Mais falsidades espalhadas por deputados e mídias gospel sobre PL que retira direitos sobre aborto

Após a aprovação do pedido de urgência na tramitação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei n.º 1.904/2024, apelidado de PL do Aborto, protestos contrários nas mídias sociais se estenderam às ruas do país. São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, Manaus e pelo menos outras 12 cidades registraram atos entre os dias 13 e 23 de junho, nos quais manifestantes se reuniram para exigir o arquivamento do projeto. 

 A proposta, de autoria inicial do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e mais 33 parlamentares, equipara a interrupção da gravidez após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio e propõe aumentar a pena máxima para até 20 anos de prisão para os responsáveis pelo procedimento. 

Em resposta à pressão popular manifestada nos protestos, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou, em 18 de junho, um recuo na tramitação do projeto. Junto ao Colégio de Líderes, Lira  informou que o projeto será analisado no segundo semestre do ano por uma “comissão colaborativa”. O objetivo é abordar o assunto por meio de um debate abrangente, permitindo a participação de todas as forças políticas e sociais, visando maior transparência e precisão na análise do tema. As nomeações para esta comissão, encarregada de debater o texto, começarão em agosto. “O Colégio de Líderes aceitou debater este tema, de forma ampla, no segundo semestre, com uma comissão colaborativa, após o recesso, sem pressa ou açodamento”, informou o presidente da Câmara.

O colunista da UOL José Roberto Toledo afirmou, em artigo, que o PL 1.904 resultou em um custo de R$ 4,5 bilhões para o governo federal. De acordo com o colunista, a estratégia de escolha do presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira, ao resgatar um projeto controverso dentre os arquivados, teve consequências inesperadas e danosas para sua imagem pública. Apesar disso, ressalta Toledo, Lira alcançou um de seus objetivos ao pressionar o governo a liberar rapidamente R$ três bilhões de reais em emendas nos últimos dias de junho. Ele ainda menciona que Lira pode promover seu candidato à presidência da Casa, uma vez que conseguiu a liberação de emendas que não estavam garantidas.

Outro elemento politico, como Bereia já informou, na parte 1 desta matéria,  é que uma das reações dos autores do PL 1904 aos protestos nas ruas foi reforçar a proposta com a agregação de novos nomes como proponentes. Eles são agora 55. 

Reações da sociedade civil

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) aprovou, em 17 de junho, o parecer técnico-jurídico da Comissão, criada pelo órgão, por meio da Portaria 223/2024. 

O documento, apresentado e votado por 81 conselheiros federais, declara que o PL 1.904/2024 é inconstitucional, ou seja, contraria as regras e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição. O presidente nacional da OAB Beto Simonetti, explicou que a decisão da Ordem não considerou discussões sobre crenças religiosas ou opiniões políticas. Ele enfatizou que o parecer é puramente técnico, baseado apenas no aspecto legal e jurídico.

O documento afirma que, ao tratar o aborto como homicídio, mesmo em situações permitidas por lei, o texto desrespeita princípios constitucionais essenciais, como a dignidade da pessoa, a unidade familiar e o interesse superior da criança. Os conselheiros classificaram o texto do PL 1.904/2024 como grosseiro, desconexo da realidade, punitivo, depreciativo, sem empatia e humanidade, cruel, e indubitavelmente inconstitucional. 

O projeto, segundo o parecer, ao equiparar as penas do aborto às de homicidio, “denota o mais completo distanciamento de seus propositores às fissuras sociais do Brasil, além de simplesmente ignorar aspectos psicológicos; particularidades orgânicas, inclusive, acerca da fisiologia corporal da menor vítima de estupro; da saúde clínica da mulher que corre risco de vida em prosseguir com a gestação e da saúde mental das mulheres que carregam no ventre um anincéfalo”. 

Além disso, o parecer constata “que a criminalização do aborto, após as 22 semanas de gestação, nos casos excluídos atualmente pela legislação, incidirá de forma absolutamente atroz sobre a população mais vulnerabilizada, pretas, pobres, de baixa escolaridade, perfil onde também incide o maior índice de adolescentes grávidas.”

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Igreja Católica)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifestou apoio ao PL 1.904/2024, em nota divulgada em 14 de junho. No texto, a entidade reafirmou posicionamento em defesa da vida desde a concepção até a morte natural. A CNBB argumenta que a partir das 22 semanas de gestação, muitos fetos têm condições de sobreviver fora do útero, questionando assim a necessidade do aborto nesse estágio.

Além disso, a liderança dos bispos católicos ressalta que o aborto pode causar sofrimento físico, mental e espitirual à gestante, alertando que não é uma solução ideal, mesmo em casos de estupro. A CNBB pede punições mais severas para os agressores sexuais e afirma aguardar a tramitação de outros projetos de lei que garantam os direitos do nascituro e da gestante.  

Coletivo Padres da Caminhada (Igreja Católica)

O coletivo Padres da Caminhada, que reúne mais de 460 membros do clero católico, inclusive diáconos, padres e bispos, divulgou um manifesto com críticas  veementes ao PL 1.904/2024. Os signatários do documento expressam forte oposição ao projeto, e afirmam que embora sejam contrários ao aborto, a proposta é uma forma de punição às vítimas de estupro e abusos, aolhes impor penas mais severar que as aplicadas aos próprios agressores. 

O manifesto destaca a preocupação com as consequências sociais da criminalização do aborto, especialmente em mulheres em situação de vulnerabilidade. Com citações de figuras religiosas e jurídicas, como o bispo emérito de Blumenau Dom Angélico Sândalo Bernardino, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, o texto argumenta que a criminalização não reduz o número de abortos, apenas torna o procedimento mais arriscado. 

O coletivo apela para que os legisladores considerem a complexidade do tema e busquem soluções baseadas nos princípios cristãos, como a solidariedade e compaixão, em vez de leis punitivas. O texto enfatiza que criminalizar uma mulher vítima de estupro equivale a uma nova forma de violência contra ela.

