Quando se trata sobre o impacto do conservadorismo e do progressismo religioso na sociedade brasileira, é preciso demolir as noções equivocadas de que religião e política não se discutem nem não se misturam. A opinião é da editora-geral do Coletivo Bereia Magali Cunha. Juntamente com Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto), ela participou da série “Sábados resistentes”, realizada pelo Memorial da Resistência de São Paulo e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política e transmitida pela Tutaméia TV.
Essa edição do evento, realizada em 17 de agosto, discutiu o papel desempenhado pelas diferentes religiões na esfera política brasileira, especialmente no período da Ditadura Militar (1964-1985), e na interação entre religião e política nos anos seguintes.
De acordo com a pesquisadora, religião e política sempre se misturaram e estiveram na pauta de discussão. “A religião constitui um elemento que estrutura a vida e que dá sentido à vida de pessoas e culturas, e a política organiza a coexistência”.
Magali Cunha também chamou a atenção para o fato de que numa democracia a pluralidade de vozes é importante, e nesse sentido os grupos religiosos podem ter seu espaço na cena pública, com base nos valores que defendem.
Segundo ela, essa postura não é nociva, “mas o que é nocivo é que não haja debate e que um grupo se diga supremo ao outro, desqualificando as outras experiências religiosas”. “Os autoritarismos que impedem que a pluralidade ocorra devem ser denunciados”, acrescentou.
Em sua fala, a editora-geral do Bereia destacou quatro posturas relacionadas à relação entre religião e política no contexto da ordem vigente: submissão, como estratégia para preservação e sobrevivência do grupo religioso; alinhamento, por meio de apoio, suporte e promoção de ações; engajamento e participação, até mesmo para influenciar a cena pública; e oposição, quando os valores propostos são contrários aos do grupo religioso.
A íntegra das apresentações e debates está disponível em:
O site Pleno.News publicou, em 14 de setembro, matéria sobre a viagem da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva para o estado de São Paulo com o intuito de, segundo a notícia, atuar em campanhas eleitorais de seu partido Rede Solidariedade, em municípios da região. O portal gospel enfatiza no título da matéria a contradição entre a situação de calamidade em que o país se encontra por conta das queimadas em diversos locais no Brasil e a propensa motivação política da viagem de Marina Silva ao estado paulista para apoiar candidatos às eleições municipais.
Imagem: Site Pleno.news
A mesma notícia circulou em outros portais de direita como os sites Agora Notícias Brasil e Aliados do Brasil. Em ambos os textos, o título chama atenção com o destaque para a situação das queimadas, mas em seguida apresenta as ações em campanhas eleitorais realizadas por Marina Silva, insinuando o descaso da ministra com a catástrofe pela qual o país está passando.
Imagem: Site Agora notícias Brasil
Em todos os sites, as informações apresentadas são as mesmas. A notícia relata a agenda da Ministra em cidades paulistas para apoiar candidatos políticos. É citada com exatidão a passagem de Marina Silva por Mauá (SP) para apoiar Marcelo Oliveira (PT) e em eventos em São Carlos e na capital paulista.
Em seguida, os textos destacam dados sobre os incêndios recentes em São Carlos e os problemas causados pela fumaça em diferentes regiões do Brasil. Todas as publicações resgatam, ao final, o posicionamento da chefe da pasta do Meio Ambiente e Mudança do Clima em relação à atuação do governo para conter as queimadas.
Bereia acessou texto publicado pela Agência Brasil, no último 14 de setembro, o Brasil registrou 7.322 focos de incêndio, o que representa 71,9% das queimadas na América do Sul. Segundo dados do sistema BDQueimadas do INPE, até 13 de setembro, o país tinha acumulado 180.137 focos, um aumento de 108% em relação ao mesmo período de 2023.
Segundo o delegado da Polícia Federal (PF) Humberto Freire, em entrevista à GloboNews, , parte das queimadas pode ser resultado de ações coordenadas. “A gente vê que alguns incêndios começaram quase ao mesmo tempo. Isso traz o indício de que podem ter acontecido ações coordenadas. É um ponto inicial da investigação”, disse ele.
Outro ponto de atenção sobre as queimadas é o uso de fogo para práticas agrícolas, algo que está proibido em todo o território nacional devido à seca severa, de acordo com a ministra. “Há uma proibição em todo o território nacional do uso do fogo, mas existem aqueles que estão fazendo um verdadeiro terrorismo climático, usando a temperatura alta e a baixa umidade e ateando o fogo do nosso país, prejudicando a saúde das pessoas, a biodiversidade, destruindo as florestas”, disse Marina Silva, em São Carlos. Bereia já fez várias checagens sobre o tema.
