Sites religiosos e políticos exploram caso de suposto afastamento de diretor de escola de Sorocaba por transfobia

Circula em mídias sociais e sites religiosos a informação que o diretor da Escola Estadual Antônio Padilha, em Sorocaba (SP), foi afastado temporariamente de suas funções após barrar a entrada de uma aluna transexual no banheiro feminino.

De acordo com a publicação, duas alunas teriam reclamado da presença da estudante no banheiro. Após a intervenção, um grupo de alunos acusou o diretor de transfobia e a decisão de afastar o diretor partiu da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-SP), que vai apurar a conduta do docente. 

Imagem: reprodução do site Pleno News

A notícia divulgada se repete da mesma forma em todos os sites, seguida de uma suposta nota oficial da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, dizendo que o desfecho do caso acontecerá após uma decisão do Conselho Escolar. Segundo o texto reproduzido, o órgão teria ressaltado que “repudia todo e qualquer tipo de discriminação, racismo ou LGBTQIAP+fobia dentro ou fora da escola”. Em todos os sites e portais não é indicada a fonte para a nota oficial , o nome de algum profissional da Secretaria de Educação ou mesmo da escola estadual. 

A nota também não se encontra no site da Secretaria de Educação. Por telefone, fomos orientados a entrar em contato com a Assessoria de Imprensa da Seduc-SP, que por sua vez respondeu ao e-mail pedindo um telefone para contato. Até o fechamento da matéria, não obtivemos resposta. 

Manifestações de apoio ao diretor

Nas mídias sociais, parlamentares se manifestaram contra o afastamento do docente. O vereador de Sorocaba Dylan Dantas (PSC) defendeu que o diretor não pode ser penalizado. O deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos) também se pronunciou.

Douglas Garcia, representante do Movimento Conservador na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP), publicou no Twitter trecho de seu discurso em plenário sobre a notícia do afastamento do diretor da escola: 

Imagem: reprodução do Twitter

Em seguida, o vereador Dylan Dantas (PSC), Representante do Movimento Conservador em Sorocaba fez duas publicações em seu perfil no Twitter

Imagem: reprodução do Twitter

Os parlamentares reproduzem apenas as notícias divulgadas pelos sites religiosos e não apresentam qualquer fonte ou informação nova que possa ser verificada. 

Homo/Transfobia nas escolas  escolas de Sorocaba e região e resistências 

O artigo “Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental”, publicado por Sara Laham Sonetti e Marcos Roberto Vieira Garcia, discute esse tema  no  panorama  nacional de forma mais ampla e na região de Sorocaba, em particular.

Segundo os autores, “a cidade de Sorocaba, embora seja sede de uma região metropolitana e esteja localizada próxima a São Paulo, se configura como um local de intensa propagação de discursos e práticas homo/transfóbicas”. 

Sara Laham e Marcos Roberto Vieira afirmam que: “As  escolas  de  Sorocaba,  infelizmente,  reproduzem  a  falta  de  aceitação  do  respeito  à  diversidade.  Como  veremos  mais  adiante  esse  processo  é  relacionado  à  presença  de  leis  municipais  que  implementam  normas  que  vão  no  sentido  contrário  das  medidas  protetivas,  sendo  em  si, medidas de dano e injúria às pessoas homossexuais e trans, além de reproduzirem erros conceituais, deixando claro o desconhecimento quanto a assuntos relacionados à identidade de gênero e sexualidade dos envolvidos na elaboração e aprovação das mesmas”.

Um exemplo disso, segundo os autores,“é a lei municipal nº 11.185 (SOROCABA, 2015), de 28 de setembro de 2015, que proíbe que o uso do banheiro ou vestiários nas escolas seja de acordo com o gênero com o qual a pessoa se identifica. Essa lei se aplica às escolas que atendem ao ensino fundamental, sejam elas públicas ou privadas. A aprovação desta lei municipal se deu no mesmo ano em que o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, aprovou uma Resolução versando o contrário, ou seja, garantindo o direito da pessoa frequentar o banheiro referente à sua identidade de gênero. Aprovada  por  15  votos  a  favor  e  03  contrários,  a  referida  lei  é  de  autoria  do  vereador  Irineu  Toleto  (PRB). Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, o vereador disse que o objetivo da Lei era o de proteger “o psicológico das crianças, já que o ensino fundamental abrange alunos com idade entre 7 a 14 anos”.

O artigo esclarece que, “no mesmo discurso de que não considerar a identidade da pessoa para o uso do banheiro é considerado uma  “proteção”, o “não-falar” sobre  gênero  nas  escolas  também  é  colocado  como  uma  proteção, ao contrário do que apontam os estudos que afirmam a necessidade de se falar sobre gênero justamente para  possibilitar  a  proteção  para  as  crianças  e  adolescentes  que  sejam  ou  virão  a  ser  LGBTs  e  sofrem preconceitos diversos em função disso. Instituir uma lei que negue acesso ao banheiro segundo o gênero com que a pessoa se identifica acaba funcionando como uma educação subliminar contrária ao ensino do respeito, uma vez que é passada a mensagem de que ser trans é algo errado e que deve ser ignorado, corrigido ou punido.”

A respeito de identidade de gênero e a reação popular contra a lei, os autores explicam que, “cabe ressaltar que a expressão “identidade de gênero” foi definida de forma equivocada na referida lei, que afirma que “considera-se identidade de gênero o conceito pessoal, individual, psíquico e subjetivo, divergente  do  sexo  biológico,  adotado  pela  pessoa”.  Ou  seja,  presume-se  que  só  “teria”  identidade  de gênero quem fosse trans e não as pessoas cis. Essa falta de entendimento conceitual chegou aos olhos da Defensoria  Pública  de  São  Paulo,  que  enviou  ao  prefeito  de  Sorocaba  um  ofício solicitando  o  veto à lei  sancionada.  A polêmica acerca da referida lei se iniciou ainda durante a tramitação do projeto, que foi acusado de ser transfóbico e excludente. Houve manifestações populares na Câmara dos Vereadores em Sorocaba, com os movimentos LGBT se posicionando contra tal lei”.

“O prefeito da cidade vetou a lei recém-aprovada em  29/08/2015,  alegando  que  os  órgãos  da  Prefeitura  envolvidos  com  a  análise  do  projeto  foram procurados por segmentos sociais que pediram o veto do texto e que  a Secretaria da Educação local se manifestou sobre o assunto, lembrando que a Constituição prevê que o ensino deve ter como fundamento a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. No entanto, esses esforços não foram suficientes e o veto foi derrubado em nova votação na Câmara dos vereadores em 22/09/2015, por 16 x 0. Os 3 vereadores que seriam a favor de manter o veto (do PT e PV) não votaram e não se manifestaram a respeito”

“Há  ainda  a  associação  feita  entre  o  acesso  ao  banheiro  a  pessoas  trans  e  possíveis  “abusos” decorrentes disso, no sentido de homens se “aproveitarem” da situação para assediar mulheres, como podemos ver no discurso do autor da referida lei, vereador Irineu Toledo: “O ensino fundamental, que está a cargo do município, vai do 1º ao 9º ano, com crianças de 6 anos a adolescentes de 14 anos. Isso significa que uma menina de 6, 7 ou 8 anos, de  acordo  com  a  portaria  do  governo  federal,  será  obrigada  a  conviver  no  banheiro feminino com um adolescente de 14 anos, bastando que ele, mesmo tendo um aparelho reprodutor masculino, se considere mulher. Como cerca de um em cada cinco estudantes brasileiros,  segundo  dados  oficiais,  estão  atrasados  na  escola  e  muitos  só  concluem o  ensino  fundamental  aos  16  anos,  a  situação  se  torna  ainda  mais  grave:  vamos  ter verdadeiros rapagões usando o banheiro das meninas”.  

“Observa-se que esse discurso inverte radicalmente o que tem sido denunciado por pesquisas e pela militância LGBT, acerca do frequente abuso direcionado às pessoas trans (em especial mulheres) quando são obrigadas a usarem o banheiro de acordo com o gênero que lhes foi designado ao nascerem”.

O que diz o Ministério da Educação

Existem projetos de lei no Congresso que buscam tratar destes temas, como o de nro. 5008/20 que proíbe expressamente a discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero em banheiros, vestiários e assemelhados, nos espaços públicos, estabelecimentos comerciais e demais ambientes de trabalho. 

O projeto tramita conjuntamente com outros que tratam de temas semelhantes e aguardam apreciação do Congresso Nacional, portanto, não existe obrigatoriedade do MEC se manifestar sobre o tema.

O processo que está sendo julgado no STF , recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou indenização por danos morais a uma transexual que foi impedida de usar o banheiro feminino de um shopping center em 2008, teve o voto dos ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin a favor do direito de transexuais usarem banheiros conforme sua “identidade de gênero”, ou seja, como se percebem, (homem ou mulher), independentemente do sexo a que pertencem.

Desta forma, como não existe lei específica do Congresso Nacional ou decisão do Supremo Tribunal Federal, portanto o Ministério da Educação ou a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, não estão obrigados legalmente a manifestar-se sobre a questão. 

O que é transfobia? 

Cotidianamente as pessoas transgênero são alvos de preconceito, desatendimento de direitos fundamentais (como a utilização de nomes sociais e também não conseguem adequar seus registros civis na Justiça), exclusão estrutural (dificuldade ou impedimento à educação, ao mercado de trabalho qualificado e até mesmo ao uso de banheiros) e de violências variadas, de ameaças a agressões e homicídios, o que configura a extensa série de percepções estereotipadas negativas e de atos discriminatórios contra homens e mulheres transexuais e travestis denominada transfobia, diz a Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, pela Universidade de Brasília, Jaqueline Gomes de Jesus, em seu artigo “Transfobia e crimes de ódio: Assassinatos de pessoas transgênero como genocídio”.

A transfobia é caracterizada pelo ódio orientado aos transexuais, às pessoas que não se identificam com o seu gênero de nascimento. Tal comportamento pode ser manifestado pela violência física ou verbal contra essas pessoas. 

Em 2019, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara aprovou o projeto que criminaliza a homofobia e a transfobia (PL 7582/14). O texto pontua crime hediondo o homicídio cometido contra lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, intersexo e demais pessoas trans. 

A proposta inclui no Código Penal o aumento da pena de um a dois terços no caso de o crime ser cometido em razão de homofobia ou transfobia. No entanto, esse aumento de pena só é empregado se a lesão for praticada contra autoridade ou agente público, integrantes do sistema prisional e seus respectivos cônjuges e parentes até terceiro grau.

De acordo com o texto, a ofensa à dignidade e ao decoro em razão de homofobia e transfobia também é considerada crime de injúria. A pena prevista nesse caso é a mesma de ofensa por questões de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, com reclusão de um a três anos e multa.

Deve-se considerar que a proposta não prevê injúria punível no caso de homofobia e transfobia quando houver manifestação de crença em locais de culto religioso, salvo quando houver incitação à violência. Portanto, não se sustenta a tese comum alegada por religiosos de que seria cerceamento do direito de crença ou perseguição religiosa, como aparece em postagens em mídias sociais:

Imagem: reprodução do Twitter

Transexuais no Brasil: violência e baixa expectativa de vida

De acordo com levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) e pelo Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), somente em 2020 foram assassinadas 175 pessoas trans, o que representa o segundo maior número de toda a série histórica, pouco abaixo dos 179 registrados em 2017. Os dados constam no Dossiê: Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, 

Os números do levantamento nacional são corroborados pelo relatório do Trans Murder Monitoring de 2019 que apontam o Brasil como o país que mais mata transexuais no mundo. No ano de 2020 o número de assassinatos apontou crescimento e em 2021, como mostra o mesmo relatório, pode-se perceber uma leve diminuição. No entanto, é possível observar diferentes percalços que a população trans atravessa nos diversos espaços da sociedade.

Com o recrudescimento do conservadorismo no espaço público nos últimos anos, uma das esferas que mais se colocou resistente em favor das pautas conservadoras, foi a religiosa. A negação de direitos básicos como saúde e educação continuam sendo tônicas em favor de uma única política de governo que não contempla a todos.

No entanto, também é possível perceber que movimentos de afirmação religiosa e sexual têm procurado se estabelecer na sociedade, com o objetivo de além de servir de lugar de acolhimento, busca também ser um lugar de atuação política, mesmo sob ataques e ameaças, como os sofridos pela pastora e teóloga feminista Odja Barros, da Igreja Batista do Pinheiro, Maceió-AL. A religiosa faz uma leitura popular e feminista da Bíblia e é autora de diversos artigos sobre estes temas. As ameaças de morte vieram após a Odja Barros celebrar, em sua Igreja, a união de duas mulheres.  As ameaças foram prontamente repudiadas pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC. 

Igrejas inclusivas e um novo olhar sobre as minorias

Imagens: divulgação

As chamadas igrejas inclusivas, que hoje no Brasil não se configuram mais como uma novidade, vêm abrindo as portas com uma nova proposta de igreja. Revisitando as Escrituras, a teologia inclusiva busca lançar luz sobre as minorias descritas nos textos bíblicos, ao passo que enfatiza o amor como ordenamento divino principal. De acordo com o pastor Marcos Gladstone, advogado, teólogo e também fundador da Igreja Cristã Contemporânea, “Jesus acolheu o leproso, acolheu o pecador, amou incondicionalmente pessoas que a religião descartava e hoje a gente vive isso dentro da Igreja Cristã Contemporânea. A gente vem para o nosso templo viver aquilo que Jesus também viveu ao pregar e acolher aquele que era excluído pela sociedade e, principalmente, pela Igreja. Na ICC não repetimos discursos de ódio e intolerância.” 

Igrejas inclusivas no Brasil como a Igreja Cristã Contemporânea – pioneira no Brasil – , a Cidade de Refúgio, Igreja da Comunidade Metropolitana, Congregação Cristã Nova Esperança, Arena Church Apostólica, Congregação Diante do Senhor, Igreja Apostólica Avivamento Incluso, Igreja Apostólica Novo Templo Internacional, Igreja Deus Vivo InclusivoIgreja Todos Iguais, em sua maioria localizadas no Estado de São Paulo e Rio de Janeiro evocam a diversidade e a liberdade de culto como premissas de suas denominações. 

A Igreja Cristã Contemporânea, ao listar os valores que regem a instituição, afirma que o Evangelho não mudou. A diferença desta igreja em relação às demais evangélicas é o acolhimento à comunidade LGBTQIA+. Quanto às demais doutrinas que regem a fé cristã, existem muitas semelhanças.

A Igreja da Comunidade Metropolitana  afirma ser de tradição protestante, ecumênica e inclusiva. o caráter inclusivo da igreja significa compreender a mensagem de Jesus Cristo de maneira não-fundamentalista, abrindo-se aos estudos e aos conhecimentos sobre a diversidade sexual e de gênero. 

A Arena Church Apostólica se define como uma igreja cristã afirmativa, que acolhe todas as pessoas. Defende que Deus não faz acepção de pessoas, e por isso crê que o amor de Cristo é incondicional e independe de sexualidade ou identidade de gênero.

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De acordo com as informações apresentadas, Bereia conclui que é imprecisa a informação que o diretor da escola estadual foi afastado preventivamente. Não foi obtida, até o fechamento desta matéria, resposta da Secretaria de Educação de São Paulo ao contato feito pelo Bereia, uma vez que a nota oficial não foi encontrada nos espaços digitais disponíveis. Todos os sites religiosos que publicaram sobre o caso divulgam exatamente as mesmas informações, sem fontes ou menções a funcionários públicos e profissionais da Seduc-SP ouvidos ou contatados. 

Embora não exista nenhuma lei ou decisão judicial, ou mesmo portaria do Ministério da Educação ou da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo com referência ao uso de banheiros por alunos e alunas transexuais, o respeito aos direitos das minorias é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, igualitária e democrática e tem sido buscado em várias políticas públicas.

Referências de checagem: 

Ministério da Educação. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/1932471/do1-2018-01-18-portaria-no-33-de-17-de-janeiro-de-2018-1932467 Acesso em: 11 abr 2022.

Jusbrasil. https://nicolarj.jusbrasil.com.br/artigos/662330526/aluno-transgenero-podera-escolher-o-banheiro  Acesso em: 11 abr 2022.

Transrespect. https://transrespect.org/en/ Acesso em: 11 abr 2022.

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2264620 Acesso em: 11 abr 2022.  

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=616270 Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/noticias/703034-projeto-proibe-discriminacao-ao-uso-de-banheiros-publicos-de-acordo-com-a-identidade-de-genero/   Acesso em: 11 abr 2022.

https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2255157 Acesso em: 11 abr 2022.

Politize. https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/o-que-e-transfobia/ Acesso em: 12 abr 2022.

Igreja Contemporânea. https://www.igrejacontemporanea.com.br/sobre Acesso em: 18 abr 2022.

Igreja da Comunidade Metropolitana. https://www.icmrio.com/a-igreja/quem-somos/ Acesso em: 18 abr 2022.

Arena Church Apostólica http://arenachurch.com.br/ Acesso em: 18 abr 2022.

Catraca Livre. https://catracalivre.com.br/cidadania/marcos-gladstone/ Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Escola e infância: a transfobia rememorada. https://www.scielo.br/j/cpa/a/xCs6X8XvktzLTCzDFsVygqR/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 18 abr 2022.

Artigo. Os cães do inferno se alimentam de blasfêmcia https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/csr/article/view/12598/7974  Acesso em: 18 abr 2022. 

Artigo Ensinando a diversidade ou a transfobia. Um panorama da educação sobre diversidade sexual e de gênero nas escolas e sua intersecção com saúde mental. https://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistapraksis/article/view/1913/2505 Acesso em: 18 abr 2022. 

Glossário de Gênero. https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/03/19/glossario-de-genero-entenda-o-que-significam-os-termos-cis-trans-binario.htm Acesso em: 18 abr 2022.

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Imagem de capa: reprodução do site Pleno News

Matérias sobre projeto de lei que inclui leitura da Bíblia para redução de pena são imprecisas

No dia 10 de agosto, foi aprovado na Assembleia Legislativa do Maranhão (Alema) o Projeto de Lei n. 281/2019 que insere a Bíblia como livro obrigatório no acervo bibliográfico indicado pela Comissão de Remição pela Leitura. O documento acrescenta dispositivos à Lei Estadual 10.606/2017 que institui o Projeto “Remição pela Leitura” no âmbito das penitenciárias do Maranhão. A proposta foi apresentada pela deputada estadual Mical Damasceno (PTB) e aprovada com a totalidade dos votos dos parlamentares presentes.

Alguns veículos como o G1, Noca portal de credibilidade e o portal evangélico CPAD News publicaram manchetes semelhantes à “Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia”. Os sites não esclareceram, porém, se essa leitura era obrigatória ou se havia outros livros passíveis de ser escolhidos pelos detentos.

Originalmente, o projeto oferece ao detento a oportunidade de reduzir parte da pena pela leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, entre outras, que são previamente escolhidas pela Comissão de Remição pela Leitura, e pela elaboração de relatório ou resenha. Em artigo intitulado “Projeto Remição pela Leitura: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização”, Jaciara Marques Galvão Silva e Francinete Costa Primo comentam que o acervo é composto por livros didáticos, Bíblias e outras obras religiosas, da área de educação, dicionários e muitos paradidáticos, a maioria literatura brasileira. Isto é, não é apenas a Bíblia que está disponível para a remição de pena, e sim também a Bíblia.

Além disso, de acordo com o artigo décimo do documento do PL de origem, de 2017, “A participação do interno custodiado alfabetizado no Projeto Remição pela Leitura será voluntária, mediante inscrição no setor pedagógico ou social do Estabelecimento Penal”. O artigo 12 acrescenta: “O interno custodiado alfabetizado poderá escolher somente uma obra literária dentre os títulos selecionados para leitura e elaboração de um relatório de leitura ou resenha, a cada trinta dias”. Portanto, a proposta de leitura aos detentos, além de voluntária, é opcional, o acréscimo da Bíblia no acervo não induz a obrigatoriedade da leitura, e sim disponibiliza a opção de escolhê-la.

O PL 281/2019 não foi disponibilizado na plataforma de leis e projetos em votação da Assembleia Legislativa do Maranhão até o fechamento desta matéria. O Coletivo Bereia entrou em contato com o gabinete da deputada Mical Damasceno e conseguiu acesso à íntegra do documento aprovado recentemente. De acordo com o texto, não há indício algum de que a Bíblia seja o único livro que pode ser lido para reduzir a pena. É possível conferir o documento abaixo.

Laicidade e estímulo à leitura

“É importante ressaltar, ainda, que o presente projeto não fere o Estado Laico, pois a leitura da Bíblia não está sendo imposta. O que se pretende aqui é garantir o direito de leitura deste livro tão importante. A Bíblia, além de ser o livro mais lido no mundo, tem sido agente transformador e possui maior influência do que qualquer outro semelhante”, explica a deputada Mical Damasceno, autora e precursora do projeto. Não consta no PL imposição da Bíblia aos detentos, no entanto pode haver interesse em estimular a leitura, considerando que o projeto prevê a obrigatoriedade no acervo.

No fim do documento do PL 281/2019, na seção de justificativa, pode-se notar que a deputada Mical Damasceno trouxe uma explicação compatível com a sua crença: “A Bíblia é a única Escritura sagrada que oferece salvação eterna como um dom totalmente gratuito da graça e da misericórdia de Deus. Contém os mais elevados padrões morais dentre todos os livros. Somente a Bíblia apresenta o mais realístico ponto de vista sobre a natureza humana, tem o poder de convencer as pessoas de seus pecados e a habilidade de transformar a natureza humana. Ela oferece uma solução realística e permanente para o problema do mal e do pecado humano”, justifica ela.

De acordo com o dispositivo legal, sendo a Bíblia a obra literária escolhida, esta será dividida em 39 livros (Velho Testamento) e 27 livros (Novo Testamento), considerando-se assim a leitura de cada um deles como uma obra concluída.

Medida similar em São Paulo

Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) foi adotada medida similar. Segundo o Projeto de Lei n. 390/2017, as Escrituras também seriam divididas em 66 livros – 39 do Velho Testamento e 27 do Novo Testamento. Porém, o projeto foi vetado em fevereiro deste ano por ser considerado inconstitucional sob o argumento de que legislação penal é de competência do Senado e da Câmara, e não da Alesp como prevê a Constituição.

Em São Paulo, na época da aprovação do PL, em meados de 2018, houve um questionamento sobre a laicidade. O professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP), Conrado Gontijo, relatou que o projeto esbarra na escolha da recomendação da Bíblia como livro indicado para leitura. “O Estado brasileiro é laico. Você não pode beneficiar alguém por ler a Bíblia e tirar o benefício de outra pessoa ler outro livro de sua religião”, diz ele.

O professor acrescentou que a ideia do projeto não era ruim, “mas a forma que foi feita é completamente equivocada. O projeto cria um estímulo quase impossível de resistir por causa do benefício e acaba preterindo outros materiais que do ponto de vista de socialização talvez sejam mais interessantes”. Mesmo que Gontijo tenha comentado sobre o caso paulista, é um questionamento que também se encaixa na medida maranhense, visto que os PLs são praticamente idênticos.

Por outro lado, a Bíblia é uma coleção de livros religiosos de aproximadamente 1.500 páginas. Se for considerá-la como uma obra literária só, seria de fato muito grande em comparação com outras. Dada a extensão, a já comum divisão em livros com quantidades menores de páginas é um facilitador para que os detentos possam escolher o livro religioso.

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Bereia classifica as matérias que divulgam o PL 281/2019 como imprecisas por oferecerem conteúdos verdadeiros, porém sem considerar as diferentes perspectivas e não contextualizar a situação explicando que os livros da Bíblia são apenas parte do acervo que pode ser lido pelos detentos em progressão de pena.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências de checagem

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Aprovado PL que insere a Bíblia como livro obrigatório na remição de pena. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/40250. Acesso em: 13 ago 2020.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Deputada Mical apresenta projeto que inclui a Bíblia no acervo bibliográfico do projeto “Remissão pela Leitura”. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/38497. Acesso em: 13 ago 2020.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Lei n. 10.606, de 30 de junho de 2017. Disponível em: http://arquivos.al.ma.leg.br:8080/ged/legislacao/LEI_10606. Acesso em: 13 ago 2020.

PROJETO REMIÇÃO PELA LEITURA: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização. Disponível em: https://portal.febab.org.br/anais/article/download/2192/2193. Acesso em: 13 ago 2020.

G1 Maranhão. Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/08/11/assembleia-de-ma-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-livros-da-biblia.ghtml. Acesso em: 13 ago 2020.

CPAD News. Deputados do Maranhão aprovam projeto de redução da pena de presos que lerem a Bíblia. Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/51238/deputados-do-maranhao-aprovam-projeto-de-reducao-da-pena-de-presos-que-lerem-a-biblia.html. Acesso em: 13 ago 2020.

NOCA. Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://www.noca.com.br/noticia/50055-assembleia-legislativa-do-ma-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-livros-da-biblia. Acesso em: 13 ago 2020.

G1 São Paulo. Assembleia de SP aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/assembleia-legislativa-de-sp-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-a-biblia.ghtml. Acesso em: 13 ago 2020.

Folha de S.Paulo. Justiça de SP derruba lei que permitia a preso diminuir pena com leitura da Bíblia. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/02/justica-de-sp-derruba-lei-que-permitia-a-preso-diminuir-pena-com-leitura-da-biblia.shtml. Acesso em: 13 ago 2020.

É enganosa a informação do ministro Weintraub de que cientista não teve bolsa cortada

O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou em seu perfil no Twitter, em 1° de abril, um print de nota do portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com título – “O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES”.

A declaração se refere a uma notícia que circula na imprensa sobre o biomédico Ikaro Alves de Andrade, aprovado em 1º lugar para o Doutorado em Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB). O estudante corre o risco de não conseguir continuar os estudos por causa dos cortes promovidos pela pasta da educação.

O cientista estudava o sequenciamento genético dos casos de coronavírus no Distrito Federal, mas recentemente ficou sabendo que seus estudos foram ameaçados devido ao fato de o Programa de Pós-Graduação não ser mais contemplado com bolsas para os estudantes.

Isso aconteceu após a publicação da Portaria n° 34, de 18 de março, que altera os critérios de distribuição de bolsas de pós-graduação e permite cortes de até 20% em programas nota 7, e até 50% nos programas nota 3 (nota mínima para o funcionamento de um programa).

O Programa de Pós-graduação em Biologia Microbiana (PGBM), no qual Ikaro é aluno, existe há sete anos, é recente, e só foi avaliado pela Capes uma vez, tendo obtido nota 4.

Em nota, depois que o caso de Ikaro foi noticiado na imprensa, a Capes anunciou uma ação emergencial de combate ao coronavírus – o Programa de Combate às Epidemias, que “concederá adicionalmente 900 bolsas de mestrado e doutorado para os programas com nota 5, 6 e 7”. Por causa da nota 4, o programa de Ikaro e sua pesquisa sobre o Covid-19 não serão beneficiados.

Depois de pressionada pela comunidade acadêmica de todo o país,  a Capes admitiu no Ofício Circular 06/2020 enviado às universidades que um erro no novo modelo de concessão de bolsas ocasionou em cortes de seis mil bolsas no sistema (Portaria 34). Mesmo admitindo o erro, a instituição se negou a apresentar o quadro geral de distribuição das bolsas.

A PORTARIA 34

A Portaria 34 é um documento legislativo instituído pela Capes, publicada dia 9 de março de 2020, que “dispõe sobre as condições para fomento a cursos de pós-graduação stricto sensu pela Diretoria de Programas e Bolsas no País da CAPES”.

Entre as implementações chanceladas na Portaria destaca-se o artigo 5º no qual fica vedado o fomento aos cursos que estão no primeiro ano de seu funcionamento; no mesmo ano da homologação de alteração da modalidade profissional para acadêmico presencial; cujas as três últimas notas da Avaliação forem iguais a 3 (três); ou  partir do momento em que for deferido pedido de alteração da modalidade do curso de acadêmico para profissional presencial ou à distância. E o artigo 8º, que apresenta as questões que se se referem a movimentação nas distribuições de bolsas que acarretou situação apresentada neste artigo, e será apresentado à seguir:

Art. 8º Fica determinada a revisão dos pisos e dos tetos da redistribuição de bolsas definida pelas Portarias nº 18, nº 20 e nº 21, de fevereiro de 2020, de modo a conferir maior concretude à avaliação da pós-graduação e maior prioridade aos cursos mais bem avaliados, cujo resultado final deverá obedecer aos seguintes limites:

I – diminuição não superior a 50% (cinquenta por cento), para cursos cujas duas últimas notas forem iguais a 3 (três), vedado qualquer acréscimo;

II – diminuição não superior a 45% (quarenta e cinco por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 3, vedado qualquer acréscimo;

III – diminuição não superior a 40% (quarenta por cento) ou acréscimo limitado a 10% (dez por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 4;

IV – diminuição não superior 35% (trinta e cinco por cento) ou acréscimo limitado a 30% (trinta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 5;

V – diminuição ou acréscimo a 10% (dez por cento), para cursos de nota A ou de nota 3 ainda não submetidos a processo de avaliação de permanência;

VI – diminuição superior a 30% (trinta por cento) ou acréscimo a 70% (setenta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 6;

VII – diminuição não superior 20% (vinte por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 7, sem limitação de teto.

As informações apresentadas acima demonstram as possibilidades de remanejamento de recursos nos programas de pós-graduação baseados na pontuação atual ou agregada durante os últimos anos. Cabe ressaltar que a avaliação que origina tal pontuação acontece a cada quatro anos.

Esta Portaria tem sido veementemente rechaçada pelos reitores das universidades do País, o que ocasionou uma ação no dia 03 de abril, do Ministério Público para que a Capes a suspenda. A Procuradoria da República argumenta que o ato mudou “de forma abrupta” processos de concessão em andamento e que há danos para projetos de pesquisa e também para inúmeros estudantes.

Em 6 de abril o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP) divulgou uma nota manifestando-se contra as ações de cortes de bolsas da Capes, “realizadas sem diálogo e sem transparência”. O Fórum declara ainda que “não houve qualquer consulta aos reitores sobre a concessão de bolsas em caráter emergencial para a área de saúde em combate à pandemia do coronavírus“. Segundo os reitores, “falta transparência “para explicar à comunidade acadêmica os critérios de distribuição dessas bolsas ‘emergenciais”.

Declaração da CAPES sobre o caso Ikaro Alves de Andrade

A nota publicada pela CAPES, em 1 de abril, compartilhada pelo ministro Weintraub, no Twitter, diz o seguinte:

“O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES

Sobre a informação que está circulando na imprensa e nas redes sociais, a CAPES esclarece que:

O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da Coordenação. Portanto, não teve sua bolsa “cortada”. Ele pode ter sido selecionado pelo programa de Biologia Microbiana da Universidade de Brasília (UnB), mas o curso, pelos critérios do Modelo de Distribuição de Bolsas, teve redução do quantitativo de benefícios.

O curso tem nota 4 – numa escala de 3 a 7 – na avaliação da CAPES e seu nível de titulação está abaixo da média nacional. Mesmo sem a edição da portaria 34, pelos critérios do Modelo ele não poderia incluir novos bolsistas.

O Programa de Combate às Epidemias, que será lançado pela CAPES em uma das ações emergenciais, concederá adicionalmente 900 bolsas de mestrado e doutorado para os programas com nota 5, 6 e 7, dentro da grande área de conhecimento do Colégio da Vida. Outra ação do Programa é o lançamento de um edital para submissão de projetos que não restringirá a nota dos cursos proponentes uma vez que a aprovação será por análise de mérito.

Reforçamos que não houve cortes de benefícios no total geral da concessão de 2020, mas sim um aumento de 3.386 bolsas na pós-graduação brasileira. A Portaria 34 não mudou os indicadores do Modelo publicados anteriormente e o estudante que tem bolsa continuará recebendo normalmente o recurso até o final de sua vigência.”

O que os fatos demonstram é que, apesar de não ter havido redução da quantidade total de bolsas de pesquisa concedidas pela Capes, houve remanejamentos dos benefícios entre os cursos, baseando seus novos critérios de distribuição implantados pela Portaria 34. Em uma dessas movimentações, a bolsa que estava aprovada para o estudante Ikaro Alves de Andrade no Programa de Pós-Graduação em Biologia Microbiana da UnB foi cortada pela Capes, como ação da Portaria 34, e a pesquisa sobre o novo coronavírus que ele desenvolvia foi afetada.

O Coletivo Bereia conclui que a nota da Capes divulgada pelo ministro Weintraub é enganosa pois não admite que Ikaro Alves de Andrade fosse bolsista da Capes, quando, de fato, o estudante teve a bolsa que lhe foi concedida para as pesquisas no Programa da UNB cortada, por aplicação da Portaria 34, publicada em março, quando os Programas de Pós-Graduação já haviam distribuído as bolsas disponíveis e o semestre letivo estava em andamento.

Referências de Checagem:

BBC – O cientista que perdeu a bolsa de pesquisa enquanto estudava o novo coronavírus. Disponível em: https://bbc.in/39PST5k

CAPES – O estudante Ikaro Alves de Andrade não é bolsista da CAPES. Disponível em: http://capes.gov.br/36-noticias/10240-o-estudante-ikaro-alves-de-andrade-nao-e-bolsista-da-capes

CORREIO BRASILIENSE – Cancelamento de bolsas afeta doutorando da UnB que estuda coronavírus. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_posgraduacao/2020/04/01/interna-posgraduacao-2019,841272/cancelamento-de-bolsas-afeta-doutorando-da-unb-que-estuda-coronavirus.shtml

TERRA – O cientista que perdeu a bolsa de pesquisa enquanto estudava o novo coronavírus. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/o-cientista-que-perdeu-a-bolsa-de-pesquisa-enquanto-estudava-o-novo-coronavirus,b99ac48f16df90d2dc3be45a1e3d505em90noh4m.html

CAPES – Programa de Combate às Epidemias. Disponível em: https://www.capes.gov.br/bolsas/programas-estrategicos/programas-emergenciais/programa-de-combate-as-epidemias 

FOLHA – Capes admite erro que cortou 6.000 bolsas após criar novo modelo de concessão. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/capes-admite-erro-que-cortou-6000-bolsas-apos-criar-novo-modelo-de-concessao.shtml

CAPES – Portaria nº 34, de 9 de Março de 2020. Disponível em: http://cad.capes.gov.br/ato-administrativo-detalhar?idAtoAdmElastic=3443

FOLHA – Procuradoria entra na Justiça para Capes revogar portaria que levou a corte de bolsas de pesquisa. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/04/procuradoria-entra-na-justica-para-capes-revogar-portaria-que-levou-a-corte-de-bolsas-de-pesquisa.shtml 

Ministra afirma em entrevista que há risco de legalização da pedofilia no Brasil

Em entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu que a nova campanha do governo pela abstinência sexual na adolescência é uma tentativa de combater a ”legalização da pedofilia”.

A entrevista abordou outros temas referentes à sexualidade, aos direitos de imigrantes e de idosos, bem como o futuro político da ministra. No entanto, o tema da pedofilia foi o mais enfatizado por Damares Alves nas respostas, como indicam os trechos a seguir:

CB – A senhora pretende mudar o comportamento sexual dos brasileiros?

Damares Alves – … O Unicef apresenta o relatório da idade média de iniciação do sexo no Brasil: menina está com 13,9 anos, e menino, 12,4 anos. Imaginem comigo: o Código Penal Brasileiro fala que é estupro transar com uma criança com menos de 14 anos. A idade média do sexo caiu para 12. Aí, nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir.

CB – Por que a senhora discorda da crítica? 

Damares Alves – Chega a ser hipócrita dizer que isso é assunto de família. Com a família desfuncional que nós temos aí, gente! Com a família que não fala. Nós vamos ter que conversar com os adolescentes. Não é uma imposição. Talvez, a resistência a essa minha proposta seja por eu ser pastora. Talvez, se estivesse sentada aqui no meu lugar uma médica ginecologista falando “nós vamos conversar com os meninos para retardar a idade da iniciação sexual”, todo mundo estivesse aplaudindo. Mas, o problema é que acham que eu quero impor uma conduta moral religiosa. Longe disso. Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

CB – Qual a saída para esse cenário?

Damares Alves – O que eu quero dizer é o seguinte: ou me apresentem outra alternativa e eu esqueço de falar em retardar a relação sexual, ou me deixem tentar. Outros países estão tendo esse diálogo com os meninos. Já existem nações onde isso é política pública. “No Brasil, a senhora vai instituir política pública?”. Não precisa ser política pública. É convidar os professores para acrescentarem uma frase ao que eles já estão fazendo. É só isso. Não sei para que tanto barulho. Na verdade, acho que sei. Se as meninas começarem a ter as relações sexuais mais tarde, nós teremos menos aborto no Brasil também. Aí a indústria do aborto, que tanto quer aprovar o aborto no Brasil, vai ter menos número para apresentar. Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

CB – Como a indústria do aborto e grupos ligados à pedofilia agem no Brasil?

Damares Alves – Somos o maior produtor de imagens com pornografia infantil. São 17 mil sites produzidos no Brasil, alimentando o mundo com pedofilia. Tem muito dinheiro envolvido. Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

CB – O ministério está em cooperação com a PF para esse tipo de crime?

Damares Alves – Vinte e quatro horas. E neguinho que se cuide. A gente vai pegar todo mundo. Não sei se vocês acompanham o meu Instagram, por favor, me acompanhem. Eu sou a ministra pop… Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos. Liberar o sexo no Brasil para meninas de 12 anos… Beleza, a gente vai ter imagens legais. Ninguém vai dizer que é pedofilia.

Bereia checou as afirmações da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro sobre “legalização da pedofilia”, e identificou conteúdo desinformativo.

  1. PLS 236/2012

Damares Alves – … nós temos uma proposta no Senado, o PLS 236/2012, para diminuir, no Código Penal, a idade do consentimento para 12. E, isso, quando a idade (média de iniciação do sexo) ainda era 13. Já caiu para 12. Está lá no relatório do projeto de lei. O relator rejeitou, manteve 14. Mas nem foi apreciado o voto do relator nem foi apreciado o projeto inicial. Eu saí do Senado em dezembro de 2018. Nos corredores, já se falava, entre assessores, da possibilidade de apresentar uma emenda para diminuir para 10 (a idade do consentimento). O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir. (…) Estou falando de biologia. Estou falando de saúde pública. Estou falando do risco que está por trás de tudo isso: a legalização da pedofilia no Brasil.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 não é uma proposta para diminuir a idade do consentimento sexual. O PLS é a proposta de reforma do Código Penal Brasileiro, de autoria do então senador José Sarney (MDB-AP), que tramita no Senado há sete anos. O projeto foi desenvolvido por uma comissão especial formada por 15 juristas e altera alguns dos artigos do código atual e inclui outros, totalizando quase 500 artigos. Alguns artigos do novo código tratam de crime sexual contra vulneráveis, mas não existe qualquer indicação de legalização da pedofilia.

Em 2018 já circulava pela internet material falso, durante a campanha eleitoral, atribuindo ao PT e ao seu candidato Fernando Haddad a autoria do PLS 2362 para legalização da pedofilia. Na ocasião, o site de checagem de notícias Aos Fatos já havia classificado este conteúdo, agora repetido pela ministra Damares Alves, como “Falso”:

Aos Fatos explicou:

… alguns artigos do novo código dizem respeito ao crime sexual contra vulneráveis, mas em nenhuma parte do texto há menção à legalização da pedofilia. No artigo 186 do novo Código Penal está escrito que:

Art.186. Manter relação sexual vaginal, anal ou oral com pessoa que tenha até doze anos: Pena — prisão, de oito a doze anos.

