Padre usa morte da cantora Preta Gil para discursar contra religiões de matriz africana

O padre católico Danilo César, da Paróquia de Areial, na Diocese de Campina Grande (PB), é investigado por intolerância religiosa após declarações feitas durante uma homilia em missa, em 27 de julho passado. Ao comentar pedidos de oração, o sacerdote usou a morte da cantora Preta Gil, vítima de câncer, para relacionar a crença em tradições afro-indígenas à morte e ao sofrimento.

Durante a missa, transmitida ao vivo pelo YouTube, o padre afirmou: “[O pai da cantora] Gilberto Gil fez uma oração aos orixás, cadê esses orixás que não ressuscitaram Preta Gil? Já enterraram?”. O vídeo foi retirado do ar após repercussão negativa do público.

Imagem: Padre Danilo César durante missa na Paróquia de Areial, Diocese de Campina Grande (PB), em 27 de julho. Fonte: G1

A declaração do padre Danilo César  foi alvo de denúncia da Associação Cultural de Umbanda, Candomblé e Jurema Mãe Anália Maria , que resultou em inquérito policial. O cantor Gilberto Gil também notificou extrajudicialmente o padre e a Diocese, e exigiu retratação pública e responsabilização eclesiástica. Para a família, as declarações desrespeitaram a memória da artista e configuraram crime de intolerância.

Em nota, a Diocese de Campina Grande afirmou que o sacerdote prestará esclarecimentos às autoridades. 

Bereia ouviu o professor do Programa de Ciências da Religião da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) Dr. Gilbraz Aragão, que comentou o episódio. Segundo ele, declarações como essa revelam desconhecimento e intolerância. “Na religião do Candomblé não existe a crença na ressurreição, tampouco no diabo. É um ato de insensibilidade humana e ausência de fineza espiritual não respeitar nem mesmo os mortos”, destacou.

O professor lembrou que muito se fala sobre uma “guerra santa” promovida por setores evangélicos contra religiões afro-indígenas, mas ressaltou que alguns padres também acabam reproduzindo esse discurso. “A intolerância religiosa, em grande parte, é atravessada pelo racismo. A perseguição recai sobretudo sobre os santos e tradições de matriz africana”, afirmou.

Para Aragão, essa postura reflete uma visão instrumental da espiritualidade, marcada pela ideia de que Jesus realiza milagres para atender pedidos de prosperidade e riqueza. O professor também vê uma leitura mítica, que coloca o Cristianismo como detentor da verdade absoluta contra todos os que não compartilham da mesma fé.

Apesar disso, Aragão observa mudanças positivas em setores cristãos. Ele aponta o surgimento de crenças mais abertas, que reconhecem diferentes caminhos espirituais, além de visões mais pluralistas, que entendem haver manifestações da consciência de Cristo em todas as culturas e tradições religiosas.

O docente acrescenta que experiências integrais e transreligiosas vêm ganhando espaço, considerando a espiritualidade também presente na ciência, na profundidade das relações humanas e até em propostas como a ideia de uma “missa sobre o mundo”, para além dos rituais estritamente eclesiais.

Diante do episódio na Paraíba, Gilbraz Aragão sugeriu que a Igreja Católica devesse encaminhar o padre para uma reciclagem teológica. 

Processos judiciais recentes por intolerância religiosa

Bereia verificou outros casos recentes de intolerância religiosa que envolvem lideranças católicas e evangélicas e ganharam repercussão nacional, impulsionados pelas redes digitais. Eles revisitam debates sobre os limites da liberdade de expressão, ao se tornar ofensa, a responsabilidade de líderes religiosos e a proteção constitucional ao livre exercício da fé. 

Entre os episódios, destacam-se: 1) a condenação do pastor evangélico Aijalon Heleno Berto Florêncio, de Recife (PE), por transmissões de 2021 em que associou religiões de matriz africana ao “demônio” e à “feitiçaria”, além de ofensas a uma mulher trans e a um artista; 2) o caso do pastor Felippe Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha, acusado de intolerância religiosa em um show realizado em Itaboraí (RJ), em 2022. 

O caso do pastor Aijalon Florêncio (PE)

O pastor do Ministério Dunamis Aijalon Heleno Berto Florêncio, que atua em Igarassu, no Grande Recife (PE), acumula quatro condenações por intolerância religiosa e transfobia, todas movidas pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE). As penas totalizam 12 anos de prisão em regimes aberto e semiaberto, além de indenizações e multas que somam R$ 133 mil.

Imagem: Pastor Aijalon Heleno Berto Florêncio, do Ministério Dunamis. Fonte: JM Notícia. 

As decisões, proferidas entre setembro de 2023 e agosto de 2025, apontam que o pastor utilizou redes digitais para associar religiões de matriz africana ao “demônio” e à “feitiçaria”, além de proferir ofensas contra uma mulher trans e um artista.

A mais recente condenação foi proferida em 6 de agosto de 2025, e refere-se a uma transmissão ao vivo,  em 2021, na qual chamou uma mulher trans de “feiticeiro” e “filho do demônio”. A Justiça fixou pena de seis anos e três meses em regime semiaberto, além de indenização de R$ 16,5 mil.

Em outra sentença, Florêncio chamou um dançarino de “feiticeiro” em comentário no Instagram, dizendo não aceitar “macumbeiros entregarem a cidade aos demônios”. O pastor também foi condenado por atacar o orixá Ogum em postagem nas redes digitais, e por vídeo em que descrevia religiões afro-brasileiras como “animais abomináveis” e “satânicos”.

Em nota, o MPPE destacou que a liberdade religiosa não pode ser utilizada como justificativa para incitar ódio. O promotor José da Costa Soares afirmou: “É um contrassenso invocar-se a liberdade religiosa para pregar a intolerância”.

O Caso do Pastor Felippe Valadão (RJ)

O pastor da Igreja Batista da Lagoinha Felippe Valadão responde na Justiça por intolerância religiosa após declarações feitas em 2022, durante evento oficial da Prefeitura de Itaboraí (RJ), conforme Bereia checou. No palco, chamou praticantes de religiões afro-brasileiras de “endemoniados” e afirmou que centros de umbanda seriam fechados.

“Avisa para esses endemoniados de Itaboraí que o tempo da bagunça espiritual acabou. Pode matar galinha, pode fazer farofa, prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado na cidade”, disse Valadão diante do público.

Imagem: Pastor Felippe Valadão, da Igreja Batista da Lagoinha

A denúncia partiu do deputado Carlos Minc (PSB-RJ), por meio da Comissão contra a Intolerância Religiosa da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O caso resultou em uma Ação Civil Pública por dano moral coletivo no valor de R$ 300 mil, que tramita na 2ª Vara Cível de Itaboraí.

A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) confirmou a autenticidade do vídeo e concluiu pela prática de intolerância religiosa. Em depoimento, o pastor afirmou que suas falas foram descontextualizadas e que não incitou violência, apenas defendeu a conversão religiosa.

A Prefeitura de Itaboraí reconheceu a responsabilidade pelo episódio, já que o evento teve recursos públicos, mas declarou que as falas dos convidados eram de inteira responsabilidade deles.

Exercício da fé tem limites constitucionais 

Os três episódios analisados revelam a persistência da intolerância religiosa no Brasil, que envolve tanto lideranças católicas quanto evangélicas. Em comum, os casos expõem discursos que desqualificam religiões de matriz africana, e reforça estigmas e preconceitos históricos.

Ouvida pelo Bereia, a presidente da Comissão Especial de Liberdade Religiosa da OAB-SP Paula Moutinho, a liberdade de crença e de não crença constitui um dos pilares do Estado Democrático de Direito brasileiro, assegurada como direito fundamental pela Constituição Federal e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Esse direito garante não apenas o livre exercício da expressão religiosa, em seus ritos e manifestações, mas também a opção de não professar qualquer fé, preservando a pluralidade de convicções filosóficas e espirituais no país.

A base normativa da liberdade religiosa está prevista no artigo 5º da Constituição, que estabelece a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o pleno exercício dos atos de fé, sem restrições aos ritos legítimos. Já o artigo 19 veda a intervenção do Estado em assuntos religiosos, reforçando a laicidade e a autonomia das instituições de caráter dogmático.

Apesar de ampla, a liberdade religiosa não é absoluta. O exercício da fé encontra limites quando entra em conflito com outros direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, especialmente diante de situações de discriminação ou discurso de ódio. A jurisprudência brasileira tem sido firme ao considerar que manifestações religiosas que extrapolam o âmbito do culto, convertendo-se em ataques a tradições alheias, incitação à violência ou discriminação, não estão protegidas constitucionalmente.

De acordo com Paula Moutinho, o discurso de ódio religioso é uma das formas mais graves de violação desse direito. Ele se manifesta na demonização de religiões minoritárias, na incitação à exclusão ou violência contra grupos de fé e na propagação de estigmas, tanto em comunidades religiosas quanto em mídias e redes sociais.

As punições para casos de intolerância se dão em diferentes esferas. No campo civil, é possível pleitear indenizações por danos morais decorrentes de ofensas ao sentimento religioso. No âmbito criminal, a Lei nº 7.716/1989 prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para quem praticar discriminação ou preconceito por motivo religioso. 

Além disso, o artigo 140, § 3º, do Código Penal, alterado pela Lei nº 14.532/2023 , passou a equiparar a injúria racial com motivação religiosa ao crime de racismo, tornando-a imprescritível e inafiançável.

No Estado de São Paulo, a Lei nº 17.346/2021 prevê punições administrativas e pecuniárias a agentes públicos e privados que pratiquem atos de intolerância religiosa, sem prejuízo das sanções judiciais cabíveis.

Para a presidente da comissão da OAB-SP, o arcabouço jurídico existente é suficiente para coibir práticas de intolerância, desde que acompanhado por denúncias. “A liberdade de crença e de não crença exige constante vigilância e ponderação. Em uma sociedade plural e multicultural como a brasileira, o desafio está em garantir que todas as manifestações religiosas, ou a ausência delas, coexistam em respeito mútuo, sem que o exercício da fé se converta em instrumento de exclusão, violência ou opressão”, afirmou Moutinho.

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Bereia classifica a notícia sobre o caso do padre que usou a morte da cantora Preta Gil para atacar religiões de matriz africana como verdadeira. 

Além daquele caso, outros dois verificados apresentam registros oficiais, investigações conduzidas por órgãos competentes e ampla repercussão pública, e confirma a prática de intolerância religiosa em diferentes contextos. As situações que envolvem o padre católico Danilo César e os pastores evangélicos Aijalon Heleno Berto Florêncio e Felippe Valadão, expõem como o discurso discriminatório, quando proferido por lideranças religiosas, alcança visibilidade e impacto social, reforça estigmas contra religiões de matriz africana e minorias. 

Referências: 

Diário do Nordeste. https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ultima-hora/pb/policia-civil-abre-inquerito-para-investigar-intolerancia-religiosa-de-padre-contra-preta-gil-1.3675452. Acesso em: 20 de agosto de 2025. 

Diário do Nordeste. https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/entretenimento/zoeira/gilberto-gil-notifica-diocese-por-intolerancia-religiosa-de-padre-contra-preta-gil-1.3680735?utm_source=twitter. Acesso em: 20 de agosto de 2025. 

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2025/08/7226690-gilberto-gil-notifica-padre-que-fez-comentarios-preconceituosos-contra-preta-gil.html#google_vignette. Acesso em: 20 de agosto de 2025. 

G1. https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2025/08/14/gilberto-gil-notifica-padre-investigado-por-intolerancia-religiosa-apos-fala-sobre-preta-gil.ghtml. Acesso em: 20 de agosto de 2025. 

G1. https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2025/08/16/pastor-e-condenado-pela-quarta-vez-apos-ofender-mulher-trans-e-associar-religioes-de-matriz-africana-a-demonio-e-feiticaria.ghtml. Acesso em: 20 de agosto de 2025. 

Alma Preta. https://almapreta.com.br/sessao/cotidiano/pastor-e-condenado-pela-4a-vez-por-falas-discriminatorias-e-transfobicas/. Acesso em: 20 de agosto de 2025. 

MPPE. https://portal.mppe.mp.br/w/l%C3%ADder-religioso-%C3%A9-condenado-pela-quarta-vez-por-crimes-de-racismo-e-transfobia. Acesso em: 20 de agosto de 2025.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-04/pastor-evangelico-e-indiciado-por-ofender-religiao-de-matriz-africana. Acesso em: 20 de agosto de 2025.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2025-07/vitima-de-cancer-preta-gil-morre-aos-50-anos. Acesso em: 20 de agosto de 2025.

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/justica/justica-condena-pastor-que-relacionou-religioes-africanas-a-satanismo/. Acesso em: 20 de agosto de 2025.

A propósito do 13 de maio, Dia da Denúncia Contra o Racismo:  Preconceito nas igrejas evangélicas precisa ser enfrentado

O 13 de maio passou a ser conhecido no Brasil como o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo. É uma data de profunda reflexão e luta, que ressignifica o histórico dia de 1888, quando a Lei Áurea foi assinada, abolindo formalmente a escravidão no país. 

Esta mudança de perspectiva foi promovida por movimentos negros, como o Movimento Negro Unificado (MNU), que contestam a narrativa oficial de que a assinatura da Lei Áurea representou a plena liberdade para a população negra. Em vez disso, destacam que a abolição não foi acompanhada de políticas públicas eficazes, o quen resultou em marginalização e exclusão social dos negros no país.

Dentro deste contexto, surge uma questão muito relevante: como o racismo se manifesta nas instituições religiosas, especialmente nas igrejas evangélicas? Apesar dos princípios cristãos de igualdade e amor ao próximo, relatos indicam que o preconceito racial persiste de forma velada nesses espaços.

Para aprofundar essa discussão, são entrevistadas neste espaço duas pessoas de fé evangélica, ativistas pela justiça racial. Uma delas é Alan Rodrigues, mineiro com pós-graduação em Gestão de Negócios e Marketing e especialização em Diversidades e Inclusão Social em Direitos Humanos pela USP. Rodrigues é coordenador do Movimento Negro Evangélico (MNE) em Minas Gerais e idealizador do projeto Negritude em Cores, que promove reflexões sobre teologia negra. 

A outra entrevistada é a teóloga da Igreja Metodista Marilia Schuller. Já, em seus primeiros anos como pastora, foi indicada para trabalhar no programa de Combate ao Racismo do Conselho Mundial de Igrejas. Este programa teve importante papel no enfrentamento do apartheid na Africa do Sul, entre outras situações-limite. Por seu compromisso com a luta pelos direitos do povo negro, Schuller acabou por ser enviada como missionária, pela Junta de Ministérios Globais da Igreja Metodista Unida (EUA),  para os programas de combate ao racismo e defesa dos direitos das mulheres dessa igreja. Ela hoje está aposentada, de volta ao Brasil, mas segue engajada nos movimentos por justiça racial.

Racismo nas igrejas é parte da estrutura brasileira 

A luta antirracista nas igrejas evangélicas brasileiras começou a ganhar força na década de 1980, impulsionada por discussões sobre a redemocratização e o fortalecimento dos movimentos sociais. No entanto, Alan Rodrigues observa que, apesar dos avanços, a resistência interna ao trato desta questão ainda é significativa. “Se formos olhar para um país como o nosso, que é majoritariamente negro e cristão, a gente deveria entender que o Cristianismo vê o racismo como pecado; porém, a conta não bate! Porque o racismo não tem diminuído, pelo contrário”, conclui.

O ativista do MNE destaca: “Quando tentamos falar de negritude ou teologia negra, o primeiro ponto que as pessoas dizem é que estamos tentando separar, estamos tentando criar mais uma teologia que separa as pessoas”.

Segundo Rodrigues, é desafiador para muitos reconhecerem o racismo estrutural presente nas igrejas, que frequentemente permanece encoberto e silenciado. “Precisamos levar informação para as pessoas, só assim vamos conseguir progredir ainda mais educando e ensinando sobre essas vivências”.

Uma perspectiva teológica

A Igreja Metodista iniciou um movimento significativo de combate ao racismo nos anos 1980, fundamentado em princípios teológicos e sociais.  Marilia Schuller destaca, nesta memória, a importância do versículo de Gálatas 3:26-28, que afirma: “Pois todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos vocês que foram batizados em Cristo Jesus se revestiram. Assim sendo, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos são um em Cristo Jesus”. 

Segundo a teóloga, este trecho da Bíblia enfatiza a unidade e a igualdade de todos os cristãos em Cristo, independentemente de etnia, status social ou gênero. Ela observa que, para a Igreja Metodista, isso implica a necessidade de refletir sobre as desigualdades presentes dentro da própria comunidade de fé e no contexto social mais amplo.

Ao questioná-la sobre a falta de memória histórica em alguns movimentos antirracistas nas igrejas hoje, Marilia Schuller aponta que a memória só é possível quando há conhecimento da história. Ela acredita que um dos principais obstáculos é o desconhecimento e a desinformação sobre os movimentos de diálogo, reflexão e ação antirracismo que já ocorreram.

Outro desafio destacado pela teóloga metodista é a escassez de recursos financeiros para implementar ações eficazes e para divulgar essas iniciativas. Ela enfatiza a necessidade de diálogo, partilha e trabalho conjunto entre as igrejas que estão mobilizadas nesta crucial tarefa de combate ao racismo.

13 de maio deve ser motivação 

Neste espaço de enfrentamento da desinformação, que é o Bereia, vale destacar o 13 de maio como motivação para denunciar o racismo estrutural, promover o encorajamento a denúncias, reivindicar políticas públicas.

Além de tudo isto, importa que se alie informação e memória e se celebre a resistência negra nos espaços evangélicos que ainda precisam entender e promover pautas como estas.

A intolerância religiosa é um problema grave no Brasil. O que fazer?

A intolerância religiosa é um problema estrutural que afeta profundamente a sociedade brasileira e aponta para desigualdades históricas e sociais. De janeiro a junho de 2024, o Brasil registrou um aumento alarmante nos casos de intolerância religiosa. O Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos, contabilizou 1.227 ocorrências no primeiro semestre, um salto de mais de 80% em comparação ao mesmo período de 2023, quando foram registradas 681 denúncias. Esse número já representa quase o total de registros de todo o ano passado (1.482), com a média preocupante de quase sete casos por dia.

As denúncias refletem um padrão recorrente de vítimas: a maioria é composta por mulheres e pessoas negras. Dos casos registrados no primeiro semestre de 2024:

  • 60,5% das vítimas eram mulheres;
  • 32,4% eram homens;
  • 0,24% eram intersexo;
  • 6,84% não informaram ou não declararam o gênero.


As raízes do problema

A origem do problema está diretamente ligada ao período colonial e ao processo de colonização europeia, particularmente no contexto das Américas e do Brasil, de acordo com a análise da pesquisadora do ISER Carolina Rocha. Durante esse período, as populações africanas escravizadas e suas práticas culturais e religiosas foram hierarquizadas e inferiorizadas em relação aos valores europeus, predominantemente cristãos.

No verbete “Racismo Religioso”, a pesquisadora explica que a Igreja Católica Apostólica Romana desempenhou um papel crucial nesse processo, ao demonizar e criminalizar as práticas religiosas de matriz africana, associando-as à bruxaria e à idolatria. Esse enquadramento religioso e cultural serviu para justificar a exploração econômica, a violência e a desumanização das pessoas negras. 

Contudo, o termo “racismo religioso” ainda é objeto de construção e debate acadêmico. Pesquisadores como Carolina Rocha destacam que, embora a expressão seja frequentemente usada para descrever o preconceito e a violência direcionados contra adeptos de religiões de matriz africana, é preciso um esforço maior na produção de conhecimento sobre este conceito.

O fato é que mesmo com a formalização da liberdade religiosa na Constituição de 1891, as religiões afro-brasileiras continuam enfrentando perseguição e preconceito, muitas vezes intensificados por discursos de ódio promovidos por setores religiosos hegemônicos no país.

Outros grupos religiosos também sofrem com a intolerância

Embora as religiões de matriz africana sejam as mais afetadas, outros grupos também sofrem. Islâmicos, especialmente mulheres muçulmanas, frequentemente enfrentam agressões físicas e verbais. Judeus e sinagogas são alvos de atos de vandalismo e discursos antissemitas. Cristãos evangélicos, por sua vez, lidam com generalizações que os desqualificam como “alienados”, “ignorantes”, e os associam exclusivamente a práticas ultraconservadoras e charlatanismo, desconsiderando a diversidade interna do segmento e sua contribuição histórica para ações sociais e a defesa dos direitos humanos. Católicos também sofrem com a profanação de templos e imagens sagradas, muitas vezes usados como símbolos de resistência política e cultural.

Nos últimos anos, a intolerância religiosa tem sido intensificada pela instrumentalização política da religião, especialmente por movimentos de extrema-direita. Líderes religiosos de diferentes tradições se aliaram a pautas antidemocráticas, usando a retórica da “liberdade religiosa” para promover exclusivismo e atacar minorias. Este cenário, descrito pela pesquisadora e editora-geral do Bereia Magali Cunha aqui e aqui, representa uma ameaça à pluralidade religiosa e à convivência democrática.

Caminhos para a transformação

O aumento das denúncias é um alerta e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para mudanças. Políticas públicas voltadas à educação religiosa e ao respeito à diversidade cultural são essenciais para enfrentar a intolerância.

Datas do calendário cívico ajudam a reforçar o compromisso com a pluralidade, a diversidade e o respeito à liberdade de crença. Em 21 de janeiro, por exemplo, o país chama atenção para o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, oficializado pela Lei n.º 11.635, de 2007, em memória à Mãe Gilda, uma liderança religiosa do Candomblé que foi vítima de perseguição e intolerância religiosa até falecer em decorrência de um infarto, em 2000.

16ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, Copacabana. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Outra importante iniciativa é a Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada anualmente no terceiro domingo de setembro na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Este evento, organizado pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) e pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), reúne praticantes de diferentes crenças e defensores da diversidade para denunciar casos de intolerância e racismo religioso. Esta ação é realizada em outras cidades do Brasil.

Medidas práticas incluem a criação e o fortalecimento de órgãos especializados, como a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (DECRADI), no Rio de Janeiro, e canais de denúncia, como o Disque 100. Iniciativas como o Observatório Mãe Beata de Iemanjá e a Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa da Alerj   também mostram como políticas públicas voltadas ao monitoramento e denúncias contribuem para o enfrentamento do problema.

Além disso, é fundamental que o ambiente digital também seja monitorado para combater a disseminação de discursos de ódio e desinformação religiosa. Os dados do Observatório Nacional dos Direitos Humanos (ObservaDH) mostram que as denúncias de crimes de intolerância religiosa online triplicaram em seis anos, passando de 1,4 mil em 2017 para 4,2 mil em 2022. Embora o relatório com os dados consolidados de 2023 ainda não tenha sido divulgado,  as tendências dos últimos anos reforçam a relevância das redes sociais digitais como palco de propagação de discursos de ódio.

