Candidato extremista nas eleições argentinas Javier Milei usa falsidades contra o Papa Francisco em campanha

Javier Milei, o economista ultraliberal que lidera a corrida presidencial na Argentina,  concedeu entrevista para Tucker Carlson, jornalista símbolo da extrema-direita estadunidense. Além de apresentar suas polêmicas propostas,  Milei fez duras acusações ao Papa Francisco.

O candidato representante da extrema-direita afirmou: “o Papa faz política. Ele tem uma forte influência política. Ele também mostrou grande afinidade com ditadores como Castro e Maduro. Em outras palavras, ele está do lado de ditaduras sangrentas”.

Milei também disse que o Papa Francisco considera a justiça social um elemento central, e “isso é muito complicado, porque justiça social é roubar o fruto do trabalho de uma pessoa e dar a outra”. 

As críticas ao Papa Francisco, como a “afinidade com comunistas assassinos” receberam destaque na matéria publicada pelo portal gospel Pleno.News, em 15 de setembro passado. O material foi compartilhado centenas de vezes e circulou por diversos grupos de mensagens de igrejas e entre perfis religiosos. 

Imagem: Matéria do Pleno.News checada pelo Bereia

Quem é Javier Milei e por que um site de notícias gospel do Brasil lhe dá destaque

De acordo com o jornal El Observador,  que analisou as dez últimas pesquisas eleitorais, o economista ultraliberal e deputado do parlamento argentino Javier Milei lidera as pesquisas de intenção de voto em todos os cenários para a corrida presidencial no país. 

Segundo os números mais recentes, ele tem entre 36% e 40,4%  dos votos e está à frente do atual ministro da Economia, Sergio Massa, representante do presidente Alberto Fernandez. O candidato do governo tem de 27,4%  a 33%.  Já a  ex-ministra de Segurança Patrícia Bullrich, apoiada pelo ex-presidente Maurício Macri, alcança entre 23,1% a 29,7%. Se os números forem confirmados nas urnas, o candidato da extrema-direita estará no segundo turno.

Milei se autointitula libertário e promete “acabar com a classe política do país”. O livro “La rebeldia se volvió de derecha”, do historiador argentino Pablo Stefanoni,  expõe como a chamada “nova direita” surgiu no cenário político com a apresentação de uma suposta rebeldia contra “o sistema”. O capítulo “o que querem os libertários e por que deram um giro à direita?”  apresenta a trajetória de Milei e mostra como os temas morais que caracterizam a retórica das chamadas “guerras culturais” se conectam e se entrelaçam com o ultraliberalismo econômico. Este mesmo processo ocorreu nos Estados Unidos e no Brasil, com as campanhas vencedoras de Donald Trump (2016) e de Jair Bolsonaro (2018)

O libertarianismo, movimento nascido nos EUA nos anos 1990, estabeleceu pontes entre a direita e à esquerda políticas, pelo viés dos extremos. O Estado é sempre um inimigo que une as correntes libertárias. 

Por isso, o discurso gira em torno do fortalecimento das instituições tradicionais que estimulem a vida pública: a família, a igreja e as empresas, com o descarte do Estado. A autoridade social deve ser representada por essas instituições.

Nessa lógica, explica o livro de Stephanoni, o mercado livre é um imperativo moral e prático. Já o Estado de bem-estar social é um roubo organizado, a ética igualitária é moralmente condenável por ser destrutiva da propriedade e da autoridade social,  qualquer “privilégio” racial e de grupo deve ser os valores judaico-cristãos são essenciais para uma ordem livre e civilizada.

Para chegar ao poder, explica o historiador argentino, estes libertários extremistas abraçaram o populismo de direita com teorias que envolvem satanismo, pedófilos, partidos de esquerda e o Papa, entre outros, todos conspirando, em um “sistema”, contra “o povo”. Nos Estados Unidos, o grupo apresentou um salvador para conter esta trama, Donald Trump, e na Argentina, agora, se apresenta Javier Milei.

No Brasil, Jair Bolsonaro também foi apresentado como um político antissistema que prometia governar sem acordos ou concessões à classe política.  As mídias sociais colaboram para a propagação desse perfil, mesmo tendo o militar ocupado uma cadeira de deputado federal por décadas e passado por diversos partidos políticos.

