Bereia apresenta seu projeto a alunos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

A editora-geral Magali Cunha apresentou o trabalho do Coletivo Bereia na Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 21 de março. A aula fez parte da disciplina Seminários Especiais e contou com a participação de alunos de Jornalismo e Relações Públicas.

Para falar sobre o surgimento do Coletivo, ela trouxe dados do relatório “Caminhos da Desinformação”, do Instituto Nutes, ligado à UFRJ, que indicou uma alta disseminação de desinformação em grupos de WhatsApp ligados a igrejas evangélicas.

A pesquisa que resultou no relatório consistiu na aplicação de 1.650 questionários em congregações das igrejas Batista e Assembleia de Deus no Rio de Janeiro (RJ) e em Recife (PE), as duas maiores igrejas evangélicas e as duas cidades de maior concentração desses fiéis no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O estudo concluiu que 49% dos evangélicos receberam conteúdo falso, e, destes, 77,6% disseram ter recebido desinformação em grupos de WhatsApp ligados à sua comunidade de fé. Bereia foi resultado dessas constatações, que impediriam um grupo de pesquisadores e pesquisadoras de concretizar ações de enfrentamento.

Para a editora-geral do Bereia, esse é um cenário preocupante: “A desinformação exerce um apelo sobre grupos religiosos, e isso tem a ver mais com crenças e valores e menos com fatos propriamente ditos”, destaca a pesquisadora. Ela também salientou que aspectos associados à prática da religião entre evangélicos interferem de modo significativo na difusão de desinformação. Magali Cunha comenta que o sentimento de pertencimento à comunidade gera uma imagem das lideranças e de outros membros como fontes confiáveis de notícias.

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Foto de capa: Luis Henrique Vieira

Fake news nas igrejas: uma epidemia a ser curada

Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil

Romi Bencke é pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana (IECLB) há vinte anos. Em 2012, tornou-se secretária-geral da relevante organização ecumênica que associa igrejas do Brasil em torno de causas comuns, em especial as dos direitos humanos, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic). Ela foi vítima de ataques caluniosos em mídias sociais, várias vezes, por conta das ações do Conic na esfera pública. Essa violência verbal parte de pessoas que discordam da forma como os temas são considerados pelas igrejas da organização, da qual a pastora Romi é porta-voz, e são incapazes de tratar sua crítica de forma digna e civilizada.

A situação se agravou, em 2021, com a realização da Campanha da Fraternidade Ecumênica, promovida a cada cinco anos pelo Conic – uma extensão da histórica campanha da Igreja Católica, membro do organismo, a outras igrejas. O tema da campanha foi “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e, apesar dele, muitas pessoas não desejaram dialogar sobre elementos desafiadores para as igrejas como a superação do racismo, a destruição do meio ambiente e o negacionismo em torno da pandemia de Covid-19, em meio à qual ocorreu a campanha.

Nesse novo contexto, além do conteúdo falso sobre a pastora Romi Bencke, disseminado principalmente por grupos católicos extremistas, liderados por integrantes da associação Centro Dom Bosco, que a acusavam de trabalhar para destruir a “verdadeira Igreja Católica Romana”, ela carregou o peso de ter que provar que o que circulava nas mídias sociais era falso. Além disso, mesmo vítima de calúnias, a secretária-geral do Conic ainda foi criticada como causadora das reações extremistas. Ocorreram consequências como o desconvite para palestras em eventos e a tentativa de manchar a sua imagem como pastora.

“Eu fui vítima várias vezes na história – quando espalharam as mentiras, quando as desmenti. Porque a imagem que fica é a de que você é a pessoa causadora do problema. Também me responsabilizaram. ‘Ah, mas você toca em assuntos que geram esse tipo de movimento’. Pessoas que você imaginava serem suas companheiras compram a narrativa, começam a te julgar. Também houve quem se afastasse até do Conic”, relata a pastora Romi Bencke com tristeza.

A secretária-geral do Conic conta ainda que tentou iniciar um processo judicial contra os promotores do ódio e das mentiras, porém não conseguiu seguir em frente por se tratar de algo profundamente desgastante e nocivo para ela. “O custo acaba sendo nosso. No meu caso, eu tive que fazer a transcrição das falas. Eu me senti violentada novamente e acabei desistindo. É difícil ter que ouvir tudo de novo. É preciso ter uma capacidade de resiliência muito forte”, desabafa.

O caso da pastora Romi Bencke, abordado no primeiro episódio da série especial “Não bote fé nas fake news” do podcast Guilhotina,  se une a outros tantos de pessoas que têm sido submetidas, sistematicamente, aos efeitos da circulação das chamadas fake news no ambiente das igrejas cristãs, evangélicas e católicas. O termo popularizado em inglês, que significa “notícias falsas”, não diz respeito apenas a notícias propriamente ditas, mas a todo e qualquer conteúdo que transmita informação sobre uma situação ou uma pessoa. Fake news são caracterizadas pela informação deliberadamente criada, com base em mentira e engano (manipulação de conteúdo), para atingir pessoas e grupos de quem se discorda e para se obter vantagem econômica ou política, com a interferência em temas de interesse público.

