A Teologia Coaching vende a ilusão do sucesso à sociedade do desempenho adoecida

* Entrevista publicada originalmente no site do Instituto Humanitas Unisinos

Uma teologia fundamentada em versículos bíblicos aleatórios, desprovida de hermenêutica e de exegese, que promove espiritualidades deturpadas, alheias às necessidades dos empobrecidos, mas que consegue mobilizar milhões de brasileiros. Essa é a Teologia Coaching, um desdobramento da Teologia da Prosperidade.

Valendo-se de discursos sedutores, que usam termos como autorrealização, autoconhecimento, mindset, empreendedorismo e superação, trata-se de uma teologia em que seus líderes “pregam uma mensagem de dominação e controle sobre todas as esferas da sociedade, inclusive e principalmente a política”. A afirmação é do pesquisador Ranieri Costa, autor do livro Teologia Coaching: A ilusória ideologia de que nascemos só para vencer (Fonte Editorial, 2024).

instrumentalização da fé pela política abre espaço para o surgimento de figuras como Tiago Brunet e Pablo Marçal, que “tentam estabelecer um novo modelo de vida cristã, que é aquele vivido essencialmente longe da comunidade religiosa; sem a leitura e interpretação do texto sagrado, portanto vazio de hermenêutica”, destaca o jornalista. Também pastor evangélico e teólogo, Costa explica que esses sujeitos “tentam incutir na mente das pessoas que viver o Evangelho é acumular e ostentar patrimônio financeiro aqui na terra”. O que, na visão do entrevistado, não é “nada mais distante dos ensinos de Jesus”. Segundo aponta, “a mensagem do Evangelho é libertadora em todos os aspectos, inclusive, no que diz respeito à nossa consciência e autonomia política”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Ranieri Costa também destaca a violência incutida no léxico dos coaches. “Em sua lógica discursiva, o sujeito que não alcança o sucesso é o único culpado pelo seu fracasso […] levando a uma sobrecarga de culpa descomunal”, pontua.

IHU – O que é e o que explica a emergência do que o senhor chama de “teologia coaching”?

Ranieri Costa – A teologia coaching é, de maneira bem objetiva, uma evolução da teologia da prosperidade. O método coaching, muito banalizado nos últimos anos por influenciadores digitais, foca especialmente no desenvolvimento pessoal e no alcance de uma alta performance para todas as áreas da vida. O discurso que classifico como teologia coaching é aquele que faz uso dessas técnicas de treinamento, com uma estética religiosa, repleto de elementos de sincretismo religioso, abraçado a promessas de prosperidade imediata e ininterrupta.

prosperidade no discurso da teologia coaching é algo inescapável para todos que estiverem fazendo a mentalização correta. O problema é que para isso, você vai precisar sair comprando um curso atrás do outro, uma palestra após a outra, num looping infinito e quem acaba enriquecendo de verdade é o emissor desta mensagem que é uma completa perversão do Evangelho.

IHU – Olhando em perspectiva histórica recente, a teologia coaching parece estar associada à teologia da prosperidade, que foi durante um certo tempo objeto de intenso interesse dos estudos teológicos. Quais são as semelhanças e as diferenças entre essas duas vertentes teológicas?

Ranieri Costa – Exato. As semelhanças são óbvias, sendo a principal: a pregação de uma mensagem que promete enriquecimento financeiro como sinal da bênção de Deus. No que tange às diferenças, menciono duas mais latentes:

a) A teologia da prosperidade era analógica, já a teologia coaching, é digital, com isso a velocidade e o potencial do alcance e a influência exercida com a ajuda dos algoritmos são completamente diferentes da mensagem que se difundia tradicionalmente na TV e no rádio.

b) A teologia da prosperidade barganhava com Deus, ou seja, para prosperar era necessário, naquela lógica discursiva, ser generoso e constante nos dízimos e ofertas feitas para a igreja, obedecer o pastor, não esconder nenhum pecado etc. Dessa forma, Deus ainda era o agente abençoador do fiel. A benção estava condicionada, é verdade, mas ainda assim, o poder da benção da prosperidade emanava de Deus. Já a teologia coaching faz um caminho bem diferente, afinal, em seu discurso, tudo o que o sujeito precisa para prosperar e atingir o sucesso está dentro dele. Ele é tudo de que ele mesmo precisa. Os sujeitos da teologia coaching são deuses de si. Narcísicos. E o Deus bíblico é apenas um amuleto, alguém que assiste a alta performance deste sujeito que tem toda sua fé depositada apenas em si.

IHU – Por que a ideia de que “nascemos só para vencer” é perigosa? Até que ponto ela é teológica e a partir de que momento ela se torna um delírio?

