Caso Marajó: articulações políticas e religiosas da desinformação – parte 2

* Matéria atualizada em 01/07/2024 às 11:00 para acréscimo de informações

A parte 1 deste conteúdo, levantado pelo Bereia, abordou o caso Marajó, que inundou as redes digitais com desinformação e pânico moral após a viralização de uma música da cantora Aymeê Rocha, apresentada no reality show gospel Dom.

A menção ao tráfico de órgãos no Marajó, feita durante o Dom Reality, tem capítulos mais antigos também associados a grupos religiosos. Em vídeo disponível na plataforma Kwai, o pastor da Zion Church Lucas Hayashi diz que “recentemente, encontraram lá na Ilha do Marajó um cemitério clandestino com corpos sem os órgãos internos, de adultos e também de crianças. Possivelmente, tudo isso é para o comércio de órgãos, transplante”. Na última semana de fevereiro passado, o pastor foi confrontado pelo escritor Ale Santos, durante episódio do podcast Inteligência Ltda. Hayashi disse que não tem provas, e que apenas diz “o que as pessoas estão falando”.

A Zion Church, cujos líderes são os primos Lucas e Teófilo (Téo) Hayashi, descendentes de missionários evangélicos japoneses, tem como extensões da igreja o Instituto Akachi, que atua na Ilha de Marajó, e o Movimento Dunamis, que tem ligações com políticos conservadores e religiosos. 

Nas redes digitais da família Hayashi, o frequente apelo à vida religiosa coaduna-se com a propagação de pânico moral em pautas políticas. Em 7 de julho de 2022, o casal Lucas e Jackeline Hayashi publicou, no Instagram, uma defesa do armamento da população. Além de vídeos em que efetuam disparos em um estande de tiros, o casal, que lidera um programa da igreja voltado à educação infantil, mostra-se à vontade ao empunhar fuzis e posa sorrindo para a foto. A legenda traz alguns apelos: “Cuidado com a ‘beleza’ do desarmamento! Uma das maneiras de implementar um governo dit4dor é através do desarmamento. A 4rm4 é neutra. O problema está em quem a usa”.

Imagem: reprodução Instagram (Lucas e Jackeline Hayashi)

Assim que a música de Aymeê Rocha ganhou relevância nas redes, Lucas Hayashi publicou foto com a cantora em seu perfil no Instagram. Diversos conteúdos sobre o Marajó foram veiculados nos perfis de Lucas, de Téo, do Instituto Akachi e do Movimento Dunamis, incluindo relato de suposta vítima da exploração sexual, também publicado no canal do movimento no YouTube. Chama atenção o tom alarmante das postagens, que utilizam termos como “trazer à tona a verdade sobre Marajó”, e a divulgação da chave Pix do Instituto Akachi, propagada também por outros perfis nas redes.

Luis Barbosa, do Observatório do Marajó, destaca: “é muito importante que o Ministério Público seja acionado quando ocorrem essas denúncias, os conselhos tutelares, nas suas devidas competências, e não fazer campanhas, né? Campanhas feitas por organizações de outros estados para arrecadar fundos, arrecadar Pix, sendo que a gente nem sabe a procedência, de fato, dessa ajuda”.

Imagem: reprodução do Instagram (Lucas Hayashi e Aymeê Rocha)

A utilização do pânico moral e o apelo a experiências sobrenaturais é comum nas atividades coordenadas pelos Hayashi. Durante o lançamento do filme “Som da Liberdade”, envolto em controvérsias religiosas checadas por Bereia, Lucas Hayashi, ao falar sobre o problema da exploração infantil, disse que “trata-se de uma luta que transcende o mundo material natural, é uma guerra cultural de dimensões espirituais”.

No artigo “O Reino de Deus na Terra: Dunamis Movement, religião e política no Brasil contemporâneo”, a mestre em ciências da religião pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) Helen Teixeira relata que o Movimento Dunamis é um movimento paraeclesiástico marcado por fluidez e dinamismo. A pesquisa explica que o Dunamis é “composto e cercado de pessoas que pensam da mesma forma, ou passam a pensar concordemente, impactadas pelo senso de pertencimento comunitário, triunfalismo e estilo de vida cool, marcado pelo consumo e pela estética jovem, e também pelos atos milagrosos e místicos”.

