Senador evangélico desinforma sobre alterações orçamentárias do governo federal

* Matéria atualizada às 15:47 de 02/05/2023

O senador Magno Malta (PL-ES)  publicou, em seu perfil de mídia social, a informação de que o governo federal estaria encobrindo “rombo” de R$ 7,7 bilhões no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O “rombo” seria fruto de “pedaladas fiscais”, mesmo motivo usado no processo de impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Em publicação o senador aponta que as “pedaladas” só vieram a público graças à imprensa, e levanta o questionamento se o governo Lula estaria fazendo o mesmo movimento. 

Imagem: reprodução do Instagram

O que são as “pedaladas fiscais” 

“Pedalada fiscal” é como ficou conhecida a manobra contábil feita pelo Poder Executivo visando ao cumprimento de metas fiscais. A ação faz parecer que houve equilíbrio entre gastos e despesas, com o remanejamento de valores entre itens orçamentários. Durante o governo Dilma, o Tribunal de Contas da União entendeu que, voluntariamente, o Tesouro Nacional havia atrasado o repasse de recursos para pagamento de brancos credores, impossibilitando o pagamento de programas como o Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e auxílio-salário via INSS. Ao mesmo tempo, o governo havia omitido essas informações nas estatísticas da dívida pública, adiando para o próximo mês a contabilização da dívida.

De acordo com relatório publicado pelo Senado Federal, “Ao todo, o saldo negativo do governo Dilma com a Caixa alcançou R$ 34,2 bilhões em recursos obrigatórios para pagar programas sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e abono salarial, entre o início de 2011 e o mês de abril deste ano (2013). Esses atrasos foram cobertos pelo banco, que precisou usar recursos próprios”, afirmou. 

Essa ação, comumente praticada por governos nos diferentes níveis da administração pública, foi usada como base para o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016. 

Surpreendentemente, dois dias após a destituição da presidente, o vice-presidente que assumiu o cargo, Michel Temer, e o presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), sancionaram lei regulamentando as pedaladas fiscais. A Lei nº 13.332, de 1º de setembro de 2016, flexibilizou as regras de abertura de créditos suplementares sem a necessidade de autorização do Congresso ou alterações concedidas de orçamento através de pleito público, o que possibilitou ao governo vigente realizar as “pedaladas”. De acordo com a legislação:

“Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais abertos ou reabertos, deste que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de superávit primário estabelecida para o exercício de 2016”, artigo 4º da Lei.

A mudança na lei orçamentária possibilitou ainda que o governo cancelasse recursos de emendas coletivas e direcionasse recursos para outras áreas de seu interesse, sem que para isso fosse feito um pedido à priori ao Congresso Nacional. As pedaladas fiscais de Temer, em dois anos, somaram R$ 30 bilhões de reais. As pedaladas também fizeram parte do governo Bolsonaro, que, em seu primeiro ano de governo, chegaram a R$ 55 bilhões de reais.

É importante ressaltar que as investigações contra Dilma e as “pedaladas fiscais” foram extintas por acusação indevida. Em 2020 o Tribunal Regional Federal da 2ª Região – RJ, extinguiu a ação popular pedindo reembolso aos cofres públicos do dinheiro “desviado” das pedaladas fiscais. A decisão foi tomada dois anos após a 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenar a ex-presidente a indenizar a União pelos supostos danos aos cofres públicos durante o seu governo. 

Lula e o INSS

De acordo com matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, “o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterou um dado no orçamento de 2023 para reduzir artificialmente a previsão de gastos com o INSS e evitar, de última hora, uma pressão maior sobre as despesas logo no início do novo mandato”. A afirmação se deu após o jornal ter acesso a documentos da Secretaria de Política Econômica, via Lei de Acesso à Informação. 

A alteração dos dados orçamentários configuram-se como “pedaladas” uma vez que reajustam, sem ter passado por pleito, verbas destinadas ao pagamento de Previdência feitas junto ao INSS.  Essa alteração se deu quando o salário mínimo foi reajustado da previsão inicial de R$ 1.320,00 e foi reduzido para R$ 1.302,00, até o fim do ano. Essa ação permitiu a redução de R$ 7,7 bilhões de reais nas despesas do benefício previdenciário, segundo o jornal,  verba que será redistribuída para outras áreas.  

Em nota informativa  a Diretoria do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), explica os novos cálculos :

Imagem: reprodução da Folha de S.Paulo

Segundo o Ministério da Previdência Social (MPS), a redução do piso salarial reduziu a estimativa de despesas governamentais com a Previdência Social, e, a principal razão para a diminuição dos gastos surgiu da diferença entre o valor do salário mínimo e as despesas da Previdência. O ministério aponta ainda que uma possível nova alteração no valor do salário mínimo só será possível após nova aprovação  da Lei Orçamentária, o que não deve acontecer este ano. 