Manifesto da Frente de Mulheres de Fé (Evangélicas e católicas)

O grupo de mulheres cristãs, que conta com mais de 150 líderes religiosas, incluindo pastoras, bispas e teólogas de diversas denominações, intitulado “Frente de Mulheres de Fé“, divulgou, em 19 de junho, um manifesto veementemente contrário ao teor do PL 1.904/2024. As religiosas denunciam o projeto de lei como uma forma de “legalização do ódio contra mulheres” e pedem seu arquivamento imediato.

O manifesto argumenta que o PL não defende a vida do não nascido, mas sim criminaliza injustamente mulheres e meninas, principalmente as mais vulneráveis. Também critica as “alianças patriarcais entre religião e partidos políticos”, acusando-as de negociar direitos das mulheres em troca de votos. As mulheres reconhecen os casos de abuso sexual dentro das próprias instituições religiosas e exigem rigorosas investigações. 

As líderes religiosas destacam os dados sobre gravidez infantil resultante do crime de estupro no Brasil e defendem a laicidade do Estado como princípio inegociável. O grupo pede ainda que o governo reavalie convênios com hospitais no SUS que se recusem a realizar procedimentos contraceptivos com base em dogmas religiosos.

Desinformação em espaços digitais religiosos 

A aceleração da tramitação do Projeto de Lei 1.904/2024 na Câmara dos Deputados desencadeou uma onda de comentários e postagens nas mídias sociais, muitos deles com base em desinformação. Bereia recebeu de leitores um vídeo que circula no Instagram que exemplifica essa tendência. O conteúdo apresenta um trecho da gravação de um podcast, gravado em 2023, com o procurador-geral de contas do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Henrique de Cunha Lima, conhecido nos círculos católicos como um ex-evangélico da Assembleia de Deus, convertido.

Imagem: Reprodução Youtube

No vídeo, datado de março de 2023, Lima faz declarações imprecisas sobre o procedimentos de aborto: “Uma injeção de cloreto de potássio que o médico introduz na barriga da gestante e alcança o coração do bebê. Essa agulha penetra no coração do bebê. E quando o cloreto de potássio é injetado na criança e alcança o coração dela, o efeito disso é parar o coração da criança, a criança tem uma parada cardíaca instantânea, e então, óbvio, ela vem a óbito, e se ela for muito grande ela é removida aos pedaços”.

Imagem: Reprodução Instagram

O procedimento descrito por Henrique Lima refere-se à indução à assistolia fetal, técnica que envolve a parada do coração do feto antes da realização do aborto em gestações avançadas. Bereia verificou que esse método era recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em suas diretrizes em 2012, mas que foi retirado na publicação mais recente de 2022. Nos métodos recomendados pelo Ministério da Saúde, publicados em  2011, e no manual da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), de 2015, esse procedimento sequer é citado. 

Esta não é a primeira vez que o procurador-geral de contas do TCE-RJ profere discursos controversos sobre o tema. Em 2020, Lima gravou um vídeo no qual pede a revogação do artigo 128 do Código Penal, que permite o aborto nos casos de estupro e de risco à vida da gestante.

Essa manifestação ocorreu após o caso, amplamente noticiado, de uma criança capixaba, de dez anos de idade, que engravidou após quatro anos de abuso por um familiar. Nesse caso, foi concedido o direito ao aborto legal, por se tratar tanto estupro de vunerável quanto por oferecer riscos à gestante, já que o corpo de uma criança não está desenvolvido o suficiente para suportar uma gravidez.

Imagem: reprodução Facebook

Ao procurar o serviço de para saúde para realizar o procedimento legal, a menina teve a identidade revelada para ativistas contrários ao aborto, com ajuda da então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves. Na ocasião, Henrique Lima afirmou que a decisão monocrática de um médico de “enfiar uma agulha no coração do nascituro” é um absurdo e que esse tipo de “pena de morte” demonstra o “holocausto silencioso” que está ocorrendo.

Bereia apurou que a interrupção da gravidez após a 20ª semana de gestação requer procedimentos específicos. Sem esses, não é possível ocorrer o aborto, pois em outro caso, trata-se de parto prematuro. Em contraste com as declarações do procurador católico, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o aborto um procedimento de saúde seguro e descomplicado quando realizado adequadamente. Segundo a OMS, “as complicações são raras tanto com o aborto farmacológico como no cirúrgico, quando os abortos são seguros – o que significa que são realizados utilizando um método recomendado pela OMS, adequado à idade gestacional, e por alguém com as competências necessárias”. 

Desinformação no Legislativo Federal

Uma audiência no Senado Federal, realizada em 17 de junho, para defender a aprovação do PL 1.904/2024, foi marcada por discursos com forte teor religioso e  informações distorcidas.

A audiência foi convocada e presidida pelo senador de identidade religiosa espírita Eduardo Girão (Novo-CE), que se declarou defensor da “vida desde o momento da concepção”. Durante o evento, os parlamentares presentes fizeram uma série de afirmações falsas sobre o projeto, entre elas a de que o texto não pune menores de idade, ênfase das reações da sociedade civil, na defesa das meninas estupradas, que têm o direito ao aborto concedido desde 1940. Na verdade qualquer menor de idade, se criminalizado, está sujeito a medidas socioeducativas. No caso das meninas, segundo a proposta do PL 1.940, serão criminalizadas por ato infracional análogo a crime. 

O senador Marcos Rogério (PL-RO) e a deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ), da mesma maneira que outros participantes, também acusaram a “grande mídia” de manipulação, por noticiar que a proposta prevê penas maiores para as vítimas de estupro do que para estupradores. A crítica não procede, já que o projeto equipara o aborto ao crime de homicídio, cuja pena (6 a 20 anos) é superior à do estupro (6 a 10 anos), como Bereia já descreveu na parte 1 desta matéria. 

Imagem: Instagram / Reprodução: Agência Lupa

Observou-se que o princípio constitucional da laicidade do Estado foi desrespeitado pelos parlamentares durante a audiência, com seguidas menções religiosas como argumento para a nova legislação defendida. Logo na abertura, o senador Girão invocou o “Deus Criador da vida” e, assim como outros participantes, citou passagens bíblicas. 