Em entrevista ao Bereia, Helen Teixeira detalhou como o Movimento Dunamis importou ideias e conceitos religiosos norte-americanos, como a “teologia das sete montanhas”, para estruturar sua atuação no Brasil. As sete montanhas, ou sete áreas de influência, são: negócios e economia, governo, mídia, artes e entretenimento, educação, família e religião. “A ideia é que a sociedade está dividida em sete áreas que formam uma cultura (…) Isso tem tudo a ver com o dominionismo, com essa ideia de que os cristãos precisam ocupar as áreas de influência, precisam estar em postos de liderança para que a cultura do país volte a parecer a cultura do Reino de Deus”.

A noção de domínio está fundamentada na percepção de que os cristãos, por muito tempo, isolaram-se na esfera religiosa e não atuaram nas demais áreas de influência, razão pela qual a cultura estaria “perdida e decaída”. Fora do campo conceitual, a participação da Zion na vida política no país tem como exemplo maior o festival The Send Brasil, organizado pelos Hayashi, em 2020. O evento ocorreu simultaneamente em três estádios de futebol – Morumbi (SP), Allianz Parque (SP) e Mané Garrincha (DF) – e contou com a participação da então ministra Damares Alves e do então Presidente da República Jair Bolsonaro, que foi ovacionado pela plateia presente no Mané Garrincha, em Brasília. Bereia checou material sobre o evento à época.

Imagem: reprodução Pleno News (Bolsonaro no festival The Send Brasil)

Imagem: reprodução do Guiame (Damares no festival The Send Brasil)

Outra figura importante do Dunamis Movement, Henrique Krigner foi candidato a vereador em São Paulo pelo Partido Progressista (PP). Estreante, não foi eleito, mas recebeu mais de 16 mil votos e doações de grandes empresários. A Big Wave Media, produtora de conteúdo ligada ao Movimento Dunamis, recebeu R$ 40.000 por serviços prestados à campanha.

Em seus perfis em mídias sociais, Krigner diz que está cursando mestrado em Políticas Públicas, na Liberty University, universidade localizada no estado da Virgínia (EUA), fundada pelo pastor batista Jerry Falwell, destacado líder do fundamentalismo naquele país, em 1971, e conhecida por reunir evangélicos articulados com as esferas de poder. Em reportagem, a revista New Yorker descreve a universidade como “um motor de poder e ambição” em que os alunos consideram “o mundo”, ou seja, a própria sociedade, como algo distante de suas experiências pessoais e um lugar que inspira desconfiança.

Imagem: reprodução do Instagram

Embora argumentem que não apoiam políticos específicos, apenas ideias, as lideranças do Movimento Dunamis apoiaram a reeleição de Jair Bolsonaro à presidência em 2022. Em uma publicação sobre como votar naquelas eleições, Téo afirma que é preciso verificar se o candidato “se alinha com a cosmovisão bíblica”. Durante a campanha presidencial, o Movimento Dunamis organizou um podcast com a presença do então candidato Bolsonaro. Em seus perfis no Instagram, ainda estão expostos conteúdos que chamam o atual Presidente da República de “ladrão”, “bêbado” e apresentam diversos argumentos críticos à esquerda, em geral. 

Imagem: reprodução do Instagram (Teo Hayashi e Dunamis Movement)

Mobilização religiosa na política brasileira

Na semana em que, mais uma vez, a Ilha de Marajó foi alvo de desinformação política e religiosa, deu-se um outro acontecimento político e religioso de relevância nacional. O antropólogo e professor do departamento de estudos de mídia da Universidade da Virgínia (EUA) David Nemer publicou, no seu perfil no X, sobre a mobilização popular para a manifestação de 25 de fevereiro na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), protagonizada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e pelo casal Jair e Michelle Bolsonaro.

