Fake News: um olhar teológico
Dizem que “as pessoas acreditam naquilo que elas querem acreditar”. Esta é, de fato, a condição de possibilidade das falsas notícias/informações. O ambiente propício para a disseminação desse vírus é a indisposição pela busca da verdade, a falta de autonomia de consciências individuais ou coletivas e, em perspectiva teológica, a maldade de muitos.
As chamadas Fake News não são simples mentiras ou equívocos de informações, mas são notícias falsificadas propositalmente, construídas com a finalidade de distorcer alguma informação e desacreditar algo, alguém, grupos, ideias etc. Outra característica delas é que são rasas, superficiais, mas são construídas e apresentadas com aparência de seriedade. São espalhadas, geralmente, em larga escala, pois, mesmo que se comprove que eram falsas elas já causaram danos, cumprindo sua principal finalidade. São novos meios de manipulação e dominação principalmente das massas e daqueles des-informados.
Na atualidade, as novas tecnologias da comunicação são o principal canal pelo qual as falsas informações são propagadas em todo o mundo. Verificar o tempo todo a veracidade daquilo que chega até nós tornou-se tarefa impossível de ser feita, por isso, não podemos espalhar precipitadamente. Resta-nos a constante suspeita e o esforço pela busca da verdade naquilo que queremos permitir nos influenciar, a fim de não nos tornarmos “massa de manobra” a projetos de poder de pessoas ou grupos que manipulam informações, até mesmo teológicas, em benefício próprio, isso nas redes sociais, nas comunidades, nas igrejas e onde haja ensino e informação.
Como cristãos sabemos que um dos assuntos mais importantes na Bíblia é a questão da verdade, em todas as suas formas e expressões. Quem mais fala sobre ela é João em seu evangelho, ao apresentar Jesus como a fonte, o caminho e a razão da verdade. Na Bíblia toda, aliás, há uma defesa da verdade por meio dos relatos e narrativas. Por exemplo, no deserto, Corá, Datã e Abirão se levantaram contra Moisés requerendo a liderança com o argumento de que se todos eram santos porque somente Moisés e Arão poderiam liderar (Nm 16). Basearam seu movimento em suposições, e, sem a verificação da verdade, espalharam essa suposta informação entre o povo para conseguir apoio em seu levante. Convenceram, com isso, pessoas importantes na congregação: “varões de nome”. O questionamento parece fazer sentido, tem cara de verdade, mas quando verificado no conjunto da história do chamamento de Moisés, diríamos aos três:
_ Vocês manipularam os fatos para conseguir poder sobre o povo, pois Moisés e Arão não foram chamados por serem santos, aliás, não o eram, não foi por mérito deles, mas porque Deus os escolheu! – Essa é a informação bíblica.
Os profetas tiveram que lidar constantemente com os falsos profetas, que pronunciavam falsas notícias com a intenção de autopromoção, principalmente para permanecerem na corte dos reis aproveitando seus privilégios. Não se constrangiam em enganar o povo e induzí-lo ao erro, mesmo que isso resultasse em sua destruição (Jr. 23.16-18). Eram como parasitas sustentados por falsos anúncios. Um dos casos mais famosos foi o de Jeremias com o profeta Hananias (Jr 28). Jeremias anunciou a destruição de Judá por causa de seus pecados de idolatria e injustiça, orientou a submissão ao rei da Babilônia como uma forma de “mal menor”. Hananias contradisse Jeremias substituindo seu anúncio por um falso anúncio, no qual Nabucodonor seria vencido em pouco tempo. Certamente que o povo preferiu uma “aparente” boa notícia a uma notícia terrível ainda que verdadeira. Judá foi tomada pelos babilônios, conforme predisse Jeremias, e essa é uma história que conhecemos bem.
No Novo Testamento sabemos que os líderes judeus espalharam “falsas verdades” sobre Jesus a fim de que ele fosse perseguido e preso, e conseguiram. Sabemos que eles ficavam o tempo todo à espreita de Jesus para “pegá-lo” em suas palavras, com a intenção de usá-las indevidamente para construir argumentos contra ele (Lc 11.53-54). Sabemos também que um dos grandes problemas da Igreja neotestamentária foram as calúnias levantadas sobre ela, que resultaram em perseguição e morte de muitos cristãos.
Podemos dizer que uma das pessoas que mais sofreu com as “falsas notícias” foi o apóstolo Paulo. Em todo o seu ministério ele teve que lidar com a perseguição dos chamados cristãos judaizantes, que não se conformavam com a abertura de seus ensinos e missão aos gentios, uma novidade difícil de aceitar para aquelas pessoas que, embora convertidas ao cristianismo, se entendiam como guardiãs das tradições judaicas (Gl 4.16; I Co 13.6; At 24.5-8). Disseminavam mentiras acerca de Paulo e seus ensinos (Gl 2:4). No caso dos gálatas, por exemplo, Paulo os acusou de acreditar com facilidade nas “falsas verdades” daqueles “falsos” cristãos sobre ele, não buscaram a verdade. Por causa disso, eles estavam se afastando do verdadeiro evangelho de Jesus Cristo e da liberdade que os beneficiava diretamente como cristãos gentios.
Talvez possamos afirmar, de modo metafórico, que a mais desastrosa Fake News de toda a história da criação e que está na base histórico-teológica dessas ocorridas no contexto bíblico e mesmo daquelas que enfrentamos atualmente, conforme apontou o Pr. Caio Fábio no livro Síndrome de Lúcifer, foi aquela da serpente no Éden. Conforme o relato bíblico (Gn 1-3), Deus ordenou algo ao casal humano, mas a serpente tomou a ordenança verdadeira de Deus e substituiu-a por uma falsa informação, com a aparência de ser mais verdadeira do que a de Deus por causa das falsas informações que a baseava. Onde estão as bases da não verdade da serpente? – No interior da sua notícia falsa está o erro: Deus é Deus porque conhece e o humano somente é humano porque não conhece. A teologia aponta de diversas formas os danos dessa sedução da humanidade pela obtenção de um poder que nunca pertenceu a ela.
Um exemplo do mal das Fake News em nossos tempos, não desconsiderando seu principal lugar de afecção que é o espaço político (mas não é nossa intenção tratar disso agora, ao menos não diretamente), é a Teologia Latino-americana. Ela iniciou no final da década de 60 e, desde seu surgimento, tem sido alvo das mais criativas des-informações com a intenção de distorcer suas ideias e enfraquecê-la. Normalmente, as fontes dessas notícias falsas não conhecem a TLA, não se ocuparam com seu estudo criterioso ou verificação da sua práxis. Se apropriam de alguns pontos isolados de suas ideias (o que é o método das Fake News), reconstroem enunciados falsos sobre ela e espalham nos espaços de comunicação relacionando-a àquilo que se transformou em seus “moinhos de vento”: “ela é marxista”, “ela é liberal”, “ela é um mal”.
Normalmente, os profetas das Fake News contra a TLA se autopromoveram como guardiães da sã doutrina e, na realidade, combatem impiedosamente tudo o que é diferente daquilo que eles defendem. Eles a temem, não somente por causa da novidade que ela representa, o que por si só já os assusta, mas porque ela se apresenta como uma teologia contextualizada, que irrompeu da nossa cultura e condições sócio-históricas, e não se submete aos métodos por eles universalizados e sacralizados. São pessoas que, com raras exceções, nunca pisaram no chão que a TLA pisa e nem se permitiram tocar por sua poeira, como dos assentamentos de pessoas sem-terra ou sem-teto, aldeias indígenas, igrejas de periferia, comunidades quilombolas etc. Estão, geralmente, resguardados em seus gabinetes protegidos por livros de onde espalham falsas informações.
Neste caso, tais informações falsas são apresentadas com cara de verdades, maquiadas com um vocabulário teológico rebuscado ou com a veemência de quem entrega uma profecia, para convencer desavisados, aqueles que não se protegem com a suspeita e não estão preocupados com a busca pela verdade. A intenção é lançar propositalmente a dúvida.
Muitos se permitem induzir, porque em tempos de Fake News o que importa não é a verdade, mas o que mais se parece com ela, entretanto, que me seja favorável. A serpente do Gênesis continua fazendo sucesso com seu método da não verdade com cara de verdade, pelo plano de ocupar o lugar de Deus na vida dos humanos e, assim, controlar seus destinos.