Religião e Bets – Parte 2: O vício entre fiéis e as propostas de enfrentamento

Na parte 1 desta reportagem, Bereia tratou do registro do recurso a discursos religiosos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, realizada no Senado Federal, de novembro de 2024 a junho de 2025. O trabalho da comissão chegou ao fim em 14 de junho passado, como uma iniciativa fracassada, mesmo após a visibilidade recebida pela imprensa e nas mídias sociais. Depois de seis meses de investigações, com o levantamento de documentos e coleta de depoimentos, o relatório apresentado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) foi rejeitado, em sessão esvaziada, por quatro votos a três.

Além de expor o objetivo da CPI e os principais pontos do relatório final, Bereia destacou o recurso a discursos religiosos cristãos nas audiências que chamaram a atenção do público. Foram ressaltados os depoimentos de uma suspeita de atividade ilegal, a influenciadora digital autodeclarada católica Virgínia Fonseca, e do padre católico do Pará — com o mesmo perfil de celebridade digital — Patrick Fernandes, que pediu para participar. Foi enfatizada ainda a abordagem do senador evangélico Cleitinho (Republicanos-MG) com apelo à moral individual cristã enquanto se dirigia a Fonseca.

Bereia verificou, para além da retórica desenvolvida no palco midiático da CPI das Bets, que outras conexões podem ser identificadas na relação religião-jogos de apostas on-line, objeto desta Parte 2 da reportagem.

O que os dados mostram

Pesquisas encomendadas pelo setor varejista somadas a outras realizadas pelo Banco Central do Brasil e pelo PoderData, em 2024, apontam que cerca de 1,8 milhão de pessoas ficaram inadimplentes por comprometer a renda com apostas on-line e que cerca de 5 milhões de pessoas pertencentes a famílias beneficiárias do programa Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões às empresas de aposta. 

O estudo do PoderData, de outubro de 2024, apontou ainda que entre as 24% pessoas no Brasil que já se endividaram por conta de apostas em bets, 21% se identificam como evangélicos, frente a 12% que se declaram católicos.

Reprodução: PoderData

Embora a prática de jogos de azar seja condenada por grande parte das igrejas cristãs, em especial evangélicas, uma reportagem publicada na Folha de S. Paulo, em novembro de 2024, aponta que “o mote ‘profetizou, jogou, sacou’”, popular em empresas de apostas, tem um apelo especial ao evangélico”. No texto, a  autora de “Feridos em Nome de Deus”, a jornalista Marília de Camargo Cesar, explica que o público evangélico é o principal alvo da mensagem de marketing que usa o termo “profetizar” na divulgação dos jogos e, por isso, torna-se mais vulnerável às campanhas. 

A jornalista e escritora avalia que tal situação tem relação com o crescimento de igrejas que pregam a teologia da prosperidade – doutrina que considera realizações materiais como sinônimo de bênçãos e prosperidade cedidas por Deus aos fiéis. Para ela, tal apelo coopta o público religioso, já cativado pelo discurso das conquistas de bens, para entrarem nas plataformas, jogarem e alcançarem resultados como algo concedido por Deus.

Uma doença a ser tratada

Desde 1980, a ludopatia. que é o vício em jogos de azar, é considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e afeta entre 1 e 2% de toda a população mundial. A avaliação é que é necessário que a pessoa afetada busque tratamento e acompanhamento terapêutico adequados para lidar com os efeitos do vício. 

Bereia entrevistou líderes religiosos e pesquisadores sobre comunidades terapêuticas direcionadas a pessoas com uso problemático de substâncias. Para a professora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, da Universidade Candido Mendes (IUPERJ-UCAM), e pesquisadora em antropologia da religião e antropologia das drogas Janine Targino, no Brasil, a maioria desses centros são dirigidos por instituições cristãs, especialmente evangélicas. A pesquisadora aponta que nos últimos anos, lugares que recebiam exclusivamente indivíduos com uso problemático de substâncias químicas têm se voltado também àqueles “viciados” em jogos online, inclusive bets e similares, como o “jogo do Tigrinho”.