ATUALIZAÇÃO ÀS 15:47 DE 02/05/2023: Em medida provisória publicada em edição extra do Diário Oficial da União, no dia 01 de maio de 2023, a remuneração mensal passou de R$ 1.302 para R$ 1.320. Em nota, Agência Brasil, afirma que “Inicialmente, a equipe econômica queria adiar o reajuste para 2024, mas o governo conseguiu encontrar recursos para o novo aumento do mínimo. O dinheiro veio do recadastramento do Bolsa Família, que eliminou 1,2 milhão de beneficiários em situação irregular apenas em abril.”. O aumento fará uso de R$ 6,8 bilhões, verba destinada pela Emenda Constitucional da Transição.

**

Bereia classifica a informação usada pelo senador Magno Malta em publicação nas mídias sociais como enganosa. A alteração orçamentária feita pelo governo federal trata-se não da tentativa de encobrir um “rombo” no INSS, como aponta o senador, mas de uma busca por redução de custos, usando para tanto a verba orçamentária prevista para o pagamento de beneficiários do INSS. Bereia lembra a leitores e leitoras que, desde 2016, com a Lei Nº 13.332, as aberturas de manipulação de contas,  historicamente realizadas por governos, nos diferentes níveis da administração pública,  outrora conhecidas como “pedaladas fiscais”, passaram a ser manobras legais, e, portanto, não podem ser objeto de acusação manipulação da opinião pública, como busca fazer o senador da Bancada Evangélica no Congresso Nacional.

Referências de checagem:

Senado Federal.

https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/pedalada-fiscal Acesso em: 27 abr 2023

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/513929/noticia.html?sequence=1&isAllowed=y#:~:text=O%20governo%20Dilma%20Rousseff%20atrasou,saldo%20do%20programa%20no%20vermelho. Acesso em: 27 abr 2023

Planalto. http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.332-2016?OpenDocument  Acesso em: 27 abr 2023

Brasil de Fato. https://www.brasildefato.com.br/2016/09/02/dois-dias-apos-golpe-governo-temer-sanciona-lei-que-autoriza-pedaladas-fiscais/  Acesso em: 27 abr 2023

Revista Forum. https://revistaforum.com.br/politica/2020/2/4/pedaladas-de-bolsonaro-em-2019-foram-de-r-55-bi-mas-jornal-chama-de-drible-68601.html  Acesso em: 27 abr 2023

Valor Econômico. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/02/04/drible-a-teto-de-gasto-foi-de-r-55-bi-em-2019.ghtml Acesso em: 27 abr 2023

Tesouro federal. https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:46515  Acesso em: 27 abr 2023

G1. https://g1.globo.com/mundo/blog/helio-gurovitz/post/2018/01/08/as-pedaladas-fiscais-de-temer.ghtml Acesso em: 27 abr 2023

Conjur. https://www.conjur.com.br/2022-set-22/mpf-arquiva-inquerito-pedaladas-ligadas-impeachment-dilma   Acesso em: 27 abr 2023

UOL. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/03/27/acao-dilma-pedaladas-extincao.htm?cmpid=copiaecola Acesso em: 27 abr 2023

Gov.br. https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=615&pagina=1&data=01/05/2023&totalArquivos=2 acesso em: 01 mai 2023

Agencia Brasil- https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-05/salario-minimo-de-r-1320-entra-em-vigor-nesta-segunda#:~:text=A%20remunera%C3%A7%C3%A3o%20mensal%20passou%20de,Geral%20da%20Uni%C3%A3o%20de%202023. acesso em: 01 mai 2023

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/noticias/931149-pec-da-transicao-e-promulgada-pelo-congresso/#:~:text=A%20PEC%20foi%20promulgada%20como,e%20dificuldades%20financeiras%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o. acesso em: 01 mai 2023

*** Foto de capa: Joel Santana – Joel Fotos / Pixabay

São falsos vídeos sobre suposta Operação Storm no Brasil

Circula em grupos católicos e evangélicos nas mídias sociais um vídeo sobre a suposta Operação Storm, que investigaria uma rede de pedofilia internacional. Uma das versões do vídeo foi publicada originalmente no canal de Cristina Daflon no YouTube. O vídeo gera alerta e começa com a seguinte introdução:

“A Operação Storm entrou com João de Deus. Foi descoberta a rede de pedofilia internacional americana que vem de Hollywood, esse pessoal todinho lá. A ministra Damares tem feito muitas investigações e agora parece que as coisas estão fluindo, tem havido muito mais debate sobre isso. Cuidem de seus filhos, não confiem em ninguém.” 

A suposta Operação Storm é uma fake news que tem se propagado em diversas versões nos últimos dias, principalmente em correntes no WhatsApp. Segundo o site Boatos.org, alguns conteúdos dizem que a Operação Storm está prendendo opositores de Jair Bolsonaro e  do presidente americano Donald Trump.Já outra corrente afirma que foram presos 24 ministros, senadores, deputados e governadores, incluindo o presidente da Câmara dos Deputados  Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre (DEM/AP). Há ainda outra versão que, como a do vídeo, afirma que a Operação Storm está investigando uma rede de pedofilia internacional. Entretanto, todas as versões são falsas. 