§ Incide nas mesmas penas quem pratica a conduta abusando de pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental, ou de quem, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência ou não possui o necessário discernimento.

Em relação ao Código Penal vigente (o artigo que trata do mesmo crime é no atual texto legal é o 217-A), há algumas mudanças: o novo código prevê aumento da pena em casos de gravidez ou doença sexualmente transmissível, tipifica como crime a manipulação ou introdução de objetos em vulnerável e altera a idade máxima para que um menor seja considerado vulnerável. Essa última provavelmente foi a que gerou a informação falsa: enquanto no texto atual essa idade é de 14 anos, no Novo Código Penal, ele passa a ser 12 anos.

A comissão responsável pela redação do código levou em conta o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), segundo o qual criança é a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e os adolescentes a pessoa de 12 a 18 anos de idade. A medida não foi consenso entre os juristas: o relator do projeto em 2012 e, na época, procurador da República, Luiz Carlos Gonçalves, disse que “estamos concordando em parte com essa crítica e reduzindo a idade de consentimento para 12 anos. O problema atual é a idade. Eu particularmente concordo com os 14 anos, mas a comissão entendeu que o limite deve ser de 12. A intenção foi compatibilizar com o Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Isso não significa, no entanto, que o projeto legaliza a pedofilia. O novo texto diminui a idade máxima de 14 para 12 anos para que haja a presunção da violência no ato sexual: em casos nos quais as vítimas são mais novas que a idade máxima, a relação é tipificada como crime, não permitindo prova em contrário. Ou seja, mesmo que a criança alegue consentimento, o ato é considerado estupro de vulnerável.

Vale lembrar que o ECA também criminaliza a produção, registro, venda, armazenagem ou até simulação de cena de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes. A pena varia de um a oito anos de reclusão, dependendo do caso, e o pagamento de multa. Além disso, também é importante lembrar que pedofilia não é o nome dado ao ato mas sim à parafilia (distúrbio sexual) na qual um adulto sente atração sexual por crianças.

A única emenda ao PLS que sugere uma mudança na legislação dos crimes sexuais contra vulneráveis é da senadora Ana Rita (PT-ES), que pediu a inclusão de um aumento da pena caso o agente seja algum parente ou tenha alguma autoridade sobre a criança por qualquer motivo.

O IPCO (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira) entregou, no dia 17 de maio de 2013, um abaixo-assinado para que o Senado rejeitasse todo ou em parte o PLS. Um dos pontos criticado pelos membros do instituto foi essa nova legislação: “no caso de crimes sexuais contra vulneráveis, reduziu-se a menoridade do ofendido para até 12 anos. Todas as perversões sexuais contidas nos tipos penais referentes a ações praticadas por um indivíduo adulto contra adolescente de mais de 12 anos de idade, com o seu consentimento, não mais serão punidas. Essa aberração fica liberada”.

Houve também três pareceres que defenderam que a idade máxima de 14 anos deveria ser mantida, mas que não chegaram a serem votados: o do ex-senador Pedro Taques (PDT-MT), o da ex-senadora Ana Rita (PT-ES) e do ex-senador Vital do Rêgo (MDB-PB).

Além de não haver qualquer indicativo de processos de legalização da pedofilia no Brasil, que é considerada no país, seguindo posições assumidas internacionalmente, sob dois vieses:

1) transtorno da sexualidade (perversão, desvio), reconhecido pela Organização Mundial de Saúde como doença, que consiste na preferência sexual por crianças ou por adolescentes. Segundo a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, item F65.4, pedofilia é preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade. Este tipo de comportamento não é considerado uma orientação sexual como a heterossexualidade, homossexualidade e a bissexualidade;

2) crime, quando se torna prática de abuso ou exploração sexual contra crianças e adolescentes. Há capítulo específico acerca dos crimes sexuais contra vulneráveis no Código Penal: art. 217-A – estupro de vulnerável; art. 218 do CP – mediação de menor de 14 anos para satisfazer a lascívia de outrem; art. 218-A do CP – satisfação da lascívia mediante a presença de menor de 14 anos; 218-B do CP – favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável. O Estatuto da Criança e do Adolescente também trata de crimes envolvendo a pedofilia: art. 240 – utilização de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica; art. 241 – comércio de material pedófilo; art. 241-A – difusão de pedofilia; art. 241-B – posse de material pedófilo; art. 241-C  – simulacro de pedofilia; art. 241-D  – aliciamento de crianças.

Está em tramitação no Senado o PLS 496/2018, de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus-tratos, de 2017, que altera a Lei nº 8.072/1990, para incluir a pedofilia no rol dos crimes hediondos.

Especialistas alertam para a necessidade de superação do equívoco conceitual – confundir pedofilia (doença) com abuso ou exploração sexual (tipificados como crime). Tratar todos os indivíduos que abusam ou exploram sexualmente de uma criança como se fossem pedófilos é, do ponto de vista clínico e legal, reconhecer que todos são portadores desse transtorno e que, nessa condição, podem ter uma punição atenuada. Esta tem sido uma prática recorrentemente utilizada pela mídia e até mesmo por profissionais que atuam na área da infância. O mais grave, ainda, é apontar muitas vezes de forma “espetacular” o problema, sem indicar soluções ou caminhos que possam fazer cessar essas graves modalidades de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes. Denunciar o caso utilizando o Disque 100 para notificação ao Conselho Tutelar ou ainda informar às demais instâncias previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são ações essenciais tanto para proteção da vítima quanto para responsabilização dos autores da violência.

Esta afirmação da ministra Damares Alves sobre o PLS 2362/2012 como legalização da pedofilia, é, portanto, falsa.

2. Movimentos e partido pró-pedofilia: pânico moral

Damares Alves – … Nós temos outros agentes por trás de tudo isso, inclusive o movimento pró-pedofilia. Esse movimento é forte. Na Holanda, tentaram montar um partido de pedófilos. Esse movimento é mundial.

A existência de movimentos pró-pedofilia é um fato. Eles emergiram com força na Holanda, nos anos 1950, e ampliaram apoios pela Europa Ocidental nos anos 1970, no entanto, a partir dos anos 80, cresceu uma forte oposição moral e política tanto na Europa como nos Estados Unidos que vai orientar as décadas seguintes. As mídias tiveram papel fundamental na divulgação de pesquisas científicas, legislação e políticas públicas no enfrentamento da pedofilia, enfraquecendo a ideia de movimento e fortalecendo a noção de transtorno e possível consequente abuso.

Os movimentos pró-pedofilia entraram em declínio e se tornam isolados nos anos 2000, especialmente por conta do avanço da internet e dos crimes cibernéticos de abuso sexual de crianças e adolescentes tornados públicos. Vários dos movimentos pró-pedofilia e até tentativas de criação de partidos políticos foram reprimidas nestas últimas décadas, tanto por ações populares de pressão sobre governos e suas políticas políticas quanto por ações judiciais. Por causa deste contexto sociopolítico e legislativo do tempo presente, são muito poucos os que ousam expressar público apoio a pedófilos ou a movimentos pedófilos. Algumas se restringem à internet.

Em 2006, três defensores da pedofilia fundaram, na Holanda, o Partido da Caridade, da Liberdade e da Diversidade (PNVD, sigla na língua original). O PNVD ganhou repercussão mundial por conta de sua plataforma polêmica (redução progressiva da idade de consentimento, legalização da pornografia infantil, de sexo com animais e transporte de trem gratuito para todos) mas não conseguiu participar nas eleições daquele ano, pois não coletou o número mínimo de assinaturas exigido pela legislação eleitoral holandesa para poder apresentar candidatos. O partido foi extinto em 2010. Além disso, a Associação Martijn, pró-pedofilia, que existiu por 30 anos, pertencente a um dos fundadores do PNVD, foi proibida e dissolvida pelo Supremo Tribunal da Holanda, em 2014. Na Holanda tem crescido o número de denúncias de abuso sexual de crianças e de ações de prevenção nas escolas.

Com base nestes dados, é possível afirmar que, ao dizer que o movimento pró-pedofilia é mundial e forte, e mencionar a criação do partido da Holanda, sem dizer que isto ocorreu em 2006 (treze anos atrás) e o partido e o movimento que o gerou estão extintos (o primeiro em 2010 e o segundo em 2014, respectivamente, nove anos atrás e cinco anos atrás), Damares Alves desinforma com conteúdo enganoso (omite a extinção de movimentos e partido por ações do Estado Holandês).

Estudos apontam que os usos de conteúdo enganoso em assuntos de cunho moral têm sido promovidos em diferentes sociedades para estabelecer pânico moral como estratégia de controle social.

“Erich Goode e Nachman Ben-Yehuda definem pânico moral como o consenso, partilhado por um número substancial de membros de uma sociedade, de que determinada categoria de indivíduos ameaça a sociedade e a ordem moral. Portanto, esse número considerável de pessoas que se sentem ameaçadas tende a concordar que ‘algo deveria ser feito’ a respeito desses indivíduos e seu comportamento. O algo a ser feito aponta para o fortalecimento do aparato de controle social, ou seja, novas leis ou até mesmo maior e mais intensa hostilidade e condenação pública a determinado estilo de vida” (…) “Muitos acham que uma sociedade ameaçada moralmente necessita de um renascimento dos valores tradicionais, o que os leva a defender uma forma idealizada do que teria sido a ordem social do passado. Para além da retórica do renascimento dos valores morais do passado, o que se constata é a tendência contemporânea a pensar a sociedade como se estivesse sob ameaça constante”. (…) “Os pânicos morais são fenômenos privilegiados nessa nova ordem do poder, pois levam sempre à discussão sobre o controle social e legal apropriado de uma forma de comportamento. Os empreendedores morais, ao invés de propor a criminalização e o aprisionamento tendem a sugerir medidas educacionais, de prevenção e regulamentação legal” (extraído do artigo de Richard Miskolci, Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay).

A ideia de pânico moral se relaciona à fala da ministra na entrevista: “O que se faz com isso? Legaliza-se a pedofilia. Então, eu preciso reagir”. Isto também torna possível a proliferação de material enganoso publicado em sites especializados em material desinformativo como o “Terça Livre”, dirigido por Allan dos Santos, que publicou matéria sob o título “Pedofilia, ideologia de gênero e feminismo? Especialista explica como se relacionam”.

Na matéria do Terça Livre, que é de 2018, há várias expressões que são repetidas por Damares Alves na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, deste 26 de janeiro de 2020: movimentos pró-pedofilia e criação de partido pedófilo na Holanda, sem datar os casos ou mencionar que foram extintos por força judicial, levando leitores a crerem que estão em vigor influenciando o Brasil.

Material enganoso referente a movimentos e partidos pro-pedofilia aparecem exclusivamente em outros sites de conteúdo conservador e de extrema direita como Gazeta do Povo, Estudos Nacionais em 2015 e em 2019, Instituto Santo Anastásio, Guia-me, Brasil sem Medo, Olavo de Carvalho, Medium, Renova Mídia, Conexão Política.

Na pesquisa, promovida pelo Coletivo Bereia, não foram encontrados conteúdos desta natureza em outras fontes.

3. O perfil do abusador e o mercado da pedofilia

Damares alves – Não pensem que pedofilia é um abusador da esquina que está bêbado, um vovô-gagá que está ali pegando a menina. É um mercado. Tem crime organizado, poderoso.

A afirmação da ministra na entrevista quanto ao perfil de pedófilos abusadores é imprecisa. É fato que não se trata de bêbados ou de “vovôs-gagás, conforme pesquisas de diferentes fontes e regiões do país, no entanto, a ministra da Família omitiu o dado importante de que número significativo dos abusadores de crianças encontra-se no círculo familiar. Uma das pesquisas, realizada com crianças abusadas atendidas em unidade pública de saúde, indica que 85,6% agressores são conhecidos da criança ou da família; 28,7% são parentes, sendo os pais os principais, com uma taxa de 12,5%, os primos, 5,55%; e, dos 71,3% não parentes, 14,83% eram padrastos, 14,83% vizinhos; 73,9% ocorreram na casa da criança ou do agressor; em 66% houve intimidação com o uso de força e de ameaças, 2,8% com arma; em 36,6% houve penetração e em 46,3% manipulação; houve relação sexual só anal em 13,9%, só vaginal 44,9%, só oral em 3,74%.        

A afirmação da existência de um mercado da pedofilia é verdadeira, com a alta incidência de produção de material pornográfico envolvendo crianças, e a própria veiculação de conteúdo abusivo pelas mídias, com a erotização infanto-juvenil. A ministra afirma isto em outro trecho na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas:

CB – Ao mesmo tempo, fala-se que o Brasil é um país conservador. Não há contradição na ideia de que um país conservador tenha uma sexualização tão precoce?

Damares alves – A gente trabalhou muito o combate à exploração sexual, mas não combateu a erotização. Estamos diante de uma indústria forte de pornografia no Brasil. Na minha idade, qual era o acesso que a gente tinha à pornografia? Era um aluno conseguir uma revista na escola, e a gente ia para o banheiro escondido para olhar. Se pegassem, estava todo mundo suspenso. Hoje, criança de 4 anos tem acesso à pornografia. Mesmo a criança que não sabe ler, ela tem o Google, que ela fala e está lá a mensagem para ela de volta. Então, o que acontece, nossas crianças estão tendo mais acesso à erotização.

