Ativista de direitos humanos é ridicularizada em postagem em mídia social

* Com colaboração de Bruno Cidadão

* Matéria atualizada em 23 de outubro de 2020 às 21h28 para acréscimo de informações.

Em 13 de outubro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) postou em seu perfil no Twitter Uma imagem com frase atribuída à diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil Jurema Werneck, que teria dito: “Se os traficantes atiram, tem que criar uma estratégia que evite que eles atirem”. Sobre isso, o músico Roger Rocha Machado comentou em tom irônico, “Jênio”, e Eduardo Bolsonaro republicou comentando: “A Rota da @PMESP [Polícia Militar do Estado de São Paulo] tem a estratégia certa para isso!”. Essa última frase se refere à defesa que a família Bolsonaro faz de que a polícia possa matar quando se confronte com criminosos, conforme amplamente noticiado pela imprensa, em diferentes momentos: em 2015, 2017, 2018, e 2019.

A foto original da ativista não tem relação com essa declaração. Em uma busca reversa pelo TinEye, que consiste em usar uma imagem para encontrar outras fotos como resultado relacionado, é possível descobrir que a primeira utilização da fotografia é de dezembro de 2017, em matéria do site MercoPress a respeito da violência policial no Brasil, em que Jurema não diz a frase que lhe foi atribuída na foto publicada no Twitter. Outra busca reversa a partir da imagem publicada por Roger, pelo Google Imagens, aponta o resultado mais antigo para 28 de setembro de 2020. Isso significa que a publicação mais antiga da foto editada com essa suposta fala de Werneck foi feita nessa data pelo perfil FamíliaDireitaBrasil (@Brazilfight).

Por meio de monitoramento no TweetDeck, Bereia não encontrou respostas de Werneck às críticas postadas com as imagens.

Visão da Anistia Internacional  sobre a criminalidade no Rio de Janeiro

Jurema Werneck é diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil. A instituição é uma organização não-governamental internacional fundada em 1961, presente em mais de 150 países, com foco na promoção e defesa dos direitos humanos, por meio de campanhas e ações. De acordo com o site da organização, a Sede brasileira foi inaugurada em 2012, mas a Anístia já tinha ações envolvendo o país em décadas passadas, como o Relatório sobre Tortura no Brasil, publicado em 1972, durante a ditadura militar. Ainda segundo o site da ONG, as ênfases de atuação no Brasil dizem respeito à segurança pública, direitos indígenas, direito à moradia e à terra. 

Em entrevista ao jornal Le Monde Diplomatique Brasil em outubro de 2017, Jurema Werneck afirmou que “as medidas adotadas no Rio de Janeiro nos últimos anos seguiram um modelo militarizado de repressão ao comércio varejista de drogas ilícitas nas favelas e periferias a partir de incursões periódicas nessas áreas”. De acordo com a diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, o modelo “não só não reduziu a criminalidade como foi um elemento propulsor de violência, resultando em milhares de pessoas mortas todos os anos em operações policiais, inclusive policiais no exercício de suas funções”.

Para Werneck, a escalada de violência que atinge o Rio “é consequência da ausência completa de política de uma segurança pública efetiva e estratégica  que foque na prevenção e não na repressão”. Ela também criticou a posição de alguns veículos de comunicação que definem a situação do Rio de Janeiro como “estado de guerra”. “Não estamos em guerra. Precisamos afirmar isso claramente. O que temos aqui é o crime organizado fortemente armado e uma falta de vontade política e visão estratégica para combater a criminalidade e garantir segurança pública para todas as pessoas. A narrativa da guerra é uma tentativa de naturalizar a violência armada e nos fazer aceitar um estado de exceção de direitos”, afirmou.

Entrevistada por Bereia, Werneck afirma que o discurso de “guerra às drogas” é falso e que a violência no Rio de Janeiro se reproduz em outras cidades do país.

A violência nas favelas e comunidades do Rio de Janeiro é reproduzida nas periferias de outras cidades. O Estado brasileiro tem um histórico de levar para esses lugares um aparato de segurança no falso discurso da “guerra às drogas”, mas é incapaz de colocar em prática políticas públicas que combatam à desigualdade, à falta de saneamento básico, às injustiças sociais que acompanham o povo brasileiro desde sempre, sobretudo os pobres, pretos e periféricos.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Em artigo publicado originalmente no jornal El País em agosto de 2020, a Anistia se manifestou sobre a segurança pública no Rio de Janeiro. A instituição menciona a decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 – que impediria a polícia do Rio de Janeiro de agir diante da violência.

De acordo com a Anistia, a informação é falsa, por identificar e reduzir as favelas e seus moradores ao crime e por afirmar que as ações policiais são necessárias e inevitáveis. Também, segundo a organização, existe a intenção de desacreditar a determinação do Supremo, colocando a população contra a decisão que julgou a ADPF 635.

De acordo com o organismo, o STF manteve todas as prerrogativas do governo do estado para cumprir seu dever de assegurar a segurança dos cidadãos do Rio. Entretanto, não admite a utilização de aparato de segurança contra a população das favelas e a violência decorrente de ações policiais.

A organização argumenta ainda que, de acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, é dever do Estado preservar a vida dos cidadãos e garantir a segurança. No entanto, o modelo de segurança pública subordinada à ideia de enfrentamento armado e violência excessiva das forças policiais descumpre a Constituição.

A Anistia conclui o texto defendendo a urgência de criação de outra política de segurança pública para o Rio de Janeiro. Esta deve estar embasada no uso da inteligência, no respeito às leis, na garantia da vida de todos os cidadãos e no exercício democrático do controle e fiscalização das ações policiais pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pela sociedade e com uma lista de assinaturas de instituições que apoiaram a decisão do STF.

O que defende Werneck?

Bereia ouviu Jurema Werneck que, além de negar ter dito a frase a ela atribuída, considerou aprofundar o assunto com a reportagem e contextualizar o trabalho dela através da Anistia Internacional em relação à violência no Brasil. Questionada se disse que “se os traficantes atiram, tem que criar uma estratégia para evitar que eles atirem”, Werneck nega e diz:

Tenho falado que a polícia não deve atirar a esmo, produzindo mais riscos e mortes. E há anos a Anistia Internacional tem defendido uma política de segurança baseada em inteligência, com investimentos em prevenção e investigações e que promova treinamento constante das forças de segurança para evitar que mais mortes ocorram. E que os agentes do Estado sigam os protocolos previstos nas leis internacionais de respeito aos direitos humanos. Acho que a questão importante é essa e a sociedade civil e as autoridades públicas precisam unidas defenderem a proteção de todos e todas.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Para Wenerck, acusar a Anistia Internacional de ser uma organização de esquerda é descabido porque a pauta principal do movimento é a defesa dos direitos humanos, independente de qual posição político-partidária sejam as pessoas. Ela menciona ainda que o movimento promove pesquisas e análises sobre uso de mídias sociais.

Ao redor do mundo atuamos sempre na defesa dos direitos humanos, independente de que espectro ideológico esteja no poder. Não somos de direita, nem de esquerda: somos defensores dos direitos humanos de toda e qualquer pessoa. Inclusive promovemos pesquisas e análise sobre os usos das redes sociais. Recentemente constatamos que o Twitter ainda não está fazendo o suficiente para proteger as mulheres contra a violência e agressões morais online, apesar de reiteradas promessas nesse sentido. O Twitter Scorecard (Cartão de Pontuação do Twitter) foi uma nova análise feita pela Anistia Internacional e avalia o histórico da empresa de mídia social na implementação de uma série de recomendações para o combate à violência moral contra mulheres na plataforma, desde que a Anistia chamou a atenção primeiro para a escala desse problema em seu relatório Toxic Twitter, de 2018. O Twitter precisa fazer muito mais para combater o problema. A empresa implementou plenamente apenas uma de dez recomendações concretas apresentadas, tendo feito progresso limitado em termos do aumento da transparência sobre como lida com denúncias de abusos. Nesta análise sobre o comportamento das pessoas no Twitter foram identificados padrões racistas e sexistas que ridicularizam e atacam mulheres, principalmente as mulheres negras.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Em relação à violência em comunidades e a atuação policial, Werneck considera que “a polícia deve mesmo evitar tiroteios” e que é “preciso reduzir a quantidade de armas e munições em circulação, pois já está provado que quanto mais armas, mais mortes”. A ativista dos direitos humanos continua:

E como armas e munições não são fabricadas dentro das favelas, há muito que podem e devem fazer para evitar inclusive que as armas cheguem lá. A segurança pública no Brasil precisa preservar vidas e não o contrário. Todos devem ter o direito básico à vida garantidos. O Estado brasileiro se recusa a investir recursos em inteligência e em articulação entre instituições de modo a impedir que tenhamos esta quantidade crescente de mortes em tiroteios.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

Perguntada sobre o fato de declarações em defesa dos direitos humanos serem comumente utilizadas por grupos políticos de direita para acusar as organizações e ativistas de defenderem bandidos, Jurema Werneck é enfática. “É mais fácil criticar o trabalho de quem atua por uma causa do que empenhar esforços para transformar a realidade que vivemos”, declara. Para ela, as autoridades públicas “ocupam os cargos que estão para atuar pelo interesse público e, nós enquanto Anistia Internacional também”. Werneck finaliza lembrando que o trabalho da Anistia Internacional foi reconhecido mundialmente quando, em 1977, a organização ganhou o Prêmio Nobel da Paz.

Acredito que é fundamental que todo mundo se una para resolver os graves problemas que são a injustiça, a desigualdade e a violência. Líderes comprometidos com valores da ética, da justiça e da inclusão é o que precisamos. Já há sofrimento e morte demais. Precisamos mudar o caminho da história e agir para que todas e todos possam viver com dignidade. Esse também é o papel que se espera de autoridades públicas. A Anistia Internacional recebeu um dos mais reconhecimentos mundiais por seu trabalho por direitos humanos, o Prêmio Nobel da Paz, em 1977. E só teremos paz plenamente no mundo, quando todos os direitos humanos forem garantidos.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil

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O Coletivo Bereia conclui que a frase atribuída a Jurema Werneck, reproduzida pelo deputado Federal Eduardo Bolsonaro, é falsa.  A própria Jurema Werneck nega que tenha dito a frase, além de não haver fonte de pronunciamento público pela diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil com este conteúdo. A circulação deste meme, com frase insignificante atribuída a uma ativista de direitos humanos, sugere a intenção dos criadores de conteúdo falso de levar a audiência ao escárnio e à desqualificação da ação da Anistia Internacional, e, ao mesmo tempo, levantar o apoio a ações violentas da polícia. Isto por conta de as manifestações de Werneck e da instituição da qual ela faz parte defendem uma política de segurança pública que preserve a vida dos cidadãos e sejam centradas na prevenção e não na repressão que só faz aumentar mais o nível de violência.

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Foto de Capa: Agência O Globo/Reprodução

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Referências de checagem

Revista Exame, https://exame.com/brasil/bolsonaro-defende-que-a-pm-mate-mais-no-brasil/. Acesso em: 21 de out. 2020.

Jornal O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/policial-que-nao-mata-nao-policial-diz-bolsonaro-22118273. Acesso em: 21 de out. 2020.

Diário do Nordeste, https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/pais/bolsonaro-parabeniza-pms-que-mataram-assaltante-no-rio-1.2034228. Acesso em: 16 out 2020.

Jornal O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-doria-parabenizam-policiais-da-rota-pela-morte-de-11-assaltantes-em-sao-paulo-23573413. Acesso em: 21 de out. 2020.

TinEye, https://tineye.com/. Acesso em: 16 out 2020.

MercoPress, https://en.mercopress.com/2017/05/17/amnesty-international-blasts-brazilian-police-systematic-killings-and-impunity. Acesso em: 16 out 2020.

Anistia Internacional Brasil, https://anistia.org.br/conheca-a-anistia/quem-somos/. Acesso em: 21 out. 2020.

Anistia Internacional Brasil, https://anistia.org.br/conheca-a-anistia/atuacao/. Acesso em: 21 out. 2020.

Le Monde Diplomatique Brasil: https://diplomatique.org.br/a-atuacao-das-forcas-de-seguranca-do-rio-e-marcada-pelo-carater-repressivo-e-pela-criminalizacao-da-juventude-negra-diz-jurema-werneck/. Acesso em: 18 out 2020.

Anistia Internacional: https://anistia.org.br/a-farsa-sobre-a-policia-nao-poder-entrar-nas-favelas/. Acesso em: 18 out 2020.Senado Federal: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_144_.asp. Acesso em: 21 out. 2020

Cristofascismo, pandemia e a história das epidemias no Brasil

Do combate à varíola no início do século XIX até as confusões atuais sobre o COVID19, as epidemias são períodos privilegiados para a análise das estratégias de comunicação entre autoridades e a população, especialmente na sua parcela mais fragilizada. Neste artigo, as mensagens de lideranças políticas e religiosas atuais são examinadas à luz de outros momentos históricos marcados pela ameaça de caos social trazida por doenças.

O termo “cristofascismo” foi cunhado pela teóloga alemã Dorothee Sölle em 1970 para descrever as relações entre as igrejas cristãs e o partido nazista, beneficiado pelo apoio de lideranças religiosas. Utilizado no Brasil por Fábio Py (entre outros), o conceito tem se consolidado como uma proveitosa chave de leitura para entender a relação do governo Bolsonaro com sua base de apoio, a qual o enxerga como o Messias que se sacrifica pelo seu povo, em defesa de uma suposta “família tradicional brasileira” cuja saúde física, moral e econômica estaria sob ameaça. A imagem abaixo, postado no Instagram da deputada estadual fluminense Alana Passos no dia 26 de abril de 2020, sintetiza a mensagem:

O post coleciona mais de 14 mil curtidas até o final de maio (e alguns comentários críticos também). Dada a sua popularidade, torna-se urgente avaliar como o discurso cristofascista é recebido dentro de seu público-alvo em tempos de pandemia e levantar hipóteses que conectem esse ideário político a uma história do controle do Estado sobre a população em termos da pauta dos costumes e de sua relação com a saúde pública.

No Brasil atual, a mensagem de que o Covid-19 é uma maldição impetrada pelo pecado pode ser compreendida à luz do discurso moral que dá sustentação política ao grupo no poder. Se o cristofascismo tenta aproxima Jair Messias de Jesus Cristo, seu corolário é que contrariar o primeiro é também chamar para si e para o país a fúria do último, e, portanto, a morte. E que, ao invés das ações recomendadas pelas autoridades sanitárias, o que pode salvar o país da doença é a obediência às lideranças religiosas, especialmente aquelas alinhadas com o discurso do Executivo federal.

Dentro desse quadro, há aspectos de continuidade e de ruptura com outros momentos da história brasileira nos quais as epidemias foram interpretadas como oportunidade de aumentar o controle sobre a população e combater as culturas de resistência ao poder instituído. Em seu livro “Cidade Febril”, Sidney Chalhoub mostra que os cem anos de políticas públicas anteriores à Revolta da Vacina, ocorrida em 1904, são elucidativos. A introdução da vacina antivariólica no Rio de Janeiro em 1804 marca, à primeira vista, uma saudável preocupação em acompanhar a vanguarda mundial da política pública de saúde na época. Entretanto, ela é também o primeiro passo de uma sequência de ações que incluem o combate à epidemia de febre amarela em 1850, do cólera em 1855 e deságuam na Reforma Pereira Passos em 1906.

Estes momentos possuem em comum a retirada do direito de moradia no centro da cidade das parcelas mais pobres da população, conjugada a intervenções violentas sobre os corpos negros agravada pela falta de diálogo com as culturas estabelecidas nestas populações sobre o uso do corpo e os sentidos de doença. Os órgãos de saúde pública não demonstraram nenhuma preocupação em comunicar-se com escravos, alforriados e pobres livres a partir de suas próprias culturas. Se assim tivessem feito, descobririam outras visões para doenças como varíola, cólera ou tuberculose. Teriam de explicar, por exemplo, porque sua preocupação se circunscrevia aos bairros onde a população branca era maioria, se estas enfermidades eram mais mortíferas entre os negros. Descobririam que, por isso mesmo, tais doenças eram vistas como feitiçaria de brancos para matar os negros.

Mas nem tudo era vitória dos “feiticeiros brancos”; o fato de a febre amarela atingir, em 1850, mais brancos do que negros, foi lida como uma vingança de São Benedito ao fato de ele não ter sido levado na tradicional procissão de 4ª feira de Cinzas, no ano anterior, por não ter branco que aceitasse carregar santo preto. A aproximação do santo a Omolu, orixá do candomblé capaz de infligir a doença, conferiu mais plausibilidade a essa interpretação.

Há, porém, novidades significativas para o caso atual. Nos casos antigos, a exclusão social se justificou como uma medida científica, higiênica. As autoridades políticas e científicas atuaram de forma uníssona para comunicar uma mensagem: não era necessário ouvir os pobres para saber que eram eles os responsáveis pela doença e que não deveriam obstruir o Brasil que se civilizava.

No cenário atual, as autoridades científicas, políticas e religiosas assumem papéis radicalmente distintos. Entre os primeiros, um século de estudos em saúde pública dotaram os profissionais da saúde de maior sensibilidade com os problemas sociais. As autoridades políticas e religiosas também inovam na emissão de uma mensagem que dialoga de modo ambíguo com certos preconceitos estabelecidos na população. Ao convocar um jejum no dia 04 de abril em meio à pandemia, o presidente admite que a crise do país é de fundo sobrenatural; ao mesmo tempo, minimiza em seus discursos o efeito do morticínio e oferece saídas milagrosas, como a hidroxicloroquina. Desse modo, dialoga com visões sobre epidemias estabelecidas pela cultura popular na longa duração, mas confere novo sentido a elas dentro de sua lógica totalitária. Posiciona-se em papel messiânico, no sentido de quem traz a cura/salvação através da fé e reserva aos supostos desviantes o justo castigo da morte. A consequência é uma nova forma de eugenia: não se trata de decidir quem deve morrer na câmara de gás, mas quem deve ter acesso ao respirador para sobreviver.

Uma resposta a este procedimento pressupõe uma disputa em diversos âmbitos, inclusive teológicos, sobre como deve ser interpretada a figura de Cristo, entendido como encarnação divina, e da Providência. Exige, portanto, a retomada de uma linhagem de pensamento que enxerga no Jesus de Nazaré uma mensagem pacifista e de propagação dos direitos humanos, que a impeça de ser retomada como fiador da legitimidade de atos de violência. De modo semelhante, exige compreender que afirmar que a vontade divina pode ser a responsável pela morte de alguém implica em uma contradição com os valores historicamente assumidos pelos Evangelhos, no Cristianismo Primitivo.

Foto de Capa: Pixabay/Reprodução