O professor da Universidade de Buenos Aires, Ariel Goldstein, explica: “enquanto Bolsonaro se apresentava como um representante conservador da família tradicional e tentava o apoio dos mercados com Paulo Guedes, Milei se apresenta, de cara, como um representante dos mercados e que, agora, faz um movimento mais em direção a faixas conservadoras”. 

O portal gospel Pleno News,  alinhado a essas políticas econômicas e pautas conservadoras deu amplo espaço à campanha e às declaração de Jair Bolsonaro e agora dá a mesma visibilidade a Javier Milei.

O que Milei falou em entrevista de campanha contra o Papa

Imagem: Reprodução da entrevista de Carlson com Milei no X

Os temas destacados – ideologia de gênero, aborto, afinidade do Papa com ditadores, entre outros – representam o caminho trilhado por Milei e Tucker Carlson durante a entrevista: pânico moral e teorias da conspiração. 

Estudos mostram que as posturas do Papa Francisco em sua maneira de conduzir a Igreja Católica tem incomodado políticos de direita, em especial extremistas ultraliberais, e personagens da própria igreja. O líder religioso e chefe do Estado do Vaticano  denuncia constantemente as condições precárias dos trabalhadores, o racismo e a liberdade de movimento para os imigrantes. Além disso, “defendendo que a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia’, o bispo de Roma ganhou fama de herege”. Francisco também tem relativizado o direito absoluto à propriedade privada e, por isso, tem sido  chamado de comunista. 

Com estas bases é possível compreender os ataques do candidato argentino ao Papa Francisco, divulgados na matéria do Pleno News. Na entrevista ao jornalista dos Estados Unidos, objeto do texto, ele expôs publicamente que o pontífice é um “representante maligno na terra”, atrelou-o à esquerda e manteve a comum acusação de que o Papa é comunista.

Bereia ouviu o pastor da Igreja Metodista na Argentina, jornalista e presidente da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC) Leonardo Felix sobre o ataque público do candidato ao Papa Francisco. Felix explica que “[Jorge Mario] Bergoglio [o Papa Francisco] sempre representou, quando era cardeal da cidade de Buenos Aires, uma abordagem clara na síntese do peronismo [o ex-presidente Juan Domingo Perón procurou avançar através três pilares: justiça social, independência econômica e soberania política. Para alcançar um consenso mais amplo, elaborou propostas relacionadas ao tema da justiça social, na busca da paz baseada no amor ao próximo], com as diversas tendências do peronismo, mais até à direita. Porém, para a ultradireita na Argentina, isto não é bem visto”.

O diretor da WACC informa que como reação ao discurso de ataque de Milei ao Papa, houve missas em desagravo, em “villas”, espaços equivalentes às favelas no Brasil. De acordo com Felix, “Milei acusa o Papa no campo político, já que o conectou imediatamente com o peronismo e com a esquerda e por fim com o comunismo, coisa que não pode ser assim vista de nenhum ponto de vista. No caso de Francisco, não há nenhuma ideia que permita entender isso além da retórica do Evangelho.”

Quem é o entrevistador de Milei, Tucker Carlson

O jornalista Tucker Carlson comandava um dos programas de maior audiência nos EUA, pela rede de TV Fox News, notoriamente  identificada com a direita política. A rede de TV, inclusive, foi acusada de espalhar informações falsas de que as urnas foram manipuladas para impedir a vitória de Trump nas eleições. Carlson já esteve no Brasil para entrevistar o ex-presidente Jair Bolsonaro em junho de 2022.

Reprodução da matéria de O Globo, de 30 de junho de 2022.

A popularidade de Carlson e sua influência definiam a agenda dos conservadores estadunidenses e consequentemente do Partido Republicano. O programa exibido pela Fox News oferecia abordagens conservadoras populistas em questões como imigração, criminalidade, raça, gênero e sexualidade e a chamada ideologia “woke”. 

O termo woke tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto. São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata do presidente Joe Biden e à ala mais liberal.