A médica endocrinologista Annelise Mota de Alencar Meneguesso, conselheira do Conselho Federal de Medicina (CFM) da Paraíba, participou como convidada e citou o Antigo Testamento da Bíblia para apoiar sua posição antiaborto. Essa abordagem foi exposta pela médica,  após ela expressar que iria se dedicar aos ” aspectos históricos do aborto”.

Durante as mais de sete horas de discussões, a audiência  no Senado, teve 15 dos 17 convidados em posicionamento contrário ao aborto legal, entre eles parlamentares, médicos e representantes religiosos, que desprezaram, nas discussões, a defesa do direitos das mulheres e das crianças. O senador Eduardo Girão chegou a insinuar que mulheres poderiam falsificar alegações de estupro para conseguir um aborto, ao ressaltar que “o que acontece hoje no Brasil é que basta a mulher dizer que foi estuprada, e ela pode não necessariamente estar dizendo a verdade, para a consumação do aborto”.

Girão repetiu o mesmo argumento proferido pelo presidente e pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, em vídeo divulgado nas redes em 15 de junho. Além de acusar mulheres de, supostamente, falsificarem notificações de estupro para terem acesso ao aborto legal, Malafaia parabenizou os deputados Sóstenes Cavalcante e Arthur Lira pela autoria e aprovação de urgência para o PL 1.904/2024. O pastor também culpou “a esquerda”, o presidente da República e a Rede Globo de TV de protegerem assediadores sexuais, desinformação que também foi reproduzida na audiência do Senado Federal.


Imagem: Youtube / Reprodução

Outro fato que marcou o evento no Senado, viralizou nas mídias digitais e foi alvo de muitas críticas, foi a dramatização de um aborto por assistolia fetal, realizada pela contadora de histórias e ex-assessora parlamentar do senador Izalci Lucas (PL-DF), Nyedja Gennari.  Aos gritos,  a atriz simulou as reações de um feto ao procedimento.

Imagem: Instagram / Reprodução

O presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), José Hiran da Silva Gallo participou da audiência no Senado, com posicionamento a favor do PL 1.904/2024. O médico  afirmou que “a autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós, de proteger a vida de qualquer um, mesmo ser humano formado por 22 semanas”. A submissão do PL ocorreu em reação à suspensão de uma Resolução do CFM antiaborto legal pelo Superior Tribunal Federal (STF), como Bereia já tratou na parte 1 desta matéria. 

As declarações de Gallo no Senado e a posição do CFM são criticadas por profissionais da saúde. A Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD) afirmou que o conselho está excedendo suas competências  e classificou como “lamentável” a atuação da entidade. Em abril passado, a ABMMD publicou o “Muda CFM”, manifesto que critica as últimas gestões do CFM, por endossar “medidas distanciadas da evidências científicas”.

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) que não foi convidada para a discussão, “lamentou a maneira como temas relevantes à saúde da mulher vêm sendo tratados nas duas casas do Congresso Nacional”.

Para reforçar estas iniciativas,  deputados do do Partido Liberal (PL), na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, enviaram, aos presidentes da Câmara e do Senado, uma moção de apoio ao PL 1.904/2024 

Qual será o percurso do PL 1904 no Congresso Nacional? 

Caso o PL 1904 seja levado ao plenário da Câmara e aprovado pelos deputados federais, será enviado ao Senado para análise. Se os senadores fizerem alterações na proposta antes de aprová-la, o texto precisará retornar para nova análise na Câmara dos Deputados. 

Se o Senado aprovar o projeto sem mudanças, ele seguirá para a sanção do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lula pode sancionar o projeto como está, vetar partes dele ou vetar o projeto inteiro. Se houver vetos de Lula, o projeto volta para o Congresso, que pode concordar com os vetos em nova votação ou rejeitá-los e promulgar a nova lei. 

Movimentos de mulheres,  com apoio de outros segmentos da sociedade civil, têm articulado ações permanentes para pressionar o presidente da Câmara Arthur Lira para o arquivamento do PL

O Congresso Nacional entra em recesso de 31 dias a partir de 1º de julho.

Referências de checagem:

Agência Lupa.

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2024/06/17/senadores-usam-religiao-e-desinformacao-para-defender-o-pl-do-aborto/ Acesso em 24 de junho de 2024. 

Câmara de Deputados.  
https://www.camara.leg.br/noticias/1071458-projeto-de-lei-preve-penas-de-homicidio-simples-para-aborto-apos-22-semanas-de-gestacao. Acesso em 24 de junho de 2024.
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2434493. Acesso em 24 de junho de 2024.

Uol. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/06/12/camara-aprova-urgencia-de-projeto-que-equipara-aborto-a-homicidio.htm. Acesso em 24 de junho de 2024. 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/06/19/religiosas-denunciam-pl-antiaborto-e-legalizacao-do-odio-contra-mulher.htm. Acesso em 27 de junho de 2024.

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Ordem dos Advogados do Brasil.

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https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-06/manifestantes-vao-as-ruas-contra-projeto-que-equipara-aborto-homicidio-0#. Acesso em 27 de junho de 2024.

Brasil de Fato.

https://www.brasildefato.com.br/2024/06/18/pressionado-lira-afirma-que-pl-que-equipara-aborto-a-homicidio-sera-debatido-no-2-semestre. Acesso em 24 de junho de 2024. 

ICL Notícias.

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Ministério da Saúde.

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.pdf. Acesso em 25 de junho de 2024.

Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.

https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/1905-nota-de-esclarecimento-sobre-a-sessao-no-senado-dia-17-6-24. Acesso em 25 de junho de 2024.

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https://www.cartacapital.com.br/politica/damares-agiu-para-impedir-aborto-de-crianca-de-10-anos-diz-jornal/ . Acesso em 25 de junho de 2024.

Bereia. https://coletivobereia.com.br/deputados-e-midias-gospel-espalham-falsidades-sobre-projeto-de-lei-que-retira-direitos-sobre-aborto-no-brasil/. Acesso em 27 de junho de 2024.