Nemer relata que, durante semanas, as convocações para a manifestação tinham pouco apelo emocional, indicativo de baixa adesão ao ato. “Bolsonaro não podia aumentar o tom pois nessa própria semana ele foi interrogado pela PF e o próprio está sob investigação – com um sério risco de ser preso muito em breve. Seus aliados políticos, como seus filhos e Nikolas Ferreira, fizeram convocações, mas também contidas”, comentou.

Segundo o professor, dois fatos foram cruciais para o engajamento do público na manifestação que contou com mais de 185 mil pessoas. O primeiro, teria sido a fala do presidente Lula sobre as agressões de Israel contra a Palestina, instrumentalizada pelas igrejas que propagam o sionismo cristão. O segundo, foi a mobilização da extrema direita no caso relativo à Ilha do Marajó, com “divulgação e compartilhamento de fake news sobre cancelamento de ações e projetos do governo federal”. Nos dois fatos, a presença de grupos religiosos exerce papel fundamental para a execução de um ato político.

Imagem: reprodução do YouTube (Michelle Bolsonaro durante ato na Av. Paulista)

O historiador e professor de literatura comparada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) João Cezar de Castro Rocha, em participação no podcast Pauta Pública, falou sobre a fusão de religião e política observada no Brasil contemporâneo: “O que nós vimos no dia 25 de fevereiro de 2024 não foi uma manifestação bolsonarista. (…) A manifestação foi menos bolsonarista do que um chamamento público. Pela primeira vez, a explicitação de um projeto: a teologia do domínio”.

No principal discurso daquele 25 de fevereiro na Avenida Paulista, Michelle Bolsonaro foi categórica: “Por um bom tempo fomos negligentes ao ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião. E o mal tomou e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação”. 

Para combater “o mal”, a extrema direita utiliza o discurso religioso de identidade cristã e propaga informações falsas e pânico moral. Em uma constante mobilização de suas pautas conservadoras, do armamentismo ao papel da religião na política, garante seu espaço nas redes e nas ruas, mesmo que, para isso, precise veicular informações enganosas sobre abuso sexual infantil, como no caso Marajó.

ATUALIZAÇÃO: Silvio Almeida anuncia campanha e estratégia nacional contra exploração e abuso de crianças e adolescentes no Marajó

O Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou na manhã desta terça-feira (19) em Breves, no Pará, uma campanha nacional do governo federal para combate à exploração e ao abuso sexual contra crianças e adolescentes. A expectativa é de que a iniciativa pública seja lançada em maio deste ano, mês marcado pelo 18 de maio, data oficial de enfrentamento a essas violações de direitos humanos. De acordo com Almeida, a campanha será lançada junto a uma estratégia nacional ligada ao tema. 

“Temos de fazer política pública e sermos absolutamente intolerantes com quem comete violência contra crianças e adolescentes. Isso é inadmissível. Precisamos ter políticas de educação, cultura, cuidar das famílias, ter saúde e olhar para as crianças e que não têm pai nem mãe”, elencou o gestor ao subir o tom contra quem viola direitos fundamentais e promove discurso de ódio nas redes sociais. 

A declaração aconteceu durante lançamento da Escola de Conselhos do Pará, ação do MDHC em parceria com a Universidade Federal do Pará e o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente para formação de atores do Sistema de Garantias dos Direitos do público infantojuvenil, com investimento será de R$ 1 milhão.

ATUALIZAÇÃO: a revista Piauí produziu matéria neste 30 de junho, em que mantém vivo o assunto. O texto da revista destaca como essas informações falsas se espalharam rapidamente pelas redes sociais e foram amplificadas por políticos e influenciadores, prejudicando a imagem da Ilha do Marajó. A reportagem ressalta que esse tipo de desinformação pode ter consequências graves, como a estigmatização de comunidades inteiras. De acordo com o presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente da cidade de Melgaço, no Pará, o arquipélago de Marajó “tem sido vitimado em carregar essa carga, mas nós sabemos que essa é um uma situação que ocorre muito em outras regiões. Se você for ver a questão dos caminhoneiros nas estradas, é alarmante. Você vê meninas que são exploradas, que estão ali expostas, mas o Marajó virou holofote da situação. Eu não estou dizendo que nós não temos problema. Nós temos. Mas nós estamos cuidando deles e fazendo o possível para que isso possa ser resolvido”, conclui.