Targino ressalta que a procura pelos centros terapêuticos geralmente acontece devido às consequências sociais do vício, como é o caso de usuários de psicotrópicos que contraem dívidas com traficantes. “Muitas vezes, essas pessoas que procuram atendimento nessas instituições também trazem questões paralelas, como dívidas causadas pelo consumo de substâncias, porque pegaram dinheiro emprestado, estão devendo ao tráfico, a um agiota (…) [essas instituições] são lugares de muita segurança, que oferecem isolamento”. Ao tratar de indivíduos que jogam excessivamente, ela aponta que os mesmos efeitos podem ser observados. 

O pastor e psicólogo da Igreja Presbiteriana do Brasil no Cruzeiro (DF) João Geraldo de Mattos relatou sua vivência pastoral ao lidar com fiéis com vício em jogos de azar. Ele explicou que é necessário acompanhar cada caso individualmente, a fim de oferecer o auxílio adequado a cada indivíduo. “Já orientei várias vezes em relação a jogos de azar a dinheiro. Os comprometimentos são variados e as intervenções (terapêuticas e espirituais) devem respeitar essa gradação diferente de envolvimento. O acompanhamento pode ser semanal ou não, pode ser mais diretivo ou não. Em alguns casos, os atendimentos podem ser feitos em grupo, e assim por diante”.

Do ponto de vista psicológico, o pastor Mattos explica que há diferenças e semelhanças entre os abusos de plataformas de apostas e os de substâncias químicas. Do ponto de vista da psicologia, ele explica, existem algumas semelhanças entre o vício em jogos de aposta e o vício em drogas. Uma delas é que, segundo estudos, falar sobre certos assuntos durante a terapia pode ativar áreas do cérebro parecidas com as que são ativadas por drogas que afetam o sistema nervoso (como álcool e cocaína).

Para o pastor e psicólogo, esta comparação mostra como o cérebro reage de forma intensa quando a pessoa fala sobre temas importantes para ela (como vícios, traumas ou desejos) no ambiente seguro da terapia. Quando alguém que é viciado em apostas, por exemplo, relembra experiências relacionadas ao jogo, o cérebro pode reagir de forma parecida como se estivesse usando uma substância viciante — ativando circuitos ligados à recompensa, prazer ou desejo. Isso ajuda os terapeutas a entenderem por que é tão difícil para essas pessoas se desligarem do vício e mostra a importância de tratar o problema também pelo lado emocional e neurológico, e não apenas com regras ou proibições, explica.

Propostas para o enfrentamento das consequências negativas 

A CPI da Bets resultou em um relatório que propõe “a exigência de licitação para empresas explorarem jogos de azar virtuais, a vedação de propaganda entre 6h e 22h em rádio e televisão e o indiciamento de influenciadores digitais por estimular apostas em jogos de azar online”. 

O relatório – que foi rejeitado pela maioria dos integrantes que compuseram a CPI – apresenta 20 Projetos de Lei visando conter os malefícios causados pelas apostas no ambiente virtual. Os projetos tratam da proibição de jogos semelhantes a caça-níqueis (como o chamado “Jogo do Tigrinho”), e a proibição de pessoas inscritas no CadÚnico (dispositivo que identifica famílias de baixa renda) de apostar na internet.

Bereia levantou que existe um grupo de projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados em torno do tema das bets, nesta legislatura de 2023-2026. A pesquisa foi feita nos boletins do Monitoramento de Projetos de Lei na Câmara dos Deputados, com temas relacionados a religião e política, realizado pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER). Estes PLs são propostos por deputados com identidade religiosa, o que é objeto de análise.

