Matérias sobre projeto de lei que inclui leitura da Bíblia para redução de pena são imprecisas

No dia 10 de agosto, foi aprovado na Assembleia Legislativa do Maranhão (Alema) o Projeto de Lei n. 281/2019 que insere a Bíblia como livro obrigatório no acervo bibliográfico indicado pela Comissão de Remição pela Leitura. O documento acrescenta dispositivos à Lei Estadual 10.606/2017 que institui o Projeto “Remição pela Leitura” no âmbito das penitenciárias do Maranhão. A proposta foi apresentada pela deputada estadual Mical Damasceno (PTB) e aprovada com a totalidade dos votos dos parlamentares presentes.

Alguns veículos como o G1, Noca portal de credibilidade e o portal evangélico CPAD News publicaram manchetes semelhantes à “Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia”. Os sites não esclareceram, porém, se essa leitura era obrigatória ou se havia outros livros passíveis de ser escolhidos pelos detentos.

Originalmente, o projeto oferece ao detento a oportunidade de reduzir parte da pena pela leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, entre outras, que são previamente escolhidas pela Comissão de Remição pela Leitura, e pela elaboração de relatório ou resenha. Em artigo intitulado “Projeto Remição pela Leitura: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização”, Jaciara Marques Galvão Silva e Francinete Costa Primo comentam que o acervo é composto por livros didáticos, Bíblias e outras obras religiosas, da área de educação, dicionários e muitos paradidáticos, a maioria literatura brasileira. Isto é, não é apenas a Bíblia que está disponível para a remição de pena, e sim também a Bíblia.

Além disso, de acordo com o artigo décimo do documento do PL de origem, de 2017, “A participação do interno custodiado alfabetizado no Projeto Remição pela Leitura será voluntária, mediante inscrição no setor pedagógico ou social do Estabelecimento Penal”. O artigo 12 acrescenta: “O interno custodiado alfabetizado poderá escolher somente uma obra literária dentre os títulos selecionados para leitura e elaboração de um relatório de leitura ou resenha, a cada trinta dias”. Portanto, a proposta de leitura aos detentos, além de voluntária, é opcional, o acréscimo da Bíblia no acervo não induz a obrigatoriedade da leitura, e sim disponibiliza a opção de escolhê-la.

O PL 281/2019 não foi disponibilizado na plataforma de leis e projetos em votação da Assembleia Legislativa do Maranhão até o fechamento desta matéria. O Coletivo Bereia entrou em contato com o gabinete da deputada Mical Damasceno e conseguiu acesso à íntegra do documento aprovado recentemente. De acordo com o texto, não há indício algum de que a Bíblia seja o único livro que pode ser lido para reduzir a pena. É possível conferir o documento abaixo.

Laicidade e estímulo à leitura

“É importante ressaltar, ainda, que o presente projeto não fere o Estado Laico, pois a leitura da Bíblia não está sendo imposta. O que se pretende aqui é garantir o direito de leitura deste livro tão importante. A Bíblia, além de ser o livro mais lido no mundo, tem sido agente transformador e possui maior influência do que qualquer outro semelhante”, explica a deputada Mical Damasceno, autora e precursora do projeto. Não consta no PL imposição da Bíblia aos detentos, no entanto pode haver interesse em estimular a leitura, considerando que o projeto prevê a obrigatoriedade no acervo.

No fim do documento do PL 281/2019, na seção de justificativa, pode-se notar que a deputada Mical Damasceno trouxe uma explicação compatível com a sua crença: “A Bíblia é a única Escritura sagrada que oferece salvação eterna como um dom totalmente gratuito da graça e da misericórdia de Deus. Contém os mais elevados padrões morais dentre todos os livros. Somente a Bíblia apresenta o mais realístico ponto de vista sobre a natureza humana, tem o poder de convencer as pessoas de seus pecados e a habilidade de transformar a natureza humana. Ela oferece uma solução realística e permanente para o problema do mal e do pecado humano”, justifica ela.