Referências:

YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=dYez-vJK6PY&t=231s&ab_channel=CortesdoIntelig%C3%AAncia%5BOFICIAL%5D Acesso em: 4 mar 2024

https://www.youtube.com/watch?v=b8cO82bvoE0&ab_channel=Ag%C3%AAnciaP%C3%BAblica Acesso em: 4 mar 2024

Zion Church https://zionchurch.org.br/geracao-5-2 Acesso em: 3 mar 2024

Coletivo Bereia 

https://coletivobereia.com.br/controversias-sobre-filme-som-da-liberdade-sao-transformadas-em-panico-moral-para-propagacao-de-desinformacao/ Acesso em: 1 mar 2024

https://coletivobereia.com.br/movimento-the-send-brasil-e-criticado-por-doutrinar-politicamente-jovens-evangelicos/  Acesso em: 5 mar 2024

https://coletivobereia.com.br/como-expressoes-sionistas-cristas-no-brasil-desinformam-sobre-o-que-ocorre-no-oriente-medio/ Acesso em: 1 mar 2024

TSE – Divulgacand

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/71072/250000707279 Acesso em: 4 mar 2024

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/71072/250000707279/integra/receitas Acesso em: 4 mar 2024

Seade http://produtos.seade.gov.br/produtos/eleicoes/candidatos/index.php?page=pol_det&cand=297818 Acesso em: 4 mar 2024

New Yorker https://www.newyorker.com/news/annals-of-education/can-liberty-university-be-saved Acesso em: 4 mar 2024

G1 https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2024/02/26/como-especialistas-da-usp-calcularam-que-havia-185-mil-pessoas-no-ato-de-bolsonaro-na-paulista.ghtml Acesso em: 1 mar 2024

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Foto de capa: reprodução do YouTube

Movimento The Send Brasil é criticado por doutrinar politicamente jovens evangélicos

No dia 18 de agosto, o site evangélico de notícias Portal do Trono publicou uma notícia com a seguinte manchete: The Send Brasil é acusado de doutrinar jovens evangélicos politicamente. O texto se refere ao vídeo “The Send: o que está por trás do plano de evangelização em massa no Brasil”, de Jackson Augusto, no canal do The Intercept Brasil no Youtube, e também reproduz o vídeo resposta publicado por Henrique Krigner, um dos representantes do evento no Brasil.

De acordo com a notícia, Jackson Augusto teria dito que o The Send pretende catequizar o Brasil e não tem motivação religiosa, mas meramente política.

O que é The Send

“The Send” é um projeto do “The Call Ministries” Ministério O Chamado, criado em 2001, pelo evangelista Lou Eagle, fundador da International House of Prayer [Casa Internacional de Oração]. O The Call foi uma série de eventos religiosos evangélicos, realizados para jovens em estádios, com shows musicais, orações e pregações religiosas com foco em questões morais. Os eventos de Eagle reuniam centenas de milhares de pessoas com participantes de vários países. Permeado por discursos políticos classificados como conservadores, o The Call alcançou simpatia da Direita Cristã. Matéria do jornal Daily Kos, de 2010, identificou o pregador como “líder de oração não oficial do Partido Republicano. Lou Eagle tornou-se até personagem de três produções religiosas em filme.

Algumas das casas de oração que Lou Eagle espalhou pelos Estados Unidos estão alocadas em locais estratégicos para a pregação contra o direito ao aborto, de onde organiza protestos públicos. Um dos eventos do The Call foi realizado na África, em Uganda, em 2010, onde o pregador exaltou a lei local anti-homossexualidade, em estudo à época, que previa prisão perpétua ou pena de morte para gays e lésbicas com AIDS que têm relações sexuais, pelo qual recebeu muitas críticas.

O The Call agregou grupos evangélicos de diversos países, em 2019, com o objetivo expandir sua atuação para “reevangelizar a América”, cumprindo a missão dada por Jesus Cristo, com a exportação da experiência estadunidense. O projeto foi, então, extinto para a criação do “Lou Engle Ministries”, que criou nova iniciativa, The Send, cujo público-alvo continuam sendo jovens, com foco em alunos de universidades e escolas, considerados dois campos missionários, somados a outros dois: famílias e nações.

O projeto conta com o apoio das organizações dos Estados Unidos Youth With a Mission (YWAM) Jovens com Uma Missão – JOCUM, fundada em 1960, presente no Brasil há vários anos; da Lifestyle Christianity, organização criada em 2014 pelo evangelista Todd White; e Christ for All Nations, organização evangelística criada em 1974 para atuar inicialmente na África e depois passou a realizar o que denomina “cruzadas” (eventos de massa) pelo mundo.

Em 2020, foi realizado o The Send Brasil, em 8 de fevereiro, em três estádios de futebol lotados (dois em São Paulo e um em Brasília), com venda de ingressos com baixo custo e inscrições on line. Os eventos, com 12 horas de duração, foram organizados com o apoio do Dunamis Movement, um movimento brasileiro paraeclesiástico originado da JOCUM, cujo alvo é a juventude.

Caracterizado por rica infraestrutura, o The Send Brasil teve mescla de apresentações musicais dos Estados Unidos e das mais destacadas do gospel do Brasil, com pregações religiosas de personagens estadunidenses e de evangélicos conservadores brasileiros. O evento de Brasília contou com as presenças do Presidente Jair Bolsonaro e da Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a Pastora Damares Alves, o que afirmou o caráter e a linha política do projeto.

Havia um The Send programado para a Argentina, em 25 de abril de 2020, no Estádio José Amalfitani, em Buenos Aires. Com as medidas preventivas contra a Covid-19, o evento foi adiado para 2021, mas o The Send Brasil realizou um evento online na data, com 12 horas de duração, com o mesmo tipo de programação realizada nos estádios com cantores e pregadores dos Estados Unidos e do Brasil. Até a data de conclusão deste trabalho, o vídeo havia sido assistido por três milhões de pessoas.

Todas as organizações que apoiam o The Send têm escolas de formação cristã e para missionários jovens e oferecem conteúdo online. O The Send também está organizando suas próprias escolas para os jovens sul-americanos. Por meio das inscrições para os eventos, foi criada uma mala-direta de milhares de contatos.

A Questão política no The Send

O autor do vídeo crítico ao The Send é Jackson Augusto, jovem produtor de conteúdo do Afrocrente, podcaster no afrocrentescast e ativista da teologia negra no Brasil. Integra a coordenação nacional do Movimento Negro Evangélico e é membro do colegiado nacional do Miqueias, rede global de evangélicos comprometidos com a justiça social.

Jackson afirmou, no vídeo que faz parte de uma série sobre os evangélicos, para o The Intercept, que a intenção do The Send seria meramente política. A crítica feita pelo ativista se refere ao que ele denomina uma “espiritualidade individualista e meritocrática”, que ignora questões como opressão, racismo e perseguição aos direitos humanos.

Em depoimento ao Portal Roma News, a cantora gospel Gabi Sampaio, que esteve presente no evento, afirmou que as palestras realizadas trataram assuntos como evangelização em escolas, universidades e comunidades carentes e conscientização sobre adoção e seus impactos.

No vídeo que produziu em resposta à publicação do Intercept, o representante do The Send Henrique Krigner, argumentou que o evento tratou de assuntos como adoção de crianças e adolescentes, tráfico humano e violência doméstica.

A respeito da adoção falaram Todd White (Lifestyle Christianity), Mike Gallagher (Chosen and Dearly Loved), Damares Alves (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos) e Heidi Baker (Iris Global). White falou de sua experiência.

Christine Caine, da The A21 Campaign, tratou de tráfico humano. Ela falou das ações tomadas por sua organização e relatou as situações por quais passam as mulheres vítimas desse crime (o exemplo dado foi de um caso na Grécia). Além disso, ela orou para que pessoas no estádio se comprometessem a lutar por causas como pobreza, tráfico humano e escravidão.