Segundo a pesquisadora do ISER Carolina Rocha, “encontramos projetos de lei, em diferentes categorias, que se dedicaram a propor intervenções públicas para apostas e jogos online no Brasil, com aplicações de medidas que concentram-se em temas relacionados a crimes e a segurança pública, passando pelos direitos das crianças e dos adolescentes e pela proteção da família, até alcançar à segurança e à regulação de mídias digitais”

A pesquisadora explica que “nos textos apresentados, comumente, a preocupação com os efeitos nocivos causados pelo vício nos jogos eletrônicos se soma a bandeiras como a defesa da família, dos bons costumes e da vida, contra a excessiva liberdade dos jovens e os vícios gerados pelo ‘descontrole’ de suas ações, em uma sociedade que vive uma crise de seus ‘valores tradicionais’. Desta forma, chama-se a atenção para a necessidade de mais controle e cuidado por parte do Estado, das políticas públicas e das leis na contenção de inúmeros malefícios que afetam a população brasileira”. 

Carolina Rocha ainda destaca que “dentro das propostas que envolvem crimes e segurança pública, destaca-se uma preocupação dos(as) deputados(as) com a ludopatia e também com uma intervenção mais rigorosa do governo federal para atenuar o endividamento dos(as) brasileiros(as)”. 

De acordo com a pesquisa desenvolvida pelo ISER, Rocha indica que “uma das principais demandas tem sido a defesa, por parte de alguns parlamentares, da proibição do uso do cartão do Bolsa Família em jogos de apostas, como as plataformas de bets. Visando, assim, garantir, segundo eles, que o benefício seja utilizado para atender somente às necessidades básicas das famílias”. 

Carolina Rocha recorda que vários(as) pesquisadores(as) no âmbito de políticas públicas têm discutido as implicações dessa medida e o impacto na fiscalização do uso dos recursos públicos, como Rômulo Paes de Sousa e Wanessa Debôrtoli de Miranda, da Fiocruz, no artigo “Bets e Bolsa Família: sem pânico, por favor!” 

PLs referentes a exploração de apostas e “bets” levantados pelo ISER:

