Projeto de anistia do 8 de janeiro avança com apoio da Frente Evangélica; veja quem são

O Projeto de Lei que propõe anistiar participantes dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 deu um passo decisivo neste 14 de abril, ao ter seu pedido de urgência protocolado na Câmara dos Deputados com 262 assinaturas válidas — número suficiente para que o texto seja levado ao plenário. O avanço da proposta contou com forte apoio da Frente Parlamentar Evangélica, responsável por quase 60% das assinaturas.

O PL 2858/2022 propõe anistia ampla a manifestantes, organizadores, financiadores e apoiadores de protestos ocorridos entre 30 de outubro de 2022 e a data de promulgação da eventual lei, incluindo os atos golpistas que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília – o que, na prática, tornaria impunes acusados por crimes graves relacionados à tentativa de golpe de Estado.

Entre os 160 parlamentares da Frente Evangélica que assinaram o requerimento de urgência está um dos réus no processo sobre os atos golpistas. Trata-se de Alexandre Ramagem (PL-RJ) se tornou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado e responde por cinco crimes: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração do patrimônio público tombado.

Também assinaram o requerimento outros deputados evangélicos com pendências judiciais: Silvia Nobre Waiãpi (PL-AP), que teve o mandato cassado pelo STF em julgamento sobre a distribuição das sobras eleitorais –mas ainda não perdeu o mandato devido a um pedido da Câmara – e Pastor Gil (PL-MA), réu por suspeita de cobrar propina em troca da liberação de emendas parlamentares.

Para o líder do Partido Liberal deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo liderada pelo pastor Silas Malafaia, o projeto representa um gesto de justiça em nome de cidadãos que estão sofrendo “perseguição”. Já os opositores ao projeto apontam que a proposta busca, na verdade, proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro e membros das Forças Armadas atualmente investigados por participação ou omissão no planejamento dos atos de 8 de janeiro.

O vice-líder do governo federal na Câmara, deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), avalia que a manobra revela o medo do PL perder apoio. 

“Alguns deputados retiraram suas assinaturas do projeto e, com medo de perder apoio, o PL correu para impedir novas desistências. Sóstenes, então, protocolou um pedido de urgência de votação — o que trava o processo e pressiona o presidente da Câmara a pautar o tema”, publicou em sua conta no X. 

O deputado evangélico de esquerda, da Igreja Batista do Caminho, também entende que, se sancionada, “a proposta pode beneficiar quem atacou a democracia com atos de violência, depredação e tentativa de golpe”.

Ex-presidente do STF diz que Congresso não pode conceder anistia a golpistas

As críticas de aliados do governo se unem às avaliações de alguns ministros do STF  que consideram inconstitucional o projeto de anistia defendido pelo PL. Em entrevista ao Blog da Andreia Sadi, eles argumentam que a proposta fere os incisos 43 e 44 do artigo 5º da Constituição, que proíbem anistia para crimes como terrorismo e ações armadas contra o Estado. 

Esse também é o entendimento do ex-ministro da Justiça Celso de Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal no biênio 1997–1999. O decano afirmou que o projeto fere cláusulas pétreas da Constituição e busca usurpar o papel do Judiciário. 

“Conceder anistia a quem perverte a democracia e subverte o Estado de Direito traduz ato que afronta e dessacraliza, uma vez mais, a soberana autoridade da Constituição da República”, escreveu em artigo publicado pelo ICL Notícias.

Para Celso de Mello, o Congresso Nacional não pode exercer seu poder de legislar, em matéria de anistia, nos seguintes casos:

  1. Quando a Constituição já exclui expressamente a possibilidade de anistia, como nos casos de tortura, racismo, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e delitos a estes equiparados (art. 5º, XLIII).
  2. Quando há desvio de finalidade, como ocorre no PL 2858/2022, ao tentar transformar o Congresso em instância revisora das decisões do STF.
  3. Quando há violação ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea da Constituição.
  4. Quando busca beneficiar quem atentou contra o Estado Democrático de Direito, também protegido por cláusula pétrea implícita.

O ministro relembrou ainda as cenas de vandalismo de 8 de janeiro, como a destruição do busto de Ruy Barbosa no Supremo Tribunal Federal, que permanece danificado como memorial do ataque. “A brutalidade vitimou a Justiça e ofendeu o grande patrono dos advogados brasileiros”, afirmou.

Quase 30% dos réus já tiveram penas perdoadas

Ao menos 546 pessoas que se tornaram rés por incitação aos atos golpistas de 8 de janeiro firmaram acordos com a Procuradoria-Geral da República (PGR) para evitar uma condenação penal formal. Os dados mais recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) mostram que, entre os 1.604 réus identificados nas ações penais, cerca de 30% optaram pelo chamado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).

Esses acordos são oferecidos pela PGR a pessoas acusadas por crimes menos graves — como incitação ao crime ou associação criminosa simples — desde que não envolvam violência ou grave ameaça e a pena mínima seja inferior a quatro anos.

Para firmar o ANPP, os réus precisam confessar o crime, pagar uma multa (que pode variar entre R$ 5 mil e R$ 50 mil) e cumprir medidas como a prestação de serviços comunitários e a proibição de uso de redes sociais. Em contrapartida, os processos são suspensos e arquivados caso os termos sejam cumpridos integralmente, ou seja, são perdoados. Também é obrigatório assistir ao curso “Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado”, criado pela PGR, com duração de 12 horas.

Outros 237 réus recusaram a proposta da PGR e acabaram condenados a um ano de reclusão — pena que, embora substituída por sanções alternativas, gera antecedentes criminais.

Os ministros do STF André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ambos indicados à Corte pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, têm votado pela absolvição em diversos casos. Já o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, tem sustentado a tese de que “mesmo após os atos de 8 de janeiro de 2023, o réu permaneceu no acampamento, resultando em sua prisão em flagrante em 9 de janeiro”, o que, segundo ele, comprova “a adesão à finalidade golpista e antidemocrática, que visava à abolição do Estado de Direito”.

Até o momento, o Supremo já registra 500 condenações relacionadas ao 8 de janeiro. Os réus que cometeram crimes mais graves, como tentativa de golpe de Estado ou depredação dos prédios dos Três Poderes, não têm direito a acordos e vêm recebendo penas que chegam a 17 anos de prisão.

Caso o PL 2858/2022 seja aprovado no plenário da Câmara Federal, todos os inquéritos e processos poderiam ser anulados, inclusive os que envolvem militares e financiadores ainda em liberdade. O texto do substitutivo não impõe qualquer condição para a anistia, como admissão de culpa, ressarcimento de danos ou pedido de perdão público.

Maioria da população rejeita anistia 

Apesar do avanço do projeto na Câmara, a proposta de anistia enfrenta rejeição da maioria da população brasileira. Segundo levantamento da Quaest, divulgado em abril, 56% dos entrevistados se declaram contrários à anistia para os envolvidos nos ataques de 8 de janeiro, enquanto apenas 34% são favoráveis. 

A rejeição é especialmente alta entre eleitores do presidente Lula (77%) e pessoas sem religião (66%). Já entre os evangélicos, há uma divisão mais equilibrada, com 42% favoráveis à anistia e 48% contrários, o que ajuda a explicar o apoio significativo de parlamentares ligados a esse segmento ao projeto. 

A pesquisa também mostra que quase metade da população (49%) acredita que Jair Bolsonaro participou do planejamento dos atos, reforçando a percepção de que o PL da anistia busca proteger não apenas manifestantes, mas lideranças políticas envolvidas na tentativa de Golpe de Estado.

Deputados da Frente Parlamentar Evangélica que assinaram o requerimento de urgência: