A campanha eleitoral para prefeituras e câmaras de vereadores deste ano já começou e, devido à circunstância da pandemia da COVID-19, as mídias sociais terão maior influência sobre o resultado desta eleição. Essa virtualização da campanha nos traz algumas preocupações, dentre elas a proliferação de diversas fake news, ou em bom português: notícias falsas. Essas mensagens são produzidas com o objetivo de destruir reputações e se tornaram tão comuns que o termo “fake” acabou entrando para nosso vocabulário cotidiano e já usamos em outros contextos. Isso acontece porque nossa sociedade não havia desenvolvido o hábito de checar a veracidade das informações que nos eram repassadas. No entanto, com a popularização dos smartphones, a produção e a disseminação de informação aumentou muito e requer maior cuidado para verificar se o que chega em nossas mãos é fato ou fake.
Sabemos que a maioria das pessoas não produz as fake news, mas acaba compartilhando por não saber distinguir uma notícia falsa. Muitas vezes o conteúdo da mensagem mistura fatos verdadeiros com falsos ou desatualizados e confunde até os mais atentos leitores. Por isso é importante desconfiar de notícias que são veiculadas sem fontes ou com fontes desconhecidas, que trazem textos alarmantes tentando te convencer de algo, dados desatualizados ou apenas imagens sem explicações. Hoje é possível até colocar um rosto de uma pessoa num vídeo que ela não fez e produzir um vídeo totalmente falso, é o que se denomina “deep fake”. Então, por essa razão, a regra deve ser desconfiar e buscar verificar a autenticidade da informação. Uma outra dica é: não ler apenas a manchete, ler todo o texto e olhar a data da publicação.
Não são meras piadas ou brincadeiras, as fake news são mentiras construídas com o intuito de desestabilizar o debate político e favorecer os interesses econômicos que fomentam sua criação e sua proliferação pelas redes sociais. O mesmo fenômeno é observado em outros países, especialmente em momentos de acirramento político e incerteza. Por isso, o cenário de pandemia, crise econômica e sociopolítica que vivemos durante esta campanha eleitoral pode ser campo fértil para o espalhamento dessa desinformação. Dessa forma, essas mensagens são uma arma contra a democracia e um risco para todas as nações, estados e cidades.
As igrejas são unânimes em condenar a prática da mentira. Na bíblia, manual de fé e conduta cristã, há diversas condenações à prática da mentira, inclusive a que adverte para não acompanhar a maioria quando esta torce a verdade (Êxodo 23.1,2). Mas, os locais de culto e seus públicos não estão isentos de serem contaminados pelas fake news. Ao contrário disso, algumas notícias falsas são construídas com o objetivo específico de circular nesses arraiais e têm sido eficientes em manipular os votos do povo religioso. Você já deve ter recebido no seu celular aquela mensagem que diz que determinado candidato pretende proibir a leitura da bíblia, ou que uma candidata disse que quer fechar igrejas. Essas mensagens moveram inúmeras pessoas a mudarem seus votos sem ao menos se perguntarem se tais afirmações eram verdade.
Foi pensando em prover meios de enfrentamento dessa manipulação do voto, que as Escolas de Fé e Política ligadas ao Instituto Solidare e a Igreja Batista em Coqueiral (Recife-PE), em parceria com a Tearfund e Aliança Bíblica Universitária Brasil desenvolveram a campanha #IgrejaSemFakeNews para contribuir com o confronto destas mentiras disfarçadas de notícias dentro do campo religioso cristão, especialmente entre evangélicos. A campanha também conta com o apoio do Coletivo Bereia e do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
A campanha lançou o e-book “Diga Não Às Fake News”, que aborda a problemática do ponto de vista político, ético e teológico. A publicação aposta no estudo comunitário do texto e sugere questões norteadoras que levam à reflexão sobre a conjuntura política, sobre a relação entre fé e política no processo eleitoral e sobre o impacto das fake news para democracia e para a espiritualidade. O e-book propõe uma leitura simples e rápida, que possibilite que cada pessoa possa se informar sobre esses riscos e saiba onde pode checar a veracidade das informações que recebe. Para isso, foram listados os principais sites de veículos de imprensa de credibilidade reconhecida que fazem o “fact-checking”, ou seja, verificam os fatos que circulam nestas mensagens de redes sociais apontando o que é verdade ou mentira. O Coletivo Bereia é um destes sites.
Ainda que o espalhamento das fakes seja rápido e generalizado como uma pandemia, a “vacina” para acabar com isso é assumir a responsabilidade de verificar os fatos que compartilhamos. Então, cada pessoa é importante. Por isso, além de ler e compartilhar o e-book “Diga Não Às Fake News”, você pode contribuir com a campanha postando nas suas redes sociais e falando sobre o risco das fake news. Marcando a tag #IgrejaSemFakeNews você se soma nessa corrente de combate à desinformação dentro das igrejas.
No dia 16 de agosto, a deputada federal católica Bia Kicis (PSL/DF) divulgou em sua página no Twitter uma postagem contendo relato do político evangélico Syllas Valadão (PSL/MG). Acompanhando a publicação em que Syllas Valadão descreve o falecimento de uma tia, de 84 anos, diagnosticada com Covid-19, apesar da causa da morte supostamente ter sido problemas pulmonares, a legenda do post de Bia Kicis salientou: “Esse tipo de relato preocupa. Conheço o Syllas Valadão, é uma pessoa real que conta a história da morte de sua tia de 84 anos, e as razões pelas quais muitas famílias acabam sendo induzidas a aceitarem um atestado de óbito de covid mesmo quando não corresponde de à realidade”.
Até a data de apuração da presente matéria, o tuíte contabilizava 93 comentários, 671 retuítes e 1.900 curtidas. De acordo com o relato compartilhado pela deputada federal, as prefeituras arcariam com o gasto de sepultamentos em casos de morte pela Covid-19, o que geraria interesse econômico das famílias das vítimas para constatação da doença em atestado de óbito.
Desde a instauração da pandemia no país, foram refutadas, por meio de agências de checagens, as alegações de que os estados e municípios recebem dinheiro do governo federal a cada notificação de morte por Covid-19. Nas mídias digitais, circularam desinformações segundo as quais os governadores estariam então superestimando o número de óbitos. À agência Aos Fatos, o Ministério da Saúde informou que não faz qualquer repasse em função do volume de mortes pelo novo coronavírus. Os recursos da União para estados e municípios são divididos com base em critérios como o tamanho da população e a complexidade do serviço prestado.
Ainda segundo o suposto relato de Syllas Valadão, postado por Bia Kicis, isso teria se tornado uma prática nos hospitais, e os próprios médicos se ofereceriam para colocar o Covid-19 como a causa da morte para que as famílias economizassem com o sepultamento.
O relato colocou em xeque os números evidenciados pela doença. “Então, não tivemos 100 mil mortes por covid no Brasil. Nem a metade disso. Tivemos sim, milhares de pessoas que economizaram no sepultamento. É o velho jeitinho brasileiro. O pobre ganha, o hospital ganha, a funerária ganha. É o cenário perfeito para formar uma quadrilha”, finaliza o depoimento.
Na mesma data, em seu perfil no Facebook, Syllas Valadão chegou a postar a arte contendo o relato, produzida por Bia Kicis.
Entenda a polêmica que envolve Bia Kicis e a disseminação de fake news
Em 22 de julho, Bia Kicis foi retirada da vice-liderança do governo na Câmara dos Deputados pelo presidente Jair Bolsonaro. A decisão foi publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União (DOU). De acordo com matéria publicada pelo jornal “O Tempo”, a decisão do presidente Jair Bolsonaro se deu após Kicis e outros seis deputados votarem contra a PEC que tornou o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) permanente. Foram 499 a favor. Sobre a polêmica acerca do voto, a parlamentar afirmou à jornalista Natuza Nery, do canal GloboNews, que agiu conforme sua consciência.
“Eu votei de acordo com a minha consciência. Aliás, eu segui o exemplo do presidente Jair Bolsonaro que, quando foi parlamentar, só votou de acordo com a confiança dele. Para mim, ele é um modelo e continua sendo um modelo”.
Bia Kicis integra a ala bolsonarista mais próxima do Planalto. Com frequência, defende as pautas do governo e manifesta apoio ao presidente, seja em atos públicos, seja nas redes sociais digitais.
Ela faz parte do grupo de parlamentares incluídos no inquérito que apura a organização e financiamento de atos antidemocráticos, que está no Supremo Tribunal Federal (STF). Houve, até mesmo, quebra de sigilo bancário dela e de outros nove deputados. Bia Kicis também é alvo no inquérito das fake news, que investiga ataques contra ministros do Supremo, bem como informações falsas a respeito dos magistrados.
De acordo com o levantamento do Radar Aos Fatos – um monitor de desinformação em tempo real –, Bia Kicis é a terceira congressista que mais disseminou notícias falsas sobre o novo coronavírus, atrás apenas dos deputados Osmar Terra (MDB-RS) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
A análise considerou os 1.500 tuítes sobre o assunto com mais interações (retuítes e curtidas) publicados por membros da Câmara dos Deputados e do Senado (incluindo suplentes e licenciados) entre 20 de fevereiro e 8 de abril. No total, foram encontradas 159 postagens com desinformação veiculadas por 22 parlamentares e que somavam cerca de 1,58 milhão de interações no período.
Em março, ela relatou em suas redes sociais digitais sobre um porteiro que morreu em um acidente, mas em seu atestado de óbito a causa da morte tinha sido atribuída à Covid-19. A notícia, que circulou em redes sociais digitais e em grupos de WhatsApp, junto com o suposto atestado de óbito, foi considerada como parcialmente verdadeira. Uma versão anterior desse texto informava incorretamente que ela era falsa: de fato, ele não morreu em decorrência do novo coronavírus, mas sua morte não se deu por causa de um acidente com um pneu. Segundo apontado por matéria do UOL, a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco esclareceu que a certidão de óbito do paciente foi preenchida com erro.
Em 4 de abril, a deputada federal publicou um banner afirmando que a Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador de medicamentos nos Estados Unidos, liberou a hidroxicloroquina para ser usada em pacientes com coronavírus, chamado na peça de divulgação de “vírus chinês”.
Na ocasião, a Agência Lupa realizou a checagem e mostrou que o órgão aprovou apenas o uso emergencial de alguns produtos com sulfato de hidroxicloroquina e fosfato de cloroquina no tratamento de pacientes com Covid-19. A agência categorizou a postagem como falsa, uma vez que o FDA não havia emitido parecer final sobre o assunto: a autorização seria temporária e para situações específicas.
“O tabaco causa diferentes tipos de inflamação e prejudica os mecanismos de defesa do organismo. Por esses motivos, os fumantes têm maior risco de infecções por vírus, bactérias e fungos. Os fumantes são acometidos com maior frequência por infecções como sinusites, traqueobronquites, pneumonias e tuberculose. Além disso, o consumo do tabaco é a principal causa de câncer de pulmão e importante fator de risco para doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), entre outras doenças. Pelo exposto, podemos dizer que o tabagismo é fator de risco para a Covid-19. Devido a um possível comprometimento da capacidade pulmonar, o fumante possui mais chances de desenvolver sintomas graves da doença”.
“Os riscos do tabagismo também estão relacionados ao contágio, pois o ato de fumar proporciona constante contato dos dedos (e possivelmente de cigarros contaminados) com os lábios, aumentando a possibilidade da transmissão do vírus para a boca. O uso de produtos que envolvem compartilhamento de bocais para inalar a fumaça — como narguilé (cachimbo d´água) e dispositivos eletrônicos para fumar (cigarros eletrônicos e cigarros de tabaco aquecido) — pode facilitar a transmissão do coronavírus. Há ainda o tabagismo passivo (não fumantes que convivem com fumantes na mesma casa ou em outros ambientes), que aumenta o risco de infecções respiratórias agudas. Por esses motivos, a Organização Mundial da Saúde (OMS), o INCA e diversos órgãos da saúde, encorajam as pessoas a pararem de fumar para minimizar os riscos associados à pandemia de Covid-19, tanto para os fumantes quanto para as pessoas expostas ao fumo passivo”.
“Os resultados mostraram que 47,6% eram obesas (ou seja, apresentavam índice de massa corporal, o IMC, maior que 30) e 28,2% tinham obesidade grave (IMC maior que 35). Os cientistas notaram ainda que 85 pacientes (68,6% do total) utilizaram ventilação mecânica, e a proporção foi maior entre os obesos graves (85,7%)”.
De olho nos dados, eles concluíram que a seriedade da infecção aumenta à medida que o IMC cresce. No entanto, os cientistas não se debruçaram sobre os motivos por trás dessa relação. Mas pesquisadores da Universidade de Nova York avançaram nessa questão e relataram que os casos mais graves eram aqueles com maior número de marcadores inflamatórios no corpo. Identificaram também que as lesões provocadas por essa inflamação exacerbada levaram à formação de coágulos, culminando em quadros de trombose e embolia pulmonar. Segundo o trabalho, a doença crônica com a associação mais forte a essa cascata de eventos é a obesidade.
Em entrevista ao Bereia, a médica Dolores Souza, do Rio de Janeiro, declarou que a idade avançada, o tabagismo e a obesidade podem prejudicar a saúde do ser humano, levando a maior predisposição a doenças que podem levar à morte, incluindo Covid-19.
Sendo assim, apesar de não ser possível afirmar que essa doença tenha sido a causa do óbito da tia de Syllas Valadão, a presença dessas comorbidades não exclui a possibilidade de Covid-19 como causa de óbito; mais ainda, elas aumentam o risco de mortalidade pelo coronavírus, uma vez que a infecção ocorre em um organismo com imunidade baixa.
Prefeituras e sepultamentos
Bereia não encontrou nenhuma informação a respeito de prefeituras arcarem com os custos de sepultamento de vítimas da Covid-19. O que existe é uma flexibilização para o registro do atestado de óbito. No município do Rio de Janeiro , por exemplo, o registro do atestado de óbito em cartório não precisa ser feito no mesmo dia do sepultamento Segundo matéria da Isto É, “A medida consta na resolução publicada no dia 27 de abril de 2020 pela Secretaria Municipal de Infraestrutura, Habitação e Conservação e é válida apenas durante o período da pandemia da Covid-19. O objetivo é dar mais agilidade ao serviço de enterro ou cremação”.
Syllas Valadão e fake news
Em 2018, Syllas Valadão, mineiro, primo do fundador da Igreja Batista da Lagoinha, concorreu ao cargo de deputado federal (PSL) por Minas Gerais, recebendo mais de três mil votos, mas não foi eleito. Em 2012 e em 2016, ele disputou uma vaga de vereador, pelo DEM, e recebeu 193 e 154 votos, respectivamente.
Fundador do Instituto Patriotas Direita Nacional, afirma em seu site que foi o primeiro a realizar uma palestra contra a ideologia de gênero no Brasil.
Não foi a primeira notícia falsa que Syllas Valadão compartilhou em seu Facebook. No dia 27 de junho, também foi encontrada situação semelhante em uma de suas publicações:
O mesmo ocorreu no dia 13 de junho de 2020 com outra postagem:
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Diante do que foi apresentado, Bereia conclui que a postagem da deputada Bia Kicis, com o relato de Syllas Valadão, é enganosa, por indicar que uma pessoa idosa, tabagista e obesa não possa morrer por Covid-19. Outro engano identificado é o de afirmar que prefeituras estariam custeando os sepultamentos de vítimas do novo coronavírus. Assim, tanto Syllas Valadão quanto a deputada Bia Kicis apresentam informações para confundir o público.