Ranieri Costa – Ela é perigosa porque visa convencer as pessoas que a derrota, a perda, a dor, a fraqueza, é algo que pode ser superado apenas com o poder da mente. Ela é absolutamente delirante e vazia de qualquer base teológica bíblica minimamente racional e coerente. É um completo delírio considerar que a vitória, a prosperidade e o sucesso é algo inescapável para a existência humana. Pregar isso é uma imensurável crueldade. A base da fé cristã está na vida, ministério, morte e ressurreição de Jesus que, em nenhum momento ensinou sobre enriquecer, mentalizar positivamente, atingir o sucesso ou qualquer outra imbecilidade destas, ao contrário, seus ensinos, bem como dos profetas que o antecederam e dos apóstolos que propagaram sua mensagem, apontam para a realidade de que desejar acumular riquezas na terra é, além de algo que leva a loucura, também pecado.

IHU – Em que sentido o discurso da teologia coaching se organiza a partir de uma dinâmica de violência?

Ranieri Costa – Byung-Chul Han vai dizer que a sociedade do desempenho é estimulada uma experiência de positividade excessiva que a faz rejeitar toda e qualquer negatividade da existência humana e projetar sobre si uma descomunal cobrança para que se atinja o tal desempenho que leva ao sucesso. Pois bem, a teologia coaching é violenta porque, em sua lógica discursiva, o sujeito que não alcança o sucesso é o único culpado pelo seu fracasso, desconsiderando todos os fatores sociais, emocionais e políticos que cercam este mesmo sujeito, além de ignorar que a mensagem entregue para ele é mentirosa.

Dessa forma, primeiro o emissor desse discurso (o pregador coaching) comete violência em exigir um desempenho “trabalhe enquanto eles dormem” de seu mentorado e, por fim, o próprio aluno violenta a si mesmo, quando passa a aplicar essa cobrança, que desconsidera todas as negatividades e impedimentos naturais da vida humana. Ou seja, estas pessoas primeiro são vítimas do pregador/palestrante/influencer e posteriormente são algozes de si mesmo. O final disso é uma sobrecarga de culpa descomunal que aumenta ainda mais o ciclo de violência.

IHU – Ao longo de seu mestrado você estudou dois influencers que possuem grande penetração social: Tiago Brunet e Pablo Marçal. Embora o segundo tenha se notabilizado nacionalmente nas últimas eleições municipais de São Paulo, gostaria que você explicasse quem são esses personagens? No que se assemelham e se diferenciam?

Ranieri Costa – Tiago Brunet era um pastor que tinha uma rotina de pregador itinerante até se enveredar por esse caminho dos coaches. Em determinado momento ele percebe que havia público se fizesse a junção de pregação com coaching. Seu discurso, livros e cursos sempre estiveram majoritariamente voltados para “ensinar” as pessoas prosperarem.

Pablo não era pastor, embora cresceu na igreja evangélica, tendo passado longo período na Igreja da Videira, em Goiânia, uma igreja neopentecostal que já tinha esse apelo para prosperidade financeira. Sonhava em ser pastor, mas, decidiu fazer o caminho do coaching e também fez essa mistura de pregação evangélica com Programação Neurolinguística – PNL e coaching. Sua ênfase é a venda de cursos que supostamente ensinam o caminho para a prosperidade.

Marçal sempre teve ambições políticas, Brunet nem tanto. Contudo, acredito que não só Brunet, mas também outros “pregadores coaches” devem participar ativamente do pleito eleitoral de 2026, motivados pelo próprio Marçal e pela visibilidade e potencial de retorno financeiro que uma eleição pode trazer para eles.

IHU – Qual o risco que influencers como Brunet e Marçal representam para o cristianismo?

Ranieri Costa – A de se distinguir a diferença entre cristianismo e Evangelho. Uma coisa é a religião do império, a outra é a lógica do Reino de Deus a partir dos ensinos de Jesus. O discurso destes sujeitos perverte e ofende o Evangelho.

Eles tentam estabelecer um novo modelo de vida cristã, que é aquele vivido essencialmente longe da comunidade religiosa; sem a leitura e interpretação do texto sagrado, portanto vazio de hermenêutica; tentam incutir na mente das pessoas que viver o Evangelho é acumular e ostentar patrimônio financeiro aqui na terra, nada mais distante dos ensinos de Jesus do que isso. Viver uma vida na lógica comunitária do Evangelho de Jesus, desconectado da comunhão, do exercício contínuo do estudo das escrituras e do serviço que promove justiça social no mundo, buscando apenas enriquecer é impossível e é isso que eles pregam.