As fake news e as comunidades de fé

Pesquisas em diversas áreas da sociedade, dentro e fora da academia, têm mostrado que as fake news – que não são novidade, mas práticas antigas incorporadas à arte de convencer e de fazer política – ganharam muita força na era digital, em especial, com a popularização das plataformas de mídias sociais.

Nas mais populares, WhatsApp, Facebook, Instagram, Youtube, Twitter, o processo é simples: uma pessoa ou um grupo organizado produz e publica, intencionalmente, uma mentira, geralmente no formato de notícia para criar mais veracidade, valendo-se até mesmo de dados científicos e/ou jurídicos adaptados. O conteúdo é debatido nos espaços das mídias sociais, torna-se algo reconhecido, com caráter de sabedoria e verdade e é disseminado, voluntariamente, por quem acredita ou se identifica com ele e viraliza alcançando um sem-número de pessoas.

A psicologia social explica o fenômeno desta viralização, orienta o cientista social ligado ao Centro para o Cérebro, Biologia e Comportamento (Universidade de Nebraska, Estados Unidos) Davi Carvalho. Há pessoas que, ainda que constatem terem acreditado numa mentira, não a desprezam, pois ela se revela coerente com seu jeito de pensar, de agir, de estar no mundo, ou lhe trazem alguma compensação, conforto. Isso é o que se chama “dissonância cognitiva”.

Carvalho explica que isso acontece quando pessoas têm necessidade de estabelecer uma coerência entre suas cognições (seus conhecimentos, suas opiniões, suas crenças), que acreditam ser o certo, com o que se apresenta como opção de comportamento ou de pensamento.

As investigações mostram também que os ambientes religiosos são amplamente vulneráveis à circulação desse tipo de conteúdo. Isso pode ser explicado pelo sentimento cultivado nesses espaços, físicos e digitais, relacionado à crença e à confiança. Cristãos estão propensos não só a assimilar as notícias e ideias mentirosas que circulam pela internet, coerentes com suas crenças, como valorizam mais o que chega no seu grupo religioso.

As contas de mídias sociais de grupos de igrejas e as de suas lideranças são credenciadas como fontes de verdades, pois são veículos de espaços e pessoas de confiança, relacionadas ao cultivo da fé. Além disso, pessoas religiosas que recebem esses conteúdos tendem a fazer a propagação deles, uma espécie de “evangelização”, espalhando essas notícias e ideias para que convertam pessoas ao mesmo propósito.

Essas noções ajudam a explicar como têm sido amplamente propagadas nesses ambientes religiosos as receitas caseiras e medicamentos milagrosos para a cura e a prevenção de doenças, mais recentemente da Covid-19; as supostas ameaças de “inimigos da fé”, em especial às igrejas e suas lideranças, representados em figuras como “comunismo”, “islã”, “feminismo”, “ditadura gay”.

Há ainda a retórica do medo que é base na disseminação de fake news de um modo geral, mas tem alcançado com força os grupos religiosos, especialmente evangélicos. Esse grupo religioso cultiva, historicamente, o imaginário de enfrentamento de inimigos e da perseverança diante da perseguição religiosa como alimento da fé. Por isso, há um forte apelo de publicações desinformativas em torno da “defesa da família” e dos filhos das famílias, como núcleos da sociedade que estariam em risco por conta da agenda de igualdade de direitos sexuais. Na mesma direção, notícias falsas de que políticos de esquerda ou o Supremo Tribunal Federal fecharão igrejas no Brasil têm sido fartamente propagadas nos ambientes cristãos em períodos de disputas políticas. Os ataques à pastora Romi Bencke possuem estreita relação com esses discursos.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de 2019 a 2020, buscou compreender o uso intenso do WhatsApp para circulação de fake news no segmento evangélico. Intitulada “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, a pesquisa, coordenada pelo sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, aplicou 1.650 questionários em congregações evangélicas das igrejas Batista e Assembleia de Deus, no Rio de Janeiro e em Recife. As igrejas e as cidades foram definidas com base na maior concentração de evangélicos, segundo o Censo de 2010. Além dos questionários, foram realizados ainda grupos de diálogo sobre a temática e aplicados formulários on-line, preenchidos por pessoas de todas as religiões e sem religião em todo o país para efeito de comparação.

Os resultados mostram que 49%, ou quase metade, dos evangélicos que responderam aos questionários afirmaram ter tido acesso a conteúdo falso. Nesse grupo cristão entrevistado, 77,6% disseram ter recebido as fake news em grupos de WhatsApp relacionados às suas igrejas. No levantamento com outros segmentos religiosos sobre mensagens falsas em grupos relacionados às suas religiões, 38,5% de católicos, 35,7% de espíritas e 28,6% de fiéis de religiões afro-brasileiras afirmaram ter recebido. Sobre o conteúdo, 61,9% dos evangélicos declararam que as notícias sobre política eram as mais frequentes.