De acordo com o dispositivo legal, sendo a Bíblia a obra literária escolhida, esta será dividida em 39 livros (Velho Testamento) e 27 livros (Novo Testamento), considerando-se assim a leitura de cada um deles como uma obra concluída.

Medida similar em São Paulo

Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) foi adotada medida similar. Segundo o Projeto de Lei n. 390/2017, as Escrituras também seriam divididas em 66 livros – 39 do Velho Testamento e 27 do Novo Testamento. Porém, o projeto foi vetado em fevereiro deste ano por ser considerado inconstitucional sob o argumento de que legislação penal é de competência do Senado e da Câmara, e não da Alesp como prevê a Constituição.

Em São Paulo, na época da aprovação do PL, em meados de 2018, houve um questionamento sobre a laicidade. O professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP), Conrado Gontijo, relatou que o projeto esbarra na escolha da recomendação da Bíblia como livro indicado para leitura. “O Estado brasileiro é laico. Você não pode beneficiar alguém por ler a Bíblia e tirar o benefício de outra pessoa ler outro livro de sua religião”, diz ele.

O professor acrescentou que a ideia do projeto não era ruim, “mas a forma que foi feita é completamente equivocada. O projeto cria um estímulo quase impossível de resistir por causa do benefício e acaba preterindo outros materiais que do ponto de vista de socialização talvez sejam mais interessantes”. Mesmo que Gontijo tenha comentado sobre o caso paulista, é um questionamento que também se encaixa na medida maranhense, visto que os PLs são praticamente idênticos.

Por outro lado, a Bíblia é uma coleção de livros religiosos de aproximadamente 1.500 páginas. Se for considerá-la como uma obra literária só, seria de fato muito grande em comparação com outras. Dada a extensão, a já comum divisão em livros com quantidades menores de páginas é um facilitador para que os detentos possam escolher o livro religioso.

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Bereia classifica as matérias que divulgam o PL 281/2019 como imprecisas por oferecerem conteúdos verdadeiros, porém sem considerar as diferentes perspectivas e não contextualizar a situação explicando que os livros da Bíblia são apenas parte do acervo que pode ser lido pelos detentos em progressão de pena.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências de checagem

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Aprovado PL que insere a Bíblia como livro obrigatório na remição de pena. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/40250. Acesso em: 13 ago 2020.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Deputada Mical apresenta projeto que inclui a Bíblia no acervo bibliográfico do projeto “Remissão pela Leitura”. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/38497. Acesso em: 13 ago 2020.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Lei n. 10.606, de 30 de junho de 2017. Disponível em: http://arquivos.al.ma.leg.br:8080/ged/legislacao/LEI_10606. Acesso em: 13 ago 2020.

PROJETO REMIÇÃO PELA LEITURA: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização. Disponível em: https://portal.febab.org.br/anais/article/download/2192/2193. Acesso em: 13 ago 2020.

G1 Maranhão. Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/08/11/assembleia-de-ma-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-livros-da-biblia.ghtml. Acesso em: 13 ago 2020.

CPAD News. Deputados do Maranhão aprovam projeto de redução da pena de presos que lerem a Bíblia. Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/51238/deputados-do-maranhao-aprovam-projeto-de-reducao-da-pena-de-presos-que-lerem-a-biblia.html. Acesso em: 13 ago 2020.

NOCA. Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://www.noca.com.br/noticia/50055-assembleia-legislativa-do-ma-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-livros-da-biblia. Acesso em: 13 ago 2020.

G1 São Paulo. Assembleia de SP aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/assembleia-legislativa-de-sp-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-a-biblia.ghtml. Acesso em: 13 ago 2020.

Folha de S.Paulo. Justiça de SP derruba lei que permitia a preso diminuir pena com leitura da Bíblia. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/02/justica-de-sp-derruba-lei-que-permitia-a-preso-diminuir-pena-com-leitura-da-biblia.shtml. Acesso em: 13 ago 2020.