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

https://www.cnbb.org.br/nota-cnbb-pl-1904-2024-debate-aborto/. Acesso em 27 de junho de 2024.

Change

https://www.change.org/p/manifesto-da-frente-de-mulheres-de-f%C3%A9-contra-o-pl-1904-2024-do-estupro-e-estuprador. Acesso em 27 de junho de 2024.

Correio Braziliense.
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/06/6884365-pl-do-aborto-manifestantes-protestam-e-ateiam-fogo-em-boneco-de-lira.html#:~:text=Durante%20o%20ato%2C%20as%20mulheres,que%20haja%20desejo%20da%20mulher. Acesso em 27 de junho de 2024.

Século diário.

https://www.seculodiario.com.br/direitos/dezessete-deputados-estaduais-assinam-mocao-de-apoio-ao-pl-do-aborto#:~:text=Dos%2030%20deputados%20estaduais%20do,Infantil%20ou%20PL%20do%20Aborto. Acesso em 27 de junho de 2024.

Revista Marie Claire.

https://revistamarieclaire.globo.com/politica/noticia/2024/06/quem-e-contadora-de-historias-que-encenou-aborto-no-senado-a-convite-de-girao.ghtml. Acesso em 27 de junho de 2024.

Uol. https://noticias.uol.com.br/colunas/jose-roberto-de-toledo/2024/06/25/pl-do-estupro-custou-r-45-bilhoes-ao-governo.htm. Acesso em 27 de junho de 2024. 

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Foto de capa: Flickr/Câmara dos Deputados

Deputados e mídias gospel espalham falsidades sobre Projeto de Lei que retira direitos sobre aborto no Brasil

O Projeto de Lei 1904/24, conhecido como “PL do Estupro”, “PL do Aborto”, “PL da Gravidez Infantil” tem gerado intensa mobilização nas mídias sociais, nas primeiras semanas de junho de 2024, sob reações de diversas perspectivas. O texto, proposto por 33 parlamentares da Câmara Federal, sob a liderança do deputado evangélicos Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), foi apresentado em 17 de maio, na Câmara dos Deputados. 

O PL visa alterar o Código Penal para equiparar o aborto, realizado após 22 semanas de gestação, ao crime de homicídio, mesmo nos casos permitidos pela legislação atual, como gravidez decorrente de estupro. Os portais de notícias gospel, como Gospel Prime, Guiame, Pleno News e Gospel Mais, passaram a destacar o processo de apresentação do PL, alinhando-se com a agenda dos autores, classificada por eles próprios e por analistas críticos como conservadora. 

Em 12 de junho, a tramitação do projeto ganhou urgência no plenário da Câmara dos Deputados, graças a uma manobra do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Lira aprovou a urgência do PL em apenas 23 segundos, sem permitir a manifestação contrária de deputados opositores. ​Com a urgência aprovada, segundo as regras da Câmara Federal, o PL pode ser debatido diretamente no plenário, sem precisar passar pelas comissões temáticas que discutem detalhadamente os projetos e emitem pareceres, antes de irem a plenário. 

A apresentação do PL vem sendo avaliada  como uma reação de parlamentares ultraconservadores a uma decisão  do Supremo Tribunal Federal (STF), em maio passado, que suspendeu a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia médicos de realizarem a chamada “assistolia fetal” .

A resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) proibia a assistolia fetal em casos de aborto legal após 22 semanas de gestação decorrentes de estupro. O método, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma técnica considerada essencial para a segurança das gestantes, pois minimiza os riscos durante o procedimento de aborto. Segundo o ministro do STF, responsável pelo caso, Alexandre de Morais, a proibição da assistolia fetal representava um risco adicional para a saúde das gestantes que necessitavam do procedimento em circunstâncias já previstas pela legislação, como casos de estupro ou risco de vida para a mulher.

O presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva manifestou-se sobre o caso em 15 de junho, em entrevista coletiva, durante participação em reunião do G20 na Itália. O perfil de Lula (PT) no X, reproduziu fala, em que ele afirma ser, pessoalmente, contra a prática do aborto, mas reconhece que há necessidade de tratar o assunto como um caso de saúde pública. Lula ainda criticou a proposta de punir as mulheres que abortam após um estupro com penas maiores do que as dos estupradores, classificando a medida como uma “insanidade”. 

A proposta de mudança na legislação sobre o aborto no Brasil 

A legislação atual sobre o aborto no Brasil tem raízes no Código Penal de 1940, aprovado durante o Estado Novo (1937-1945), presidido por Getúlio Vargas. O Código Penal passou a permitir a interrupção da gravidez quando há risco de vida para a gestante ou em casos de estupro. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou ação que autorizou a interrupção da gravidez também em casos de anencefalia (má formação do cérebro) do feto. 

Fora dessas exceções, o aborto no Brasil é considerado um crime sujeito a penas de detenção tanto para a gestante quanto para quem realiza o procedimento. Em 2016, no julgamento de um recurso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a de autorização do aborto nos casos de anencefalia  se aplicava também a outras malformações incompatíveis com a vida. 

Nos casos de estupro ou risco à vida da gestante, não há um limite de tempo específico de gestação estabelecido pela lei para que o aborto legal possa ser realizado. 

Para o que estiver fora destas situações e representar aborto por vontade própria, o Código Penal prevê punições como detenção de um a três anos para mulheres que praticam, reclusão de um a quatro anos para médicos ou outras pessoas que realizam o aborto com consentimento da gestante, e reclusão de três a 10 anos para quem provoca aborto sem consentimento da gestante.

Em 2022, no último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde emitiu uma nota técnica, com a recomendação de que o aborto legal fosse realizado apenas até 21 semanas e seis dias de gestação. Essa recomendação não tinha poder de lei e não alterou a legislação vigente no Brasil.

Em 21 de março deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução (Resolução CFM N° 2.378) proibindo médicos de utilizarem a técnica de assistolia fetal em gestações com mais de 22 semanas nos casos de aborto legal permitidos por lei. No entanto, como o CFM não pode agir em desacordo com a legislação, essa norma foi suspensa pelo STF, como já relatado nesta matéria.