A pesquisa confirmou o que outros estudos já apontavam: o apelo que a desinformação exerce sobre grupos religiosos, porque se adequa mais a crenças e valores e menos a fatos propriamente ditos. Além disso, a investigação da UFRJ apontou um elemento novo:  a propagação de desinformação se dá mais intensamente entre evangélicos por conta de elementos relacionados à prática da religião nesse grupo. O uso intenso das mídias sociais provocou “um novo ir à igreja” (a pesquisa foi realizada antes da pandemia de Covid-19, o que certamente amplificou esse elemento), associado ao sentimento de pertencimento à comunidade, que gera uma imagem de líderes e irmãos de fé como fontes confiáveis de notícias.

Fake news e fundamentalismos

Apesar de ser uma prática antiga, há elementos novos relacionados ao avanço na propagação de fake news nos ambientes religiosos, em especial das igrejas: maior ocupação de espaços digitais por esse segmento religioso e maior atuação de grupos cristãos na política.

A popularização das mídias digitais faz parte do processo de ampliação de espaço e visibilidade pública de cristãos, principalmente dos evangélicos. A dimensão da participação e da transformação dos receptores em emissores, por meio de processos de interação possibilitados pelas novas mídias, especialmente, pela internet, mudou radicalmente o quadro da relação igrejas-mídias. São inúmeras as páginas na internet ligadas a grupos cristãos e a relação inclui desde as institucionais, de todas as denominações cristãs, passando pelas mais artesanais, montadas por grupos de igrejas, até as mais sofisticadas e mais acessadas, pertencentes a celebridades religiosas ou grupos de mídia.

Ao se considerar as plataformas de mídias sociais há uma infinidade de articulações e espaços. Igrejas e grupos cristãos perceberam que as mídias podem não apenas apresentar o Evangelho e dar visibilidade, mas podem articular, promover socialidade, firmar comunidade. Isso passou a dar novo caráter para a relação das igrejas com as mídias, pois, com a cultura digital, um programa já não é só projetado para emitir, mas tem a dimensão da interação estimulada. Abriu-se mais espaço para encontros, trocas de ideias, debates, informações, divulgações. A dimensão da comunicação como interação/comunhão fica potencializada. A socialidade promovida pelas mídias digitais facilita a socialidade cristã e a evangelização.

Por outro lado, as igrejas passam a não ter mais o controle do sagrado e da doutrina como tinham antes. A abertura para a participação e para que qualquer pessoa que professe uma fé, vinculada ou não formalmente a uma igreja, manifeste livremente suas ideias, reflexões e opiniões, tirou o controle dos conteúdos disseminados das mãos das lideranças. Basta ter um simples blog, nos fartos espaços gratuitos, ou uma conta sem custo nas mais populares redes sociais digitais, e o espaço está garantido para a livre manifestação.

Dessa forma, doutrinas e tradições teológicas passaram a ser relativizadas, bem como a autoridade dos líderes clássicos – pastores e presidentes de igrejas.  Questionamentos de afirmações confessionais são pregados, críticas são explicitadas. Esta é uma característica forte dos espaços midiáticos digitais: as pessoas se sentem liberadas e encorajadas para expressarem o que nunca expressariam num encontro face a face. Processo que ainda faz emergir das mídias novas autoridades religiosas – celebridades (padres e pastores midiáticos, cantores gospel), blogueiros – que se tornam referência para o modo de pensar, agir, ver o mundo, de muitos cristãos.

Tudo isto se relaciona ao avanço, nas últimas décadas, da presença mais intensa de grupos religiosos na política. Esta presença tem se evidenciado mais fortemente por ações que podem ser classificadas como “fundamentalistas”, caracterizadas como reativas e reacionárias às mudanças sociais.

Nesse contexto, observa-se que o fundamentalismo se torna um fenômeno social que ultrapassa fronteiras religiosas, ganha um perfil mais diversificado e adquire caráter político, econômico, ambiental e cultural a partir de uma matriz religiosa. Nessas atuações, certos “fundamentos” são escolhidos para persuadir a sociedade, a fim de estabelecer fronteiras e lutar contra “inimigos”, o que frequentemente resulta em um movimento polarizador e separatista, que nega o diálogo, a democracia e estabelece um pensamento único que visa direcionar as ações no espaço público.

Essas constatações estão presentes na pesquisa “Fundamentalismos, crise da democracia e ameaça aos direitos humanos na América do Sul: tendências e desafios para a ação”, que nasceu da preocupação de igrejas e organizações baseadas na fé (OBFs), articuladas por meio do Fórum Ecumênico ACT Aliança Sul Americano (Fesur), do qual a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) é integrante. O Fesur tem observado transformações na arena pública em termos sociopolíticos, econômicos, culturais e ambientais, no contexto de diferentes países. Essas mutações têm se dado na forma de reações a avanços e conquistas no campo dos direitos de trabalhadores/as, de mulheres e de comunidades tradicionais (indígenas e afrodescendentes), seguidos de retrocessos e obstáculos políticos de vários tipos.