Todas essas participações aconteceram entre o fim da quinta e começo da sexta hora de evento no Morumbi.

A juventude e a política

No entanto, Jackson afirmou que as igrejas miram os jovens “porque a lógica neoliberal dessas igrejas precisa de uma juventude que seja massa de manobra política mesmo, porque ainda não tem muita formação crítica”.
Em entrevista cedida ao Portal PB Agora, o professor doutor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e cientista político Lúcio Flávio, afirma que “é um erro achar que os jovens não gostam de política. Na verdade, o que eles não querem é participar das formas tradicionais da política”.

O especialista destaca que não basta ficar esperando que a sociedade se preocupe da noite para o dia, com os anseios e demandas da juventude. Os próprios jovens precisam desde a escola, interessar-se por política e atuar diretamente, cobrando responsabilidades de governantes, propondo ações e participando de fóruns, conselhos e processos eleitorais.

Em 2018, ano em que foram realizadas as últimas eleições no Brasil, houve aumento na porcentagem de jovens de 16 e 17 anos que tiraram título de eleitor. Segundo dados analisados pelo jornal Folha de S. Paulo a partir de números divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), 29,5% desta faixa etária se encontrava apta para votar. O que corresponde a 250 mil novos eleitores. Houve um aumento em comparação a 2014, eleição que elegeu Dilma Rousseff, quando foi registrada a porcentagem de 23,9%.

O interesse de jovens, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, tem relação com a forte presença deste público em redes sociais, ambiente em que políticos divulgam suas propostas, repercutem notícias e fazem pronunciamentos em tempo real (as chamadas lives).

Outra questão é a identificação dos jovens com temas de cunho social. Entrevistado pela Folha, o professor e pesquisador do Departamento de Gestão Pública da FGV Marco Teixeira, afirma que, “para o senso comum vivemos um período de descrença política, mas vemos engajamento dos jovens em coletivos, não em partidos, identificados com temas como feminismo, questões LGBT e ambiental, por exemplo”.
Também entrevistado pela Folha, o consultor político e advogado da Hold Assessoria Legislativa, Álvaro Maimoni, defende que a intensificação do debate político, principalmente após o impeachment de Dilma em 2016, também influencia os jovens.

Segundo Maimoni, os jovens que se encontram na faixa etária de 16 anos cresceram acompanhando notícias sobre corrupção em órgãos públicos. “Sempre escutaram coisas como ‘nós temos que acabar com a corrupção’ e compraram essa ideia”, conclui.

Participação da ministra Damares Alves

Jackson exemplifica a dimensão política do evento com as presenças do Presidente Jair Bolsonaro e da ministra da Mulher, Família e Direitos Humano Damares Alves, como, de fato, ocorreu. Foram os únicos políticos que falaram no evento.

Em resposta, Henrique Krigner afirmou que a ministra foi convidada não só por ser ministra, mas também pelo fato de o evento ter tratado de temas ligados à sua pasta, como adoção e tráfico humano.
Antes da fala da ministra, Todd White deu um relato pessoal de sua experiência como pai adotivo e Mike Gallagher discorreu sobre adoção, convivência familiar e projetos que estimulam a prática. Em sequência a Damares, Heidi Baker relatou uma experiência pessoal vivida na infância para demonstrar a ligação entre amor familiar e amor divino.

Durante o evento no estádio do Morumbi, a ministra fez um apelo para a igreja evangélica a respeito da adoção e convocou os jovens a exercerem o papel de agentes de mudança na sociedade e na Igreja.

Como era um evento voltado para jovens, Bereia verificou quais são os temas que mais preocupam em relação à realidade deste grupo social. Pesquisas indicam que adoção e tráfico humano não são questões-chave, mas educação, emprego e violência.

Segundo o relatório “Competências e Empregos: Uma Agenda para a Juventude”, divulgado pelo Banco Mundial em março de 2018, um em cada dois jovens brasileiros corre o risco de ser vulnerável à pobreza. Nesse dado entram 25 milhões de pessoas desengajadas da produtividade, seja elas “nem-nem” (não trabalham, nem estudam), estudantes (mas com atraso em sua formação) ou trabalhadoras (mas na informalidade).

Já o Atlas Brasileiro da Violência 2019 mostra que mais da metade das vítimas de homicídio no Brasil são jovens entre 15 e 29 anos (35,7 mil de 65,6 mil). O estudo é feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em dados do Ministério da Saúde com base nos dados do Ministério da Saúde.

Esta verificação dos temas-chave para a juventude no Brasil corrobora a crítica de Jackson Antunes sobre o The Send destacar temas e dar voz a políticos com ênfases que não correspondem ao que são as necessidades mais prementes de jovens brasileiros e acabam denotando campanha política.

Bolsonaro no The Send

Já o presidente Jair Bolsonaro, de acordo o vídeo-defesa de Krigner, não foi convidado pelo evento, mas participou espontaneamente. Questionado nos comentários do vídeo publicado no IGTV a respeito do porquê o presidente discursou, Krigner respondeu:

“Bolsonaro desceu as escadas com lágrimas nos olhos dizendo “estou sendo muito tocado. Posso dar uma palavra?”. Foram essas as palavras que ele usou e, diante disso, cedemos o espaço. Escrevo isso com frio na barriga, pq são detalhes de backstage que ninguém conhece. E te garanto com toda sinceridade: se fosse Dilma, Lula, FHC ou qualquer outro que com olho marejado nos fizesse esse pedido nós daríamos o mesmo espaço. É o momento que sai a “figura pública” e entra o ser humano por detrás do título. Foi lindo e agradeço a Deus por ter sido parte desse episódio que pra mim marca uma nova forma de impacto e influência na relação de crentes com líderes públicos.”

Em Brasília, Bolsonaro discursou para o público do The Send por cerca de quatro minutos. O Presidente afirmou que o público do evento [se referindo aos evangélicos] foi o ponto de inflexão em 2018 para mudar o Brasil. Além disso, ele afirmou que “o Estado até pode ser laico, mas Jair Bolsonaro é cristão” e que seu governo é temente a Deus. Por volta da oitava hora do evento no Morumbi, o preletor Todd White anunciou que Bolsonaro tinha confessado a Cristo, fez uma oração para que o presidente fosse batizado no Espírito Santo e ainda disse que essa decisão muda todo o país.

É verdade que o voto evangélico foi fundamental para a vitória de Bolsonaro em 2018. No entanto, o The Send não foi a primeira ocasião em que o Presidente teria “confessado a Cristo” ou “aceitado a Jesus”. O Bereia já realizou verificação a respeito da imprecisão dessa afirmação, uma vez que o presidente mantém uma postura ambígua em relação a sua religiosidade.

Posicionamentos de lideranças

Em entrevista concedida à cantora e compositora gospel Zoe Lilly, em 08 de outubro de 2019, Henrique Krigner afirma que política é um assunto que sempre o interessou e traz seu posicionamento em relação à política e religião, trazendo por base as eleições presidenciais de 2018.

Para Krigner, as eleições de 2018 exigiram um posicionamento mais enfático por conta da Igreja. “Pela primeira vez a Igreja se reuniu em torno de um candidato em termo de presidência para votar”. Esse posicionamento, “é uma reação à máquina que foi implantada no país. A sociedade está atenta a este processo”, afirma.

No seu canal do Youtube, Krigner pauta temas ligados à política e religião, como a oposição ao Movimento Lula Livre, a pautas do STF, apoio à campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018 e como o cristão deve escolher seus representantes. Em vídeo postado em 08 de novembro de 2019, Krigner deixa clara sua posição crítica ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao refletir sobre prisão e votação em segunda instância, utilizando por exemplo o caso do ex-presidente Lula.

Henrique fez críticas ao Supremo em outros momentos em suas mídias sociais. Em sua página no Facebook, ele publicou em 24 de julho de 2020 o seguinte texto acompanhado por foto:

“Faz sentido uma instituição em que o mesmo juiz acusa e investiga um processo do qual ele se entende como vítima? Por quê uma decisão como essa não é tomada por um colegiado? #stf #alexandredemoraes”.

Em vídeo postado em 15 de novembro de 2019, Krigner responde os comentários referentes a um vídeo anterior sobre o Movimento Lula Livre. Neste último vídeo postado em novembro de 2019, em aplicativo vinculado ao Instagram, Henrique argumenta que é contraditório um jovem cristão defender o Movimento, pois choca com princípios básicos da ética cristã, como honestidade e respeito ao próximo.

O líder alerta para o retrocesso que o Movimento simboliza, no sentido de representar o desrespeito a Constituição e perda de confiança no trabalho desenvolvido por órgãos do Poder Judiciário brasileiro.
No contexto das últimas eleições foram produzidos vídeos com o objetivo de esclarecer o público acerca de temas desde funcionamento da urna eletrônica, candidatos que concorreram ao pleito daquele ano e até direitos como cidadão brasileiro, desenvolvendo a conscientização de indivíduos participantes da construção do próprio país, cientes dessa missão.

O último vídeo publicado no canal foi uma resposta ao vídeo divulgado pelo The Intercept Brasil sobre o The Send.

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Bereia conclui que a notícia do Portal do Trono é verdadeira, pois o The Send é, de fato, criticado na análise crítica publicada em vídeo por Jackson Antunes no Intercept. O Portal do Trono deu voz à defesa do promotor do evento Henrique Krigner, em sua notícia, mas não ouviu Jackson Antunes ou levantou dados referentes às críticas que o site noticioso classifica como “acusações”.

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Referências

Portal do Trono, https://www.portaldotrono.com/the-send-brasil-doutrinar-jovens-evangelicos-politica/. Acesso em 27 de Agosto de 2020.

The Intercept Brasil, https://youtu.be/AKE1tHfY_d4. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

Canal do Krigner, https://youtu.be/9uHfSjkxKGs. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

The Send, https://thesend.org.br/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

Bíblia, https://www.bibliaonline.com.br/acf/mc/16/15. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

Jocum, https://jocum.org.br/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

Call2all, https://www.call2all.org/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

Create International, http://createinternational.com/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

End Bible Poverty Now, https://www.endbiblepovertynow.com/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

YMAN 4K, http://4kworldmap.com/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

YWAM City Ministries International, https://www.ywamcity.org/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

YWAM Ships Australia, https://ywamships.org.au/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

YWAM Ships Kona, http://ywamships.net/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

YWAM Refugee Circle, http://www.ywamrefugeecircle.com/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

The Send Brasil, http://thesend.org.br/historia-pt/. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

Dunamis Movement, https://youtu.be/0c6wBmHrVRM. Acesso em: 27 de Agosto de 2020.

Banco Mundial, http://documents1.worldbank.org/curated/en/953891520403854615/pdf/123968-WP-PUBLIC-PORTUGUESE-P156683-CompetenciaseEmpregosUmaAgendaparaaJuventude.pdf. Acesso em: 2 de Setembro de 2020.

IstoÉ, https://istoe.com.br/metade-dos-jovens-brasileiros-tem-futuro-ameacado-alerta-banco-mundial/. Acesso em: 1 de Setembro de 2020.

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48504184. Acesso em: 1 de Setembro de 2020.

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Cientista político ressalta que juventude quer ser inserida na política e não só tratada como massa de manobra. PB Agora: https://www.pbagora.com.br/noticia/politica/cientista-politico-ressalta-que-juventude-quer-ser-inserida-na-politica-e-nao-so-ser-tratada-como-massa-de-manobra/. Acesso em: 29 de agosto 2020

Proporção de adolescentes eleitores aumenta pela primeira vez desde 2006. Jornal Folha de S. Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/proporcao-de-adolescentes-eleitores-aumenta-pela-primeira-vez-desde-2006.shtml. Acesso em: 29 de agosto 2020

Daily Kos. “”It’s Scary” – GOP’s Lou Engle Problem Getting Bigger”. https://www.dailykos.com/stories/2010/5/17/867144/-Its-ScaryGOPs-Lou-Engle-Problem-Getting-Bigger Acesso em 1 set 2020

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