Não é possível afirmar que terreiros de candomblé estejam promovendo proselitismo em shoppings

Vídeos em que pessoas vestidas com as indumentárias de orixás do candomblé estariam dançando e cantando em shoppings viralizaram em mídias sociais. Os vídeos em questão não dizem onde ou quando as imagens foram feitas, mas em legendas os usuários levam à compreensão  de que o ato se deu após evangélicos começaram a cantar e pregar em centros comerciais. Com estas postagens se afirma que tais manifestações seriam uma resposta e uma tentativa de evangelização por parte dos candomblecistas. 

Evento no shopping

Em perfis do Twitter  foi informado que o “ato” em questão diz respeito a uma ação de marketing do Shopping Barra, realizada anualmente,  com o nome “Lavagem do Barra”. O evento  é parte de uma série de intervenções culturais que acontecem no shopping a fim de anunciar a primeira liquidação do ano, entre os meses de janeiro e fevereiro. O Shopping Barra fica em Salvador (Bahia), próximo ao Farol da Barra, ponto turístico da cidade. 

A intervenção publicitária faz alusão ao evento popularmente conhecido como a Lavagem do Bonfim, evento inter-religioso que acontece no segundo domingo após o Dia de Reis, em janeiro, e consiste no cortejo entre as Igrejas da Conceição da Praia e do Senhor do Bonfim e a lavagem de suas escadarias.

No entanto, as imagens mostram pessoas vestidas como orixás, e não baianas. Bereia entrou em contato com o Shopping Barra e com o dono do perfil que divulgou as imagens para checar se elas se referem, de fato, ao evento. Porém até o fechamento deste texto não obteve resposta.  

Intervenções evangélicas em espaços públicos 

Recentemente viralizaram em grupos e perfis religiosos imagens e vídeos de pessoas cantando músicas e fazendo pregações em shopping e supermercados. A iniciativa surgiu no fim de 2022 e, de acordo com a igreja organizadora, pretende se repetir todo último sábado do mês, dia em que Flash mobs (atos de intervenção pública e urbanas) serão realizados em shoppings e mercados de maior movimentação de suas cidades. 

Por ter sido movimento aparentemente espontâneo, as ações provocaram a circulação de postagens de exaltação ao ato, como um “avivamento”. Porém,  o que aconteceu em várias cidades do país, faz parte do projeto IDE de evangelização, criado pela Igreja Fonte da Vida, que tem por principal objetivo propagar a palavra de Deus para fora da igreja adentrando em lugares de massiva movimentação de pessoas. 

Imagem: reprodução do Instagram

Todavia, essa ação não representa necessariamente uma novidade para com as práticas de proselitismo e evangelização da Igreja. É possível encontrar vídeos publicados há pouco mais de sete anos em que essa mesma prática é realizada em praças de alimentação de shoppings. O termo IDE também foi usado nesses vídeos.   

 Bereia apurou que  religiões de matrizes afro-ameríndias e afro-brasileiras não têm a prática de realizarem intervenções urbanas com o objeto de fazer proselitismo, uma vez que o ato de conversão por convencimento não  pertence à atividade dessas expressões religiosas. Em sua dissertação de mestrado pela Universidade de Brasília, a pesquisadora e advogada Milene Santos lembra que não apenas religiões de matriz afro não praticam o proselitismo público, como elas são um dos principais alvos das práticas de intolerância e importunação religiosa da parte de cristãos.

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Bereia classifica como inconclusiva a notícia de que fiéis  do candomblé estariam praticando proselitismo e apelo à conversão em shoppings. Embora determinados eventos do calendário cívico secular tenham sido sincretizados e fazerem parte de comemorações de fiéis afrorreligiosos (a exemplo, a Lavagem do Bonfim) não é comum às religiões de matrizes afro-ameríndias realizarem atos de conversão pública. Também não é possível afirmar, até o momento, que as imagens que circularam referem-se a uma ação publicitária de um shopping em Salvador.

Referências de checagem:

Instagram.

https://www.instagram.com/reel/CnFnKo4qBK3/?utm_source=ig_web_copy_link Acesso em: 01 abr 2023

https://www.instagram.com/shoppingbarra/ Acesso em: 01 abr 2023

https://www.instagram.com/p/CqDKHkFtMDm/?utm_source=ig_embed&utm_campaign=embed_video_watch_again Acesso em: 01 abr 2023

https://www.instagram.com/reel/Cp-RN5sssYQ/?utm_source=ig_embed&ig_rid=105a47e9-c958-4908-8c62-28647e665e71 Acesso em: 01 abr 2023

Carta capital. https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-que-e-quem-esta-por-tras-das-cantorias-evangelicas-em-shoppings-e-supermercados/Acesso em: 01 abr 2023

Pleno News. https://pleno.news/fe/projeto-leva-evangelicos-a-louvar-em-shoppings-e-cenas-viralizam.htm Acesso em: 01 abr 2023

Guia Me. https://guiame.com.br/gospel/mundo-cristao/supermercado-e-shopping-no-rio-sao-tomados-por-adoracao-isso-e-ser-igreja.html Acesso em: 01 abr 2023

Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=5oQ1byJoE3U Acesso em: 01 abr 2023

Repositório UNB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/13873  Acesso em: 01 abr 2023

Twitter. https://twitter.com/kalliloliveira_/status/1639798667493232641?t=Be95v-cOY6Nyczk0KVLvCw&s=19  Acesso em: 01 abr 2023

É errado falar em fake news?