A pesquisa recuperou a origem do termo “fundamentalismo”, que remonta à tendência conservadora de um segmento protestante dos Estados Unidos, na virada do século XIX para o XX. Ele era enraizado na interpretação literal da Bíblia, classificada como inerrante, em reação à modernidade (encarnada na teologia liberal e no estudo bíblico contextual com mediação das ciências humanas e sociais), em atitude de defesa dos fundamentos imutáveis da fé cristã. De lá para cá, a perspectiva fundamentalista foi se transformando, no interior do evangelicalismo mesmo, e ultrapassou as fronteiras da religião. Torna-se uma postura ancorada na defesa de uma verdade e na imposição dela à sociedade.

A pesquisa do Fesur buscou escapar do uso do termo que denota acusação e rótulo de contrários, e mostra que os fundamentalismos podem ser entendidos como uma visão de mundo, uma interpretação da realidade, com matriz religiosa. Esta é combinada com ações políticas decorrentes dela, para o enfraquecimento dos processos democráticos e dos direitos sexuais, reprodutivos e das comunidades tradicionais, num condicionamento mútuo.

Também se identificou, como descoberta, que a matriz religiosa dos fundamentalismos em avanço não é desenvolvida por evangélicos tão só (do ramo histórico e dos pentecostais) mas também por católico-romanos, que se articulam em uma unidade oportunista em torno de pautas e inimigos comuns.

As pautas fundamentalistas que unem lideranças e segmentos evangélicos e católicos são embasadas na moralidade sexual religiosa e na demonização e inferiorização das espiritualidades indígenas e afrodescendentes. Elas servem ao sistema econômico neoliberal ao apregoarem a redução de políticas públicas (ação do Estado, portanto), relegando à “família” o cuidado com educação, saúde, trabalho, aposentadoria, e ao facilitarem as conquistas de terras de populações tradicionais pelo agronegócio e por mineradoras. Por isso a classificação “fundamentalismos político-religiosos”. São identificados como inimigos, movimentos sociais, sindicatos, partidos que buscam defender esses direitos e essas populações.

Essas pautas são disseminadas nas mídias ocupadas por lideranças entre pastores, pastoras, padres, políticos, cantores gospel e novas celebridades religiosas. Além da visibilidade midiática que as transforma em autoridades/referências religiosas que ultrapassam até mesmo as fronteiras religiosas, essas lideranças têm em comum discursos característicos dos fundamentalismos político-religiosos.

Estudos empíricos têm estabelecido a conexão entre a recepção e a propagação de desinformação com o imaginário de cristãos fundamentalistas. O pesquisador da Universidade de Victoria (Inglaterra) Christopher Douglas, por exemplo, indica que a cultura fundamentalista de: 1) negação seletiva da ciência (especialmente da teoria da evolução e da leitura contextual da Bíblia) e desqualificação da informação pelas mídias;  2) criação de fontes alternativas para conhecimento e informação: suas próprias universidades, museus e mídias; 3) formação cognitiva para rejeitar conhecimento especializado e buscar alternativa – geração de incapacidade de pensamento e análise críticos, é base para que fake news se espalhem facilmente entre cristãos conservadores.

Isso ganha força, no espaço público, segundo Douglas, para além da religião, com o fortalecimento de uma religiosidade partidária entre fiéis (afinidade eletiva com a direita política) e uma aproximação aos extremismos conservadores.

Para esses grupos, o trabalho das agências de pesquisa e dos sites que promovem a checagem de informações não tem efeito. Isso porque, como indicado neste artigo, o que sustenta o processo de crença nas mentiras não é apenas a ignorância, mas o fato de que as pessoas acreditam no que escolhem acreditar.

Quando um grupo se identifica com mentiras, mesmo que elas sejam demolidas em nome da ética e da justiça, permanece com elas e as defende de qualquer jeito. Não importa que seja mentira, mas sim a ideia contida, a falsidade não é apagada dos espaços virtuais e continua ainda a ser reproduzida. E mais: aquele que desmascarou a notícia ou a ideia, que pode ser um familiar, amigo ou irmão na fé, chega a ser objeto de desqualificação e rancor.

 “Ideologia de gênero” é o maior exemplo de fake news entre cristãos

O maior exemplo de fake news criada em espaço cristão na América do Sul é a chamada “ideologia de gênero”. Esta pode ser classificada como a mais bem sucedida concepção falsa criada no âmbito religioso.

Surgido no ambiente católico e abraçado por grupos evangélicos distintos, o termo trata de forma pejorativa a categoria científica “gênero” e as ações distintas por justiça de gênero, atrelando-as ao termo “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula, que cria ilusão”. A “ideologia de gênero” nessa lógica é apresentada como uma técnica “marxista”, utilizada por grupos de esquerda, com vistas à destruição da “família tradicional”.