A proposta dos 33 deputados federais por meio do PL 1904/24, prevê as seguintes alterações no Código Penal

  • abortos realizados após 22 semanas de gestação, com ou sem o consentimento da gestante, quando há “viabilidade fetal”, serão tratados como homicídio simples. O juiz poderá considerar as circunstâncias individuais para mitigar ou não aplicar a pena. 
  • Revoga-se a não punibilidade em casos de aborto em gravidez resultante de estupro após 22 semanas, diante da “viabilidade extrauterina do feto” equiparando a pena de homicidio simples, que pode chegar a 20 anos. A pena torna-se mais severa do que a aplicada a estupradores, que de acordo com o artigo 213 do Código Penal, pode variar de seis a dez anos de prisão. 
  • Torna-se obrigatória a notificação compulsória à autoridade policial, por parte dos profissionais de saúde, dos casos de interrupção da gravidez decorrente de estupro, sob pena de detenção de seis meses a dois anos. A interrupção da gravidez em casos de estupro só poderá ser realizada até a 22ª semana de gestação, exceto em casos de risco de vida para a gestante.

O termo-chave “viabilidade fetal” foi explicado pelo médico presidente da Comissão de Medicina Fetal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) Mário Burlacchini, em entrevista à Folha de S. Paulo. Ele explica que a viabilidade “é a capacidade do feto viver fora do útero, nascer e ficar vivo — e que esse número depende de cada maternidade e berçário”.  Burlacchini acrescenta que “em geral, na maioria dos hospitais em São Paulo, a viabilidade é entre 24 e 25 semanas, mas depende de cada berçário. Com certeza outros locais do Brasil devem ter uma idade gestacional maior”.

O coordenador no Brasil da Rede Médica pelo Direito de Decidir (Global Doctors For Choice), o médico ginecologista e obstetra Cristião Rosas, também foi ouvido pela Folha de S. Paulo. Ele diz que, para a comunidade médica, o conceito de viabilidade fetal é utilizado em relação a partos prematuros, isto é, quando há necessidade de se adiantar o processo de nascimento, por conta das condições da gravidez, de doenças ou outros motivos de força maior.

Esta noção de viabilidade fetal, segundo Cristião Rosas, é utilizada na medicina para orientar a adequação nos cuidados intensivos neonatais, mas deve ser entendida como um último recurso porque prematuros possuem maiores riscos de sequelas e complicações, como as cardiológicas e respiratórias por conta da não formação completa.

Por isso, segundo o médico, ao se referir à legislação de aborto, a questão muda, e o termo não cabe. “Quando falamos em viabilidade fetal pensamos num parto prematuro e espontâneo em que existe um equilíbrio no desejo da mãe em relação ao interesse pelo bebê, então esse conceito não funciona para aborto induzido”, diz Rosas. Para ele, as 22 semanas de um feto são classificadas como prematuridade extrema. Cerca de 26, como prematuridade intermediária, e 37 como “a termo”, ou seja, com menores riscos de sequelas. 

A inclusão da noção de viabilidade fetal no PL 1904, para o médico obstetra, facilita a confusão sobre o tema. “Isso leva a uma banalização perigosa sobre os danos da prematuridade”, afirmou à Folha de S. Paulo.

O perfil dos autores do PL 1904/24

O projeto, que até 18 de junho passado contava com a proposição de 33 parlamentares, após o alto volume de manifestações contrárias da sociedade civil, recebeu a adesão de mais assinaturas proponentes. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) solicitou à Mesa Diretora da Câmara, naquela data, a inclusão de novos autores no documento. 

Na lista de proponentes, todos estão no espectro político da direita e centro-direita. Em termos de equidade, especialmente no caso de Projeto de Lei 1904/24, que altera legislação que infere diretamente em pessoas com útero,  são apenas 12 mulheres, enquanto 43 são parlamentares do sexo masculino.

 

PARLAMENTARPARTIDOIDEOLOGIARELIGIÃO POR AUTOIDENTIFICAÇÃOVINCULAÇÃOGÊNERO
AbílioPL – MTDireitaCristãIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Adilson BarrosoPL – SPDireitaCristãNão identificadaMasculino
André FernandesPL – CEDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Bia KicisPL – DFDireitaCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Bibo NunesPL – RSDireitaCristãNão identificadaMasculino
Cabo Gilberto SilvaPL – PBDireitaNão identificadaNão identificadaMasculino
Capitão AldenPL – BADireitaEvangélicaSem denominaçãoMasculino
Carla ZambelliPL – SPDireitaCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Coronel AssisUNIÃO – MTDireitaCristãNão identificadaMasculino
Coronel ChrisóstomoPL – RODireitaCristãIgreja CatólicaMasculino
Coronel FernandaPL – MTDireitaEvangélicaAssembleia de DeusFeminino
Cristiane LopesUNIÃO – RODireitaEvangélicaIgreja Santa GeraçãoFeminino
Dayany do CapitãoUNIÃO – CEDireitaCristãIgreja Evangélica não identificadaFeminino
Delegado CaveiraPL – PADireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Delegado Eder MauroPL – PADireitaCristãNão identificadaMasculino
Delegado Fabio CostaPP – ALDireitaCristãNão identificadaMasculino
Delegado PalumboMDB – SPCentroCristãIgreja CatólicaMasculino
Delegado Paulo BilynskyjPL – SPDireitaNão identificadaNão identificadaMasculino
Delegado RamagemPL – RJDireitaCristãNão identificadaMasculino
Dr. FredericoPATRIOTA – MGDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Dr. Luiz OvandoPP – MSDireitaCristãIgreja Batista KairósMasculino
Eduardo BolsonaroPL – SPDireitaCristãComunidade Batista do Rio de JaneiroMasculino
Ely SantosREPUBLICANOS – SPDireitaNão identificadaNão identificadaFeminino
Eros BiondiniPL – MGDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Evair de MeloPP – ESDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Filipe BarrosPL – PRDireitaEvangélicaIgreja Presbiteriana do BrasilMasculino
Filipe MartinsPL – TODireitaEvangélicaAssembleia de Deus MadureiraMasculino
Franciane BayerREPUBLICANOS – RSDireitaCristãIgreja Internacional da Graça de DeusFeminino
Fred LinharesREPUBLICANOS – DFDireitaCristãNão identificadaMasculino
General GirãoPL – RNDireitaCristãNão identificadaMasculino
Gilvan O Federal da DireitaPL – ESDireitaCristãIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Greyce EliasAVANTE – MGCentroCristãNão identificadaFeminino
Gustavo GayerPL – GODireitaCristãNão identificadaMasculino
José MedeirosPL – MTDireitaEvangélicaIgreja Presbiteriana do BrasilMasculino
Julia ZanattaPL – SCDireitaCristãNão identificadaFeminino
Junio AmaralPL – MGDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Lêda BorgesPSDB – GOCentroCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Marcelo MoraesPL – RSDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Marcos PollonPL – MSDireitaCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Mario FriasPL – SPDireitaCristãNão identificadaMasculino
Mauricio MarconPODE – RSDireitaCristãNão identificadaMasculino
Messias DonatoREPUBLICANOS – ESDireitaEvangélicaIgreja do Evangelho QuadrangularMasculino
Nikolas FerreiraPL – MGDireitaCristãComunidade Evangélica Graça e PazMasculino
Pastor DinizUNIÃO – RRDireitaEvangélicaAssembleia de DeusMasculino
Pastor EuricoPL – PEDireitaEvangélicaAssembleia de DeusMasculino
Paulo Freire da CostaPL – SPDireitaEvangélicaAssembleia de Deus Ministério BelémMasculino
Rafael PezentiMDB – SCCentroCatólicaIgreja CatólicaMasculino
Rodolfo NogueiraPL – MSDireitaCristãNão identificadaMasculino
Rodrigo ValadaresUNIÃO – SEDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaMasculino
Sargento FahurPSD – PRCentroNão identificadaNão identificadaMasculino
Sargento GonçalvesPL – RNDireitaCristãIgreja BatistaMasculino
Silvia WaiãpiPL – APDireitaEvangélicaIgreja Evangélica não identificadaFeminino
Simone MarquettoMDB – SPCentroCatólicaIgreja CatólicaFeminino
Sóstenes CavalcantePL – RJDireitaEvangélicaAssembleia de Deus Vitória em CristoMasculino
Zé TrovãoPL – SCDireitaNão identificadaNão identificadaMasculino
Fonte: Instituto de Estudos da Religião. Plataforma Religião e Poder (www.religiaoepoder.org.br)

O deputado líder do PL e a propagação de desinformação

Pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e teólogo, Sóstenes Silva Cavalcante é deputado federal pelo Partido Liberal (PL) do Rio de Janeiro, eleito em 2022, em sua terceira filiação partidária. Assumiu seu primeiro mandato em 2015, filiado ao PSD e, em seguida, foi reeleito para um segundo, que se estendeu de 2019 a 2022, pelo DEM. Desde o primeiro mandato tornou-se conhecido como afilhado do pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia.

Em 2015, Sóstenes Cavalcante foi eleito presidente da Comissão Especial, criada na Câmara para analisar o Projeto de Lei  6583/13, denominado Estatuto da Família. O PL havia sido proposto por Anderson Ferreira (PR-PE), arquivado com o fim da legislatura anterior, mas desarquivado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).  O PL, que ainda tem tramitação aberta na Câmara, propõe uma lei que define   família como a união entre um homem e uma mulher.
Bereia já checou várias afirmações e publicações desinformativas de Sóstenes Cavalcante. No ano do lançamento do site Bereia, 2019, foi publicada matéria sobre a divulgação feita pelo deputado de uma declaração falsa atribuída à Organização Não Governamental (ONG) Greenpeace. Originalmente compartilhada pelo Pastor Silas Malafaia, a publicação acusava o Greenpeace de recusar ajuda na limpeza de óleo vazado em praias do Nordeste, por falta de conhecimento e equipamentos. No entanto, o vídeo compartilhado era uma edição deturpada de uma declaração do Greenpeace. 

Thiago Almeida, ativista da ONG, que desmentiu a distorção, confirmou que voluntários da organização estavam atuando na limpeza das praias afetadas, embora ressaltasse a necessidade de técnicas e equipamentos específicos para combater o óleo derramado. A versão editada do vídeo foi compartilhada pelo deputado e pelo Ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles, para criticar a Greenpeace, . Além disso, o portal Aos Fatos também classificou o vídeo como falso.

Imagem: Coletivo Bereia / Reprodução

Neste junho, cinco anos depois daquela e de outras 15 checagens, Bereia verificou mais um vídeo do deputado Sóstenes Cavalcante, com informações falsas  em resposta a uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, que abordou o Projeto de Lei 1904/24. Na gravação, eleafirmou que existe uma “indústria mundial do aborto” financiada pelo milionário George Soros e proferiu mentiras sobre o uso de fetos em cosméticos. Estas afirmações foram desmentidas por veículos como a Folha de São Paulo e Aos Fatos, que as classificaram como teorias conspiratórias infundadas. 

Imagem: Coletivo Bereia / Reprodução

Parlamentares desinformam nas redes digitais

O PL 1904 gerou debates nos espaços do Congresso Nacional e também nas mídias sociais de parlamentares. Em levantamento realizado pelo Bereia em publicações no X (antigo Twitter), até a data de fechamento desta matéria, foi observado que os deputados Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF) e Nikolas Ferreira (PL-MG), todos coautores do PL publicaram em suas páginas pessoais comentários sobre o tema, com 29 publicações totais. O pico de atividade ocorreu entre os dias 11 e 13 de junho, que incluiu o momento da votação do pedido de urgência na Câmara, no dia 12.

Já foi destacado nesta matéria o vídeo publicado pelo deputado Sóstenes Cavalcante em que afirma que “Há uma indústria mundial liderada por (…) George Soros, um milionário americano que patrocina mundo afora o aborto (…) Sabe por quê? Porque eles vivem de empresas também que dependem do feto humano para fabricar cosméticos”. 