IHU – Tanto o fenômeno da teologia da prosperidade quanto a teologia coaching parecem ser algo muito diferente do Evangelho, no sentido que os ideais e as ideias não encontram ressonância no cristianismo. Até que ponto essa premissa é verdadeira?

Ranieri Costa – Além do que eu já disse nas outras respostas, considero que somente seja necessário dizer que não há, em nenhuma hipótese, nada no discurso/pregação da teologia da prosperidade e da teologia coaching que tenha a mínima ligação com o Evangelho de Jesus Cristo. Estas mensagens, são aquilo que o apóstolo Paulo alertou dizendo ser “outro evangelho” e, portanto, anátema.

IHU – O que explica que lideranças pentecostais tenham discursos tão radicais e violentos? Que lideranças chamam mais atenção neste aspecto?

Ranieri Costa – É preciso pontuar que discursos radicais e violentos não são uma característica exclusiva de lideranças pentecostais, tampouco é a sua principal particularidade. Há incontáveis lideranças deste segmento evangélico que são exercidas de forma pacificadora e amorosa. Dito isto, entendo que aquelas entre as quais exercem esse modelo nocivo de liderança se norteiam numa compreensão interpretativa do texto bíblico que tem sido chamada de teologia do domínio. Estes, pregam uma mensagem de dominação e controle sobre todas as esferas da sociedade, inclusive e principalmente a política. Há uma sedução pelo poder político e cultural que, infelizmente, cegou boa parte destes líderes, entre os mais conhecidos e midiáticos estão Silas MalafaiaEdir MacedoMarco Feliciano

Contudo, há um sem número de pastores de igrejas “tradicionais” (leia-se batistas, presbiterianas, metodistas etc.) que não possuem relevância a nível nacional que pregam, especialmente em anos eleitorais, mensagens que trazem esse sentido de que a igreja tem uma missão de conquistar a cidade e influenciam profundamente suas comunidades locais. A despeito disso, o abuso religioso feito por aqueles que exercem uma pastoral de controle sobre a vida dos membros de suas igrejas é uma das maiores marcas de violência e radicalidade que estão em atuação em muitas dessas igrejas nos dias de hoje, incluindo outras como a própria Bola de Neve, recentemente envolta em inúmeros escândalos.

IHU – Qual o antídoto contra a ascensão dessas lideranças coachs e seus discursos sedutores, sobretudo às pessoas mais vulneráveis, em mundo marcado por desigualdades tão brutais?

Ranieri Costa – Como teólogo e pastor, não vejo outro antídoto além da pregação amorosamente incansável do Evangelho de Jesus Cristo.

Como jornalista, entendo ser fundamental que seja feita uma cobertura deste fenômeno que informe suas incongruências de maneira explícita, mas, que não desrespeite, em nenhuma hipótese, símbolos/conceitos que são usurpados por esses mensageiros da teologia coaching, mas que são caros à população evangélica e católica.

Por exemplo: não é porque um coach fala e espetaculariza de forma bestializante sobre a oração que a imprensa tem permissão para tratar a oração como algo de menor inteligência e valor.

Como pesquisador, penso que são necessárias mais pesquisas que mostrem os impactos que esse tipo de discurso, como o da teologia coaching, que contribui para uma maior vulnerabilização daquelas pessoas que já são tão marcadas pela violência da desigualdade social.

IHU – De que ordem é o desafio no contexto evangélico de desinstrumentalizar politicamente os fiéis, garantindo que eles tenham autonomia e liberdade de exercer a própria cidadania à revelia dos mandos e desmandos dos pastores?

Ranieri Costa – De ordem teológica, em primeiro lugar, tendo em vista que esse tipo de instrumentalização política dos fiéis é facilmente destruída com uma simples leitura do Evangelho, quanto mais com uma aplicação teológica consistente e lúcida dos textos. Haja vista a fala do próprio Jesus, registrada no Evangelho de Mateus: “Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem autoridade sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar‑se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deverá ser servo dos demais, tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mateus 20.26-28).

Em segundo lugar, o desafio é de ordem pastoral. Qualquer pastor que exerça seu ofício de forma dominadora, autoritária e violenta não está a serviço de Jesus, mas do próprio Diabo. Os fiéis devem ser ensinados a terem suas mentes cativas a Jesus e não aos seus pastores. Paulo escreveu que “foi para liberdade que Cristo nos libertou; não se submetam, portanto, a nenhum jugo de escravidão” (Gálatas 5.1). A mensagem do Evangelho é libertadora em todos os aspectos, inclusive, no que diz respeito à nossa consciência e autonomia política.