O analista político Guga Chacra afirma que Carlson só perde em popularidade para Donald Trump, entre eleitores do Partido Republicano. Chacra acrescenta que o papel fo jornalista foi fundamental para moldar a nova ideologia do partido  e “com um discurso isolacionista e focado na classe trabalhadora branca em temas sociais e econômicos, alterou em parte o discurso conservador americano, antes focado mais em questões fiscais na economia e bélico em questões internacionais”. 

Carlson foi demitido da Fox News e passou a atuar nas mídias sociais digitais. Seu último programa na rede TV estadunidense foi transmitido em 21 de abril deste ano. Atualmente tem um programa de entrevistas  independente na plataforma X (antigo Twitter), no qual conta com dez milhões de seguidores. A entrevista concedida por Milei e destacada pelo portal Pleno.News foi concedida no programa de Carlson no Twitter. 

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Bereia avalia que os ataques de Javier Milei ao Papa Francisco se valem de falsidades, estão no campo da política e funcionam como estratégia eleitoral, na direção do que é praticado comumente por lideranças da extrema-direita. 

Ao se apresentar como candidato antipolítico e relacionar o Papa com o peronismo e o comunismo, atrelando-os à esquerda, que busca confrontar, Milei alcança uma grande parcela da população que nega a política e os políticos.

O Papa Francisco, reconhecido por suas posições progressistas na Igreja Católica, está no espectro político oposto ao de Javier Milei, que busca colocar todos os outros políticos e personagens com atuação política como inimigos, na linha das práticas de extrema-direita.

Como não há registros de declarações do Papa sobre apoiar qualquer ditadura, as acusações de Milei podem ser consideradas mais uma teoria da conspiração, ferramenta tão difundida por políticos de extrema-direita em todo o mundo.

Bereia classifica, portanto,  a matéria do site religioso, Pleno News como desinformativa, pois não oferece apuração do que o candidato argentino pronuncia na entrevista a Tucker Carlson, apenas reproduz. Desta forma,  Pleno News atua como promotor da campanha política de Milei.

Referências de checagem:

El Observador https://www.elobservador.com.uy/nota/elecciones-2023-dos-encuestas-dan-ganador-a-milei-en-primera-vuelta-2023923111922 Acesso em 26 SET 23

Resenha do livro: O que querem os libertários e por que deram um giro à extrema-direita?

https://periodicos.ufba.br/index.php/pculturais/article/view/48454 Acesso em 19 SET 23

El País https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 19 SET 23

BBChttps://www.bbc.com/portuguese/internacional-63547369 Acesso em 19 SET 23

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c512yk8pl8go Acesso em 26 SET 23 

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63547369 Acesso em 19 SET 23

O Globo https://oglobo.globo.com/blogs/guga-chacra/post/2023/04/demitido-da-fox-carlson-moldou-partido-republicano.ghtml Acesso em 19 SET 23

https://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-acervo/noticia/2022/06/thucker-carlson-as-ideias-extremistas-do-jornalista-que-entrevistou-bolsonaro.ghtml Acesso em 26 SET 23 

G1 https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/08/14/quem-e-javier-milei-candidato-presidencia-argentina.ghtml Acesso em 19 SET 23

UOL https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/06/30/quem-e-tucker-carlson-jornalista-conservador-que-entrevistou-bolsonaro.htm Acesso em 19 SET 23

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2023/09/05/buenos-aires-celebra-missa-de-desagravo-ao-papa-francisco.htm Acesso em 25 SET 2023

Folha de São Paulo https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/09/padres-argentinos-defendem-papa-francisco-contra-ataques-de-javier-milei.shtml Acesso em 19 SET 23 

IHU On Line https://www.ihu.unisinos.br/categorias/631605-preocupacao-na-igreja-pela-ascensao-de-javier-milei-e-seus-ataques-ao-papa Acesso em 19 SET 23 

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/592611-francisco-um-papa-que-incomoda-artigo-de-victor-codina Acesso em 26 SET 2023

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/603702-herege-e-comunista-a-direita-excomunga-o-papa Acesso em 20 SET 2023

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/593752-as-raizes-peronistas-do-papa-bergoglio Acesso em 20 SET 2023

El País https://brasil.elpais.com/internacional/2021-01-12/teorias-conspiratorias-do-qanon-varrem-o-mundo-e-sao-mais-perigosa-do-que-parecem.html Acesso em 19 SET 23 

Aci digitalhttps://www.acidigital.com/noticia/29432/a-resposta-de-francisco-aos-que-o-chamam-de-comunista-antipapa-e-questionam-se-e-catolico Acesso em 21 SET 2023

Quando comunicar é servir

* Publicado originalmente no jornal argentino Página 12. Traduzido por Magali Cunha.