É fato que qualquer tema que traga o assunto “sexo” e “sexualidade” mexe com o imaginário dos cristãos e provoca muitas emoções. É de se considerar também que nos últimos anos, o contexto político brasileiro ressuscitou e realimentou o velho temor do comunismo e do marxismo. Como a maioria das pessoas não tem conhecimento das teorias de Karl Marx, passa a acreditar nos irmãos de fé que falam de novas técnicas de escravização de mentes desenvolvidas por um “marxismo cultural”.

É fato ainda que os avanços nas políticas que garantem mais direitos às mulheres e às pessoas LGBTQIA+, e ainda participação delas no espaço público, causam desconforto às convicções e crenças de grupos que defendem, por meio de leituras religiosas, a submissão das mulheres e a “cura gay”.

Não foi por acaso que esse tema ocupou grande espaço nas campanhas eleitorais de 2018 e de 2020 no Brasil, com muita circulação de fake news contra as candidaturas de esquerda, que têm por prática a defesa de direitos de gênero.

O tema se soma a outros que têm sido fortemente inseridos nas mídias sociais de comunidades de fé, como o da “cristofobia”, uma suposta perseguição religiosa contra cristãos no Brasil, e o perigo comunista, de uma alegada ameaça vermelha à nação. Tal quadro tem estimulado iniciativas de resposta para a superação dessas práticas de comunicação que têm causado tanto mal aos grupos com identidade cristã.

O enfrentamento das fake news nas comunidades de fé

Por ser uma organização defensora dos direitos humanos, formada por igrejas há quase cinquenta anos, a Cese tem avaliado, com preocupação, casos como o da pastora Romi Bencke e outros que revelam o impacto negativo que as fake news causam nas comunidades de fé. Estimulada por sua história de engajamento nas causas por verdade e justiça e pelos resultados da pesquisa Fesur, a Cese decidiu se unir às várias iniciativas de grupos cristãos que têm enfrentado as fake news.

Em 2021, Cese decidiu que sua campanha anual Primavera para a Vida, que estimula as igrejas a ações referentes a temas sociais emergentes, teria o tema “Buscar a verdade: um compromisso de fé”. Iniciada em setembro de 2021, a campanha contou com um seminário virtual sobre o tema, uma publicação gratuita – que traz como proposta a reflexão sobre esses novos desafios para as sociedades democráticas, através de subsídios bíblicos e teológicos para que as igrejas utilizem em seus diversos espaços de formação e reflexão -, em português e em espanhol, cujo título é o mesmo da iniciativa, formação para igrejas sobre o impacto das fake news e indicação de formas de ação. Para esse último objetivo, a Cese publicou um conjunto de cards para mídias sociais com as principais mentiras que circulam em ambientes cristãos e atitudes preventivas diante delas.

A campanha com cards foi produzida em conjunto com o Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias, que foi parceiro da Cese na Campanha Primavera para a Vida 2021. Bereia é iniciativa ímpar entre as ações contra as fake news no Brasil, pois é o único projeto de jornalismo colaborativo de checagem de fatos especializado em religião. O projeto tornou-se pioneiro no Brasil em verificação de fakes news que circulam em ambientes digitais religiosos, com atenção voltada para cristãos. Criado em 2019, ele é resultado da pesquisa do Instituto Nutes, da UFRJ, citado neste artigo.

A equipe do Bereia, formada por jornalistas, estudantes de comunicação e outros voluntários interessados na busca de superação da desinformação, acompanha, diariamente, mídias de notícias cristãs e pronunciamentos e declarações de políticos e autoridades cristãs de expressão nacional, veiculados pelas mídias noticiosas e pelas mídias sociais. A Cese continua na parceria com o Bereia, em 2022, com a produção de novo conjunto de cards para mídias sociais, numa extensão do tema da Campanha  Primavera para a Vida.

O Coletivo Bereia integra a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), fundada em 2020, nascida da inquietação de pesquisadores/as de diferentes universidades provocada pela observação e o estudo da potencialização da circulação de desinformação no campo político e, muito intensamente, durante a pandemia. A RNCD passou a interligar projetos e instituições de diversas naturezas que trabalham e contribuem de alguma forma para combater o mercado da desinformação que floresce no Brasil.  São coletivos, iniciativas desenvolvidas dentro de universidades, agências, redes de comunicação, revistas, projetos sociais, projetos de comunicação educativa para a mídia e redes sociais, aplicativo de monitoramento de desinformação, observatórios, projetos de fact-checking, projetos de pesquisa, instituições científicas, revistas científicas, dentre outros.

A RNCD busca unir esforços, praticar a sinergia, potencializar a visibilidade do trabalho realizado em cada projeto e criar uma onda de enfrentamento da desinformação. Por meio da RNCD é possível conhecer e se integrar a projetos que incluem educação contra fake news que ensinam como os próprios usuários das mídias digitais podem fazer, eles/elas mesmos, a checagem da informação que recebem.