Eu gostaria de ter escrito este texto com uma defesa do termo fake news. Os argumentos estavam desenhados na minha cabeça, com as bases conceituais e teóricas para embasar, antes de me dar conta de que seria desnecessário. A realidade segue em frente para mostrar que aqueles que brigam com ela, mais cedo ou mais tarde, são relegados para escanteio da produção intelectual e prática.

Não desmereço os argumentos contra o uso do termo. São, muitas vezes, bem embasados – na teoria e na experiência concreta. O mais recente que ouvi veio de um professor que falou que fake news seriam uma banalização do processo, e que deveríamos chamá-las pelo que “realmente são: mentiras”. Este mesmo argumento já ouvi de cientistas políticos – mais em conversas do que no seio de artigos ou dissertações. “Se é fake, não pode ser news” é o mais comum.

Este último parte de um pressuposto que soa mais como um elogio à profissão do que uma observação empírica da realidade: a de que a verdade factual é inerente ao formato “news”, ou “notícia”. O que faz sentido para deslegitimar o termo “fake news”. Seria uma contradição. Porém, o termo segue sendo empregado, não apenas por políticos que querem desvalidar seus oponentes ou a imprensa (que não é, idealmente, aliada ou oponente de nenhum deles), mas também por consumidores de informações e notícias cotidianamente.

Em meu experimento, que pode ser lido na íntegra aqui, coloquei diversos indivíduos em espaços assíncronos (grupos virtuais semiprivados) e pedi que compartilhassem comigo as fake news que recebessem. Pretendia entender o que tomavam por fake news, para além dos limites acadêmicos. O que encontrei foi toda uma variedade de produtos informacionais, de peças de comunicação, que mostram como essa visão elitista de “não vamos chamar de fake news” é mais uma demagogia acadêmica do que um olhar para a concretude.

Piadas envolvendo variantes linguísticas, listas de frutas boas para enfermidades, memes, argumentos históricos, críticas a personalidades, toda uma gama de conteúdos foi chamada de “fake news” por quem não mergulha nas reflexões teóricas do assunto. É assim que o termo é lido no cotidiano por quem consome esse mesmo conteúdo. E é por isso que querer abolir o termo “fake news” é mais um desserviço acadêmico baseado no ego do que um primar pela qualidade do debate.

Quando tentamos abolir as adoções e empregos de um termo, estamos nos cegando para toda a discursividade e todos os sentidos que aquele termo assume no contexto social dado. É uma imposição de cima para baixo, que não apenas não vai ter efeito algum, como vai aumentar o abismo entre a ciência e o cotidiano, entre o falar dos acadêmicos e as conversações que constroem os hábitos. E cega, claro, os cientistas para as mil maneiras como o termo e suas acepções serão tratados na concretude das relações humanas.

A expressão está aí, é empregada e assim como quem quis abolir a palavra “shopping” quando do começo de sua adoção, está fadado a ser enxergado como uma nota de rodapé curiosa, alguém que tentou parar a inevitável roda do tempo. Nós lembramos, comentamos, mas no fim das contas, ele não vingou – uma pena, tinha um ponto, mas não viu o todo.

O que podemos observar pela adoção do termo “fake news” é que o “news” deixa de estar associado, no entendimento popular, a uma ética na e para a informação, e passa a ser visto como um formato, replicado, em que a adoção ou não de uma ética para com a verdade determinará o emprego desse agora sufixo “fake”. São as formas de atribuir essa ética, às formas de discutir os formatos inerentes às “news”, os contextos de acusação de “isso são fake news” que deveriam interessar nossa visão sobre o assunto.

A adoção usada por Lucia Santaella e Eugênio Bucci tem sido uma das melhores que vejo até o momento – não se negam nem se demoram na discussão sobre a adoção do termo “fake news”, mas procuram observar os contextos em que o termo é empregado para, a partir deles, traçar uma teoria. Desinformação, pós-verdade, e as discussões que os envolvem são essenciais – esses são termos que se desenvolvem nas pesquisas levando em consideração que “fake news” é usado e circula de dentro para fora da academia sem imposição. Também são construídos na dialética.

Enfim, acredito ter expressado os incômodos que tenho com a relutância da adoção de fake news (sem itálico, sem aspas, um produto comunicacional em si) como termo. Agora, no campo da crença, realmente não vejo necessidade de grandes esforços para vencer essa discussão. Basta me recostar e assistir o termo gradativamente tomar as produções científicas e leigas, agregar-se aos dicionários e receber cada vez melhores abordagens – cada vez mais desprovidas de ego que recusam a enxergar a falta de crédito em que as instituições caíram a ponto de “news” poder, sim, comportar o adjetivo “fake”.