Embora pudéssemos dizer que tudo é um ato comunicacional no ser humano – mesmo quando o silêncio de seus ditos e ações é a única coisa que aparentemente se nota – é o fato básico de poder fazer que nos define em toda a nossa própria história.

Isso junto com tudo que deriva do ato de se comunicar e que pode ser rapidamente inferido; perguntas como: quem comunica? Para quem você comunica o quê? Andam de mãos dadas com outras nem sempre tão óbvias: quem pode ou não comunicar? Quando podemos ou não podemos comunicar quais elementos de nossa cultura? E assim… sempre complicando o arco de análise cotidiana das questões, bem como a desconfiança metodológica necessária para poder distinguir que há além da superfície que se torna visível, audível, tangível.

Da WACC na América Latina (Associação Mundial para a Comunicação Cristã, World Association for Christian Communication, na sigla em Inglês), mais uma vez observamos com expectativa e esperança como um plano de governo em nossa região, em face do novo cenário de crise derivado de covid-19, levanta medidas que fazem da comunicação um paradigma de participação, para além das grandes multimídias que nos envolvem todos os dias.

O fato de o governo do atual presidente na Argentina Alberto Fernández, promover a partir de 2 de janeiro de 2021, o chamado Benefício Básico Universal Obrigatório para serviços móveis, fixos, Internet e televisão a cabo, tornando-os mais acessíveis às pessoas mais vulneráveis ​​em sociedade – beneficiárias do Bolsa-Família, Bolsa-Gravidez, bem como das suas filhas e filhos com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos e membros do seu grupo familiar, beneficiários e beneficiários de Pensões Não-Contributivas que recebam rendimentos mensais brutos não superiores a dois salários mínimos vitais e móveis, bem como seus filhos e filhas; clubes de bairros e cidades registrados na lei 27.098, associações de bombeiros voluntários definidas na lei 25.054 entre outras e outras – coincide com uma importante linha de ação e pensamento que a WACC Global (com mais de 50 anos de trajetória pelo mundo), defende e apoia nas diferentes regiões do mundo e em particular a América Latina, um dos continentes mais violentos segundo a ONU em seus estudos de 2018, bem como entre os social e economicamente desiguais.

Continuamos a apoiar a partir da WACC na América Latina, os princípios que movem a comunicação de um espírito cristão, aberto e plural onde entendemos que:

  • A comunicação é um exercício espiritual na medida em que é um exercício transcendente de todo ser humano que cria significados “sagrados” entre os seres humanos em suas múltiplas formas de compreender e viver sua espiritualidade.
  • A comunicação aumenta a participação. O incentivo à comunicação é um ato com vontade política própria. Aqueles de nós que pretendem sociedades participantes e atuantes nas dinâmicas de mudança que têm de viver diariamente, devem possibilitar a comunicação em todos os seus espaços possíveis.
  • A comunicação promove liberdade e exige responsabilidade. Em tempos de tecnologia digital onde o “Cancelamento” de outras pessoas é utilizado como meio de controle e também de censura, é fundamental promover a liberdade de nos comunicarmos com base na premissa de não explorar essa liberdade para coibir a extensão de direitos aos setores mais vulneráveis.
  • A comunicação afirma a justiça e desafia a injustiça. Por fim, comunicar é deixar claro que para ser eficaz, deve-se considerar chegar onde a grande multimídia não chega (por opção política, por interesses próprios ou apenas por preguiça) e ser uma voz audível que gera incidência e define uma agenda comprometida com a vida dos outros.

Por tudo o que foi dito, afirmamos no início deste texto que comunicar é servir. Apesar do atípico 2021 que temos que atravessar, temos expectativas e esperanças de que este gesto feito lei aproxime a comunicação (em todo o seu sentido amplo) dos nossos povos latino-americanos.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução