A fé na construção de chapas: o quadro da identidade confessional nas candidaturas a vice-prefeitos/as das capitais do Brasil

*Com colaboração de Pedro Vasconcellos.


A campanha eleitoral para prefeituras e câmaras de vereadores em todo o país começou em 16 de agosto. Desde então, Bereia tem acompanhado a forma como as religiões e temas religiosos são apresentados por cada candidato, para verificar se há uso de desinformação por parte dos políticos que almejam o cargo mais alto do executivo do município. Para tanto, foi produzido um levantamento das identidades confessionais dos candidatos a prefeitos e vice-prefeitos que concorrem às Prefeituras das 26 capitais brasileiras.

Na primeira matéria desta série de reportagens, foram apurados os perfis de candidatos a prefeito/a. Bereia identificou suas identidades confessionais e vínculos religiosos, além de situações em que esses candidatos foram checados por disseminar desinformação anteriormente. Nesta segunda etapa, vamos analisar os postulantes a vice-prefeitos/as das capitais dos estados do País, com os mesmos critérios.

O que faz um vice-prefeito/a?

O vice-prefeito/a atua como substituto/a imediato/a do/a prefeito/a, em caso de ausência ou impedimento, assumindo as funções e responsabilidades do cargo principal. No Brasil, esse representante é eleito através de voto direto juntamente com o prefeito, de modo vinculado (Constituição Federal Artigo 29, I e II). Assim como o titular do cargo, o/a vice-prefeito/a tem mandato de quatro anos, com possibilidade de reeleição para outro período de mesma duração.

Além de auxiliar a Prefeitura nas atividades administrativas e na execução das políticas públicas, o/a vice pode ser designado/a para coordenar projetos específicos ou áreas de interesse da administração municipal, como o cargo de secretário/a municipal. O/a vice é, em muitos momentos, um/a articulador/a político/a ao auxiliar o/a titular com o possível.

A escolha de vices acontece em convenções partidárias, para composição da chapa. Nesses eventos são decididas as candidaturas de cada partido e as coligações que serão formadas. As coligações podem influenciar na escolha de vices, com o intuito de formar chapas mistas com nomes de diferentes partidos.

A escolha dos vices também pode ser feita de forma estratégica, com o intuito de atrair votos de bases eleitorais que o candidato titular não consegue alcançar devido a diferenças ideológicas. A apuração dos dados realizada pelo Bereia destaca uma diversidade maior de identidades e vínculos religiosos entre candidatos a vice e do que entre os candidatos a titular das prefeituras das capitais brasileiras, o que ilustra esse movimento estratégico.

O perfil das candidaturas a vice-prefeitos/as

Conforme foi abordado na primeira etapa desta série de reportagens, houve um aumento considerável de candidaturas com vínculo religioso. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, as candidaturas com Identidades Religiosas aumentaram 225% nas últimas sete eleições municipais. 

Em contrapartida, a presença de títulos religiosos e termos que denotam identidades confessionais está reduzida nestas eleições: de acordo com dados do Observatório da Religião e Interseccionalidades do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) a queda é de 22,04% em comparação ao pleito de 2020. A série histórica, iniciada em 2000 com 2.429 candidatos usando indicadores religiosos, registrou um crescimento expressivo até 2020, quando o número chegou a 10.117. 

Em 2024, serão 7.940 os nomes de urna com alcunhas como “pastor” (41,36%), “pastora”, “irmão” (28,90), “irmã” (7,8%), “padre” (3%), “missionária” (2,1%) e “bispo” (1,2%). Também estarão presentes termos como “guru”, “ogum”, “abade”, “xangô”, “monge”, “rabino” e “xamã”, mas que não chegam a 0,1% do total. Apesar do amplo  uso de indicadores religiosos, é importante destacar que nem todos os candidatos com identidade confessional expressão usam seu vínculo religioso em suas candidaturas.

O levantamento exclusivo, realizado pelo Bereia, sobre as candidaturas com identidade confessional para vice-prefeito nos municípios das 26 capitais brasileiras, em 2024 baseou-se em dados fornecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foram contabilizados 191 candidatos de diversos partidos. Assim como na primeira apuração, para identificar quais desses candidatos possuem uma identidade confessional, Bereia recorreu à base de dados do Instituto de Estudos da Religião (ISER), utilizada nas eleições de 2020 e 2022, para obter informações sobre candidaturas à reeleição e outras reapresentadas. 

No caso das novas candidaturas, a equipe do Bereia seguiu a metodologia do ISER, examinando as mídias sociais dos candidatos para verificar como se autoidentificam e se expõem, ou não, uma confessionalidade, além de consultar outros registros públicos.

O levantamento aponta que 99 candidaturas a vice-prefeito/a nas capitais brasileiras expõem publicamente sua confissão religiosa. Dessas, 45 são católicas, 27 se identificam como cristãs de forma genérica, 19 são evangélicas e três têm vínculo com religiões de matriz africana. A diversidade religiosa entre os candidatos a vice-prefeito/a é maior, com nove confissões distintas identificadas, em comparação com as quatro predominantes entre os candidatos a prefeito/a.

Acesse a lista dos candidatos a vice com identidade religiosa

A equipe do Bereia observou que entre as candidaturas a vice-prefeitos/as há mais diversidade religiosa do que nas de prefeitos/as, porém a visibilidade na campanha é menor. Ao mesmo tempo, fica evidente algumas composições de chapa, em que vices são explicitamente apresentados como representantes de um grupo religioso, especialmente o evangélico.

É o caso da candidatura a vice-prefeita de Goiânia, da Tenente-Coronel Claudia da Silva Lira (MDB), na chapa do católico Sandro Mabel (União Brasil). Segundo o noticiário local, a candidata atende aos requisitos definidos por Mabel no início da pré-campanha, de que a vice fosse uma mulher evangélica. 

Imagem: Página CBN Goiânia, 5/9/2024

Também o caso do Pastor Valcenir, candidato a vice-prefeito de Porto Velho, pelo União Brasil. O pastor da Igreja Missionária Catedral da Família usa o título religioso no nome de urna e aciona explicitamente a identidade evangélica na campanha na chapa de Mariana Carvalho (União Brasil), de confissão cristã não determinada.



Imagem: Instagram Pastor Valcenir

Bereia ouviu o doutor em Ciências Sociais e coordenador do Observatório Evangélico Vinícius do Valle sobre esta maior diversidade religiosa entre as candidaturas a vice-prefeitos/as. Ele ressalta a importância deste cargo na construção de alianças políticas, em todas as esferas do Poder Executivo (municipal, estadual e federal). “Pode ser, sim, uma tentativa de composição com denominações ou grupos religiosos. Mas é preciso ver se os candidatos são uma  construção das comunidades religiosas ou se fazem parte dessa cultura brasileira de expressar a fé em público. Isso só se confirma ao observarmos a atuação dos candidatos na campanha”, concluiu.

Falsidades como estratégia política

Entre candidatos a vice-prefeitos de capitais do Brasil, dois foram checados pelo Bereia por propagarem desinformação. A candidata na chapa de Alexandre Ramagem (PL), à Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, Índia Armelau (PL), que expõe sua imagem como cristã, na qualidade de deputada estadual (PL-RJ), em 2023, publicou vídeo com apelo ao pânico moral antiesquerdas, no contexto do processo eleitoral para Conselhos Tutelares. Em vídeo publicado no X, em 22 de setembro de 2023, Armelau fez campanha para candidaturas alinhadas à extrema direita. Na gravação, ela diz que é preciso “zunir a esquerda do conselho tutelar”, por considerar que a atuação deste grupo político tem interesse de desvirtuar a vida de crianças e jovens. 

Bereia tem checado várias personagens públicas que fazem uso da tática de inventar um problema com o intuito de criar espaço para oferecer a solução, que neste caso foi apresentada como os candidatos a conselheiros tutelares ideais indicados por elas. Índia Armelau explorou ainda outra tática frequente que é a figura de um “inimigo”, no caso, “a esquerda”, de forma genérica, para contrapor campanhas opositoras e convencer por apoio a determinadas candidaturas.

Já o candidato Sérgio Queiroz (Partido Novo), vice na chapa que busca a Prefeitura de João Pessoa (PB), com Marcelo Queiroga (PL), ex-ministro da Saúde do governo de Jair Bolsonaro, foi checado pelo Bereia, em 2022, por produzir informação enganosa. Queiroz, que é pastor batista, e procurador da Fazenda Nacional, nomeado pelo governo de Jair Bolsonaro, quando era secretário de Proteção Global do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos daquele governo, afirmou à imprensa que “tomou para si” e conseguiu “resolver um dos mais enigmáticos casos da Paraíba e do Brasil, que se arrastava em cortes internacionais” – a reparação e indenização da família da sindicalista católica Margarida Maria Alves, assassinada pela repressão da ditadura militar. 

Bereia checou que a reparação simbólica e a indenização, de fato, foram alcançadas pela família de Margarida Alves no primeiro ano do governo Bolsonaro, mas foram a culminância de ações de organizações de direitos humanos, juntamente com a Pastoral da Terra da Igreja Católica, que duraram mais de 20 anos. Foram as comissões de anistia e de indenizações em ação durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, de Luiz Inácio Lula da Silva, de Dilma Rousseff e de Michel Temer e a mediação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que tornaram possível este ato de justiça, cumprido em protocolo pelo governo Bolsonaro. Ao contrário do que o então secretário do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos propagou, o governo Bolsonaro agiu para impedir novos processos de reparação e para negar os efeitos nefastos produzidos pelos governos militares na vida de centenas de pessoas, diretamente atingidas, e de todo o país.

Imagem e texto: PB Agora, 12/03/2022 

Bereia levantou que há candidatos a vice-prefeitos que estão envolvidos em processos judiciais por conta da propagação de falsidades que interferem em temas de interesse público. Um deles é o candidato do PL a vice-prefeito de Curitiba (PR) Paulo Martins, católico, na chapa de Eduardo Pimentel (PSD). Martins é um dos investigados em uma das 16 ações ajuizadas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por ilegalidades na campanha eleitoral de 2022. A ação que cita Paulo Martins denuncia abuso de poder, abuso de autoridade e uso indevido de meios de comunicação (propagação de fake news). Paulo Martins é citado como um dos 43 perfis que interagiam com o perfil de Carlos Bolsonaro no Twitter, entre 13 de maio a 10 de outubro de 2022, responsáveis por mais de cem publicações com desinformação. 

Bereia visitou as páginas do candidato nas mídias sociais e verificou que ele segue priorizando postagens sobre o mesmo tipo de conteúdo sobre o qual é investigado. Chama a atenção que Paulo Martins não ofereça nestas publicações material que faça menção a propostas de sua chapa para a população de Curitiba. 

Outro é o candidato a vice-prefeito de Maceió, o senador licenciado Rodrigo Cunha (Podemos/AL), católico, na chapa do evangélico JHC (PL), que busca a reeleição. Eleito senador de Alagoas, em 2018, pelo PSDB, Rodrigo Cunha foi derrotado no pleito ao governo do Estado de Alagoas em 2022, pelo União Brasil. Naquele ano,  ele foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL) cinco vezes por propagação de falsidades em campanha. Em uma das sentenças o TRE/AL afirma que, à época, Rodrigo Cunha possuía aproximadamente 104 mil seguidores em seu perfil no Instagram, o que equivale a 4,75% do eleitorado total de Alagoas, “sendo capaz de afetar a escolha dos destinatários porquanto relaciona o fato inverídico diretamente aos pré-candidatos Paulo Dantas e Renan Calheiros”. 

Imagem: A Notícia Alagoas, 30/09/2022 

A fé na construção de candidaturas

O cientista social Vinícius do Valle também falou ao Bereia sobre o conjunto dos dados levantados nas matérias sobre a identidade religiosa dos candidatos das chapas para Prefeituras nas capitais brasileiras. Para ele, os números estão em sintonia com a cultura religiosa do país, onde cerca de 90% da população professa a fé cristã, com uma predominância de católicos e evangélicos. “É comum que candidatos expressem publicamente sua fé, assim como grande parte da população brasileira”, afirmou.

No entanto, o pesquisador do Observatório Evangélico alertou para a complexidade da relação entre religião e política. Para ele, a simples declaração de fé de um candidato não implica necessariamente em uma campanha voltada para alianças religiosas. “Nem sempre a fé professada é a base das propostas políticas. É preciso diferenciar a expressão de fé da construção de uma candidatura fundamentada em alianças religiosas”, observou.

Valle também ponderou que a exposição pública da identidade religiosa pode, sim, ser usada como estratégia para conquistar apoio de comunidades religiosas.

Referências: 

Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-08/candidaturas-com-identidade-religiosa-crescem-225-em-24-anos Acesso 05 set 2024

Agência Brasil 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-03/comissao-da-anistia-deve-rever-casos-negados-partir-de-quarta-feira.  Acesso em 05 set 2024

A Notícias Alagoas https://anoticiaalagoas.com.br/2022/09/30/mentiroso-compulsivo-rodrigo-cunha-e-condenado-pela-5a-vez-por-espalhar-informacoes-inexistentes/ Acesso 05 set 2024

CBN https://cbnmaceio.com.br/noticia/11118/pela-5ovez-cunha-e-condenado-pela-justica-por-espalhar-fake-news Acesso 05 set 2024

TRE/AL 

https://www.tre-al.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/tre-reconhece-propaganda-antecipada-e-multa-rodrigo-cunha-por-divulgar-fatos-inveridicos-no-instagram Acesso 05 set 2024

UOL https://noticias.uol.com.br/colunas/carolina-brigido/2023/06/24/filhos-zambelli-roger-do-ultraje-os-70-investigados-com-bolsonaronotse.htm Acesso 05 set 2024

TSE 

https://consultaunificadapje.tse.jus.br/#/public/resultado/0601522-38.2022.6.00.0000  Acesso 05 set 2024

PB Agora https://www.pbagora.com.br/noticia/politica/filho-de-margarida-maria-alves-reconhece-atuacao-de-paraibano-para-encerrar-caso/ Acesso 05 set 2024

CEBRAP  https://cebrap.org.br/religiosos-nas-eleicoes-municipais/ Acesso 05 set 2024

Nexo Jornal

https://www.nexojornal.com.br/podcast/2020/03/31/o-negacionismo-do-governo-bolsonaro-sobre-o-golpe-de-64 Acesso 5 set 2024

CBN Goiânia

https://www.cbngoiania.com.br/programas/cbn-goiania/papo-politico/papo-pol%C3%ADtico-1.213651/bruno-peixoto-indica-tenente-coronel-cl%C3%A1udia-da-silva-lira-para-vice-de-sandro-mabel-1.2798715 Acesso 5 set 2024

Capa: Severino Silva/Fotos Públicas

Eleições 2024: Bereia dedica atenção à campanha de candidatos/as com identidade religiosa para as Prefeituras das 26 capitais

O início oficial do período de propaganda eleitoral  para Prefeituras e Câmaras de Vereadores, em todo o país, ocorreu em 16 de agosto. Durante as sete semanas deste período de campanha por votos, Bereia vai acompanhar a forma como as religiões e temas religiosos são propagados, para verificar se há uso de desinformação. Em 2020 e 2022, Bereia identificou farta utilização de conteúdo falso, enganoso e impreciso como estratégia de campanha de candidatos e seus apoiadores para convencer eleitores ou para destruir a imagem de opositores e de partidos.

Aumento de candidaturas religiosas

Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, as candidaturas com Identidades Religiosas aumentaram 225% nas últimas sete eleições municipais. Os dados foram coletados a partir de um levantamento com dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao qual Bereia também recorreu. A análise realizada pelo IPRI aponta que o número de candidaturas com identidade religiosas saltou de 2.215 em 2000 para 7.206 em 2024.

Em entrevista para a plataforma Agência Brasil, o sócio-diretor do IRPI Marcelo Tokarski afirma que o aumento apresentado nos últimos 24 anos demonstra também um crescimento do apelo da religião na política. Sobre o tema, a Agência Brasil também ouviu a coordenadora da área de Religião e Política do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Lívia Reis, que indica existirem candidatos não religiosos que passam a se declarar como cristãos de modo genérico para comunicar um conjunto de valores ou pedir por voto em instituições religiosas.

“Se, por um lado, as candidaturas oficiais apoiadas por igrejas evangélicas continuam tendo bons resultados nas urnas, nem sempre elas mobilizam nome religioso nas urnas. Por outro lado, candidatos que não são religiosos passaram a se identificar como cristãos – assim, de modo genérico –, para comunicar ao eleitorado o conjunto de valores com os quais ele se identifica ou então para pedir voto em igrejas de pequeno e médio portes, que não têm suas candidaturas oficiais. Também é importante lembrar que, nas eleições municipais, as dinâmicas locais nos territórios são muito valorizadas e, muitas vezes, precisam ser combinadas com uma identidade religiosa para que aquela candidatura seja vencedora no pleito”, Lívia Reis disse à Agência Brasil.

O avanço do segmento evangélico no cenário político brasileiro tem raízes históricas, intensificada após a redemocratização e a Constituição de 1988, como aponta o estudo da pesquisadora da Religião e editora-geral do Bereia Magali Cunha. Outro fato significativo é o sucesso da campanha de religiosos nas eleições. A pesquisa do IPRI indica que candidaturas que mobilizam a religiosidade tendem a ser mais bem-sucedidas nas urnas, e ocupam, em média, mais de 51% das cadeiras nas Câmaras Municipais nas eleições de 2020.

Candidaturas com identidade religiosa nas capitais do Brasil 

O levantamento do Bereia sobre as candidaturas com identidade confessional para as Prefeituras das 26 capitais brasileiras, em 2024, levou em conta os dados fornecidos pelo TSE. Foi contabilizado um total de 192 candidatos e candidatas, de 28 partidos. Para verificar quais deles têm identidade confessional, foi utilizada a base de dados do Instituto de Estudos da Religião (ISER) sobre as eleições de 2020 e 2022,  para obter dados de candidaturas à reeleição e outras reapresentadas. Para as novas candidaturas, a equipe Bereia seguiu a metodologia do ISER de tomar por base as mídias sociais dos candidatos para conhecer como se autoidentificam e como expõem, ou não, uma confessionalidade, além da consulta a outros registros públicos.  

Os dados levantados pelo Bereia mostram que 84 candidatos/as a prefeitos/as de capitais do país expõem publicamente sua confissão religiosa: 46 são católicos, 21 se identificam como cristãos de forma não determinada, 16 são evangélicos e um é espírita. 

Este grupo que pleiteia as Prefeituras das capitais está dividido em 19 partidos: a maioria é da direita, com 41 candidatos, sendo 14 do PL, oito do União Brasil e 29 de outros nove partidos; são 21 candidatos com identidade confessional em cinco partidos ao centro. Já a esquerda tem 19 candidatos entre PT, PDT, PSB e PSOL. 

Entre estas candidaturas, 13 tentam a reeleição e dois são vereadores que almejam Prefeituras. Há 15 deputados federais que se licenciaram para concorrer, dois senadores e 17 deputados estaduais.    

Destaca-se o dado de que 25% dos candidatos às Prefeituras das capitais se identificam como cristãos de forma não determinada. As pesquisas do ISER mostram que a exposição de uma identidade cristã não determinada tem sido uma prática expressiva em campanhas eleitorais desde 2020. 

Porém, 38% deste grupo de cristãos não determinados têm algum tipo de vínculo com uma igreja (dois católicos e cinco evangélicos) e até mesmo com uma outra religião. Como já citado na análise de Lívia Reis, estes candidatos optam por comunicar certos valores cristãos às suas bases eleitorais. 

Chama a atenção o caso do candidato a prefeito de Fortaleza (CE) senador Eduardo Girão (Novo), conhecido por sua vinculação ao Espiritismo Kardecista, e por ações em torno desta religião, se apresentar nestas eleições como um cristão não determinado.

Imagem: Perfil de Eduardo Girão no Instagram

Um exemplo destacado neste grupo é o do candidato na cidade de São Paulo Pablo Marçal (PRTB). Em entrevista ao canal Antagonista, Marçal diz ser cristão, mas não se considera evangélico nem católico. Para ele o Cristianismo é um estilo de vida (lifestyle), não uma religião. Porém, mesmo negando um vínculo confessional, o acionamento de símbolos e discursos evangélicos e a aproximação do influenciador com pastores do segmento é bastante visibilizado.

Ex-coach, o influenciador digital atraiu uma legião de seguidores ao falar sobre fé, pensamento positivo e prosperidade financeira, marcas relevantes do discurso da Teologia da Prosperidade, bem conhecido entre os evangélicos brasileiros. Isto proporcionou que ele participasse de conferências e cultos ao lado dos pastores midiáticos Claudio Duarte, Josué Valandro Junior e André Valadão.

Imagem: reprodução/Youtube

Imagem: reprodução/Youtube 

Imagem: reprodução/Facebook

Em uma palestra voltada para pastores, Pablo Marçal cita a frase “Um monte de gente vai te criticar em nome de Jesus, manda esse povo se f*”, arrancando risos do público.

Durante a pandemia, o candidato paulistano participou de live com o também pastor midiático Caio Fábio, que é reconhecido no cenário do evangelicalismo brasileiro como progressista. Sobre a live, o pastor se diz crítico do ex-coach e explicou que se tratou de um pedido feito por amigos próximos e que não o conhecia previamente.

Acesse aqui a lista dos candidatos com identidade religiosa

Propagadores de desinformação 

Além da identidade religiosa e do vínculo confessional, também foi verificado pelo Bereia se os candidatos já foram checados por terem propagado desinformação.

Dos 84 candidatos às Prefeituras das 26 capitais, quatro já foram checados pelo Bereia por propagarem desinformação. São eles, Cristina Graeml (PMB, Curitiba/PR, cristã não determinada), Assumção (PL, Vitória/ES, evangélico da Igreja Maranata), Pablo Marçal (PRTB, São Paulo/SP, cristão não determinado) e Eduardo Girão (Novo, Fortaleza/CE, cristão com vínculo espírita kardecista). Girão, que é senador da República (Novo-CE), teve várias verificações do Bereia, com destaque para a atuação dele com falsidades na CPMI da Covid e contra a política de vacinação, também na divulgação de conteúdos falsos sobre o Q-Anon e de informações falsas sobre o aborto legal.

Imagem: reprodução/site Bereia

Entre os 84 candidatos/as às Prefeituras das capitais com confissão religiosa identificada pelo Bereia, alguns também se destacam por menções negativas no noticiário, seja por checagens de mentiras divulgadas, seja por discurso de ódio ou por corrupção. É o caso do deputado federal licenciado para concorrer à Prefeitura de Cuiabá Abílio Brunini (PL-MT), conhecido como “Rei das Fake News”.

Imagem: reprodução/Diário de Cuiabá 

Evangélico e neto de pastor das Assembleias de Deus, Abílio Brunini ganhou notoriedade durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos Golpistas, em 2023, de onde teve, por várias vezes, a saída ordenada pela presidência da Comissão por conta de atitudes indecorosas. Eleito vereador de Cuiabá, pelo PSC, em 2016, ele teve o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, e naquele mesmo ano concorreu à Prefeitura da cidade, saindo derrotado no segundo turno.

A campanha de Abílio Brunini já foi multada na primeira semana do período eleitoral de 2024, por propagação de mentiras contra o candidato concorrente. 

Imagem: reprodução/Diário de Cuiabá 

Outro destaque no quesito desinformação é Janad Valcari (PL, Palmas/TO, evangélica de vinculação não identificada), com caso recente reportado pela plataforma Conjur. O veículo aponta que a candidata, licenciada como deputada estadual para concorrer à Prefeitura de Palmas (TO), moveu um processo para a retirada do site Diário do Centro do Mundo (DCM) do ar, que publicou reportagem que expunha ganhos milionários da deputada em contratos com Prefeituras para shows musicais. A juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, da 4ª Vara Cível da Comarca de Palmas, determinou o cumprimento do processo e o site foi suspenso. A medida foi criticada por juristas, lideranças políticas e jornalistas como censura prévia e um grave atentado à liberdade de imprensa e ao direito à informação.

Em eleições anteriores, Bereia identificou que candidatos propagaram desinformação de forma deliberada como estratégia de campanha, com imposição de medo, pânico moral, mentiras sobre opositores e partidos. Os temas mais explorados foram a falsa perseguição sistemática a cristãos no Brasil (“cristofobia”)sexualidade/ideologia de gênero, o fantasma do comunismo, negacionismo sobre vacinas e outros temas de saúde.

Imagem: reprodução/Bereia

Bereia seguirá no acompanhamento destas candidaturas com identidade religiosa confessional e de outras que acionarem temas religiosos como estratégia. Leitores e leitoras podem contribuir com o envio de materiais para checagem por meio dos canais de contato indicados no site Bereia.

A partir deste compromisso, foi lançada pelo Bereia em parceria com a CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço, o CEBI – Centro de Estudos Bíblicos e o CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs a campanha “Bote fé no Voto! Votar é um direito!” , com o objetivo de combater a desinformação nos meios e mídias religiosos durante as eleições municipais de 2024. A campanha ocorre ao longo de sete semanas e apresentará reflexões e dicas para ajudar os eleitores a fazer valer seu voto de forma consciente.

Referências de checagem:

Diário de Cuiabá

https://www.diariodecuiaba.com.br/cuiaba-urgente/rei-das-fake-news-abilio-e-condenado-por-chamar-fiscais-de-corruptos/681289 Acesso 26 Agosto 2024

https://www.diariodecuiaba.com.br/politica/justica-multa-assessor-de-abilio-acusado-de-produzir-fake-news/688996 Acesso 26 Agosto 2024

G1
https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/26/sessao-da-cpi-e-suspensa-apos-deputado-se-recusar-a-se-retirar-da-sala.ghtml Acesso 26 Agosto 2024

UOL

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/05/23/abilio-brunini-quem-e-deputado-que-discutiu-com-haddad.htm  Acesso 26 Agosto 2024

Conjur

https://www.conjur.com.br/2024-ago-07/especialistas-criticam-decisao-de-juiza-do-to-que-tirou-site-dcm-do-ar/ Acesso 26 Agosto 2024

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-08/candidaturas-com-identidade-religiosa-crescem-225-em-24-anos Acesso 26 Agosto 2024

Revista FAMECOS – PUCRS

https://revistaseletronicas.pucrs.br/revistafamecos/article/view/30691 Acesso 26 Agosto 2024

Para fugir de estigma, candidato de esquerda embarca em fake news

As eleições municipais deste ano ocorreram sob condições atípicas. Com todos afetados de um jeito ou de outro pela pandemia, seja enclausurando-se em casa e cumprindo com os protocolos de higiene, seja pela obrigatoriedade da máscara, aferição de temperatura ou álcool em gel em espaços comuns, as mídias digitais angariaram mais tempo, olhos e atenção. Muito se falou sobre as campanhas virtuais, mas a realidade refletiu certa manutenção no modo de fazer campanha: ainda vimos carreatas, panfletagem e encontros presenciais.

Em meio a isso, o agravante da desinformação. Em reportagem no dia 23 de novembro para a Folha, Patrícia Campos Mello expõe os resultados preliminares de pesquisa sobre desinformação na pandemia. A pesquisa é bem enfática, já nessa fase: aqui, a desinformação sobre saúde se ancora na desinformação em benefício político. O escopo é a repercussão de fake news sobre cloroquina, mas podemos nos afastar e observar como a estrutura da desinformação dialoga, em geral, com os interesses políticos. E então vamos para São Gonçalo, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

O candidato à Prefeito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) Dimas Gadelha, que venceu o primeiro turno e agora concorre ao cargo com o Capitão Nelson (Avante), reuniu-se com lideranças evangélicas em São Gonçalo, onde o seguinte material foi distribuído.

Material de campanha de Dimas Gadelha (PT)

O comportamento pode ser uma reação à articulação do pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, que visa denunciar um favorecimento do atual prefeito José Nanci (partido), à candidatura de Gadelha. No discurso em vídeo divulgado em mídias sociais Silas Malafaia denuncia que parte da política municipal do candidato do PT envolveria a divulgação e o ensino da famigerada “ideologia de gênero”.

O assunto é batido nos meios de desinformação, mas a reiteração funciona como um jeito de vencer a entropia natural na transmissão de mensagens: garantir que a informação chegue o mais intacta possível. Logo, não custa lembrar que a terminologia “ideologia de gênero” não existe.

Vamos ser mais específicos: ela existe, mas como um termo cunhado pela própria Igreja Católica, aparecendo em registros a partir de 1990. O objetivo da igreja era criticar o uso do termo “gênero” pela ONU. É o argumento do espantalho: cria-se um argumento para o adversário que nunca foi dito por ele. No caso, acusa-se a ONU e as políticas nacionais de educação de incentivarem a prática sexual entre crianças e adolescentes e os direciona a se tornarem gays.

Já há muito trabalho em desenhar todo o processo ocasionado por declarações como essa, sem que o campo progressista adote também a terminologia (consequentemente, endossando-a). Mas é justamente o que faz Dimas Gadelha. O candidato tem denunciado em sua página uso de fake news pela oposição contra ele. Em meio a isso, porém, se vê rendido a acatar o termo enganoso e garantir que não estaria promovendo a ideologia – que não existe.

Comprometendo-se a ser contra a “ideologia de gênero, a liberação do aborto, a liberação das drogas, ofensas religiosas, doutrinação nas escolas e destruição dos valores da família”, o candidato endossa e afirma que isso existe – e que ele é contra. O comportamento grita o impacto que as fake news têm, em sua campanha e no imaginário popular a seu respeito. No contexto eleitoral, em que cada voto conta (e, portanto, não se mede a “qualidade” do voto), essa adoção visa se aproximar das igrejas, mas faz um desserviço ao campo progressista de esquerda que se propõe a apoiá-lo.

Vídeo em que pastor Silas Malafaia pede “Fora, Crivella!” é usado de forma enganosa

Circula nas mídias sociais vídeo com intervalo entre 15 e 30 segundos em que o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, Silas Malafaia, diria “Fora, Crivella” em seu programa de TV “Vitória em Cristo”. Bereia verificou que a fala de Silas Malafaia foi editada e tirada do contexto de sua oposição à corrida de Marcelo Crivella a Governador do Estado do Rio de Janeiro nas eleições de 2014. Malafaia tem se declarado neutro nas eleições para a Prefeitura do Rio em 2020, tendo apoiado apenas candidatos a vereança durante o primeiro turno.

A neutralidade de Silas Malafaia no segundo turno foi objeto de análise na coluna Diálogos da Fé do site da revista CartaCapital e foi abordada nas versões impressa e online do jornal O Globo. Nas análises se destaca como as igrejas da Assembleia de Deus e outras vertentes ancoradas em líderes midiáticos, como a de Silas Malafaia, não cederam votos para candidatos da Igreja Universal do Reino de Deus no Rio e em São Paulo (os candidatos da IURD nas cidades eram Crivella e Celso Russomano, respectivamente, ambos do Republicanos). Os votos demonstraram, mais uma vez, que evangélicos não são um bloco monolítico.

Já as críticas de Silas Malafaia contra Marcelo Crivella eram acentuadas nas eleições estaduais do Rio de Janeiro em 2014. Na época, Crivella fora para o segundo turno com Luiz Fernando Pezão (PMDB), e era questionado por Malafaia sobre suas ligações com a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Foram feitas acusações de “mentiroso” de ambos os lados. Um ano depois, Silas Malafaia mantinha a postura crítica pública ao bispo da IURD, só agindo favoravelmente a Crivella ante a ameaça de um segundo turno para a prefeitura da cidade com Marcelo Freixo, em 2016.

Desde então a relação dúbia entre os dois mobilizou a ironia de portais como o Sensacionalista, que fez uma coletânea dos tweets ambíguos de Silas Malafaia, mostrando o “antes e depois” da relação entre os dois pastores. A versão mais completa da declaração de 2014 de Silas Malafaia sobre Crivella pode ser encontrada aqui, em canal do candidato a deputado estadual pelo PSOL, na Bahia, em 2018, David Lopes Machado, sob o título “Silas Malafaia manda recado para Marcelo Crivella em 2014”. Silas Malafaia excluiu o respectivo vídeo de suas mídias oficiais.

O Coletivo Bereia classifica as postagens em mídias sociais que usam um vídeo de 2014, em que o pastor Silas Malafaia critica o candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro como se fosse atual, como enganosas.

Trecho de vídeo descontextualizado (print aos 0:14 do vídeo que circula de forma enganosa)

Referências

O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2020/liderancas-evangelicas-redefinem-apoios-no-rio-em-sao-paulo-no-segundo-turno-24759714. Acesso em: 22 nov. 2020.

A Pública, https://apublica.org/2020/11/silas-malafaia-sobre-esquerda-nao-tem-moleza-e-pau-e-ideologico/. Acesso em: 22 nov. 2020.

CartaCapital, https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/notas-preliminares-sobre-religiao-nas-eleicoes-2020/. Acesso em: 22 nov. 2020.

UOL, https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/21/crivella-paes-panfleto-fake-news.htm. Acesso em: 22 nov. 2020.

Veja, https://veja.abril.com.br/videos/em-pauta/debate-veja-2o-bloco-a-mistura-entre-politica-e-religiao/. Acesso em: 22 nov. 2020.

Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=GnREQ6N_jU4. Acesso em: 22 nov. 2020.

BBC Brasil, https://www.bbc.com/portuguese/brasil-37818301. Acesso em: 22 nov. 2020.

Sensacionalista, https://www.sensacionalista.com.br/2016/10/31/10-tweets-do-malafaia-antes-e-depois-da-vitoria-de-crivella-que-parecem-coisa-do-sensacionalista/. Acesso em: 22 nov. 2020.

Youtube, https://www.youtube.com/watch?v=mI8NIUtt3HI. Acesso em: 22 nov. 2020.