Em parceria com o Coletivo Bereia, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito – Núcleo Minas Gerais lançou, em 2021, o site Mentiras do Éden. O projeto tem por objetivo construir com as igrejas um pacto pela verdade, prevenir e combater as notícias falsas, principalmente as de cunho religioso. Mentiras do Éden tem realizado atividades em defesa da democracia e do direito à informação, voltadas para a comunidade evangélica, com formações educativas sobre fake news e utilização das mídias sociais.

Durante o período eleitoral de 2020, foi realizada a Campanha #IgrejaSemFakeNews, promovida pela Igreja Batista em Coqueiral (Recife, PE), por meio do Instituto Solidare, em parceria com a Tearfund e a Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB). Uma das ações foi o lançamento da publicação Diga Não Às Fake News!,  com reflexões acerca do tema, tanto à luz da Bíblia quanto da legislação brasileira. O livro gratuito permanece à disposição do público. Outro material resultante da Campanha é o livro da Abu Editora, “As fake news e a Bíblia. Estudo bíblico indutivo”, também com acesso gratuito, organizado por Morgana Boostel e Thiago Oliveira.

Para a diretora executiva da Cese e pastora da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil, Sônia Mota, unir-se a esses projetos para enfrentar as fake news nos espaços cristãos significa fortalecer conjuntamente o enfrentamento aos discursos de ódio e de perseguições a lideranças religiosas. “É nosso papel denunciar o avanço fundamentalista que manipula textos bíblicos para disseminar mentiras que afetam não só as igrejas, mas processos mais amplos como a democracia e os direitos humanos”, afirma a pastora.

Com isso, as igrejas cumprem um papel importante na defesa da democracia e da dignidade humana para que casos como o da pastora Romi Bencke se tornem memória sobre a qual se pode construir ações permanentemente transformadoras.

Magali Cunha é jornalista, doutora em Ciências da Comunicação e editora–geral do Coletivo Bereia.
Bianca Daébs é doutora em Educação, mestra em História Social e atua como assessora para Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da Cese.
Tarcilo Santana é jornalista e atua como analista de Comunicação da Cese.

Foto de capa: reprodução Le Monde Diplomatique Brasil

Os cristãos de Bereia e as “tias” do zap

Os irmãos de Bereia foram considerados “mais nobres” que os de Tessalônica pelo espírito crítico ao examinar as doutrinas apresentadas a eles por Paulo. Queriam conhecer a Cristo, mas não se mostraram preguiçosos nessa busca: foram atrás para confirmar aquilo que o apóstolo lhes expusera. 

Hoje, quando dizemos que uma igreja, ou um cristão, são “bereianos”, queremos, por extensão, elogiá-los, por possuírem a mesma atitude cautelosa, criteriosa, de julgar todas as coisas, passando tudo pelo crivo de uma acurada pesquisa. 

Infelizmente, essa não tem sido a postura de parcela dos cristãos em nossos dias, que acabam sendo, na prática, “anti-bereianos”: abraçam tudo o que recebem… Não examinam… Não conferem a veracidade dos fatos nem a credibilidade das fontes. 

O Instituto NUTES de Educação em Ciência e Saúde, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez uma pesquisa junto a evangélicos, acerca do uso do WhatsApp e as “fake news” no Brasil. Eis algumas constatações preocupantes:

49% informaram já ter recebido ‘fake news’ em seus grupos;

23% afirmam não checar as notícias que recebem pelo WhatsApp;

30% reconhecem compartilhar notícias falsas.

É assustador. Pois justamente aqueles que sempre tiveram em sua história a verdade como um dos pilares da sua fé, agora são complacentes com a mentira. E com um agravante: em tempos de pandemia, desinformação pode provocar mortes.

Contudo, esse descaso com a verdade não se trata de um fenômeno novo no meio evangélico. O advento da internet apenas ampliou a facilidade de, agora, atingir multidões. 

Há pelo menos duas décadas, quando o “velho” e-mail tornou-se a forma mais usual de comunicação eletrônica, muitos cristãos – conscientemente ou não – replicavam para a sua lista de contatos, não apenas notícias ou informações, mas também inúmeros “hoaxes”… “Hoax” é uma palavra em inglês que significa “farsa”, aquilo que se faz com o propósito de levar ao engano o maior número de pessoas.

Alguns destes “hoaxes” se tornaram “clássicos” e têm resistido até hoje, ainda que desmascarados… Eis alguns: 

– “Está faltando um dia no Universo” (computadores da Nasa teriam comprovado o texto de Josué que “o sol parou”)…

– “Boicote as Fraldas Pampers e o Sabão Ariel” (apregoava-se que a Procter & Gamble era satanista)… 

– Até o inocente “Parabéns”, crentes já não cantavam mais, pois as palavras finais “Rá-Tim-Bum” seria uma “antiga maldição persa” imprecada contra o aniversariante…

– “Achada a ossada de um gigante que comprova a Bíblia”…

Todos eram “hoaxes”. Porém, com didatismo e boa vontade, eu pacientemente respondia aos irmãos qual a correta visão bíblica, e lhes recomendava não repassarem tais coisas… Que o mundo ria de nós… E que o Evangelho não precisava disseminar mentiras para propagar a fé… O resultado? Perdi amizades de irmãos que se sentiram ofendidos com a exposição da verdade.