Finalidade: estabelecer e tipificar o crime de exploração ilegal de apostas
PL 3771/2024 Altera a Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, para instituir o crime de exploração ilegal de apostas.Autoria: deputado evangélico Aureo Ribeiro (Solidariedade/RJ). 
PL 3722/2024 Criminaliza condutas relacionadas à exploração e divulgação de atividade de apostas de quota-fixa não autorizada. Autoria: deputado cristão não determinado Fred Linhares (Republicanos/DF).
PL 3754/2024 Altera o Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), para tipificar o crime de permissão ou facilitação do acesso de menores de 18 anos a jogos de azar, sejam físicos ou digitais. Autoria: do deputado evangélico Helio Lopes (PL/RJ).
PL 3670/2024 Proíbe a utilização de cartões de crédito e contas bancárias do Bolsa Família em apostas online ou não, inclusive as apostas permitidas na Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Autoria: deputado católico Reginaldo Lopes (PT/MG).
Finalidade: Defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes contra os “jogos de azar”.
PL 3752/2024 Altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) para incluir a proibição de publicidade de apostas e jogos de azar voltada para menores de 18 anos, prevenir e combater a participação de crianças e adolescentes nessas atividades, regulamentar o acesso de menores a plataformas de apostas e estabelecer medidas de conscientização.PL 3748/2024, institui a “Semana Nacional de Combate à Ludopatia e Proteção de Crianças e Adolescentes contra os Perigos dos Jogos de Azar”. Essa política pública seria acionada anualmente, na semana anterior ao Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo. Juntas, serviriam para conscientizar a sociedade; promover ações educativas para os pais ou responsáveis, e o público infanto juvenil acerca dos riscos relacionados aos jogos de azar no ambiente digital. Autoria: deputado evangélico Helio Lopes (PL/RJ).
PL 3751/2024 institui a Política Nacional de Proteção e Educação de Crianças e Jovens Expostos a Jogos de Azar e estabelece o serviço “Disque 100 Ludopatia” para denúncias e apoio aos afetados pelo vício em jogos de azar. Autoria: deputado evangélico Helio Lopes (PL/RJ).
PL 3749/2024 propõe a alteração do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) para dispor sobre a nulidade de contratos de apostas e jogos de azar firmados por menores de 18 anos, estabelecendo a responsabilidade civil das empresas operadoras de jogos de azar, e tornando ilícita a promoção de publicidade de apostas e jogos de azar destinada a menores de 18 anos.Autoria: deputado evangélico Hélio Lopes (PL/RJ).
PL 3724/2024 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) de forma a impossibilitar que crianças e adolescentes divulguem em plataforma online de compartilhamento de vídeos, ou outro meio audiovisual, produtos que lhe sejam proibidos o consumo, sob pena de multa.Autoria: deputado cristão Túlio Gadêlha (REDE/PE).
PL 3428/2024 altera a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018), estabelecendo limites ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes.Autoria: deputado cristão Fabio Costa (PP/AL).
Finalidade: Dispor sobre definições para o uso dos recursos do Programa Bolsa Família (PBF) por parte dos beneficiários. 
PL 3765/2024, altera a Lei que cria o Programa Bolsa Família (Lei nº 14.601, de 19 de junho de 2023), visando definir despesas autorizadas com os recursos transferidos pelo Programa e vedar a utilização dos recursos para a compra de itens não essenciais e prejudiciais à saúde e ao bem-estar, tais como bebidas alcoólicas e jogos de azar.Autoria: deputado evangélico Messias Donato (Republicanos/ES).
PL 3711/2024, altera a Lei nº 14.601/23 que determina a exclusão do Programa Bolsa Família e o cancelamento do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) dos beneficiários identificados como participantes de jogos de apostas.Autoria: do deputado católico Capitão Augusto (PL/SP).
PL 3669/2024, parte da Lei nº 14.790/2023 para dispor sobre a prevenção e o tratamento de transtornos patológicos relacionados à ludopatia, relacionados às apostas de quota fixa, e estabelece a responsabilidade solidária das operadoras de apostas no financiamento de programas de tratamento e suporte às famílias afetadas.Autoria: deputado católico Dr. Zacharias Calil (UNIÃO/GO).
Finalidade: Regulação das mídias para jogos de apostas.
PL 3685/2024, acresce dispositivo à Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, dispondo sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa, para restringir a pré-instalação de aplicativos de apostas em aparelhos novos, e dá outras providências.Autoria: deputado cristão Fred Linhares (Republicanos/DF).
PL 3511/2024, visa proibir a publicidade, a divulgação e a propaganda de empresas e casas de apostas online ou não, e de produtos ligados a jogos de azar, inclusive os previstos na Lei nº 14.790/2023. Autoria: deputado Reginaldo Lopes (PT/MG).
PL 3924/2024, propõe vedar subvenções, benefícios ou incentivos de entes públicos ou governamentais a agentes operadores de apostas; além de impedir novas apostas em caso de indícios de manipulação de eventos ou resultados por parte de apostador, limitar as formas de aporte e retirada de recursos financeiros pelos apostadores, bem como de pagamento de prêmios pelos agentes operadores. Também busca vedar que pessoas em situação de atestado comprometimento da capacidade financeira e de pagamento participe na condição de apostador.Autoria: deputados evangélicos David Soares e Marcos Soares (UNIÃO/SP).
PL 4163/2024, estabelece, no contexto das apostas de quota fixa, medidas adicionais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa. Autoria: deputado católico Otto Alencar Filho (PSD/BA).
Finalidade: Alterações na Lei sobre Apostas de Quota Fixa (2023).
PL 4130/2024, propõe uma alteração a fim de estabelecer medidas adicionais de combate ao endividamento por apostas. A proposta é impor medidas de conscientização e impedir superendividados de apostar, resguardando os consumidores de práticas abusivas e garantindo que suas decisões financeiras sejam tomadas de forma mais consciente e responsável.Autoria: deputado de identidade religiosa não identificada Daniel Almeida (PCdoB/BA).
PL 3924/2024, busca vedar subvenção, benefício ou incentivo de entes públicos ou governamentais a agentes operadores de apostas; impedir novas apostas em caso de indícios de manipulação de eventos ou resultados por parte de apostador; limitar as formas de aporte e retirada de recursos financeiros pelos apostadores, bem como de pagamento de prêmios pelos agentes operadores; e vedar que pessoas em situação de atestado comprometimento da capacidade financeira e de pagamento participe na condição de apostador.Autoria: deputados evangélicos David Soares e Marcos Soares (UNIÃO/SP).
PL 3814/2024, propõe novas penas a infratores.Autoria:  deputado católico Delegado Caveira (PL/PA).
PL 4163/2024, estabelece, no contexto das apostas de quota fixa, medidas adicionais de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa. Autoria: deputado católico Otto Alencar Filho (PSD/BA).
PL 3877/2024, altera a Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, para restringir a propaganda de jogos de azar, apostas de quota fixa e de atividades de natureza sexual, e a Lei sobre Apostas de Quota Fixa, para restringir a propaganda de apostas de quota fixa. Autoria: deputada evangélica Daniela do Waguinho (UNIÃO/RJ).
PL 3810/2024, dispõe sobre a realização de campanhas de conscientização sobre apostas esportivas; institui o Fundo Nacional de Prevenção ao Vício em Apostas; altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para incluir educação financeira e conteúdos relacionados a apostas esportivas no currículo escolar; modifica as regras de publicidade e propaganda na Lei de Apostas de Quota Fixa.Autoria: deputado católico Pedro Aihara (PRD/MG).
PL 3790/2024, é instituída a Lei de Responsabilidade dos Jogos.Autoria: deputado católico Pedro Paulo (PSD/RJ).
PL 3932/2024, institui a Política Nacional de Conscientização e Combate ao Vício Tecnológico em crianças e adolescentes e altera a Lei de Apostas de Quota Fixa, a fim de prever medidas adicionais de combate à participação de menores de 18 (dezoito) anos na condição de apostador em apostas de quota fixa. Autoria: deputado católico Romero Rodrigues (PODE/PB).
PL 4466/2024, estabelece regras de proteção e defesa das pessoas idosas contra jogos de azar.Autoria: deputados católicos Luiz Couto, Reimont e Alexandre Lindenmeyer (PT/PB).
Fonte: Bereia, com base no Monitoramento de PLs do ISER