Por fim, outro ponto significativo é a implementação de campanhas educativas para promover o respeito à liberdade de crença, sobretudo em escolas e espaços religiosos, onde a conscientização pode moldar novas gerações mais tolerantes.

Referências

ISER 


https://religiaoepoder.org.br/artigo/tradicoes-das-raizes-de-matrizes-africanas-e-as-nacoes-do-candomble/


Carta Capital

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Foto de Capa: Tomaz Silva/Agência Brasil

Islamofobia e racismo no esporte: o caso do técnico do PSG

O mundo do esporte foi agitado no final de junho com a notícia de que o treinador do PSG (Paris Saint-Germain) Christophe Galtier estava sob investigação do Ministério Público francês por racismo e islamofobia (ódio a fiéis do Islam). Galtier teria comentado que não poderia ter “tantos negros e muçulmanos” na equipe do Nice, na época que foi técnico desse time, segundo declarações de Julien Fournier, seu ex-diretor de futebol. Tanto Galtier quanto seu filho John Valovic-Galtier foram detidos para interrogatórios sob alegação de “discriminação com base em suposta raça ou religião”. O PSG rescindiu o contrato com o treinador.

O racismo e a islamofobia não são recentes na Europa, muito menos na França. O primeiro teve seu ponto ápice, recentemente, com a situação vivenciada por Vini Jr na Espanha. O esporte, neste caso, o futebol, não tem escapado do racismo estrutural que está na base de sociedades brancas e colonizadoras. Um país como a França, que colonizou países africanos, faz agora a expulsão destes por intermédio  de discursos racistas e islamofóbicos. Muitos dos países africanos que foram colonizados por europeus são muçulmanos. Serviram para ser colônia, tiveram suas vidas expropriadas, violadas, mas não servem para gerarem homens e mulheres que escolham viver como cidadãos europeus, franceses e terem projeção social.

A racialização dos muçulmanos é um fenômeno global muito por conta da supremacia branca, consubstanciado por religiões de brancos como o catolicismo e protestantismo, mas também, a xenofobia escancara a violência contra migrantes fruto de orientalismo que se impregnam nos discursos e valores da sociedade europeia. As diversas reações à não presença islâmica vêm sendo sentida por meio de várias proibições: de construções de minaretes ao uso do véu. Apagar a presença islâmica na Europa virou uma nova “cruzada”.

A tentativa de defesa do treinador não é novidade quando se trata de pessoas racistas pois, em geral, tentam se defender daquilo que é indefensável: a violência contra pessoas negras e muçulmanas.  No entanto, ao contrário do que se pensa, a islamofobia não é um fenômeno novo. É um termo conhecido na França desde 1920, reaparecendo com força na década de 1970, termo esse que  deixa claro o repúdio aos muçulmanos e ao Islam.

O que podemos chamar de “medo do Islam” tem relação com os atentados do 11 de setembro de 2001. A “guerra ao terror”, termo usado pelo presidente americano na época, construiu uma forma violenta de rechaço às pessoas muçulmanas, estejam onde estiverem. A associação de homens muçulmanos ao terrorismo e de mulheres muçulmanas como pessoas oprimidas está no imaginário social, levando milhares a incorrer no apagamento de práticas religiosas e ao afastamento dessas pessoas da sociedade.            

O que acontece no futebol acontece em outros lugares de socialização como balneários, escolas, universidades. Compreender os aspectos que delimitam a islamofobia, como ódio e rechaço ao Islam e aos muçulmanos deve fazer parte da descolonização necessária de um pensamento branco e ultraconservador que permeia o universo europeu atual. Práticas racistas e islamofóbicas devem ser combatidas por uma Pedagogia antirracista e anti-islamofóbica que insira esses sujeitos na participação social, como qualquer cidadão com direitos e deveres.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: AbouYassin/Pixabay

Bereia participa do podcast “O assunto”

A editora-geral do Bereia e pesquisadora do Instituto Superior dos Estudos da Religião (ISER), Magali Cunha, participou, na quinta-feira 23/02, do podcast O Assunto, do G1, com a jornalista e comentarista política Natuza Nery, para falar sobre o crescimento do fundamentalismo religioso em países da América Latina e a relação entre grupos religiosos e políticos.

Um dos assuntos abordados no programa foi o sentimento de perseguição relatado por parte dos cristãos no Brasil e estimulado pelo Ministério da Família e Direitos Humanos durante o governo passado. Esse estímulo culminou na invenção do termo “cristofobia”, utilizado nas últimas eleições como estratégia de desinformação e, segundo levantamento do Bereia, foi o tema mais checado nas eleições de 2022.

🔗 O episódio “Racismo religioso – o ódio para além do culto” do podcast O Assunto está disponível no Spotify. Clique aqui para ouvir.

Pastor Felippe Valadão promove intolerância religiosa em evento público

Circulou em várias mídias a notícia de que o pastor da Igreja Batista Lagoinha Felippe Valadão atacou religiões de matriz africana em um evento oficial promovido pela Prefeitura de Itaboraí, na Região Metropolitana do Rio, em 19 de maio passado. O prefeito da cidade é Marcelo Delaroli, filiado ao Partido Liberal (PL) e membro da 1ª Igreja Batista.

Imagem: reprodução do G1

O município comemora o aniversário de 189 anos de emancipação político-administrativa com uma série de shows,  na qual se apresentaram artistas gospel. Segundo os relatos, no intervalo de uma das apresentações , Felippe Valadão subiu ao palco e discursou: 

Queira o diabo ou não, você sabe o que fizeram aqui de ontem para hoje? O pessoal acordou aqui e de ontem para hoje tinham quatro despachos aqui na frente do palco!

Avisa aí pra esses endemoniados de Itaboraí, o tempo da bagunça espiritual acabou, meu filho! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!! A igreja está na rua! a igreja está de pé!!!

E ainda digo mais: prepara para ver muito centro de umbanda sendo fechado na cidade! Eu declaro, vem um tempo aí ó, Deus vai começar a salvar esses pais de santo que tem aqui na cidade.

Você vai ver coisas que você nunca viu na vida. Chegou o tempo Itaboraí! Aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou! Eu vou repetir: o tempo de bagunça e roubalheira nessa cidade acabou!

Repúdio e medidas legais 

No dia seguinte, a Comissão de Matrizes Afro-Brasileiras de Itaboraí (Comabi), publicou nota de repúdio ao discurso do pastor e exigiu retratação pública do prefeito, responsável pelo evento.

NOTA DE REPÚDIO

Ao Ilmo Sr. Prefeito de Itaboraí Marcelo Delarolli.

Itaboraí, 20 de maio de 2022.

A Comissão de Povos Tradicionais de Terreiros de Itaboraí, COMABI, vem por meio desta nota, repudiar as infelizes palavras do pastor Felippe Valadão na noite desta quinta-feira, dia 19 de maio de 2022, por ocasião da abertura das festividades em comemoração aos 189 anos do Município de Itaboraí.

Em sua fala, o pastor agride de maneira vil, desrespeitosa e ameaçadora a comunidade religiosa do Candomblé e da Umbanda desta cidade que tem sancionada a lei 2603/2016 que Institui o DIA MUNICIPAL DE COMBATE À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA CONTRA OS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZES AFRICANAS no dia 24 de Julho, que no então, não corrobora com o acontecido na Cidade no citado evento.

Queremos antes de tudo, questionar o motivo de uma manifestação festiva, popular e laica, ter em sua programação, discursos de cunho religioso, quando na verdade, se houve a intenção de manifestar alguma religiosidade, haveria de ter representantes de todas as matrizes, e não tão somente evangélicas por não representar a diversidade e a pluralidade dos cidadãos e cidadãs do município 

O Pastor começa chamando-nos de ‘ENDEMONIADOS’, e que o tempo da bagunça religiosa acabou na cidade.

Que se pode matar galinha, fazer o que quiser os terreiros serão fechados e os ‘Pais e Mães de santo’ serão salvos pelo ‘deus’ que ele professa. Sim, “deus” com letra minúscula, porque o Deus com maiúsculo que conhecemos não compactua com sua megalomania, loucura e arrogância.

Perguntamos; com qual autoridade, seja ela política ou religiosa esta insana figura foi outorgada, para desferir tamanhas agressões contra uma comunidade que vive a fazer o bem, cuidando das pessoas e contribuir com sua comunidade, onde muitas das vezes o poder público não a alcança.

Desta forma, exigimos urgente retratação pública do Sr. prefeito, organizador do evento, para que no poder de suas atribuições, venha a restaurar, a ordem, igualdade, laicidade e o respeito a todo o povo religioso de Itaboraí, aviltado por esta figura desequilibrada, que certamente irá responder nos autos por sua infração e crime de intolerância religiosa, como confere a legislação brasileira. O Brasil tem normas jurídicas que visam punir a intolerância religiosa.

No Brasil, a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, considera crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões.

Exigimos aqui que seja feito um T.A.C – Termo de Ajuste de condutas – ajustando no calendário festivo um espaço para a manifestação cultural dos povos de Terreiro que em sua jornada de “reXistência” foi duplamente atacado pelo citado ”líder” e pela instituição majoritária que deveria defender a constituição em seu capítulo 5°.

Certo de sua sensibilidade com tal fato assinamos.

COMABI.

Em 20 de maio de 2022.

O Estado do Rio de Janeiro tem observado diversos avanços no combate à intolerância religiosa, dentre eles a criação  da Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa, criada em maio de 2021. O relator da CPI da Intolerância Religiosa, na Assembleia Legislativa do Rio, deputado Átila Nunes (PSD) preparou uma representação ao Ministério Público contra o pastor Felippe Valadão e contra o prefeito de Itaboraí e também apresentou denúncia pessoalmente à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – DECRADI,  pela promoção ao ódio religioso em evento patrocinado com dinheiro público. 

Além destas representações legais, o deputado Átila Nunes afirmou que  “os terreiros de Itaboraí precisam de segurança”. Vou pedir ao governador para reforçar o policiamento na região, considerando as ameaças feitas pelo autointitulado pastor Felippe Valadão numa festa patrocinada pela prefeitura contra os religiosos da Umbanda e do Candomblé”.

Racismo religioso

A socióloga Carolina Rocha aponta, em artigo, que: “Intolerância religiosa marca uma situação em que uma pessoa não aceita a religião ou a crença de outro indivíduo. Sobre os princípios da laicidade na Constituição Federal de 1988, o seu Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias’”. 

De acordo com a abordagem de Carolina Rocha, o caso de Itaboraí pode ser classificado ainda como racismo religioso. “O termo ‘racismo religioso’ tem sido caracterizado, no Brasil, por preconceito e/ou ato de violência contra adeptos das religiões de matrizes africanas, que são os principais alvos de violência religiosa no país. […] Quem defende o termo argumenta que, no caso das violências que atingem as religiões de origem africana no Brasil, o componente nuclear é o racismo. Nesse caso, parte-se do entendimento de que o objeto do racismo não é uma pessoa em particular, mas certa forma de existir. Um racismo que está, portanto, incidindo além do genótipo ou do fenótipo, mas na própria cultura (tradições de origem negro-africana). […] O que a maioria desses autores ressalta é que existe um amplo histórico de perseguição à cultura afro-brasileira no Brasil, do período colonial até os dias atuais”. 

Segundo o professor de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto e do Ibmec-BH Alexandre Bahia, ouvido pelo Bereia, o pastor Felippe Valadão pode ter praticado o crime de discriminação religiosa, de acordo com os dispositivos da Lei nº 7.716  – Art. 1º:  “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” Ainda seria enquadrado no  “Art. 20: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, ao afirmar que os centros de Umbanda seriam fechados na cidade e chamando de “endemoniados” os praticantes de religiões de matriz africana.

Além disso, segundo o professor Bahia, o pastor parece atentar contra os princípios da laicidade estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 que assegura liberdade de crença aos cidadãos – “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Alexandre Bahia acrescenta que a liberdade de crença  “é inviolável (…) sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. 

O professor de Direito orienta que, ao relacionar o fechamento dos centros de Umbanda e a  chegada de um tempo em que “aquele espírito maligno de roubalheira na política acabou”, Felippe Valadão, aparentemente, tenta estabelecer uma ligação entre as religiões de matriz africana e uma suposta corrupção política. 

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Bereia classifica as notícias que afirmam que o pastor Felippe Valadão praticou intolerância religiosa em discurso durante show em Itaboraí (RJ) como verdadeiras. Os registros em vídeo da fala do pastor correspondem ao conteúdo reproduzido nas matérias que noticiaram o episódio e os especialistas consultados pelo Bereia confirmam que o tom do discurso de Valadão é marcado pelo que, social e juridicamente, é qualificado como intolerância e violência com motivação religiosa.

Referências de checagem:

G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/20/pastor-felippe-valadao-ataca-religioes-afro-em-evento-oficial-de-itaborai.ghtml Acesso em: 23 MAI 2022

UOL. https://www.youtube.com/watch?v=MYG5eRk755k Acesso em: 23 MAI 2022

Instagram.

https://www.instagram.com/p/CdyVP_NgLjd/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://www.instagram.com/p/Cd584EzgwIi/ Acesso em: 23 MAI 2022

Religião e Poder.

https://religiaoepoder.org.br/artigo/racismo-religioso/ Acesso em: 23 MAI 2022

https://religiaoepoder.org.br/artigo/avancos-no-combate-a-intolerancia-religiosa-no-rio-de-janeiro/ Acesso em: 23 MAI 2022

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160120_intolerancia_religioes_africanas_jp_rm Acesso em: 23 MAI 2022

Governo Federal.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9459.htm  Acesso em: 23 MAI 2022

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em: 23 MAI 2022O Dia https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2022/05/6405654-religiosos-denunciam-pastor-felippe-valadao-apos-incitacao-de-odio-contra-religioes-africanas-em-evento-de-itaborai.html Acesso em: 23 MAI 2022

Foto de capa: frame de vídeo do canal UOL no YouTube

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