Deputado federal evangélico exalta Roberto Jefferson em vídeo: “sempre foi sinônimo de responsabilidade”

Em 13 de julho, o presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, publicou, em seu perfil no Twitter, um vídeo ao lado do pastor da igreja pentecostal Assembleia de Deus e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Otoni de Paula (PSC/RJ). Na legenda, ele inseriu: “Deputado Federal Otoni de Paula. Grande guerreiro de Cristo. Tenho orgulho de ser seu amigo. Pensando o Rio de Janeiro e o Brasil”.

Com mais de 24 mil visualizações até a redação desta matéria, o vídeo apresenta Otoni de Paula enaltecendo Roberto Jefferson:

Sempre foi sinônimo de austeridade e acima de tudo sempre foi sinônimo de responsabilidade. Roberto Jefferson sempre assumiu no peito os seus acertos e erros e hoje tem moral para ensinar a minha geração qual o caminho que nós temos que trilhar, porque já passou por lá e pode hoje dizer: esse é o caminho correto. Por isso, como eu faço parte dessa nova geração de políticos no Brasil, nada melhor do que estar diante do nosso mestre

Otoni de Paula, na gravação de 46 segundos publicada.

Personagens envolvidas em crimes e inquéritos

Tanto Otoni de Paula quanto Jefferson têm utilizado suas redes sociais para criticar e disseminar desinformação sobre o Supremo Tribunal Federal e são investigados no inquérito que apura a disseminação de fake news. O deputado federal do PSC é acusado de, em duas ocasiões, “empregar violência moral e grave ameaça para coagir Moraes [ministro Alexandre Moraes] e, com isso, beneficiar a si mesmo”. Jefferson, por sua vez, chegou a comparar, em maio, o STF a um tribunal nazista.

No último dia 14 de julho, Otoni de Paula foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal pelos supostos crimes de difamação, injúria e coação de vídeos com ataques e ofensas ao ministro Alexandre Moraes, do STF. Na denúncia, a PGR afirma que o deputado fez duas transmissões ao vivo pela internet, nos dias 16 de junho e 5 de julho, nas quais “imputou fatos afrontosos à reputação do ministro [do STF] Alexandre de Moraes”, além de ofender a dignidade do ministro. No vídeo, o deputado chama o ministro de “lixo”, “tirano” e “canalha”, entre outras ofensas. Na ocasião, o deputado era um dos vice-líderes do governo Bolsonaro. Os fatos são investigados no inquérito que apura ataques às instituições.

A denúncia será analisada pelo tribunal e, se aceita, o deputado se tornará réu em uma ação penal. Em mensagem publicada em mídias sociais, no mesmo dia 14 de julho, o parlamentar afirmou que ainda não tinha conhecimento sobre a denúncia feita pela PGR. “Ainda não conheço o teor das denúncias da PGR contra mim, mas uma coisa prometo, lutarei até o fim contra a tirania da toga”. Nas gravações, o deputado criticou Moraes por ter libertado o blogueiro Oswaldo Eustáquio, mas proibindo-o de usar as redes sociais digitais.

Em 10 de junho, matéria do Coletivo Bereia apresentou o perfil e as ligações religiosas de investigados no inquérito do Supremo Tribunal Federal contra fake news. Entre os alvos com ligações religiosas estava Roberto Jefferson, sobre o qual o Bereia apontou a trajetória nas mídias digitais, na política, as acusações e defesas no inquérito das fake news.

Segundo a matéria do Bereia, entre as alianças religiosas de Jefferson está o ex-deputado Carlos Rodrigues, ex-bispo da Igreja Universal, um dos operadores do “Mensalão”, acusado de comandar a cobrança de uma mesada de R$10 mil a R$15 mil de todos os deputados federais e estaduais do país ligados à Igreja Universal do Reino de Deus, através do esquema chamado “Dízimo do Legislativo”.

Jefferson: de volta à cena via bolsonarismo

Desaparecido da cena política desde sua prisão, em 2005, Roberto Jefferson voltou a ganhar destaque na mídia quando o presidente Jair Bolsonaro, neste 2020, em crise na relação com o Congresso Nacional, e na iminência de sofrer um processo de impeachment, recorreu ao apoio do Centrão, que tem o presidente do PTB como um dos líderes. Apoiador de Bolsonaro, Jefferson já havia atuado em 1992 como líder da “tropa de choque” que tentou impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor.