Referências

Instituto de Estudos da Religião (ISER) https://religiaoepoder.org.br/artigo/jogos-de-apostas-protecao-ambiental-e-calendario-oficial-sao-destaques-dos-pls-apresentados-em-setembro Acesso em 25 JUN 25

https://religiaoepoder.org.br/artigo/monitoramento-de-outubro-e-novembro-levanta-novos-enfoques-para-os-temas-priorizados-pelo-iser Acesso em 25 JUN 25

Outras Palavras

https://outraspalavras.net/outrasaude/bets-e-bolsa-familia-sem-panico-por-favor/

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final

Folha Uol

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/11/evangelicos-jogam-menos-na-mega-sena-e-adesao-a-bets-e-igual-mostra-datafolha.shtml#:~:text=Reportagem%20da%20Folha%20revelou%20que,como%20particularmente%20cativante%20nas%20igrejas. Acesso em 25 JUN 25

Banco Central

https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE119_Analise_tecnica_sobre_o_mercado_de_apostas_online_no_Brasil_e_o_perfil_dos_apostadores.pdf Acesso em 25 JUN 25

Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FECOMERCIO)

https://www.fecomercio.com.br/noticia/pesquisa-da-fecomerciosp-para-9-dos-apostadores-bet-e-investimento Acesso em 25 JUN 25

Imagem de capa: Joédson Alves / Agência Brasil

Religião e Bets – Parte 1: Discursos cristãos no palco da CPI fracassada no Senado 

Depois de sete meses, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets do Senado Federal foi encerrada, no último 12 de junho, com a rejeição do relatório final elaborado pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS). A CPI foi palco de debates calorosos e dividiu opiniões em relação às intenções que motivaram as discussões e à forma em que as sessões foram conduzidas. A comissão pode ser considerada histórica, pois foi a primeira vez, em dez anos, que o documento final de uma Comissão de Inquérito no Congresso Nacional não foi aprovado. 