IHU – Qual a importância, no mundo de hoje, de voltar aos princípios cristãos?

Ranieri Costa – Um mundo com pessoas que amem, perdoem e sirvam uns aos outros; libertem os oprimidos e respeitem as diferenças; que lutem por justiça e denunciem os tiranos, a partir da lógica dos ensinos de Jesus, certamente será um mundo melhor. Jesus não é da ordem do domínio e da violênciaJesus é da ordem do serviço e do amor.

** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia

*** Foto de capa: Pixabay

Eleições 2024: site gospel recorre a populismo prisional ao sugerir preferência de presos por Boulos em São Paulo

Matéria do portal de notícias gospel Pleno.News, de 9 de outubro passado, destaca que o candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL-SP) foi o mais votado nos presídios e unidades socioeducativas no 1º turno das eleições municipais, realizado em 6 de outubro. De acordo com o site evangélico, o resultado divulgado foi apurado com base nos dados dos boletins de urna das unidades prisionais. 

Ainda segundo o Pleno.News, apenas 484 presos exerceram seu direito ao voto dentro dessas unidades, destes, 234 (48,3%) votaram em Guilherme Boulos (PSOL),124 (25,62%) em Pablo Marçal (PRTB), 74 (15,29%) em Tábata Amaral (PSB) e 46 (9,5%) no atual prefeito Ricardo Nunes (MDB). Também receberam votos em unidades prisionais o apresentador José Luiz Datena (PSDB), com quatro votos (0,82%), Marina Helena (Novo) e Ricardo Senese (Unidade Popular), com um voto cada (0,20%). 

Imagem: reprodução/Pleno.News

Bereia apurou que outros sites também noticiaram essa informação com títulos semelhantes ao do site gospel. O  portal de notícias da Rede Record R7, além de frisar a vitória do candidato psolista nas unidades prisionais, ressaltou no subtítulo que Marçal foi o mais votado no presídio Romão Gomes, onde policiais cumprem penas. 

Os sites do Poder 360 e da Rádio Bandeirantes, por sua vez, apresentaram dados ligeiramente diferentes. Segundo o primeiro,  veículo alinhado à direita política, Boulos obteve “mais de 50%” dos votos válidos (excluindo brancos e nulos) em 14 unidades de reclusão paulistanas, enquanto Pablo Marçal recebeu 22,91% dos votos válidos (107 votos). Tábata Amaral foi citada com 15,84% dos votos válidos, sem menção ao número exato de votos. Já o portal da Band não citou números absolutos, apenas porcentagens com pequenas diferenças percentuais.

Imagem: reprodução/Poder 360

Sob o título “Veja qual candidato à Prefeitura de SP obteve mais votos nos presídios”, o site Metrópolis, entretanto, é o que traz números mais divergentes. Para o portal, Boulos obteve 56% dos votos válidos, o equivalente a 110 dos 194 presos habilitados para votar. Pablo Marçal (PRTB) obteve 15%, equivalente a 30 votos; Tabata Amaral (PSB), 14%, equivalente a 28 votos; Ricardo Nunes (MDB) 11%, com 22 votos; enquanto José Luiz Datena (PSDB), com 2%, quatro votos.

Bereia checou os resultados 

Todos os sites citados alegaram que fizeram o próprio levantamento a partir de dados fornecidos pelo TRE-SP. A equipe do Bereia realizou uma apuração detalhada dos votos nas seções eleitorais instaladas em centros de detenção e unidades socioeducativas de São Paulo, com base nos dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Ao analisar os boletins de urna de cada unidade prisional, de acordo com as zonas e seções eleitorais, os resultados confirmam a liderança de Guilherme Boulos (PSOL) com um total de 234 votos. Pablo Marçal (PRTB) ficou em segundo lugar, tendo recebido 124 votos, enquanto Tábata Amaral (PSB) obteve 74 votos, ficando em terceiro lugar. Essa análise confirma os dados mencionados previamente pelo Pleno.News, reforçando a predominância de Boulos nas votações em unidades prisionais. 

O que diz o Tribunal Superior Eleitoral sobre votos de presos e internos?

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presos provisórios – aqueles que ainda não foram condenados por decisão judicial definitiva – e jovens internados em unidades socioeducativas, como a Fundação Casa, têm o direito garantido de participar das eleições. Isso ocorre porque, nesses casos, os direitos políticos não são suspensos, o que permite que esses eleitores votem normalmente, conforme estipulado pela legislação brasileira. 

No caso dos jovens internos, o direito de voto é previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assegura a participação cívica de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de internação ou internação provisória. Já os presos provisórios mantêm seus direitos políticos intactos até que haja uma sentença judicial definitiva, o que permite sua inclusão no processo eleitoral. 