No final de abril de 2020, Jefferson reapareceu como aliado do governo Bolsonaro com críticas ao STF. Em postagem no Twitter, em 9 de maio, ele pedia ao presidente “para atender o povo e tomar as rédeas do governo”.

Na decisão que determinou a busca e apreensão nas casas do ex-deputado, o ministro Alexandre de Moraes determinou a apreensão de armas e também mandou bloquear as mídias sociais do ex-parlamentar e afirmou que há indícios da prática de sete crimes. Os agentes da PF realizaram buscas em dois endereços do ex-deputado federal, um na cidade de Comendador Levy Gasparian e outro em Petrópolis, ambas no Rio de Janeiro.

Ainda segundo conteúdo do Bereia, após a Operação, o partido de Jefferson, o PTB, que declarou apoio a Bolsonaro em 2018, em nota, se pronunciou à Nação brasileira: “Não vamos permitir que ministros do STF calem o Presidente”, fazendo menção a Roberto Jefferson.

Em apoio ao pai, a deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), que não conseguiu se reeleger depois de ser investigada, em 2018, por envolvimento em fraudes no Ministério do Trabalho, participou das manifestações pró-Jair Bolsonaro no dia 31 de maio.

Em matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 21 de abril, o jornalista Fábio Zanini apresentou a nova “roupagem bolsonarista” de Jefferson, salientada a partir de 19 de abril, em uma transmissão pela internet em que o ex-deputado federal criticou o congresso, tendo como alvo principal o presidente da Câmara Rodrigo Maia, por supostamente articular o esvaziamento dos poderes presidenciais.

A live, conduzida pelo jornalista Oswaldo Eustáquio, preso pelo mesmo inquérito das fake news contra o STF, até o momento da redação desta matéria contabilizava mais de 2,1 milhões de visualizações, tendo sido compartilhada pelo presidente Jair Bolsonaro e diversos integrantes de sua base de ativistas digitais.

Na transmissão, Jefferson denunciou um suposto golpe que estaria sendo arquitetado com a participação de governadores e líderes para aprovar o impeachment de Bolsonaro ou instituir um parlamentarismo branco. O mesmo tom seguiu se repetindo nas redes sociais e demais entrevistas.

À Folha, ele afirmou que uma tentativa de tirar Bolsonaro da Presidência poderia gerar violência. “Está chegando um momento de radicalização. A pressão é tão grande que se tentarem, num movimento de rua, sustentar um pedido de impeachment, vão ter que enfrentar a turma do Bolsonaro. E aí o pau vai cantar. Quando você enfrenta a força, você tem que opor a força a ela. Não tem saída”, declarou. Ainda segundo a publicação, desde o agravamento da pandemia do novo coronavírus, o presidente nacional do PTB tem demonstrado apoio a Jair Bolsonaro. Seria, de acordo com Jefferson, em razão de ambos partilharem dos mesmos valores. “Eu não tenho proximidade pessoal com o Bolsonaro. Eu tenho as mesmas convicções. Ele empunha a bandeira dos ideais que eu sustento”, disse à Folha de S. Paulo, que afirma que a aliança, para além do cenário nacional, ainda coincide com o da política carioca.

Neste 21 de julho, Roberto Jefferson voltou à cena nas mídias sociais. Em uma live, transmitida pelo canal do Youtube “Questione-se”, o apoiador do governo Bolsonaro, quando entrevistado por um blogueiro, o presidente nacional do PTB fez comentários homofóbicos contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas declarações, o político diz que dois magistrados “são sodomitas” e que “usam saia pela opção sexual”.

“Tem dois ministros lá que tem esses gostos (…) tem dois ministros que são meninas. Tem ministros de rabo preso e dois de rabo solto, conhecidos. Um é o (sic) Carmen Miranda, e o outro é Lulu boca de veludo (…) e eles querem fazer pauta de gênero, porque eles ainda não encontraram o deles (…) tem dois sodomitas ministros”, afirmou Roberto Jefferson. Em um determinado momento da live, o ex-deputado afirma que seria vergonhoso que dois ministros assumissem que “são enrab… por um negão”.

O jurista Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, manifestou-se sobre a live de Roberto Jefferson. “O desrespeito, a agressão e a calúnia aos ministros do Supremo Tribunal Federal, no contexto em que foram proferidos e veiculados, são claras tentativas de desgaste do próprio Tribunal que integram, e, assim, de 1 dos mais importantes pilares do Estado de Direito. A reação tem que ser firme, rápida, contundente e pedagógica”, afirmou.

Otoni de Paula: fidelidade ao bolsonarismo

O vídeo em que Otoni de Paula exalta Roberto Jefferson foi produzido por conta do contexto eleitoral em que o país está se inserindo. Definido o calendário da realização das eleições municipais para o final do ano, partidos e candidatos começam a se manifestar publicamente com articulações para candidaturas.

O deputado federal Otoni de Paula, filho do famoso e histórico cantor evangélico, da Assembleia de Deus, Ozeias de Paula, estreou na política institucional como vereador pelo PSC do Rio de Janeiro, de 2017 a 2018. Em 2018 foi eleito deputado federal pelo mesmo partido, na aliança com o PSL de Jair Bolsonaro, que elegeu o governador Wilson Witzel. Otoni de Paula logo se tornou um dos vice-líderes do governo federal na Câmara.

O pastor evangélico e deputado federal produziu o vídeo exaltando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, neste mês de julho, no contexto em que foi convidado a se filiar ao partido. No acordo, ele apoiará a candidatura da ex-deputada federal Cristiane Brasil, filha de Jefferson, à prefeitura. Por outro lado, ele terá o apoio do PTB para disputar o governo do Rio de Janeiro em 2022.

Em 16 de julho, Otoni de Paula confirmou as afirmações do noticiário, em um vídeo de sete minutos em seu canal no YouTube, em que afirma:

Saiu uma matéria no site O Antagonista e em alguns veículos de comunicação dando conta da minha filiação ao PTB, de Roberto Jefferson, o grande guerreiro Roberto Jefferson. Bem, queria esclarecer algo muito importante. Eu tive a honra de sentar com o deputado Roberto Jefferson, tive a honra de ter uma longa conversa com esse grande patriota, antes desse dia, na semana passada, eu não tinha tido nenhum contato pessoal com o Roberto Jefferson. Nunca tinha tido antes. Mas, resolvi me aproximar de Roberto Jefferson por conta da sua brilhante defesa à pátria brasileira e sua brilhante defesa ao presidente Bolsonaro. E eu disse que quem defende o meu amigo, meu amigo passa a ser. Realmente nós estamos construindo uma boa amizade que queremos que transcenda as questões políticas. Roberto Jefferson sempre foi um sujeito homem, e eu gosto de sujeitos corajosos, que assumem os seus acertos e assumem os seus erros também. Por isso é que eu não tenho vergonha nenhuma, nenhuma, nenhuma de estar ao lado de Roberto Jefferson, porque tem se demonstrado um grande patriota. E os erros que ele cometeu lá atrás ele pagou por todos eles e, graças a ele, nós começamos a quebrar o império do PT no Brasil. Bem, portanto, nós conversamos sim, conversamos sobre uma possível ida nossa para o PTB. Recebi esse convite do próprio Roberto Jefferson, que disse que o PTB está aberto para que eu me candidate para 2022 ao governo do estado do Rio de Janeiro ou ao senado federal, já que estamos em uma batalha imensa lá em Brasília e também outra aqui no estado do Rio de Janeiro. Contudo, é bom que fique claro que eu ainda estou no PSC, eu ainda estou filiado no PSC e eu só poderia sair hoje do PSC através de um acordo que dificilmente haverá ou através do TSE, me liberando, liberando a minha saída do PSC. Do contrário eu corro o risco de perder o meu mandato e, ao perder o mandato, eu perco o meu maior patrimônio, a minha voz, em poder estar cerrando fileiras ao lado do Brasil, pela nossa pátria amada Brasil. Portanto, me senti muito honrado, mas muito honrado mesmo por esse convite do Roberto Jefferson, da sua filha Cristiane Brasil. Porém, ainda continuo filiado no PSC, ok? Só para colocar claro tudo isso para todos vocês. O convite para vir para o governo do Rio de Janeiro pelo PTB, o convite de poder decidir se em 2022 vamos vir governador ou senador pelo PTB muito nos honrou. Agora, quem vai decidir isso, se eu serei candidato a governador do Rio de Janeiro ou se eu serei candidato ao Senado Federal é o povo da minha terra, é o povo do meu Rio de Janeiro. São eles. Caso eu perceba que não há essa vontade do povo que a gente venha ao governo do estado ou ao Senado Federal , que a única casa que pode mudar isso que está acontecendo o STF , então nós vamos colocar o nosso nome novamente à disposição da população do Rio de Janeiro para uma reeleição a deputado federal se essa for a vontade do papai do céu. Porque o dia do amanhã só pertence a Deus. Estamos vivos agora, hoje, nesse momento, não sabemos se estaremos vivos amanhã. Mas, se estivermos, e se estivermos com saúde, não vamos recuar da batalha porque não nos faltará a coragem de continuar lutando pelo nosso Brasil. Um abraço ao presidente Roberto Jefferson, à Cristiane Brasil. Obrigado pelo convite que muito me honrou. Estar no PTB, quem sabe, de acordo com a vontade de Deus, será uma honra muito grande. Mas isso está na vontade de Deus porque eu ainda estou filiado ao PSC. Um abraço a todos. Esclarecido? É sempre assim, é olho no olho. Eu falando com você e você falando comigo. Quem puder compartilhar, compartilha. Beijo no coração. Deus abençoe. Cheguei no Rio agora. Estou indo agora para Iguaba visitar minha querida Iguaba, a cidade praiana aqui no Rio de Janeiro. Mas não é para tomar banho de praia não, é para levantar a bandeira da direita conservadora lá na cidade de Iguaba, ao lado do meu amigo Juninho Negão. Júnior Negão, um abraço. Deus abençoe o Júnior Negão e Deus abençoe sua esposa Jéssica e toda a sua família. Estamos chegando aí na querida Iguaba. Um abraço, pessoal. Deus abençoe!”.

Deputado Otoni de Paula

O deputado, que rompeu com o PSC por conta de críticas ao governador Wilson Witzel, confirmou o convite e comentou a denúncia do MPF: “Aceitei o convite do PTB com a convicção de que essa ação é feita para me intimidar e intimidar protestos e manifestações populares. A mensagem é: ‘Se a gente faz isso com um deputado, que tem imunidade (parlamentar), imagina o que não podemos fazer com vocês’”.

O fracasso na criação do partido do presidente Jair Bolsonaro Aliança Pelo Brasil, com previsão atualizada para sair do papel apenas no fim de 2021, quase dois anos após o planejamento, fez com que muitos deputados bolsonaristas desistissem do projeto. Além de Otoni de Paula, festejado pela militância bolsonarista no evento de lançamento do Aliança, que irá para o PTB, os deputados Luiz Lima (RJ) e Coronel Chrisóstomo (RO) decidiram permanecer no PSL, enquanto Flávio e Carlos Bolsonaro foram para o Republicanos.

A debandada pode ser ainda maior: o PSL, partido que saiu do anonimato com o bolsonarismo, planeja uma reunião com todos os deputados e, diante da reaproximação com o Palácio do Planalto, tentará convencer mais bolsonaristas a não se desfiliarem. No grupo de WhatsApp do Aliança, 90% dos políticos que atuam para fundar a legenda estão, hoje, no PSL.

No Twitter, Otoni reclamou recentemente da postura moderada de Bolsonaro, que reatou pontes com Judiciário e Legislativo: “Estou tendo a sensação de que combinaram algo e não me avisaram. Fui chamado para uma guerra pela minha pátria, mas tô tendo a sensação de que há um acordo de paz com o inimigo, que eu não participei e não participaria”.

Já no dia 20 de julho de 2020, Otoni de Paula criticou o Ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, General Luiz Ramos, também evangélico (batista), dizendo que ele será o responsável por tornar Jair Bolsonaro refém do Centrão, liderado por Roberto Jefferson.

O inquérito do STF não é o primeiro envolvimento do deputado federal evangélico em investigações pela justiça. Em julho de 2018, três meses antes das eleições, Otoni de Paula publicou um vídeo convidando fiéis de sua igreja para comparecerem ao lançamento de sua pré-candidatura e passou a ser investigado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado. No vídeo, o pastor e candidato agradece a disposição de “alguns irmãos em alugar um ônibus” para levar fiéis ao evento. Na sequência do vídeo, Otoni pede “palmas para Jesus” e diz que “vivemos um momento de guerra por conta do golpe do impeachment contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella. O pedido de impeachment de Crivella, também evangélico, havia sido processado por alguns vereadores por ter o prefeito oferecido vantagens a fiéis de sua igreja em um evento reservado a pastores na sede da prefeitura. Em outros vídeos, Otoni critica a atuação do juíz que mandou Crivella “parar de usar a prefeitura para favorecer seu grupo religioso”

Bereia classifica o conteúdo do vídeo do deputado federal pastor Otoni de Paula (PSC/RJ), publicado pelo presidente do PTB Roberto Jefferson, como material de campanha, com divulgação imprecisa da figura pública de Jefferson. Atributos como “sempre sinônimo de responsabilidade” e “moral para ensinar esta geração” não correspondem ao histórico do envolvimento do ex-deputado federal, que preside o PTB, com ilegalidades, culminando na atual investigação do seu papel como disseminador de fake news e de discurso de ódio, que é omitido na divulgação do deputado Otoni de Paula.

Foto de Capa: Twitter/Reprodução

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Referências de Checagem

Conheça o perfil e as ligações religiosas dos investigados no inquérito do STF contra Fake News – Parte I. Disponível em: https://coletivobereia.com.br/conheca-o-perfil-e-as-ligacoes-religiosas-dos-investigados-no-inquerito-do-stf-contra-fake-news-parte-i/. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por difamação e injúria contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/14/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-difamacao-e-injuria-contra-alexandre-de-moraes.ghtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Roberto Jefferson veste figurino bolsonarista após defender Collor e delatar Mensalão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/apos-defender-collor-e-delatar-mensalao-roberto-jefferson-veste-figurino-bolsonarista.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado Otoni de Paula por ameaças contra Alexandre de Moraes. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/14/interna_politica,872147/pgr-denuncia-deputado-otoni-de-paula-por-ameacas-contra-alexandre-de-m.shtml. Acesso em 20 de julho de 2020.

Alvo de operação, Jefferson compara STF ao nazismo: ”Tribunal do Reich”. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/27/interna_politica,858735/alvo-de-operacao-jefferson-compara-stf-ao-nazismo-tribunal-do-reich.shtml Acesso em 20 de julho de 2020.

PGR denuncia deputado ao STF por ofensas a Alexandre de Moraes. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2020-07/pgr-denuncia-deputado-ao-stf-por-ofensas-alexandre-de-moraes. Acesso em 20 de julho de 2020.

Denunciado por ataque a ministro do STF, Otoni de Paula vai se filiar ao PTB. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2020-07-16/denunciado-por-ataque-a-ministro-do-stf-otoni-de-paula-vai-se-filiar-ao-ptb.html. Acesso em 20 de julho de 2020.

Demora na criação do Aliança faz deputados desistirem do partido anunciado por Bolsonaro. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/demora-na-criacao-do-alianca-faz-deputados-desistirem-do-partido-anunciado-por-bolsonaro-24540810. Acesso em 20 de julho de 2020.

TRE/RJ mira pastor do PSC que convocou fieis para lançamento de pré-candidatura. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/tre-rj-mira-pastor-do-psc-que-convocou-fieis-para-lancamento-de-pre-candidatura-22894513. Acesso em 20 de julho de 2020.