Se lá no passado os nossos irmãos bereianos colocavam à prova alguém com a credibilidade de um Paulo, será que hoje eles iriam receber – sem checar – as coisas que aquele “tio”, ou aquela “tia” gostam de mandar no grupo da família?

Aquilo que não resiste ao exame não pode expressar a verdade.

Grupos da igreja no WhatsApp são usados para disseminar desinformação, revela pesquisa

Publicado originalmente pela Agência Pública. Reportagem de Mariama Correia.

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Líder de jovens na congregação evangélica Assembleia de Deus do Amor, no bairro dos Bultrins, em Olinda (PE), Angélica Cruz, 29 anos, está em pelo menos quatro grupos da igreja no Whatsapp. Diz que a maioria serve para troca de mensagens devocionais entre membros e a liderança. “O aplicativo virou uma ferramenta principal de comunicação na pandemia. Serve pra gente trocar mensagens de apoio e informações entre os irmãos, como vagas de emprego e oportunidades”, contou à Agência Pública.

O uso intenso do Whatsapp para a prática religiosa fortalece redes de desinformação no segmento evangélico, segundo relatório de pesquisa “Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil”, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, publicado em primeira mão pela Pública. A live de lançamento do relatório será no dia 30 de agosto, no canal do Youtube do Instituto de Estudos da Religião (ISER), às 14h.

A pesquisa mostra que 49% dos evangélicos da amostra receberam mensagens de conteúdo falso ou enganoso em grupos relacionados à sua religião. Isso quer dizer que praticamente a metade dos evangélicos entrevistados receberam notícias falsas enviadas em grupos da sua comunidade de fé. 

Wagner Tadeu Tonel/Agência Pública

Os dados consideram 1650 respostas coletadas em congregações Batistas e das Assembleias de Deus e grupos de diálogo do Rio de Janeiro e do Recife. Também foi aplicado formulário online com pessoas de todas as religiões e sem religião. Essa coleta aconteceu em 2019. 

Na pesquisa online, com abrangência nacional,  participaram pessoas de diferentes religiões e com nível superior – o segmento que possui maior percepção em relação à circulação da desinformação. Nesse grupo, os dados sobre o recebimento de notícias falsas em grupos ligados à religião foram ainda maiores, com 77,6% dos evangélicos tendo afirmado receberem desinformação por grupos ligados à sua religião no Whatsapp. Em comparação, a coleta de dados online mostrou que 38,5% dos católicos, 35,7% dos espíritas e 28,6% de fiéis de religiões afro-brasileiras afirmaram ter recebido mensagens falsas nos grupos de suas religiões.

Sobre o uso do Whatsapp especificamente, a pesquisa aponta que entre os evangélicos, 92% participam de grupos ligados à sua religião no WhatsApp. Em comparação, 71% dos católicos, 57% dos espíritas e 66,7% dos fiéis de outras religiões entrevistados, disseram fazer o mesmo. “Não é a religião que interfere na maior presença de desinformação nos grupos de WhatsApp dos evangélicos, mas elementos relacionados à prática da religião, como o uso das redes sociais”, apontou o coordenador da pesquisa, o sociólogo e diretor do Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde da UFRJ, Alexandre Brasil. 

Um desses elementos mapeados pelos pesquisadores seria a confiança interpessoal. Para 33,3% dos evangélicos entrevistados, pessoas conhecidas são mais consultadas como fontes de informações do que veículos jornalísticos e/ou mecanismos de busca na internet. E 13,2% disseram que os pastores e irmãos da igreja representam a fonte mais confiável de notícias. “É importante lembrar que onde circula informação também circula desinformação. Não há como evitar que esses fluxos de mensagens circulem de forma separada, pois o intuito é que tenha aparência de informação confiável. O uso intenso do WhatsApp, somado à uma forte presença da confiança interpessoal são fatores que parecem sim tornar os evangélicos, em algum nível, suscetíveis à desinformação”,  explicou Alexandre Brasil. 

Não checam e não se incomodam 

O pesquisador explica que a pesquisa partiu da hipótese de que grupos onde há maior organicidade e confiança entre os participantes, são potencialmente espaços em que há maior circulação de desinformação. O grupo religioso, no caso o evangélico, foi escolhido por ter o perfil de uma “intensa vida comunitária, pela presença de laços de confiança e pela realização de reuniões regulares.” “Também se considerou a existência de reportagens que indicavam sites e influenciadores ligados ao segmento evangélico como destacados disseminadores de fake news”, acrescentou. 

O relatório também ressalta que os evangélicos têm uma grande representatividade nas decisões eleitorais, considerando que 31% da população brasileira se declara evangélica, segundo Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), realizado em 2018. 