O encontro aconteceu no Palácio dos Bandeirantes, e faz parte de uma orientação do governo federal para estados e municípios sobre como lidar com os efeitos das mudanças climáticas. Segundo Marina Silva, foram colocados à disposição do estado, helicópteros e mais de 500 pessoas do Exército para ajudarem no combate às queimadas.
Como é prática de todos os políticos que atuam em Brasília, depois de cumprir a agenda do Ministério no Estado de São Paulo, no final de semana, no sábado, 14 de setembro, Marina Silva, de fato, teve reuniões com candidatos às eleições nos municípios pelos quais passou.
De volta a Brasília, na segunda-feira, 16 de setembro, a ministra participou de reunião com o presidente Lula, convocada em caráter emergencial, para tratar da crise climática e das queimadas que assolam o país, com outros ministros mas o vice-presidente da República Geraldo Alckmin, além de lideranças do governo no Congresso Nacional, e representantes do Ibama e ICMBio. O mesmo tema motivou a reunião que aconteceu no dia seguinte com diferentes participantes.
Na terça-feira, 17 de setembro, reuniu as mesmas lideranças do governo e convocou os líderes dos outros dois Poderes da República, como Bereia já informou, para fazerem “façam um diagnóstico da situação dos incêndios no país e compartilhem responsabilidades”. Durante esta reunião Marina Silva afirmou que o governo pretende criar um Conselho Nacional para tratar de questões climáticas, para reunir representantes dos ministérios, do Legislativo, do Judiciário e também de diversos setores da sociedade, como o empresarial.
“Nosso país tem imensas vantagens comparativas e nós não vamos mais transformá-las em vantagens competitivas, nós vamos transformá-las em vantagens colaborativas, distributivas. Nós podemos ser grandes produtores de alimento, grandes produtores de energia. O Brasil, como o senhor disse [presidente Lula], no G7, no Japão, vai ser um grande exportador de sustentabilidade”, declarou a ministra.
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Bereia classifica a matéria publicada pelo Pleno News como enganosa. O veículo religioso manipulou a informação sobre a agenda da ministra Marina Silva, em São Paulo, para levar leitores a acreditarem que ela não está atuando frente às emergências ambientais no país, mas dedica tempo e viagens para fazer política eleitoral.
Como Bereia verificou, a ministra cumpriu compromisso, na sexta-feira, 13 de setembro, no Palácio dos Bandeirantes, com o governador do Estado Tarcísio de Freitas e a ministra da Saúde Nísia Trindade, como consta na agenda oficial do Ministério. A viagem teve por objetivo, justamente, a crise das queimadas no estado e as providências com o apoio do governo federal. Marina Silva permaneceu mais um dia em São Paulo e, de fato, realizou reuniões com políticos em campanha eleitoral, porém, fora da agenda do ministério, prática comum a políticos que atuam em Brasília em finais de semana.
Ao retornar a Brasília, na segunda-feira, 16 de setembro, Marina Silva seguiu cumprindo tarefas referentes ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança no Clima, todas relativas ao enfrentamento da crise ambiental que assola o Brasil.
Bereia alerta leitores e leitoras quanto a matérias desinformativas de veículos religiosos elaboradas, deliberadamente, para comprometer a reputação de governos, partidos e personagens do mundo político a quem se opõem. Antes de compartilharem matérias críticas a estas figuras, é preciso que leitores e leitoras verifiquem o conteúdo para não se tornarem propagadores de desinformação.
Uma manifestação de motoboys na capital paulista em 20 de abril de 2020 ganhou espaço no noticiário. Eles reivindicavam melhores condições de trabalho durante o período de quarentena, preconizado como medida para conter o avanço da Covid-19.
O fato ganhou outras proporções no momento em que a youtuber católica, Sara Winter, que se declara ex-feminista, compartilhou, no mesmo dia, em sua página no Facebook, a notícia, originalmente publicada pela Folha de S. Paulo, e incluiu a seguinte chamada:
“Os trabalhadores paulistas das mais variadas classes de serviços já estão sentido o peso das atitudes impensadas e autocráticas do governador João Doria!”.
Sara Winter é consultora particular do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, função assumida depois de ter sido cotada como Coordenadora Nacional de Atenção Integral à Gestação e Maternidade no mesmo Ministério. Segundo biografia disponível em seu site, após passar pela experiência traumática de um aborto, Sara converteu-se ao catolicismo, tornando-se uma das maiores lideranças e conferencista pró-vida e pró-família em nível nacional e internacional.