Fonte: Instagram / Reprodução: Aos Fatos

O deputado Eli Borges (PL-TO), autor do pedido de urgência e presidente da Frente Parlamentar Evangélica, argumentou que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a partir das 22 semanas de gestação, o aborto é considerado assassinato de criança porque o feto poderia sobreviver fora do útero da mãe. 

Bereia verificou que Borges apresenta um argumento falso, sem qualquer referencial, pois a OMS não define aborto como assassinato em nenhuma circunstancia, além de que não há consenso global de quantas semanas seriam necessárias para precisar a viabilidade fetal, ou seja, a capacidade de sobreviver fora do útero. 

Desinformação em portais cristãos

Portais de notícias gospel, como o Pleno News, Guiame e Gospel Prime, têm publicado uma série de matérias em defesa do Projeto de Lei (PL) 1.904/2024. O Pleno News, entre os dias 12 e 15 de junho, disponibilizou quatro matérias desinformativas, com notícias falsas ou que desviam do assunto principal. Nelas é afirmado que a esquerda está mentindo contra o PL, sem dados comprobatórios da assertiva, e que deputados que defendem o PL teriam sofrido ataques de hackers, o que também não tem elementos factuais. Também há destaque para declarações em ataque  ao presidente da República, que são desprovidas de caráter informativo – são opiniões. 

Imagem: Pleno News / Reprodução

O portal Guiame publicou matéria que contrapõe o apelido de “PLdo estupro” com “PL da vida”, e rebate as críticas à proposta, sem apurar as controvérsias como o risco dos abortos tardios e a criminalização de meninas e dos profissionais da saúde que realizam o procedimento. 

Imagem: Guiame / Reprodução

O Gospel Prime, em duas matérias publicadas como notícia, opina sobre autoridades do governo federal. As declarações públicas do presidente Lula (PT) sobre o PL 1904/24, foram classificadas como distorcidas do objetivo do projeto de “punir o assassinato de bebês em ventre materno após o período de formação da criança”. Esse tipo de afirmação desinforma pois é contrária às diretrizes da OMS sobre abortos e não há consenso na comunidade médica quanto ao período de formação de uma criança. 

O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania Silvio Almeida, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima Marina Silva foram criticados pelo Gospel Prime por terem se manifestado contra o projeto em seus perfis de mídias digitais. Marina Silva foi destacada de forma pejorativa/opinativa como a  “que se apresentava como evangélica”.

Imagem: Gospel Prime/Reprodução

Bereia verificou que, como outros integrantes do governo federal, a ministra Marina Silva tornou pública uma crítica aos políticos proponentes do PL, de instrumentalizar um tema complexo, sem considerar os direitos e a dignidade das mulheres. Ela criticou o PL por ser “altamente desrespeitoso e desumano”, apesar de ela se declarar, pessoalmente, contra o aborto. Na mesma linha, o ministro Silvio Almeida afirmou que o Projeto de Lei é “vergonhosamente inconstitucional” e fere os princípios da dignidade humana. 

A linguagem que desinforma e confunde

Boa parte do conteúdo que tem falsidades e enganos sobre o tema do aborto, que circula em ambientes digitais, recorre ao discurso do medo para ganhar atenção e gerar compartilhamentos. De acordo com a Doutora em Linguística Jana Viscardi, a maneira como se fala sobre direitos reprodutivos e sobre aborto contribui significativamente para criar pânico em torno da questão. A pesquisadora destaca que “a extrema direita sabe muito bem usar apenas a palavra bebê, justamente para gerar indignação e pânico. Para convencer as pessoas de que aborto é desumano, homicídio”. 

Jana Viscardi alerta que é um erro chamar de “bebê” o objeto do aborto e que é importante usar os termos corretos. A professora explica que primeiro, há um embrião, depois, um feto; assim que nasce, um recém-nascido; 28 dias depois, é que existe um bebê. Nesse sentido, a mulher não aborta um bebê, pois um bebê, para existir, precisa ter passado pelas etapas anteriores, ter saído do útero e vivido seus primeiros dias. 

Viscardi também ressalta que “nenhuma mulher é mãe até que escolha ter uma criança. Gravidez não é sinônimo de maternidade. Embrião e feto são estágios que antecedem a existência do bebê. E não são a mesma coisa”. Para a pesquisadora, o uso do termo que não cabe “bebê” é feito para causar emoção e provocar pânico de morte.

Além disso, Viscardi chama a atenção para a questão da “viabilidade fetal” mencionada no PL 1904, sobre a qual não há uma conclusão definitiva e divergências entre médicos na compreensão da questão. 

O uso inadequado dos termos nas discussões públicas sobre aborto leva a uma comoção pública pautada “em um discurso torto, feito justamente para causar desinformação. O embate com a extrema-direita é também um embate discursivo, e ter atenção à linguagem utilizada é fundamental nesse contexto”, orienta Jane Viscardi.

***

Foto de capa: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Para defender projeto contra o aborto, deputado evangélico mente e espalha o terror

* Matéria atualizada 19/06 para correção de informação.

O deputado federal evangélico Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) publicou uma série de mentiras usadas por teorias de conspiração ao redor do mundo, em reação à reportagem do Fantástico que tratava sobre o Projeto de Lei 1904.  O PL qualifica como homicídio qualquer forma de aborto após 22 semanas de gestação, incluída a permitida por lei, como nos casos de vítimas de estupro.

Cavalcante é um dos 32 parlamentares autores do texto que causou controvérsias por conta da criminalização de mulheres e de profissionais de saúde, e acabou apelidado do “PL do Estupro”. A aprovação da urgência do projeto, conseguida com o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), para que fosse direto para votação ao plenário sem passar pelas comissões temáticas da casa, também gerou indignação popular.