CB – Há uma erotização massificada?

Damares Alves – Minha geração fechou os olhos para a erotização infantil. Vamos lembrar do concurso “na boquinha da garrafa”? Vamos lembrar o concurso Carla Perez? A mini-Carla Perez, eram menininhas rebolando e menininhos acoxando elas por trás, e o Brasil inteiro aplaudindo aquilo. Vamos lembrar da Piscina do Gugu? Em pleno domingo à tarde, as crianças vendo bundas expostas daquele jeito. A gente não percebeu que estava fechando os olhos e até incentivando a erotização. Essa geração que hoje está abusando foi uma geração fruto de muita erotização.

  • Estupro de bebês

Damares Alves – Postei uma mensagem sobre uma menina de 14 dias estuprada no hospital de Breves (PA).  Antes, tinha postado uma matéria a respeito de uma menina de 9 dias. Nunca se falou tanto de estupro de bebês no Brasil como hoje. Alguém teve que romper o silêncio. Eu rompi. Lido com isso todo dia, há 30 anos.

Neste trecho da entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, a ministra Damares Alves menciona duas postagens que fez no Twitter sobre o estupro de dois bebês. A postagem sobre uma menina de 14 dias estuprada em Breves (PA) não consta na conta do Twitter da ministra, apesar de o caso ter sido noticiado, no Pará, não em Breves, mas em Santana do Araguaia.

A postagem sobre a menina de nove dias ocorreu no dia 22 de janeiro passado. Outro caso no Pará (Marajó), noticiada pelo site Roma News.

Bereia localizou ainda uma postagem da ministra no Twitter, no dia 4 de junho de 2019, sobre o tema de estupros de bebês. É um vídeo que reproduz entrevista da ministra à atriz e youtuber Antonia Fontenelle, canal “Na Lata”, programa de entrevistas com celebridades, publicado em 3 de junho de 2019.

No vídeo de 48 minutos, Damares Alves afirma que “a pedofilia no Brasil já atingiu a seara do “crime organizado”, que “além de colocarem preço em fotos de crianças, variando entre R$ 2 mil e R$ 50 mil, os criminosos vendem também estupro de bebês”. Ela conclui o vídeo dizendo: “É bom entender que os corruptos não querem essa ministra, por que ela vai abrir a caixinha e contar o que está no segredo”. 

Damares Alves falou sobre o tema dos estupros de bebês em evento do BNDES sobre saneamento básico em 6 de dezembro de 2019. “A ministra do MMFDH destacou a parceria do Governo com o BNDES no projeto Abrace o Marajó. ‘Começamos a trabalhar no Marajó primeiro pelo enfrentamento à violência sexual contra crianças naquela região. A violência sexual no Brasil é de verdade, ouviram senhores? Milhões de crianças nesta nação são vítimas da violência sexual. E não só crianças, mas bebês também. Estamos diante de uma tragédia no Brasil que se chama ‘estupro de bebês’’, lamentou”. (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Notícias)

“Nunca se falou tanto”, têm sido, de fato, falas exclusivas da ministra, relacionadas a casos noticiados em site de notícias do Pará que ela reproduz no Twitter, a citações em entrevista a atriz youtuber e em evento do BNDES sobre os quais não são oferecidas fontes.

A pesquisa de Bereia para esta matéria não identificou fontes oficiais, do próprio Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ou de institutos credenciados, que apresentem dados precisos sobre casos de estupro de bebês no Brasil, relacionando-os aos crimes de pedofilia ou a legalização de pedofilia no país. Não há também dados sobre o comércio de vídeos de estupros de bebês.

A pesquisa identificou apenas uma notícia sobre vídeo que mostra bebê sendo estuprado, veiculado em mídias sociais em agosto de 2019. A matéria do site Fato Amazônico  traz um alerta da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas de que o crime registrado em vídeo não foi cometido no país e indica que o compartilhamento de pornografia infantil é crime. Segundo a notícia, a Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente, da Polícia Civil do Amazonas, afirma que o estupro do recém-nascido foi registrado em La Paz/Bolívia e que não foi a primeira vez que o vídeo foi compartilhado como tendo ocorrido no Brasil.

Na forma como o tratamento da questão é impreciso, na entrevista, é possível relacioná-lo a mais uma expressão de pânico moral, até que sejam expostos pelo ministério elementos mais precisos quanto a esta situação que não configurem casos isolados.

Bereia avalia que as diversas abordagens da ministra Damares Alves, na entrevista ao Correio Braziliense/Estado de Minas, relacionadas às políticas públicas em torno da sexualidade adolescente, que enfatizam o risco de legalização da pedofilia no país, apresentam, em síntese, desinformação, com conteúdo falso.

Referências de Checagem:

Projeto de Lei do Senado (PLS) 2362/2012 https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404 

Aos Fatos, por Luiz Fernando Menezes. Não há projeto de lei para legalização pedofilia; imagem distorce projeto de Novo Código Penal, 15 de outubro de 2018. https://aosfatos.org/noticias/nao-ha-projeto-de-lei-para-legalizar-pedofilia-imagem-distorce-projeto-de-novo-codigo-penal/

Equipe Andi. Pedofilia é Crime? https://blog.andi.org.br/pedofilia-e-crime

Anne-Claude Ambroise-Rendu. Un siècle de pédophilie dans la presse (1880-2000): accusation, plaidoirie, condamnation. Le Temps des médias n°1, automne 2003, p.31-41. http://www.histoiredesmedias.com/Un-siecle-de-pedophilie-dans-la.html

Geraldine Coughlan. Grupo que defende pedofilia cria partido na Holanda. BBC Brasil.com, 1 jun 2006. https://www.bbc.com/portuguese/reporterbbc/story/2006/06/060601_leiholandamp.shtml

Lusa. Supremo Tribunal da Holanda proíbe grupo defensor de pedofilia. TSF Rádio Notícias, 18 de abril de 2014. https://www.tsf.pt/internacional/europa/supremo-tribunal-da-holanda-proibe-grupo-defensor-de-pedofilia-3819604.html

EFE. Na Holanda, até jogo de tabuleiro vira arma contra pedofilia. Exame, 28 de dezembro de 2016. https://exame.abril.com.br/mundo/na-holanda-ate-jogo-de-tabuleiro-vira-arma-contra-pedofilia/

Richard Miskolci. Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay. Cadernos Pagu, n. 28, Janeiro/Junho de 2007. Dossiê Sexualidades Disparatadas. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332007000100006  

Ana Esther Carvalho Gomes Fukumoto, Juliana Maria Corvino, Jaime Olbrich Neto. Perfil dos agressores e das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Ciência em Extensão, v. 7, n. 2, 2011. https://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/475

Jane Felipe. Afinal, quem é mesmo pedófilo? Cadernos Pagu, n. 26, Janeiro/Junho de 2006. Dossiê Repensando a Infância. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332006000100009  

PIB não cresceu 20% em 2019 e fala de Senador Humberto Costa ainda será avaliada

No domingo 1 de dezembro de 2019, o vice-líder do Governo no Congresso Deputado Federal Marco Feliciano (PODEMOS/SP), comentou a entrevista que a Senadora Simone Tebet (MDB/MS) deu ao programa de entrevistas da Folha de S. Paulo e do UOL, em 28 de novembro de 2019, publicada pela Folha no mesmo 1 de dezembro.

O jornal destacou dois pontos da entrevista: a crítica ao Ministro Paulo Guedes e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, que, recentemente, em declarações públicas, ameaçaram a imposição de um AI-5 (Ato Institucional nº 5, experiência de fechamento do Congresso e censura durante a ditadura militar) diante de uma eventual radicalização de protestos de rua no Brasil. Outro destaque foi a crítica à condução da economia pelo governo Bolsonaro.

Tebet, que é presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, apoia que a o Conselho de Ética da Câmara julgue Eduardo Bolsonaro. A senadora defende o processo não por ser o filho do presidente, mas por ser um deputado federal. “A democracia é, dentre os sistemas, mais frágil justamente porque permite esse tipo de manifestação de qualquer pessoa. Mas não de parlamentares que juraram defender a Constituição”, disse a senadora na entrevista.

A Folha de S. Paulo destacou na publicação da entrevista, a avaliação negativa que Tebet tem da condução da economia pelo governo: “Se a economia não reagir até o ano que vem, se nós continuarmos com esse PIB pífio e não voltarmos a gerar emprego e renda, se continuamos tendo esses números vergonhosos de desemprego, se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar”.

Ao comentar a entrevista da senadora em sua conta no Twitter, Marco Feliciano abordou os dois destaques da Folha de S. Paulo:

Bereia checou as afirmações de Marco Feliciano em defesa do filho do Presidente da República e da governança em relação à economia.

O PIB deste ano aumentou 20% e crescerá 100% em 2020?

O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos no país em um período determinado (nesta conta entram o que produzem indústria, serviços e agropecuária). É um dos indicadores mais utilizados para quantificar a atividade econômica do país. No Brasil, o cálculo do PIB é feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), instituição federal subordinada ao Ministério da Economia. “Se um país produz 100 reais de trigo, 200 reais de farinha de trigo e 300 reais de pão, seu PIB será de 300 reais, pois o valor da farinha e do trigo estão embutidos no valor do pão”, exemplifica o IBGE. O PIB não é o total de riqueza existente no país, mas sim um indicador de fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante um período. Se um país não produzir nada em um ano, seu PIB será nulo.

Em 2018, o PIB fechou o ano em R$ 6,9 trilhões com expansão de 1,3% frente a 2017. O mesmo índice de crescimento havia sido registrado 1,3% em 2017, marca positiva diante do recuo nos anos anteriores: 3,5% em 2015, e 3,3% em 2016.

No primeiro trimestre de 2019, o valor do PIB não cresceu em relação ao trimestre anterior e a taxa de expansão registrada foi 0%. O PIB do segundo trimestre de 2019 teve uma alta de 0,5% na comparação com o primeiro trimestre do ano. No terceiro trimestre de 2019 o PIB totalizou 1,842 trilhão de Reais, um aumento de 0,6% na comparação com o segundo trimestre. A estimativa é de que o PIB de 2019 chegue a uma expansão de 1.0%.

Neste 2 de dezembro de 2019, o Banco Central do Brasil divulgou o Relatório de Mercado Focus, utilizado para controle da inflação, divulgado toda primeira segunda-feira de cada mês, que mostra a evolução das distribuições de frequência das medianas das expectativas de mercado para o IPCA do ano corrente e três anos subsequentes, a taxa Selic (juros), o crescimento do PIB e a taxa de câmbio para o ano corrente e próximo ano. Nessa edição do Focus, a expectativa de crescimento do PIB em 2019 permaneceu em 0,99% (abaixo do 1,1% de 2018). Para 2020, o mercado financeiro alterou a previsão do PIB, de 2,20% para 2,22%.

Ao dizer que o PIB teve “aumento de 20% este ano”, o Deputado Marco Feliciano apresenta número que não reflete os indicadores do IBGE e as projeções do Banco Central, como Bereia levantou. Considerando que o deputado estivesse se referindo a uma comparação com o segundo trimestre do ano anterior (os resultados do terceiro trimestre ainda não haviam sido divulgados quando da postagem de Marco Feliciano), a verificação também não encontrou correspondência, pois o PIB do segundo trimestre de 2018 foi superior ao de 2019 no mesmo período, com 1.6% de crescimento. Nesse sentido, a afirmação do vice-líder do governo no Congresso é falsa: o PIB teve crescimento de um trimestre para outro de 0,6% e permanece em baixa em relação a 2018.

Já a afirmação de que o PIB crescerá 100% em 2020 provavelmente se baseie no Relatório Focus do Banco Central que trabalha com previsões. É uma afirmação categórica de Marco Feliciano baseada em otimismo não compartilhado pela Senadora Simone Tebet.

O Senador Humberto Costa/PT pregou a “violência/subversão que ocorre no Chile para o Brasil”?

Para a defesa da crítica de Simone Tebet ao Deputado Eduardo Bolsonaro (PSL/SP), o Deputado Marco Feliciano demanda coerência da Senadora a fim de que exija que a Comissão de Ética do Senado julgue também o líder do PT no Senado Humberto Costa (PE) que teria incitado violência e subversão.

Marco Feliciano se refere à postagem de Humberto Costa em sua conta no Twitter, em 19 de outubro de 2019, período de auge dos protestos no Chile contra o governo do presidente Sebastián Piñera. Na ocasião da postagem, o Deputado Marco Feliciano enviou à Procuradoria-Geral da República (PGR), uma acusação formal contra Humberto Costa por “conclamar a população a derrubar o presidente”.

Feliciano alega que o Senador incitou a subversão da ordem política ou social e a luta violenta entre a população, as Forças Armadas e o governo. De acordo com a representação do deputado à PGR, a tentativa de subversão já configura crime e é passível de punição com pena de um a quatro anos de reclusão. Caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, aceitar ou arquivar o pedido.

O ato de Marco Feliciano é uma contraposição à abertura de processos na Comissão de Ética da Câmara Federal contra Eduardo Bolsonaro, por ter defendido publicamente a volta do Ato Institucional 5 (AI-5), em entrevista à jornalista Leda Nagle, em 31 de outubro de 2019.

Lideranças da oposição também solicitaram no Supremo Tribunal Federal (STF) que Eduardo Bolsonaro seja processado por improbidade, incitação e apologia ao crime, além da cassação de seu mandato pela Câmara.  A queixa-crime foi aceita pelo STF e está nas mãos do Ministro Gilmar Mendes.

Em 2 de novembro, o Deputado Marco Feliciano publicou em seu perfil no Twitter: “Se Eduardo Bolsonaro tem que ser cassado, senador Humberto Costa também tem! Defesa da democracia não pode ser seletiva, caros Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, pois senão é demagogia pura”.

Agora, ao rebater as críticas da Senadora do MDB/MS a Eduardo Bolsonaro, Marco Feliciano retoma a acusação a Humberto Costa.

A representação de Marco Feliciano está com a PGR. No espaço público, não alcançou o nível de repercussão que teve a declaração de Eduardo Bolsonaro, dada a gravidade da afirmação do deputado que pertence à família presidencial. A fala do deputado em entrevista a Leda Nagle acabou sendo agravada por outra declaração, a do Ministro da Economia, também citada por Simone Tebet na entrevista à Folha. Guedes reforçou a ameaça de um “AI-5” se houver protestos contra as políticas do governo, em coletiva de imprensa em Washington (EUA), em 25 de novembro. “Não se assustem se alguém pedir o AI-5”, disse ministro ao comentar possibilidade de protestos de rua no Brasil.

O senador Humberto Costa, por seu lado, não comentou a queixa de Marco Feliciano à PGR e fez discurso no Plenário do Senado, em 6 de novembro, contra a atitude de Eduardo Bolsonaro. Costa disse ser inaceitável que um membro do Congresso Nacional defenda a reinstituição do AI-5, considerado o ato de maior repressão adotado no regime militar. Representantes que foram eleitos pela legitimidade do voto popular e que defendem a ditadura, avalia o senador, não podem ficar impunes.

Bereia avalia que a afirmação do Deputado Marco Feliciano, com acusação a Humberto Costa, em defesa de Eduardo Bolsonaro, é uma posição subjetiva, interpretativa das palavras postadas pelo Senador. A interpretação ganhou a forma de queixa entregue à PGR e ainda não teve parecer. A afirmação é, portanto, inconclusiva. A Senadora Simone Tibet referiu-se, na entrevista em questão, aos processos contra Eduardo Bolsonaro, que, de fato, estão em curso na Comissão de Ética da Câmara e no STF.

Referências de Checagem:

CARVALHO, Daniel, ANDRADE, Hanrrikson. Se economia não reagir, governo não se sustenta, diz senadora Simone Tebet. Folha de S. Paulo, 1 dez 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/12/se-economia-nao-reagir-governo-nao-se-sustenta-diz-senadora-simone-tebet.shtml.

PRODUTO Interno Bruto. – PIB. IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php

O QUE é PIB: entenda como é calculado o principal indicador da economia. Veja, 29 ago 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/o-que-e-pib-entenda-como-e-calculado-o-principal-indicador-da-economia/

IBGE.  Sistema de Contas Nacionais Trimestrais – SCNT. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9300-contas-nacionais-trimestrais.html?edicao=24645&t=destaques

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Mercado Focus. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/relatoriofocus

SARDNHA, Edson. Marco Feliciano quer processar Humberto Costa por “incitar golpe” contra Bolsonaro. Congresso em Foco, 3 nov 2019. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/marco-feliciano-quer-processar-humberto-costa-por-incitar-golpe-contra-bolsonaro/

BOLDRINI, Angela. Conselho de Ética abre processo contra Eduardo Bolsonaro por fala sobre AI-5. Folha de S. Paulo, 26 nov 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/conselho-de-etica-abre-processo-contra-eduardo-bolsonaro-por-fala-sobre-ai-5.shtml

ENTREVISTA com Eduardo Bolsonaro. Youtube, Canal de Leda Nagle, 31 out 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=m_cyKtlTpL4

PAULO Guedes reaviva polêmica sobre AI-5. DW, 25 nov 2019. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/paulo-guedes-reaviva-pol%C3%AAmica-sobre-ai-5/a-51423303

‘É INACEITÁVEL que membro do Congresso defenda o AI-5’, diz Humberto Costa. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/06/2018e-inaceitavel-que-membro-do-congresso-defenda-o-ai-52019-diz-humberto-costa

Universidades públicas não produzem drogas em suas dependências

Em entrevista ao programa “7 Minutos com a Verdade”, da TV Jornal da Cidade On Line, baseada em críticas ao trabalho das universidades públicas, o Ministro da Educação Abraham Weintraub acusou estas instituições de produzirem drogas em suas dependências. Durante a entrevista de 36 minutos dada à jornalista Camila Xavier, veiculada no site do Jornal da Cidade, em 23 de novembro, o ministro criticou a autonomia das universidades. Ele chama a autonomia universitária de “falácia” pois, na sua avaliação, teria se transformado em “soberania”.  Para exemplificar a crítica, Weintraub afirmou:

Você tem plantações de maconha, não plantações de três pés de maconha, mas plantações de extensivas de maconha em algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja, para não ter agroindústria no Brasil, mas a maconha é deles e eles querem tudo que a tecnologia tem à disposição. Ou coisas piores: você pega laboratórios de química (uma Faculdade de Química não era um centro de doutrinação), desenvolvendo laboratório de droga sintética, de metanfetamina, porque a polícia não pode entrar nos campi. Então o desafio é este. Foi criada uma estrutura muito bem pensada durante muito tempo. E a verdade é que a gente aterrissou aqui há um ano, nem um ano ainda, e estamos começando a descobrir um monte de detalhes.” [7 Minutos com a Verdade, 23 nov 2019, minutos 12´23 a 13´30]

O Ministro da Educação não explicitou a quais universidades se referia, não apresentou casos específicos e também não recebeu questionamento da entrevistadora quanto estas informações.

O Jornal da Cidade On Line, publicação do Rio Grande do Sul identificada em pesquisas como disseminadora de notícias falsas, transformou o pouco mais de um minuto e meio do trecho da fala de Abraham Weintraub em chamada para a entrevista completa, divulgada em 21 de novembro. Na chamada, o Jornal da Cidade On Line afirma: “Foi isso que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, encontrou em algumas universidades quando assumiu a pasta! E isso é apenas uma gota no oceano!”.

A acusação do ministro teve ampla repercussão nas mídias noticiosas e em alguns veículos, como o blog BRPolítico do jornal O Estado de São Paulo, que replicou a divulgação do Jornal da Cidade tal como se deu, sem tratamento da informação.

A fala de Weintraub causou indignação em educadores ligados às universidades que produziram notas de repúdio. A Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) afirma em nota que o ministro ultrapassou todos os limites da ética pública ao “fazer tais acusações para detratar e ofender as universidades federais perante a opinião pública, mimetizando-as com organizações criminosas”. A ANDIFES classifica a fala de Weintraub como “um absurdo sem precedentes” e o desafia:

… se o Sr. Ministro, enquanto autoridade pública, efetivamente sabe de fatos concretos, sem todavia apontar e denunciar às autoridades competentes de modo específico onde e como ocorrem, preferindo antes usá-los como instrumento de difamação genérica contra todas as universidades federais brasileiras, poderá estar cometendo crime de prevaricação. Assim, diante dessas declarações desconcertantes, a ANDIFES está tomando as providências jurídicas cabíveis para apurar eventual cometimento de crime de responsabilidade, improbidade, difamação ou prevaricação.

Já a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) publicou nota em que afirma ser “absolutamente estarrecedor e incompreensível a sequência de ataques que o Sr. Ministro vem proferindo contra as Universidades Federais, usando de dados infundados ou algum problema pontual, numa tentativa aparentemente premeditada de macular a imagem de nossas Universidades”. A SBQ também desafia Abraham Weintraub:

Se o Sr. Ministro possui dados que comprovem alguma ação isolada relacionada as suas declarações, se tem conhecimento de algum caso pontual de desvio de conduta, que aponte, nomeie os responsáveis, denuncie à Polícia Federal, como é sua obrigação. Caso contrário, estará prevaricando e poderá responder por isto.

Diante das críticas que também se estenderam pelas mídias sociais, o ministro Abraham Weitraub divulgou duas notícias em seu perfil no Twitter para fundamentar o que falou na entrevista. A primeira é o compartilhamento de uma postagem no Twitter do grupo de estudantes conservadores UNB Livre que diz apresentar uma prova de que há plantações de maconha na própria Universidade de Brasília.

O que se apresenta como prova é uma reportagem produzida pelo Jornal de Brasília On Line, em abril de 2017, intitulada “Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição”.

A matéria mostra a descoberta de uma área vizinha a um dos campi da UNB com vasos com plantação de maconha. Houve intervenção policial no local e é apresentada entrevista com o delegado responsável pelo caso Rodrigo Bonach. Ele diz que investigações seriam conduzidas para determinar se a maconha era produzida para consumo pessoal ou para venda para terceiros, o que caracterizaria tráfico.

O Ministério Público do Distrito Federal informou ao portal de notícias G1 que o caso foi encerrado depois de um acordo com cada um dos três envolvidos (dois estudantes de engenharia e outro jovem formado em administração, todos maiores de idade). Os acusados concordaram em pagar R$ 1.874 (dois salários mínimos) a uma escola da rede pública, como pena alternativa. O processo foi encerrado “sem análise da questão” (“não há condenação e o acusado continua sem registros criminais”, conforme a na Lei nº 9099/95). Esta informação não foi divulgada pelo Ministro da Educação.

A UnB esclareceu em nota de repúdio à fala de Weintraub, que o terreno onde a plantação de maconha foi encontrada não pertence à universidade:

A referida operação foi realizada em abril de 2017, em uma área não localizada na UnB. Trata-se de área de Cerrado próxima ao campus Darcy Ribeiro. Foram apreendidos vasos com maconha no local. Segundo as primeiras impressões da polícia, as plantas eram mantidas por um grupo, sendo dois estudantes da Universidade e uma terceira pessoa não pertencente à comunidade acadêmica. Na ocasião, as forças de segurança da Universidade deram todo o apoio à polícia.

A segunda postagem de Abraham Weintraub no Twitter para fundamentar o que disse na entrevista ao Jornal da Cidade On Line, sobre drogas sintéticas, indica um link de buscas no Google que leva para matéria do portal de notícias R7.

A matéria, de 23 de maio de 2019, intitulada “Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas”, refere-se a uma investigação da Polícia Civil de Minas Gerais sobre pessoas que usariam materiais da própria Universidade Federal de Minas Gerais para fabricar e vender drogas. O resultado foi a prisão de cinco homens em flagrante portando maconha e haxixe.

À época, o delegado responsável Rodolpho Machado identificou os homens e disse que eles não eram alunos da universidade, tendo afirmado que “usavam aquele espaço público como finalidade para práticas ilícitas”.

Em nota ao portal de notícias G1 a UFMG declarou que uma sentença para o caso foi pronunciada em 24 de outubro de 2019, em uma ação penal conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais. “Restou comprovado que nenhum dos indiciados é estudante ou servidor da UFMG ou tem qualquer relação formal ou informal com a instituição”, afirma a nota oficial. No texto também consta a declaração de que “Não há também no documento indícios ou qualquer prova de que laboratórios de química da UFMG foram utilizados para a fabricação de drogas. Segundo o Juiz de Direito, responsável pela ação, Thiago Colnago Cabral, ‘deve ser frisado, que não existe nenhuma prova de que a direção das faculdades que serviram de palco para o delito tenham, de algum modo, concorrido para o fato criminoso ou mesmo tenham oficialmente sido cientificados da ocorrência’”.

A nota da UFMG informa que o Conselho Universitário estaria reunido em 25 de novembro para um posicionamento oficial referente à acusação do Ministro da Educação.

Bereia enviou mensagens à Assessoria de Imprensa do Ministério da Educação solicitando esclarecimentos sobre as acusações do ministro Abraham Weintraub e não obteve respostas.

Ao acusar as universidades federais de produzirem drogas em seus espaços (“plantações extensas de maconha” e “drogas sintéticas”) o Ministro da Educação desinforma o público pois trata as instituições de forma genérica e não apresenta conteúdo comprobatório das acusações. Da mesma forma o Jornal da Cidade On Line não cumpriu o papel de um órgão informativo e não indagou o ministro quanto a elementos concretos das graves denúncias proferidas. O jornal ainda alimenta a desinformação dizendo que este foi o quadro que “o ministro encontrou em algumas universidades quando assumiu”, o que não corresponde ao que Weitraub apresentou em mídias sociais como “provas”.

Nessas postagens no Twiiter, posteriores à entrevista, Abraham Weintraub demonstra que não teve contato direto com as universidades ou com os possíveis casos a que se referiu pois compartilhou como provas reportagens inconclusivas, com histórias tratadas ainda como suspeitas e de forma preliminar. Fato é que os casos a que recorreu já haviam sido encerrados sem qualquer referência ao envolvimento das universidades citadas.

Bereia conclui, portanto, que a entrevista e as postagens do ministro oferecem conteúdo enganoso pois induzem o público a construir uma visão negativa sobre as universidades públicas ao enquadrá-las em crimes relacionados a drogas. O ministro, pressionado por provas, fez uso de informações preliminares sobre casos isolados, já encerrados pelo Judiciário que, nas sentenças, isentou as universidades de participação nas ilegalidades.

Referências de checagem:

Weintraub quer acabar com a escravidão intelectual existente no país (veja o vídeo). TV JCO, 23 nov. 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17454/weintraub-quer-acabar-com-a-escravidao-intelectual-existente-no-pais-veja-o-video

GALHARDI, Raul. Brasil é terreno fértil para fake news. Observatório da Imprensa, 20 ago 2019. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/crise-na-imprensa/brasil-e-terreno-fertil-para-fake-news/

A “soberania” das Universidades escondeu “plantações extensivas de pés de maconha”, revela Weintraub (Veja o vídeo). TV JCO, 21 nov 2019. Disponível em: https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/17424/a-soberania-das-universidades-escondeu-plantacoes-extensivas-de-pes-de-maconha-revela-weintraub-veja-o-video

Wentraub cita plantações “extensivas” de maconha em federais. BRPolítico, O Estado de São Paulo, 21 nov 2019. Disponível em: https://brpolitico.com.br/noticias/weintraub-cita-plantacoes-extensivas-de-maconha-em-federais/?utm_source=twitter:newsfeed&utm_medium=social-organic&utm_campaign=redes-sociais:112019:e&utm_content=:::&utm_term=

ANDIFES. Declarações do Ministro da Educação sobre as Universidades Federais. ANDIFES, 22 nov 2019. Disponível em: http://www.andifes.org.br/declaracoes-do-ministro-da-educacao-sobre-as/

Nota pública SBQ. Boletim Eletrônico da SBQ, 22 nov 2019. Disponível em: http://boletim.sbq.org.br/boletim/2019/especial-nota-publica-sbq221119.php

GARCIA, Keven. Falhas na segurança da UnB facilitam crimes dentro da instituição. Jornal de Brasília On Line, 20 abr 2017. Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/policia-civil-encontra-plantacao-de-maconha-dentro-da-unb/

Desfechos de casos citados por ministro isentam universidades de ligação com drogas em campi. G1, 25 nov 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/25/desfecho-de-casos-citados-por-ministro-isentam-universidades-de-ligacao-com-drogas-em-campi.ghtml

SOARES, Ingrid. UnB repudia post de ministro Weintraub sobre maconha na universidade. Correio Brasiliense, 24 nov 2019. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/11/24/interna-brasil,808874/unb-repudia-post-de-ministro-weintraub-sobre-maconha-na-universidade.shtml

OLIVEIRA, Matheus Renato, MOREIRA, Regiane Moreira. Polícia apura se insumos da UFMG são usados para fabricar drogas. R7, 23 mai 2019. Disponível em:  https://noticias.r7.com/minas-gerais/policia-apura-se-insumos-da-ufmg-sao-usados-para-fabricar-drogas-23052019?amp

Damares Alves usa delação sobre Lula no caso Celso Daniel para acusar mídia de conspiração contra Jair Bolsonaro e defende “novo Brasil”

Em discurso na cerimônia em que recebeu a Medalha Tiradentes, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), em 30 de outubro, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves concentrou-se na defesa do presidente Jair Bolsonaro, que teve o nome envolvido nas investigações do assassinato da vereadora do Rio Marielle Franco (PSOL). As informações foram divulgadas pelo Jornal Nacional na noite anterior, 29 de outubro. 

O registro em vídeo (veja abaixo) pela TV ALERJ mostra a cerimônia de duas horas de duração, com outras premiações com a Medalha Tiradentes, culminando na homenagem à ministra. A proposta da homenagem partiu dos deputados estaduais Rosane Felix (PSD) e Rodrigo Amorim (PSL), “por conta dos relevantes serviços de Damares Alves em defesa da vida e da família, no combate à pedofilia e a violência contra a mulher”.

O discurso da ministra, em agradecimento à homenagem, durou três minutos (no vídeo, de 1.54:15 a 1.57:26). A fala dedicou-se à defesa do presidente Jair Bolsonaro e de seu governo. Depois de uma breve introdução de agradecimento, Damares Alves afirma:


“… Depois que um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito, a mídia não podia ficar quieta, e inventou que o meu presidente… ah, mídia, por favor, foca em mim…com o meu presidente, não! Yes! Com Jair Bolsonaro, não! Chega! Basta! Basta! Com o meu presidente, não! Esta nação está sendo governada por um homem digno, por um homem justo, e um homem que está lá porque foi Deus que o colocou lá. E para os pessimista (sic) vai aí um recado: divido a minha homenagem com ele porque esta nação já é outra. Chora pessimista! 24% a menos de homicídios no Brasil em oito meses de governo. São mais de sete mil famílias que não estão chorando. Mães que não perderam filhos, maridos que não perderam esposa, porque a violência está diminuindo no Brasil. O abuso sexual está acabando. A nossa economia está crescendo. Somos uma grande nação. Somos uma nova nação. Porque temos um líder. Vou dizer uma coisa para vocês: ninguém consegue entender humanamente o que está acontecendo aqui no Brasil. Eu tenho andado por todos os países, e quando eu estou lá fora eu tenho reuniões bilaterais, e os outros ministros me perguntam assim: “o que está acontecendo no Brasil, ministra? Não existe uma experiência no mundo em que o homicídio tenha caído 24% em 8 meses. O que vocês estão fazendo lá?” Eu fico quieta. “Explica ministra!” Eu fico quieta. “Diz!” Temos um homem que disse ao crime organizado: “chega de impunidade”. Temos um homem que disse aos nossos policiais: “vocês são nossos heróis e vocês serão respeitados”. Temos um homem que disse ao Brasil: “chega de violência”. Mas também tem uma coisa que o mundo não sabe. Concordam comigo, pastores, agora? A glória de Deus está sobre esta nação… Ah, eu sou ministra e tenho que falar como ministra porque o Estado é laico. O Estado é laico mas eu sou terrivelmente cristã! [Seguem promessas para fim da violência com crianças e com mulheres e o testemunho pessoal de ter sofrido estupro e visto Jesus no pé de goiabeira, a afirmação de que zombam da ministra e de sua família e a demanda de não negar a própria fé frente a zombaria e ameaça de morte e agradecimento a políticos parceiros com quem divide a medalha e destaque final para a primeira dama que abre o palácio para surdos, crianças e não lobistas. Bênçãos partilhadas com a afirmação de que a igreja é a agência que vai mudar este país e a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de Tudo.”


Bereia checou as cinco informações contidas no discurso de Damares Alves.

1 – “…um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito”. Aqui a ministra credencia as mídias pois reproduz em sua fala a matéria de capa da revista Veja, de 25 de outubro de 2019. A revista expõe que o publicitário Marcos Valério, preso por envolvimento no caso “Mensalão”, em depoimento ao Ministério Público de São Paulo, prestado no Departamento de Investigação de Homicídios de Minas Gerais, disse ter ouvido do empresário Ronan Maria Pinto, que participava de um esquema de cobrança de propina na prefeitura de Santo André, que o ex-presidente Lula foi o mandante do assassinato do prefeito Celso Daniel.

No dia seguinte, o promotor do Ministério Público de São Paulo Roberto Wider Filho que, segundo Veja teria acompanhado o depoimento de Marcos Valério, foi categórico em afirmar ao jornal El País que, de fato, tomou depoimento de Valério em outubro de 2018, mas que jamais ouviu essa versão que implica Lula como mandante do crime. “Na minha frente, ele não falou isso. Depois, teve um outro depoimento que ele prestou só para o delegado do DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) de Minas Gerais. Não sei se para esse delegado ele falou alguma coisa”, afirmou o promotor ao El País. A revista Veja não contestou a matéria de El País ou corrigiu sua própria matéria. A informação sobre a acusação do delator Marcos Valério é inconclusiva e não pode ser afirmada como verdadeira.

2 – “… Depois que um bandido disse que um ex-Presidente da República mandou matar um prefeito, a mídia não podia ficar quieta, e inventou que o meu presidente…” A ministra não conclui a frase mas credencia a matéria de Veja e afirma que ela foi motivadora para uma revanche da própria mídia contra Jair Bolsonaro, com a “invenção” das notícias que eram manchete do noticiário de 30 de outubro, dia da homenagem na ALERJ. O Jornal Nacional teve que rever a notícia do dia anterior, depois das rápidas investigações da Polícia Federal e a conclusão da procuradora do MP-Rio Simone Síbilo de que o porteiro que havia citado Jair Bolsonaro em depoimento mentiu, o que ainda está envolto em suspeita.

Ainda assim, é falso que o JN “inventou” que o presidente Jair Bolsonaro tivesse nome envolvido no assassinato de Marielle Franco. Bereia concorda com o jornalista Kennedy Alencar que classificou a matéria do JN como “jornalisticamente impecável”. A matéria é correta do ponto de vista jornalístico ao dar o furo de que o suspeito de matar Marielle entrou no condomínio no dia do crime para encontrar o outro suspeito dizendo que iria à casa de Jair Bolsonaro (nº 58), conforme depoimento do porteiro do residencial ao qual a reportagem teve acesso.

O JN deixou claro na matéria que registros da Câmara Federal apontavam a presença do então deputado Bolsonaro em Brasília, o que expunha uma possível contradição no depoimento do porteiro. Não há “invenção”, houve apuração de dados, inclusive de que foi anotado no livro de visitantes do condomínio que o suspeito Élcio se dirigia à casa 58. Dados sobre o carro usado estão também anotados. Quando isto é questionado, ao mesmo tempo se afirma a curiosa existência de uma trama contra Jair Bolsonaro no dia da morte de Marielle, quando ele ainda era deputado federal. É, portanto, falso atribuir o que foi apresentado pelo JN como “invenção” e também que a matéria seja uma reação contra Jair Bolsonaro por conta de Lula ter sido acusado em uma suposta delação sem a apresentação de dados que substancial tais afirmações.

3 – “24% a menos de homicídios no Brasil em oito meses de governo”. O dado é parcialmente verdadeiro pois diz respeito ao primeiro trimestre de 2019 em relação ao mesmo período em 2018, segundo os dados do Monitor da Violência (uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

O levantamento divulgado em setembro passado, com sete meses de pesquisa, indica um índice um pouco menor: 22,6%, em relação ao mesmo período em 2018, mas mantém a tendência de queda. É verdade que a informação, é algo a ser celebrado, e, como disse a ministra, são menos famílias chorando perdas. No entanto, a afirmação da ministra Damares Alves é enganosa em dois aspectos:

  • Não é possível atribuir a queda do número de homicídios tão-somente a uma ação do governo federal. O declínio vem sendo observado há 15 meses, portanto, anteriormente ao governo Bolsonaro. Segundo pesquisadores são vários os elementos responsáveis pela redução : o ano de 2017 tinha sido extraordinariamente violento com ações de facções dentro de fora de presídios e os especialistas afirmam que quando uma facção como o PCC consolida poder alcança-se um certo equilíbrio; ações de prevenção a crimes dos governos estaduais; criação do Ministério da Segurança Pública, com o Sistema Único de Segurança Pública, sob o governo Michel Temer (com injeção de recursos financeiros nos estados e presídios); o envelhecimento da população (aumenta-se os índices de vivos).
  • Estes números não incluem o aumento do número de mortes provocadas ação policial, não caracterizadas como homicídios. Houve um aumento de 18% no uso letal da força pela polícia entre 2017 e 2018. Em alguns estados é alto o aumento das mortes por policiais: Pará, 68%, Rio de Janeiro e Ceará, 36%, Rio Grande do Norte, 29%, Santa Catarina, 27%, e Minas Gerais, 24%. Não há dados de 2019 mas a aplicação de políticas de eliminação de supostos criminosos indica que serão maiores. O índice de suicídios de policiais também aumentou quase 50% em 2018. O Brasil ainda é um dos países mais violentos do mundo, com taxas de assassinatos muito maiores que a de países como México, Argentina, Estados Unidos e Portugal. Os dados completos de 2018 podem ser encontrados aqui: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/

4 – “O abuso sexual está acabando”. A ministra Damares Alves não apresentou dados que comprovem a afirmação de que o abuso sexual esteja acabando por meio do governo Jair Bolsonaro. Ao pesquisar nos dados do Ministério de Direitos Humanos, Mulheres e Família, Bereia encontrou o balanço anual em relação a crianças e adolescentes, por meio das denúncias do Disque 100, de 2018. Em comparação com os dados levantados da mesma fonte a partir de 2011, há oscilações no número de denúncias de violência sexual com crianças e adolescentes, entre altas e quedas: 2011 = 34,73%; 2012 = 28,91%; 2013 = 25,71%; 2014 = 25%; 2015 = 21,86%; 2016 = 20,62%; 2017 = 24,19%; 2018 = 22,40%.

Não há outros registros de dados oferecidos pelo MDHMF tornem possível uma comparação. Os dados oficiais mais recentes sobre esta situação são de 2017, do Ministério da Saúde, indicando que 2011 a 2017 houve aumento de 83% nas notificações de violência sexual contra crianças e adolescentes nas unidades de saúde.  Foi destacado que maioria dessas ocorrências foi praticada mais de uma vez e dentro de casa, sendo os agressores pessoas do convívio, em geral familiares da vítima. Não foram identificadas pesquisas sobre o tema por outras fontes que indiquem números que corroborem a afirmação da ministra de que estes números estejam se extinguindo.  

5 – “A nossa economia está crescendo”. Damares Alves também não apresentou dados sobre esta afirmação. Pode ser que tenha se valido das informações do Monitor do PIB-FGV em relação ao segundo trimestre de 2019: crescimento de 0,2% do PIB no segundo trimestre, na comparação com o primeiro, revertendo a queda de 0,1% observada no primeiro trimestre.

No mês de junho, o indicador aponta crescimento de 0,7% da economia, em comparação a maio. Para o coordenador do Monitor do PIB-FGV Claudio Considera, “O crescimento de 0,2% da economia neste segundo trimestre, segundo o Monitor do PIB-FGV, põe a economia de volta a trajetória de crescimento que havia se perdido no primeiro trimestre. Entre os três grandes setores, a agropecuária e a indústria apresentam taxas negativas, salvando-se os serviços que já apresenta taxas positivas há dez trimestres. Na comparação contra o mesmo trimestre do ano anterior, o crescimento é fraco, mas positivo como já ocorre desde o quarto trimestre de 2016. Os dados mostram que, apesar do crescimento, a economia ainda não consegue se expandir a taxas mais robustas”.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o crescimento do Brasil este ano seja de 0,9%, o que colocaria o país no 58º lugar globalmente, junto com Bahamas, Japão e Suécia. O FMI prevê que a economia global cresça 3% em 2019; as economias desenvolvidas se expandiriam em 1,7% e as emergentes, 3,9%. Em 2018, o FMI crescimento de 1,1% no PIB brasileiro.

A checagem de Bereia conclui que as informações dadas pela ministra Damares Alves em discurso na ALERJ são enganosas pois a apresentação delas é baseada em inconclusões, não é substanciada em dados e é desenvolvida para instigar julgamentos negativos a outrem e para manutenção ou conquista de apoio público.

Referência de Checagem:

ALENCAR, Kennedy. Twitter, 30 out 2019. Disponível em: https://twitter.com/KennedyAlencar/status/1189501965698551808?s=20

CARVALHO, Ilona Szabó. Explicando a queda nos homicídios. Folha de S. Paulo, 24 abr 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ilona-szabo/2019/04/explicando-a-queda-nos-homicidios.shtml?loggedpaywall

FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 13º Anuário de Segurança Pública. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/13-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/

G1. Assassinatos caem 24% no 1º trimestre do ano no Brasil (Monitor da Violência). G1, 13 mai 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/05/13/assassinatos-caem-24percent-no-1o-trimestre-do-ano-no-brasil.ghtml

G1. Em sete meses, Brasil registra 24,4 mil mortes violentas; queda é de 22,6% em relação ao ano passado (Monitor da Violência). G1, 3 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2019/10/03/em-sete-meses-brasil-registra-244-mil-mortes-violentas-queda-e-de-226percent-em-relacao-ao-ano-passado.ghtml

GUIMARÃES, Arthur, FREIRE, Felipe, LEITÃO, Leslie, MARTINS, Marco Antônio, MENEZES, Tyndaro, Jornal Nacional, G1 Rio. Suspeito da morte de Marielle se reuniu com outro acusado no condomínio de Bolsonaro antes do crime; ao entrar, alegou que ia para a casa do presidente, segundo porteiro. G1 Rio, 29 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/10/29/suspeito-da-morte-de-marielle-se-reuniu-com-outro-acusado-no-condominio-de-bolsonaro-antes-do-crime-ao-entrar-alegou-que-ia-para-a-casa-do-presidente-segundo-porteiro.ghtml

HAIDAR, Daniel. MP de SP não recebeu depoimento de Marcos Valério que implicaria Lula no caso Celso Daniel. El País, 26 out 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/26/politica/1572050707_197593.html

JORNAL NACIONAL. MP diz que depoimentos do porteiro do condomínio de Bolsonaro não condizem com a realidade. Jornal Nacional, 30 out 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/10/30/mp-diz-que-depoimentos-do-porteiro-do-condominio-de-bolsonaro-nao-condizem-com-a-realidade.ghtml.

MARQUES, Hugo. Marcos Valério cita Lula como um dos mandantes da morte de Celso Daniel. Veja, 25 out 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/marcos-valerio-cita-lula-como-um-dos-mandantes-da-morte-de-celso-daniel/

MINISTÉRIO DA MULHER, FAMÍLIA E DIREITOS HUMANOS. Crianças e adolescentes: Balanço do Disque 100 aponta mais de 76 mil vítimas, 14 jun 2019. https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/junho/criancas-e-adolescentes-balanco-do-disque-100-aponta-mais-de-76-mil-vitimas

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Análise epidemiológica da violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, 2011 a 2017. Boletim Epidemiológico, n. 27, v. 49, jun 2018. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf

MONITOR DO PIB. Monitor do PIB: a economia volta a crescer lentamente no segundo trimestre. FGV-IBRE, 14 ago 2019. Disponível em: https://portalibre.fgv.br/navegacao-superior/noticias/monitor-do-pib-a-economia-volta-a-crescer-lentamente-no-segundo-trimestre.htm

TV ALERJ. Youtube, 30 out 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6_fzOH_zNyM

UOL. Meme confunde ao destacar Brasil em ranking de crescimento econômico, 1 nov 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2019/11/01/meme-confunde-ao-destacar-brasil-em-ranking-de-crescimento-economico.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola

Sóstenes Cavalvante retuíta postagem com declaração falsa atribuída à ONG Greenpeace

A postagem retuitada é do Pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Rio de Janeiro), padrinho de Sóstenes Cavalcante.  

Sóstenes Cavalcante credenciou e passou adiante o conteúdo que atribui à ONG Greenpeace a declaração de que não poderia ajudar a remover o óleo que contaminou o litoral do Nordeste do Brasil porque lhe faltariam conhecimento e equipamentos. 

A afirmação atribuída ao Greenpeace é conteúdo de um vídeo falso – uma versão editada que usa parte de vídeo publicado pela ONG de defesa do meio ambiente nas redes sociais. Na gravação original completa, com 03 minutos e 07 segundos, Thiago Almeida, da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace, tira dúvidas sobre o derramamento de óleo no litoral do Nordeste e confirma a atuação de voluntários da ONG na limpeza de regiões afetadas, apesar de reconhecer e reivindicar que o trabalho de combate ao óleo derramado exige equipamentos e conhecimentos técnicos específicos e deve ser feito por instituições especializadas. 

O ativista Thiago Almeida também afirma no vídeo: “os nossos grupos de voluntários do Maranhão e do Ceará também visitaram os locais impactados, conversaram com a população, colheram depoimentos, fizeram imagens, justamente para documentar tudo aquilo que está sendo afetado, do meio ambiente às pessoas, à economia das regiões”, afirma. 

O Greenpeace publicou fotos de seus voluntários na limpeza das praias no Twitter

O vídeo com conteúdo falso, tem 1 minuto e 11 segundos e usa 20 segundos do vídeo original para acusar o Greenpeace de ter recusado a ajuda na limpeza do óleo nas praias do Nordeste. A montagem foi reproduzida em postagem do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, no Twitter.  

No tuíte, Salles ironiza que o Greenpeace não tenha se disposto a ajudar na limpeza de praias e ilustra a afirmação com o vídeo editado. O trecho original que relata o trabalho dos voluntários e a coleta de depoimentos da população no Maranhão e no Ceará não foi incluído na versão publicada pelo Ministro do Meio Ambiente. 

O Greenpeace teve sua conta do Twitter bloqueada pelo Ministro Ricardo Salles mas publicou uma resposta contestando a versão falsa de sua declaração no Instragram.  

A plataforma multimídia brasileira de cobertura diária dedicada à verificação do discurso público Aos Fatos publicou matéria  classificando como falso o conteúdo do vídeo publicado pelo Ministro Ricardo Salles.  

Projeto de Lei rejeitado pela Comissão de Educação da Câmara Federal não pretende fortalecer “ideologia de gênero”

Duas postagens do Deputado Federal Diego Garcia, uma pelo Twitter outra pelo Facebook, em 23 de outubro, aclamam uma “grande vitória” na Comissão de Educação da Câmara Federal, da qual é integrante. O deputado informa que participou da votação que “barrou” o PL 9762/2018, “de autoria de parlamentares do PT e PSOL, que queria fortalecer a Ideologia de Gênero”. 

As postagens de Diego Garcia apresentam evidências de desinformação de viés enganoso por abordarem duas situações de fato ocorridas, mas expõem-nas com dados distorcidos e falsos que instigam julgamentos negativos a dois partidos políticos e ao próprio PL. 

As situações de fato ocorridas foram a discussão do PL 9762/2018  na Comissão de Educação da Câmara Federal e a rejeição do PL na Comissão por 17 votos contra 13 (apesar de os números serem apresentados erroneamente na postagem do Twitter do deputado, “17 votos a 3”, sem terem sido corrigidos até a data de redação desta checagem)  

Os dados distorcidos são a atribuição da autoria do PL a parlamentares do PT e do PSOL. Os autores são, na verdade, um grupo de cinco deputados e uma deputada federais, todos do PSOL, encabeçados pelo Deputado Ivan Valente (PSOL-RJ). Um deputado federal do PT, Pedro Uczai (SC), foi o Relator do PL  na Comissão de Educação.  

A informação falsa é a de que o PL 9762/2018 quer “fortalecer a ideologia de gênero”.  

O teor da proposição é a “implementação de Programa Social de Intervenção Social para Prevenção à Violência – PISPV, pela União, em parceria com as demais Unidades da Federação, nos territórios que registrarem altos índices de violência ou que sejam objeto de operações de segurança resultantes de intervenção federal ou de operações voltadas para a Garantia de Lei e Ordem” (Ementa). Ou seja, é uma proposta para uma parceria da União com Estados e Municípios para o enfretamento preventivo da violência. 

Há apenas duas menções à expressão “gênero” e estão no artigo Art. 4º do PL: “O PISPV tem por objetivo prevenir a violência por meio da promoção da superação da pobreza e da inclusão social e da redução das desigualdades sociais, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento local que contemple… IX – violência e criminalidade, especificando a violência em razão de gênero, raça ou contra a população LGBT; …”  

Fica explicitado no projeto o objetivo de prevenir a violência por meio da promoção da superação da pobreza e da inclusão social e da redução das desigualdades sociais. Nesse caso, o termo “gênero” refere-se apenas à lista de desigualdades sociais destacadas (juntamente com raça e etnia), o que reflete a realidade do país (ver relatório do IPEA/Ministério da Economia).

“Gênero” refere-se também, no texto do PL, a alvo da violência e da criminalidade, da mesma forma que raça e a população LGBTI+, o que também condiz com dados nacionais sobre violência (conforme o Atlas da Violência do IPEA/Ministério da Economia).

O deputado Diego Garcia apresentou emenda ao PL para que se retirasse o termo “gênero” do PL para que fossem inseridos outros termos. A emenda foi rejeitada pelo relator.  

A atitude de Diego Garcia corresponde à postura de uma parcela de líderes religiosos no Brasil, em torno da ideia “Ideologia de gênero”. Ela tem sido considerada por educadores e pesquisadores uma das mais bem sucedidas noções criadas e propagadas no ambiente religioso para desinformar a opinião pública.

Surgido no ambiente católico e abraçado por grupos evangélicos distintos, o termo trata de forma depreciativa a categoria científica “gênero”, que emergiu de estudos acadêmicos sobre questões relativas a gênero e sexualidade na sociedade, nos EUA, a partir dos anos 1970. O uso da ideia de “ideologia de gênero” desqualifica as lutas por justiça de gênero, pela busca da igualdade de condições entre homens e mulheres e ampliação de direitos para LGBTI+. 

Atrela-se, portanto, a categoria científica e as lutas por justiça à noção de “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula, que cria ilusão”. Em oposição à ciência e às causas, defensores do termo propagaram a ideia de que “gênero” seria um instrumento político da esquerda para impor uma sexualidade libertada do que dita a natureza, para permitir que as mulheres tenham liberdade total com seus corpos e para promover o matrimônio homossexual.   

A plataforma multimídia brasileira de cobertura diária dedicada à verificação do discurso público Aos Fatos publicou a matéria “Desenhamos fatos sobre a ‘ideologia de gênero’” com esclarecimentos sobre esta desinformação. 

Ao relacionar o PL 9762/2018 “ao fortalecimento da ideologia de gênero”, Diego Garcia faz uso da desinformação que o termo representa e oferece conteúdo enganoso. As postagens do deputado induzem o público a rejeitar também o PL (que ainda será discutido em outras Comissões da Câmara) com base em informações distorcidas sobre a autoria da proposta e falsas sobre o conteúdo do projeto. 

Referências da checagem: 

Página do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2169256

Inteiro teor do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=30C1A0B0FB7FBACEEDEF9F490EE4DD6F.proposicoesWebExterno2?codteor=1643916&filename=PL+9762/2018

Parecer do Relator do PL 9762/2018:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1756077

RETRATO das Desigualdades de Gênero e Raça. Brasília: Ministério da Economia/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/retrato/ 

ATLAS da Violência 2019. Brasília/São Paulo: Ministério da Economia/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/ Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/downloads/6593-190605atlasdaviolencia2019.pdf  

MISKOLCI, Richard, CAMPANA, Maximiliano. Revista Sociedade e Estado, Volume 32, Número 3, p. 725-747, Setembro/Dezembro 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v32n3/0102-6992-se-32-03-725.pdf  

MENEZES, Luiz Fernando. Desenhamos fatos sobre a ‘ideologia de gênero’. Aos Fatos, 6 set 2019. Disponível em: https://aosfatos.org/noticias/desenhamos-fatos-sobre-ideologia-de-genero/