Bereia não encontrou menção sobre a Operação Storm em nenhum veículo oficial ou agência de notícias nacional ou internacional, somente notícias enganosas, produzidas com objetivo de desinformar. Também não é verdade que Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre ou os opositores a Bolsonaro e Trump foram presos. 

O vídeo da ministra Damares Alves

No vídeo analisado, depois da introdução sobre a falsa Operação Storm, a YouTuber retoma um vídeo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves sobre pedofilia. No entanto a fala da ministra não se refere à Operação Storm.

Damares Alves estava, na ocasião, em um evento do BNDES, onde foi chamada a comentar sobre projetos de saneamento básico. Em meio a sua fala pediu que os governadores envolvidos ajudassem o projeto Abrace o Marajó. O projeto, que teve início em 12 de julho de 2019, visa à promoção de direitos humanos entre as populações marajoaras, uma etnia ribeirinha amazônica. Em nenhum momento da apresentação da ministra é citado o projeto, cita a Operação Storm ou o apoio de forças dos EUA. 

Damares ainda afirma, no vídeo, estar sendo perseguida por uma rede de crime organizado, e que os ataques a sua pasta se dariam por estar indo contra o comércio de imagens de estupro infantil. Sobre o projeto, no entanto, não apresentou nos resultados qualquer investigação contra rede de pedofilia. No âmbito jurídico, à época, foram realizados 277 processos (um procedente, 52 improcedentes, 212 acordos e 12 extintivas). Em resumo, o vídeo utilizado pela youtuber Cristina Daflon é retirado de contexto para dar credibilidade ao conteúdo que ela divulga, estratégia comum em fake news. 

Operação Storm: um esquema de desinformação 

A mentira da “Operação Storm” faz parte de um conhecido esquema de desinformação: se definir como oposto de um inimigo imaginário. O pesquisador João Cezar de Castro Rocha aponta como teorias da conspiração e inimigos invisíveis têm sido usados como retórica política para inflamar discursos de extrema direita, no caso do Brasil, os bolsonaristas. Em entrevista para o canal O Meio (11 de agosto) o professor explica que, para a narrativa bolsonarista, é necessário haver um inimigo a ser combatido, e a imagem de pedófilos têm um apelo forte nesse sentido.  

Ainda há muitas semelhanças entre as notícias sobre a suposta Operação e o raciocínio dos Q-Anon americanos. O grupo de conspiracionistas já teve suas contas excluídas do Twitter e foram noticiados amplamente na mídia. Em resumo, os “Q’s” – gíria para usuários anônimos das redes – acreditam que o presidente Donald Trump estaria atuando contra o deep state (“Estado Profundo”), uma seita satânica que consome fetos humanos abortados. O movimento tem preocupado o serviço de inteligência dos EUA, o FBI como um movimento radical e, no Brasil, foi satirizado em uma edição do programa Greg News, lançado no dia 14 de agosto, 

As semelhanças entre os discursos são notáveis, sobretudo diante dos mais recentes escândalos que vêm a tona no país, como o recente caso da jovem de 10 anos estuprada pelo tio e as reações de grupos como os de Sara Geromini que repercutiram na mídia e nas redes sociais digitais sendo trending topics nas últimas semanas.

Pânico moral e “defesa da família”

Segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos. 

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral (Miskolci, 2007).

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita, o que se pode identificar no vídeo verificado nesta matéria. 

Bereia conclui que a Operação Storm não existe, trata-se de uma notícia falsa produzida com objetivo de enganar e causar desinformação. Além disso, a narrativa sobre pedofilia que circula pelas mídias sociais, produzida por grupos de extrema-direita, evoca uma abordagem de pânico moral, tratando um problema sério de forma irresponsável e baseado em mentiras. 

***

Referências de checagem

YouTube – Cristina Daflon. https://youtu.be/cqsZu8afJWM. Acesso em 28 jul. 

Boatos.Org. https://www.boatos.org/politica/operacao-storm-deflagrada-brasil-24-governadores-ministros-stf-presos.html. Acesso em 28 jul. 

O Globo. https://oglobo.globo.com/sociedade/estamos-diante-de-uma-serie-de-estupros-de-bebes-diz-damares-em-evento-sobre-saneamento-1-24122246. Acesso em 27 ago. 

Governo Federal. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2019/julho/ministerio-apresenta-resultados-do-programa-abrace-o-marajo. Acesso em 27 ago.

YouTube – O Meio. https://youtu.be/mKkbsFNUDXY. Acesso em 27 ago.

G1. https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2020/07/22/qanon-twitter-elimina-contas-de-grupo-que-propaga-teoria-de-conspiracao-nos-eua.ghtml. Acesso em 27 ago. 

YouTube – Greg News. https://youtu.be/zVhn9WT-Xqg. Acesso em 27 ago. 

UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/08/26/o-que-e-qanon-o-movimento-conspiracionista-a-favor-de-trump-que-e-visto-pelo-fbi-como-ameaca.htm. Acesso em 27 ago. 

Richard Miskolci.  “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”. Acesso em 28 ago.