Mulheres realizaram atos em várias cidades do país contra o PL 1904, entre 13 e 16 de junho, indignadas com a criminalização e a retirada de direitos já concedidos em relação aos seus corpos, em especial de crianças e adolescentes, as maiores vítimas de estupros no Brasil. Milhares delas foram às ruas empunhando placas com dizeres como “Criança não é mãe”, “Não ao PL do estupro” e “Não ao PL da gravidez infantil”. Entre elas estavam mulheres de diferentes igrejas cristãs, católicas e evangélicas.

O vídeo, publicado em suas mídias sociais, em 17 de junho passado, viralizou em diversos grupos de pastores, conforme monitoramento do Bereia. Sóstenes Cavalcante publicou o vídeo no contexto dos protestos públicos contra o PL, cuja apresentação ocorreu sob sua liderança. 

Atos na Cinelândia, no Rio, Avenida Paulista, em São Paulo, e Jaraguá, em Maceió. Imagens: Reprodução das mídias sociais

No vídeo gravado, o parlamentar declara que “há uma indústria mundial, liderada por um senhor chamado George Soros, um milionário americano que patrocina mundo afora o aborto, o assassinato de bebês indefesos”. Para o autor da PL, a campanha contra a votação do projeto seria uma “cortina de fumaça de movimentos ‘abortistas e esquerdistas’”. 

Contudo, por se tratar de mentiras já amplamente checadas, diversos veículos de comunicação e agências de checagem publicaram o desmentido. Por isso, Bereia traz aqui um compilado de apurações para leitores e leitoras.

Comprova, Folha e Aos Fatos desmentem conteúdo do vídeo

A Folha de São Paulo repercutiu a checagem do Projeto Comprova, parceiro do Bereia em 2020. O Comprova explica que o bilionário húngaro, de origem judaica, que atua em causas filantrópicas, George Soros é frequentemente envolvido em teorias conspiratórias, principalmente produzidas pela extrema-direita, com conotações antissemitas. Para se ter ideia, o filantropo já foi acusado incorretamente de promover a “crise” migratória na Europa e nos Estados Unidos, de ser um ex-combatente nazista e de participar de grupos como os Maçons e os Illuminati. No Brasil, circularam boatos de que Soros financiaria o PSOL e o movimento #EleNão contra Jair Bolsonaro, ambos desmentidos.

Quanto à mentira sobre fetos humanos serem utilizados em cosméticos, a Folha explica que o deputado fez uma montagem para enganar o público. Ele utilizou de uma imagem do livro “Babies for Burning”, de 1974, cujo autor propagava o boato. Porém, o deputado omitiu que a informação foi desmentida poucos anos depois. Ainda, para engrossar a mentira, o integrante da Bancada Evangélica utilizou vídeos manipulados e já desmentidos, sobre a venda de órgãos de fetos abortados que nunca existiu.

A plataforma jornalística Aos Fatos também publicou um desmentido. Ela afirma que o deputado se baseia em reportagens antigas e denúncias falsas sobre organizações de direitos reprodutivos no Reino Unido e nos Estados Unidos para sugerir que existe uma indústria mundial que utiliza fetos abortados na produção de cosméticos. 

Estas ações nasceram de um site ligado a grupos que utilizavam a desinformação para obter vantagens políticas. Antes mesmo do parlamentar soltar o vídeo mentiroso, Ao Fatos apurou que o texto do “PL do aborto” foi copiado, na íntegra, do site Alfarrabios que divulga conteúdos negacionistas e que teve como um dos sócios dois ex-alunos de Olavo de Carvalho.

Sóstenes Cavalcante “inaugura” o site do Bereia

Não é de hoje que o deputado e pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia, utiliza falsidades em sua atuação política. Cavalcante foi objeto de checagem no dia do lançamento do site do Bereia, em 31 de outubro de 2019. Ele “estreou” quando passou adiante um vídeo enganoso que atacava a ONG Greenpeace na ocasião de um vazamento de óleo no litoral nordestino. Desde então, ele é figura em 15 checagens feitas pelo Bereia.

Em 2023, o parlamentar se notabilizou pela atuação contra o Projeto de Lei 2630/2020, que tratava da regulação das plataformas sociais e com isso impedir a farta disseminação de notícias falsas. Para Sóstenes Cavalcante, responsabilizar as empresas de tecnologia pela circulação de conteúdo falso e de ódio seria uma espécie de censura. Na ocasião, como líder da bancada evangélica na Câmara, Cavalcante celebrou o adiamento da votação e arrancou aplausos da base evangélica e da extrema-direita.  No início deste ano, o político publicou uma montagem enganosa sobre desfile da escola de samba paulistana Vai-Vai com críticas enganosas sobre a Lei Rouanet, uma das mais utilizadas como desinformação pela extrema-direita.

Referências

Bereia https://coletivobereia.com.br/sostenes-cavalvante-retuita-postagem-com-declaracao-falsa-atribuida-a-ong-greenpeace/ Acesso em 18 junho de 2024

Fantástico https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/06/16/pl-sobre-aborto-em-tramitacao-acelerada-na-camara-provoca-debate-intenso-e-divide-opinioes.ghtml Acesso em 18 junho de 2024

O Globo https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/06/14/pl-do-aborto-mobiliza-a-sociedade-e-leva-protestos-as-ruas-em-meio-a-silencio-do-governo-lira-sinaliza-recuo.ghtml Acesso em 18 junho de 2024

Folha 

https://www1.folha.uol.com.br/webstories/cultura/2020/07/quem-e-george-soros Acesso em 18 junho de 2024


Lupa

https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/05/02/oposicao-trata-adiamento-de-votacao-do-pl-2-630-como-vitoria-contra-governo Acesso em 18 junho de 2024

Projeto Comprova

https://projetocomprova.com.br/publica%C3%A7%C3%B5es/entenda-por-que-o-nome-de-george-soros-aparece-em-diversas-teorias-da-conspiracao Acesso em 18 junho de 2024

Aos Fatos

https://www.aosfatos.org/noticias/pl-do-aborto-sostenes-recicla-mentira-fetos-industria-cosmeticos Acesso em 18 junho de 2024

Foto de capa: Pedro Valadares/Câmara dos Deputados