomami/ Acesso em: 14 fev 2022

Revista USP. https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/165236 Acesso em: 14 fev 2022

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. 2015. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras. 729 p. 2015.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/Internet/comissao/index/perm/cdh/Tratados_e_Convencoes/Indios/declaracao_universal_direitos_povos_indigenas.htm#:~:text=8 Acesso em: 14 fev 2022

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Imagem de capa: reprodução do Twitter

Lideranças evangélicas publicam falsidades sobre a crise humanitária dos Yanomamis

* Matéria atualizada em 24/01/2023 às 12:54 para ajustes de texto e inserção de informações

Bereia recebeu pedido/s de checagem quanto à crise humanitária do povo Yanomami. Após a /divulgação de denúncias  da grave situação de inanição e desnutrição de homens, mulheres e crianças indígenas, uma comitiva liderada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e os ministros dos Direitos Humanos, da Saúde, dos Povos Originários e da Defesa visitou, em 21 de janeiro, a região dos yanomamis em Roraima.

Apesar dos documentos anteriores (que somaram várias páginas), ações de socorro aos povos da tribo Yanomami abortadas e dos relatos do drama daquelas pessoas, que vieram à tona nos últimos dias, influenciadores evangélicos e simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminaram desinformação.  Publicações em mídias digitais passaram a questionar a veracidade das imagens, os dados apresentados, a nacionalidade dos indígenas (com a falsa alegação de que são venezuelanos) e, também, o grau de responsabilidade do governo anterior diante das denúncias de etnocídio e pelas mortes por inanição, que  entre elas mais de 500 crianças. 

Imagem: reprodução do site Poder DF
Imagem: reprodução do Instagram do pastor Ricardo Martins

O Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami) como mecanismo nacional da gestão coordenada da resposta neste campo. A gestão do COE estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai/MS), considerando a tipologia da emergência. 

Uma equipe da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) com 13 profissionais instalou um Hospital de Campanha. Outra equipe multidisciplinar com oito profissionais da área de saúde da Aeronáutica (FAB) foi deslocada de Manaus (AM) para a região de Surucucu (a cerca de 270 km a oeste da capital roraimense).  Outra medida é o início do transporte de retorno para as aldeias dos yanomamis sem problemas de saúde e que se encontram na Casa de Saúde Indígena de Boa Vista. 

Por determinação do presidente Lula, os ministros de diversas áreas estão adotando uma série de medidas de enfrentamento à grave crise.

A ação interministerial irá acompanhar de perto a crise sanitária do povo Yanomami, vítima de desnutrição e de outras violações dos direitos humanos – com atenção especial para as ameaças de morte a autoridades, agentes de saúde e indigenistas, já anteriormente denunciadas ao Governo Federal (leia aqui o inteiro teor das denúncias anteriores)

Damares se defende, mas cai em contradição

No campo das denúncias que circulam nas mídias sociais, além de Jair Bolsonaro,  o nome mais citado de autoridades a serem responsabilizadas  é o da ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (PL/DF).

Imagem: reprodução do site Yahoo!Notícias
Imagem: reprodução da coluna de Guilherme Amado, no site do jornal O Globo

Imagem: reprodução de tweets do procurador do MPF Mario Bonsaglia relatando a situação com os Yanomamis nos últimos três anos

Com a publicação de matérias jornalísticas que expuseram documentos e ofícios que mostram omissão do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos diante de denúncias da grave situação dos yanomamis, desde 2019, Damares Alves publicou tuítes nos quais alega ter realizado ações a favor dos indígenas, afirmando que os governos anteriores é que provocaram o caos. Tais justificativas, que serão checadas posteriormente pelo Bereia, acabaram contrapondo seus próprios apoiadores e os do governo Bolsonaro que insistiam nas publicações de negação da crise humanitária e da identidade dos yanomamis.

Imagem: reprodução do Twitter do Ministério da Saúde

Na noite de 23 de janeiro, o Ministério da Saúde publicou nota com a afirmação de que é falsa a informação de indígenas encontrados em estado grave não são brasileiros. 

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Bereia verificou serem falsas as publicações que circulam em mídias digitais de lideranças e influenciadores religiosos negadoras da crise humanitária e da própria identidade dos yanomamis brasileiros, habitantes da terra indígena em Roraima. Qualquer publicação neste sentido, além de falsa, é manifestação de desumanidade diante da situação dramática vivida por aquela população.

Referências de checagem:

Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/conheca-as-medidas-de-socorro-aos-yanomami-ja-anunciadas-pelo-governo-federal Acesso em: 23 jan 2023.

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2197283 Acesso em: 23 jan 2023.

O Globo.
https://oglobo.globo.com/epoca/guilherme-amado/damares-alegou-falta-de-consulta-indigenas-ao-pedir-veto-para-oferta-de-uti-agua-potavel-24632056?versao=amp Acesso em: 23 jan 2023.

Yahoo!Notícias. https://br.noticias.yahoo.com/veto-de-bolsonaro-a-lei-de-protecao-a-indigenas-foi-pedido-de-damares-141323609.html Acesso em: 23 jan 2023.

Twitter.
https://twitter.com/Mario_Bonsaglia/status/1617315163626946560?t=4gdNGTxGwgxuBFU1LO-AYg&s=19 Acesso em: 23 jan 2023.

https://twitter.com/DamaresAlves/status/1617219040535089154?cxt=HHwWhMC8scSJwvEsAAAA Acesso em: 23 jan 2023.

https://twitter.com/minsaude/status/1617648714566471693 Acesso em: 23 jan 2023.

Ministério da Saúde. https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/ministerio-da-saude-esclarece-que-indigenas-resgatados-no-territorio-yanomami-sao-brasileiros-1 Acesso em: 23 jan 2023.

FERNANDES, Rhuan Muniz Sartore. A epidemia do garimpo ilegal e o avanço da covid-19 na terra indígena Yanomami. Revista Ensaios de Geografia. Niterói, vol. 7, nº 14, pp. 214-226, maio-agosto de 2021.

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Foto de capa: Ricardo Stuckert/Presidência da República