O alcance e o volume de usuários em sua página no Facebook impressionam. São mais de 270 mil usuários impactados por cada publicação. Portanto, o post do dia 20 de abril, que sugere que o protesto dos motoboys foi motivado em oposição ao governador João Doria (PSDB), é submetido à checagem como forma de verificar a associação entre a matéria compartilhada do site da Folha de S. Paulo e a chamada redigida por Sara Winter.
Vale lembrar que, desde o registro da primeira morte pelo vírus em São Paulo, no dia 17 de março, Doria, determinou uma gradual quarentena no estado de São Paulo. A primeira medida foi a suspensão das aulas nas escolas e, logo em seguida, o fechamento do comércio, shoppings e serviços não essenciais. A ação foi, depois, acompanhada por outros governadores.
Matéria da revista IstoÉ, de 03 de abril, traz avaliação favorável a João Dória, também realizada por outras mídias de que, ao assumir as medidas preventivas de isolamento social, indicadas pela Organização Mundial de Saúde, o governador paulista “virou um antídoto contra Bolsonaro e suas atitudes irresponsáveis de mandar todo mundo voltar ao trabalho, o que, se tivesse sido obedecido pela população, teria levado o País a números devastadores como os já registrados nos EUA, Espanha, Itália e China”.
A matéria compartilhada por Sara Winter
O Coletivo Bereia checou a matéria original postada por Sara Winter como crítica a João Doria, veiculada no site da Folha de S. Paulo, às 12h54, de 20 de abril. Não é difícil constatar pela simples leitura que o protesto não foi direcionado ao governador, mas, sim, contra as empresas de entregas por aplicativo. Segundo a reportagem, os motoboys pediram melhores condições de trabalho ao longo da quarentena contra o novo coronavírus. Entre os questionamentos, destacaram-se o bloqueio dos entregadores diante da não conclusão das rotas, a falta de suporte mediante casos de acidentes no trabalho e ainda o baixo valor que a categoria está recebendo para fazer as entregas neste contexto de pandemia.
A matéria da Folha de S. Paulo traz depoimentos de alguns motoboys que salientam, de forma clara, a insatisfação com empresas como Rappi, iFood e Uber Eats, e em qualquer momento mencionam o governador de São Paulo.
O desfecho do protesto dos motoboys ocorreu na cidade de Osasco (SP). De acordo com a matéria da Folha, após a moto-carreata, que começou na Praça Leonor Kaupa, no Bosque da Saúde (zona sul), o grupo de manifestantes se aglomerou em frente à sede do iFood, onde, por meio de um carro de som, discursou contra as empresas de entrega por aplicativo.
A Folha de S. Paulo ainda apurou os questionamentos com as empresas. O Rappi informou por meio de uma nota que segue atendendo às recomendações preconizadas pelos órgãos de saúde, como a entrega sem contato, oferta de máscaras e álcool em gel 70% ou mais, disponibilização de botão específico para que o entregador informe possíveis sintomas de Covid-19, além da criação de um fundo de apoio financeiro por 15 dias para motoboys diagnosticados com a doença.
À Folha, o iFood também confirmou a entrega de equipamentos de proteção individual (EPIs) e a implantação do fundo de apoio financeiro. Sobre o valor do frete, o aplicativo afirmou em nota que considera o tipo de rota percorrida, o modal utilizado e a cidade, salientando ainda que só bloqueia aqueles que utilizam a plataforma de forma indevida. Já o Uber Eats, segundo a publicação, não se posicionou.
A situação dos entregadores por aplicativos
O protesto apurado pela Folha de S. Paulo, no dia 20 de abril, ocorreu três dias depois de um outro, também em São Paulo, realizado por entregadores, contra a redução do valor pago por entregas realizadas por aplicativo. Nessa ocasião, os trabalhadores queixavam-se de má remuneração e falta de equipamento de proteção.
Quem também noticiou a difícil situação que os entregadores se encontram foi Gregório Duvivier, em seu programa Greg News, intitulado “Delivery”. Em um dos depoimentos, um entregador mostrou que, passado um ano que trabalhava no aplicativo, teve que fazer o dobro de entregas para conseguir ganhar a metade do que tinha recebido no ano anterior. Ele revela o quanto as empresas de aplicativos de entrega reduziram o valor do pagamento pelas entregas em tempos de pandemia, quando os pedidos se multiplicaram, ou seja, ganham mais e pagam menos aos trabalhadores.
Por outro lado, após ouvirem o desafio ao final do programa Greg News, programadores criaram um canal digital para conectar entregadores e advogados trabalhistas.