Entre os respondentes, 23,6% dos evangélicos disseram não ter o costume de checar notícias. De acordo com o relatório, quase 30% dos evangélicos entrevistados admitiram que já compartilham notícias falsas, sendo que 8,1% fizeram “mesmo sabendo que era mentira, mas por concordarem com a abordagem”. 

“Os menos preocupados seriam pessoas de mais idade, menor escolaridade, menor renda e com menores habilidades no uso de dispositivos eletrônicos (capacidade de editar conteúdos de vídeo, áudio e imagens ou administrar perfis). Por outro lado, não é possível afirmar, a partir dos nossos dados, que pessoas com maior renda, maior escolaridade e com maior habilidade para o uso de dispositivos eletrônicos veiculem menos mensagens falsas”, explicou Alexandre. 

A confiança na pessoa que enviou a mensagem basta para que se encaminhe a notícia falsa a outras pessoas, diz o pesquisador. “Entre os evangélicos entrevistados, identificamos que, para um terço, a confiança no emissor é o fator que consideram para validar uma mensagem recebida como autêntica”

Com relação aos conteúdos, 61,9% dos evangélicos entrevistados disseram que notícias falsas com temas políticos são as mais recorrentes. Alexandre Brasil conta que quando o projeto de pesquisa foi apresentado, ainda “não se tinha percepção da escala e da centralidade que a disseminação de desinformação tomaria no Brasil durante o pleito eleitoral”, quando os eleitores evangélicos foram fundamentais para a vitória de Jair Bolsonaro. 

Wagner Tadeu Tonel/Agência Pública

A saúde foi outro tema indicado como recorrente. Contudo, os dados não se relacionam diretamente com o quadro de “desinfodemia”, ou seja, desinformação específica sobre a covid-19 e a crise de saúde pública, porque foram colhidos antes da pandemia. 

A Pública vem mostrando as conexões entre essas redes de desinformação, tanto com evangélicos conservadores quanto com outros segmentos aliados ao governo. As reportagens revelam que grupos de WhatsApp e de outras redes sociais continuam sendo utilizados para fazer circular conteúdos falsos, como propagandas antivacina e discursos negacionistas na pandemia. Também para reverberar ataques à democracia, a defesa do voto impresso e outras narrativas bolsonaristas. 

O combate à desinformação nas redes evangélicas também tem sido feito pelo Coletivo Bereia, pioneiro no Brasil em verificações de fakes news nesse segmento. A iniciativa de jornalistas cristãos faz parte da Rede Nacional de Combate à Desinformação. “O Coletivo Bereia foi criado em outubro de 2019 (ano da coleta de dados da pesquisa) a partir da demanda de ação que os resultados da pesquisa da UFRJ impôs. Consideramos o projeto uma prestação de serviço identificada como jornalismo colaborativo de checagem de conteúdo especializado em religião. Desde o primeiro mês de atuação os resultados de público e parcerias foram altamente positivos, o que atribuímos ao ineditismo e a extrema relevância desta atividade”, diz Magali Cunha, jornalista e  pesquisadora de Comunicação e Religiões, que coordena o coletivo. 

O pesquisador da UFRJ, Alexandre Brasil diz que não é possível fazer uma associação direta entre os resultados da pesquisa e as redes de desinformação bolsonaristas, mas acredita que há “um direcionamento e um investimento do presidente em relação ao público evangélico”, que representa uma base importante do seu governo e  “tem mobilizado tempo e manifestações concretas de atenção, tanto em seus discursos (de Bolsonaro), nas nomeações ou sinalizações ao eleitorado e suas lideranças como no caso da indicação ao STF (do advogado geral da União e pastor presbiteriano André Mendonça), ou ainda na presença de personalidades ligadas ao segmento evangélico nos ministérios”. 

Grupo de WhatsApp é o novo ir à igreja 

O relatório da UFRJ mostra ainda que a tríade da vida cristã digital é composta por aplicativos para leitura da Bíblia, WhatsApp e Google. São esses os principais aplicativos usados pelos evangélicos entrevistados. E, se a ida frequente à igreja é algo que caracteriza os evangélicos, o envolvimento com a comunidade de fé via grupos de WhatsApp passou a ser um diferencial desse segmento em relação aos outros segmentos religiosos e à média da população brasileira. “Esse achado é anterior à pandemia, mas certamente se ampliou nesse novo contexto. O ponto central que o relatório indica é que grupos com níveis de organização semelhantes, com forte vida comunitária e laços fortes de confiança também são mais suscetíveis às fake news”, diz Alexandre, que aponta para a necessidade de uma ação intencional de formação de usuários que atuem de forma crítica em relação às mídias digitais. “A busca de uma leitura crítica implica em ir além da capacidade de uso das ferramentas digitais e envolve uma perspectiva ampla sobre a realidade e as implicações prejudiciais que representam a disseminação das mentiras. Suas ameaças à saúde pública, à integridade das pessoas e mesmo à democracia representam uma realidade preocupante”, alerta.

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Foto de capa: Agência Pública/Reprodução