As audiências da CPI das Bets tiveram ampla repercussão midiática: menos pela relevância da investigação e mais por conta da convocação de testemunhas e da presença de convidados que são celebridades do universo digital. Bereia verificou que depoentes e outros atores lançaram mão do discurso religioso cristão para chamar a atenção para si ou para o tema.

O parecer do relatório final

A CPI das Bets foi instalada no Senado Federal em 12 de novembro de 2024, sob a presidência do Dr. Hiran (PP-RR) e relatoria de Soraya Thronicke. A comissão tinha o objetivo de investigar a influência dos jogos virtuais de apostas online no orçamento das famílias brasileiras e apurar a possível associação dessas plataformas com organizações criminosas envolvidas em lavagem de dinheiro. Havia expectativa de que os resultados contribuíssem para o estabelecimento de regras para o funcionamento das casas de apostas digitais e de assegurar a proteção dos consumidores-jogadores diante delas. 

A CPI foi criada com um prazo inicial de 130 dias, com término previsto para 30 de abril de 2025, e um orçamento de R$ 110 mil. Em abril de 2025, foi prorrogada por 45 dias, até 14 de junho de 2025. Além do processo de levantamento de documentos, a CPI colheu o depoimento de testemunhas e convidados, em um total de 19 pessoas, entre elas influenciadores digitais como Virgínia Fonseca, Rico Melquíades, Deolane Bezerra e o padre Patrick Fernandes. A presença destas celebridades colocou foco na comissão e acendeu o interesse público nas discussões acerca das plataformas de jogos de azar. 

O relatório final, da senadora Thronicke, afirma que a CPI constatou “a existência de um crescimento descontrolado e desregulado das bets”, com a identificação de “abusos claros, com influenciadores simulando apostas falsas, propagandas apresentando as apostas como meio de investimento ou de ficar rico facilmente”. Segundo as provas levantadas, as plataformas de apostas digitais teriam movimentado até R$ 129 bilhões em 2024, tendo como alvo os recursos da população das classes mais baixas. O parecer pedia o indiciamento de 16 pessoas, pela contravenção penal de jogos de azar e pelos crimes de lavagem de dinheiro, propaganda enganosa, entre outros. 

Na lista de pessoas a serem indiciadas estavam empresários e influenciadores digitais, como Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra. Fonseca foi acusada de ter induzido seguidores a realizar apostas com simulações irreais de ganhos. Bezerra, que é advogada, foi apontada como sócia oculta de uma bet e também como autora de propagandas irregulares. 

O relatório final, rejeitado em sessão esvaziada, por quatro votos a três, também propôs 20 Projetos de Lei, dentre os quais estão propostas de proibição de jogos como o Tigrinho e a restrição de apostas online por pessoas inscritas no CadÚnico.

Religião no palco da CPI

A convocação de celebridades digitais, como Virgínia Fonseca, para deporem na CPI foi bastante explorada pelo jornalismo e em diferentes perfis de mídias sociais. A chegada da empresária, que acumula cerca de 53 milhões de seguidores no Instagram, ao plenário da comissão, causou tumulto nos corredores por conta do assédio de fãs. Fonseca, que se declara católica, começou suas declarações, na condição de testemunha, fazendo uso da expressão “que Deus abençoe nossa audiência”. 

Na inquirição da influenciadora digital, o senador evangélico Cleitinho (Assembleia de Deus, Republicanos-MG) fez um apelo à moral cristã. “Eu queria falar para você, se tocar seu coração, como cristão: você não precisa mais disso. Acaba com isso, não faz mais esse tipo de propaganda”, disse Cleitinho à Virgínia Fonseca, com quem posou para uma selfie. O número de visualizações desse depoimento ultrapassava 1,2 milhão no canal da TV Senado no YouTube, no fechamento desta matéria.