O estímulo à informalidade desde a “Reforma Trabalhista” aprovada no governo Temer, em 2017, e enfatizada pelo governo Jair Bolsonaro, fez crescer intensamente o número de trabalhadores entregadores vinculados aos aplicativos de serviços de entrega. São inúmeras as situações de exploração destas pessoas que não gozam de direitos como máximo de horas de trabalho, férias, seguro-acidente, licença de saúde, como mostram as matérias da Folha de S. Paulo e do programa Greg News. Alguns entregadores recorrem à Justiça.
Em março, o TRT reconheceu o vínculo empregatício entre um entregador e o aplicativo Rappi e reformou sentença de 1ª grau. O reclamante deu entrada em ação trabalhista em 2019, após ter sido bloqueado permanentemente do aplicativo e pedia verbas indenizatórias. Em seu voto, o desembargador ainda lembra que o aplicativo trabalha com uma classificação dos entregadores, repercutindo na divisão do trabalho.
Há quem se preocupe com esta situação. Um projeto de lei (PL 391/2020) do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) determina que empresas de aplicativos de entregas paguem seguro de acidentes pessoais para os entregadores. Segundo o senador, o número de acidentes envolvendo esses trabalhadores aumentou 64%, no estado de São Paulo. Por isso, é necessário exigir o direito para preservar a vida dos entregadores.
Por que Sara Winter atribuiu o protesto dos motoboys a João Doria?
O governador João Doria, que fez campanha utilizando a alcunha “BolsoDoria” tornou-se, recentemente, o novo inimigo da rede de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Esta oposição já vem ocorrendo desde 2019, quando Doria passou a fazer críticas ao governo Bolsonaro e apresentar-se como pré-candidato à Presidência da República nas eleições de 2022. A disputa entre Doria e Bolsonaro foi potencializada agora durante a crise da pandemia de coronavírus. Enquanto o presidente defende um isolamento parcial, Doria determinou, em linha com a Organização Mundial da Saúde, uma quarentena mais ampla. Ou seja, “mais do que uma discordância técnica, os seguidores de Bolsonaro veem na postura de Doria uma estratégia para derrubar o capitão reformado na corrida presidencial de 2022”.
A partir desse posicionamento dissonante, o governador João Doria passou a ser alvo de várias notícias falsas criadas ou compartilhadas por partidários do presidente.
Bereia selecionou algumas:
A checagem do Coletivo Bereia, portanto, conclui que a postagem na página do Facebook da ativista católica anti-feminista Sara Winter é enganosa. Ela faz uso da matéria da Folha de S. Paulo sobre o protesto de motoboys em São Paulo, por conta de direitos negados pelas empresas de entrega por aplicativos, e propaga para seus seguidores que os trabalhadores protestavam contra “as atitudes impensadas e autocráticas do governador João Doria!”.
Sara Winter produziu desinformação com conteúdo enganoso em oposição a João Doria e recebeu várias curtidas para sua postagem, outros tantos compartilhamentos e comentários como: “#fechadoscomBolsonaro”, “Fora Doria”, “o Doriana também já está vendo o tamanho da caca e dizendo que dia 11 começa a reabrir o estado….”
Boa parte dos curtidores e compartilhadores da postagem guia-se apenas pela chamada de Sara Winter e pelo título da matéria, que não menciona contra quem é feito o protesto. Esta prática é muito comum em mídias sociais – leitores ficam apenas com chamadas e títulos e não leem o conteúdo das matérias compartilhadas por link. Muitos não apenas curtem e comentam, mas compartilham, levando adiante o engano.
Quem deliberadamente produz material enganoso se vale desta prática comum e usa seguidores como multiplicadores de desinformação. Bereia alerta seus leitores e leitoras que atentem para esta ação injusta e os conclama a ler todo o conteúdo que lhes é destinado, comparando chamadas e títulos com o que compõe o texto e, se gerar dúvida, buscar outras fontes antes de curtir, comentar em apoio e compartilhar.
Montagem de Doria pichando símbolo do comunismo viraliza no Facebook, por Alessandra Monerat. Estadão Verifica, 17 mar 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/montagem-de-doria-pichando-simbolo-
Crise do coronavírus faz web relembrar que João Doria é a cara do Dio [x-vocalista da banda Black Sabbath]. UOL Entretenimento, 28 mar 2020. Disponível em: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/28/crise-do-coronavirus-faz-web-relembrar-que-joao-doria-e-a-cara-do-dio.htm?cmpid=copiaecola.