Virgínia foi tietada pelo senador Cleitinho (Republicanos). — Foto: Reprodução/TV Senado

Um dos depoimentos que chamou a atenção pelo destaque à religião foi o do padre Patrick Fernandes, que também é influenciador digital e pediu para depor na CPI. O pároco na cidade de Parauapebas (PA), 37 anos, tem mais de 6,5 milhões de seguidores e é sucesso entre os jovens por uma presença “descolada” nas mídias sociais. 

Fernandes acabou convidado depois de publicar um vídeo, no período da realização das audiências, afirmando que gostaria de contribuir com o processo, porque conhecia muitas famílias endividadas por conta das apostas. “Eu sei o estrago que isso está fazendo na vida de tantas pessoas e famílias. Esse negócio de jogar com responsabilidade, pelo amor de Deus, não existe isso não”, Fernandes comentou no vídeo. Ele ainda relatou na publicação que já havia recusado pedidos de divulgação de sites de apostas em seus espaços digitais.

No depoimento, que se deu em 21 de maio passado, ele tratou abertamente dos problemas familiares e financeiros de fiéis que chegam até ele como líder eclesiástico. Patrick Fernandes fez referência a uma frase célebre de Santo Agostinho para afirmar que as bets tentam “saciar uma sede que não é saciada nunca”, e que, para ele, essa incompletude revela uma falta no ser humano da compreensão de Deus. 

No último 20 de maio, antes do comparecimento à comissão, o padre havia afirmado que poderia “ser uma voz profética” no Senado Federal ao alertar acerca dos perigos provocados pelas plataformas de apostas online. O depoimento dele à CPI foi mais um momento com ênfase religiosa que teve forte repercussão midiática.

Reprodução: X

Reprodução: X

Bets: uma lacuna conveniente de direitos e obrigações

Nome popularizado em inglês, bets é um termo em português que quer dizer jogos de apostas ou de azar on line (digitais). Estas atividades têm um histórico de proibição no Brasil que remonta a 1946, quando o Decreto-Lei nº 9.215, assinado pelo presidente da República Eurico Gaspar Dutra, baniu cassinos e outros jogos de azar no país. 

No entanto, as apostas e jogos online começaram a ganhar espaço no Brasil em um contexto de vácuo regulatório, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). Isso quer dizer que o sistema começou a funcionar em um período em que não existia uma legislação ou norma clara e específica para regular a atividade. Nesse caso, havia uma lacuna nas regras jurídicas sobre apostas online.

Em 2018, a Lei nº 13.756 foi sancionada, legalizando as apostas esportivas de cota fixa (onde o apostador sabe previamente o retorno potencial). Essa legislação surgiu como resposta ao crescimento exponencial dessas plataformas, muitas vezes sediadas no exterior. A lei determinou que o Ministério da Fazenda deveria regulamentar o setor em até dois anos, prazo que poderia ser prorrogado por mais dois.

Durante esse período, a ausência de regras claras possibilitou a proliferação de plataformas que atraíram milhões de brasileiros às casas de apostas virtuais. Porém não assegurou a proteção ao consumidor nem viabilizou a fiscalização contra práticas abusivas. Embora a lei também previsse a tributação das operadoras, a falta de regulamentação detalhada impediu que questões como publicidade, proteção de crianças e adolescentes, e a prevenção ao vício fossem incluídas inicialmente. 

O atual Ministério da Fazenda publicou a Portaria nº 1.207/2024, que estabelece os requisitos técnicos dos jogos online, com as regras para apostas. Segundo a normativa, a partir de 2025, foi liberada a atuação de plataformas de apostas online sediadas no Brasil, que deverão ser certificadas para oferecer os jogos no mercado, como o Tigrinho e o Aviãozinho. Os jogos por meio de equipamentos em estabelecimentos físicos seguem continuam proibidos.

O relatório da CPI das Bets estima que a atividade movimentou, no Brasil, entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões só no ano passado. Como comparação, o orçamento do Ministério da Educação (MEC) previsto para 2025 é de R$ 187,2 bilhões. “Com crescimento de 1.300% desde 2018, parece-nos que é o melhor negócio que existe nesse momento no nosso país. O consumo das famílias brasileiras diminuiu e empregos da economia real foram destruídos em benefício do lucro astronômico de poucos”, disse a relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke.

****

Bereia avalia que, embora o relatório final tenha sido rejeitado pela maioria dos membros da CPI, os debates promovidos na comissão trouxeram à tona questões fundamentais sobre os impactos sociais, econômicos, emocionais e espirituais das plataformas virtuais de jogos de azar. A coleta de material da CPI revelou que o vício em jogos online não é apenas uma questão individual, mas um fenômeno que afeta famílias, comunidades e valores coletivos, exigindo respostas que articulem diferentes esferas da sociedade.

Bereia alerta que com o encerramento o trabalho da Comissão do Senado, existe o risco de que a desinformação ganhe espaço, seja em relação às figuras públicas envolvidas nas discussões, seja com a distorção do papel desempenhado pela religião no acolhimento e na prevenção dos malefícios causados pelo uso dessas plataformas de jogos. 

A relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), afirmou que continuará o trabalho de investigação e encaminhará o conteúdo do parecer a autoridades como o procurador-geral da República Paulo Gonet e o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski. “Saio feliz, com a missão cumprida, e todos os brasileiros saberão que não terminou e não terminará em pizza. Eu não sou a pizzaiola”, declarou à TV Senado após o encerramento da CPI. Ela também prometeu apresentar projetos de lei com base nas descobertas da comissão.

Bereia chama a atenção de leitores e leitoras para o fato de a religião cristã ter estado no palco da CPI por meio de discurso defensivo de personagem acusada de exploração ilegal da atividade, apelativo de político a uma moral individual e de articulador de religoso em busca de propagação de suas ações. Descartada a efemeridade e a fragilidade desta presença da religião nas discussões das CPI, ela tem outras dimensões na relação com o tema que são tratadas na parte 2 desta reportagem. 

Referências:

Agência Brasil 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/economia/audio/2025-01/varejo-brasileiro-perdeu-r-103-bilhoes-por-causa-das-bets-em-2024. Acesso em 21 MAI 25.

Agência Senado de Notícias

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final. Acesso em 13 JUN 25.

Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo

Artigo sobre a ludopatia. https://cdn.afpesp.org.br/images/arquivos/Noticias/2023/0314_Arquivo-interno_Estacao-Psi.pdf  Acesso em 21 MAI 25

Banco Central do Brasil

https://www.bcb.gov.br/conteudo/relatorioinflacao/EstudosEspeciais/EE119_Analise_tecnica_sobre_o_mercado_de_apostas_online_no_Brasil_e_o_perfil_dos_apostadores.pdf. Acesso em 21 MAI 25.

Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP)

https://www.fecomercio.com.br/noticia/pesquisa-da-fecomerciosp-para-9-dos-apostadores-bet-e-investimento . Acesso em 21 MAI 25.

Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/11/bets-chegam-as-igrejas-evangelicas-e-preocupam-pastores.shtml Acesso em 31 MAI 25.

Poder 360

https://www.poder360.com.br/poderdata/29-dos-evangelicos-apostam-nas-bets-catolicos-22/. Acesso em 15 JUN 25.

Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final Acesso em 15 JUN 25

Instituto de Estudos da Religião

https://religiaoepoder.org.br/artigo/jogos-de-apostas-protecao-ambiental-e-calendario-oficial-sao-destaques-dos-pls-apresentados-em-setembro 15 JUN 25

Apoie o Bereia!

Faça parte da comunidade que apoia o jornalismo independente