Os presos provisórios são aqueles que ainda não foram julgados e, portanto, não foram condenados. Estão aguardando o julgamento em regime fechado ou semiaberto. A prisão provisória, também conhecida como prisão cautelar, é uma medida excepcional e só pode ser decretada por um juiz em casos específicos. Ela serve para garantir a ordem pública, evitar a fuga do acusado, impedir a obstrução da justiça ou assegurar a aplicação da lei penal.  Como estes presos não possuem uma condenação transitada em julgado (sem possibilidade de recurso), podem votar. 

Vale ressaltar que presos condenados têm seus direitos políticos cassados, não têm direito ao voto. Só podem participar do pleito depois de cumprirem a pena imposta pelo juiz no fim do processo. Quando a pessoa sofre uma condenação, independente do seu regime (fechado, semiaberto ou aberto), ela tem os seus direitos políticos suspensos, não pode votar, nem ser votada, de acordo com o artigo 15 da Constituição Federal.

O processo de votação nessas unidades prisionais e de internação segue uma série de normas rigorosas para garantir a segurança e o sigilo do voto. A organização das seções eleitorais nestes locais é disciplinada pela Resolução TSE nº 23.736/2024, que especifica todos os procedimentos a serem seguidos. A instalação de urnas eletrônicas nas unidades depende de uma estrutura mínima, como a presença de, ao menos, 20 eleitores aptos. Além disso, as mesárias e mesários são escolhidos entre servidores do Ministério Público ou do sistema penitenciário (desde que não sejam agentes diretamente envolvidos na segurança), e advogados, para assegurar a neutralidade e a regularidade do processo.

Após o encerramento da votação, os resultados são registrados em Boletins de Urna (BU), que são documentos físicos impressos pela urna eletrônica, nos quais estão transcritos todos os votos computados naquela seção. Em seguida, o presidente da seção eleitoral retira a mídia do resultado da urna, que é um dispositivo eletrônico semelhante a um pendrive, contendo os dados de votação. Tanto o BU quanto a mídia de resultado são enviados ao cartório eleitoral local, onde os dados são conferidos e processados. A partir daí, as informações são transmitidas eletronicamente ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília, para a totalização e conferência final dos votos. Esse processo garante que a apuração seja segura, transparente e eficaz, mesmo em contextos como unidades prisionais e de internação, onde a logística é mais desafiadora.

Em todo o estado de São Paulo foram instaladas 51 seções eleitorais em estabelecimentos prisionais e unidades de internação, distribuídas em 27 municípios. Com isso, 2.729 presos provisórios e jovens internos tiveram direito ao voto no primeiro turno das eleições de 2024. Nas eleições realizadas em presídios, as mesárias e os mesários, três por seção, são selecionados entre servidores do Ministério Público ou do sistema penitenciário, desde que não sejam agentes, ou entre advogados.

Populismo penal como apelo político

São Paulo tem o maior colégio eleitoral do país, 22% dos eleitores brasileiros, 34.403.609, estão na cidade. O número de presos votantes, 484, é irrelevante se comparado com o total de presos que compõem o sistema carcerário paulistano, 30.170, de acordo com levantamento feito por Bereia, com base nos dados disponibilizados no site da Secretaria de Administração Penitenciária

Além disso, é importante ressaltar que apenas presos provisórios, que não foram condenados e ainda podem recorrer da sentença e, inclusive, serem inocentados, podem votar. Então, diante dos dados apresentados, matérias como a do Pleno.News e dos demais veículos têm um significado que leva a questionar a motivação das informações divulgadas nesses veículos. 

Bereia ouviu o coordenador da área de Direitos e Sistema de Justiça do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Lucas Matos sobre a questão. Para ele, há a mobilização, ainda que velada, da ideia que liga todas as pessoas privadas de liberdade ao estereótipo racista do criminoso violento, organicamente associado a grupos do varejo de drogas.

 “As reportagens flertam com a conhecida tática da direita política de tentar criminalizar setores políticos por qualquer vinculação com a questão prisional, seja ela real, como no caso de ativistas que lutam pelos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade, ou criada a partir de dados mobilizados de forma tendenciosa, como nesse caso”, explica Matos.

O advogado ressalta: “Em uma chave mais conjuntural, me parece que a quantidade de reportagens com esse destaque se insere na dinâmica específica da eleição da capital paulista, que está sendo marcada, entre outras coisas, por troca de acusações sobre supostas vinculações de candidatos, como o atual prefeito Ricardo Nunes, com o PCC”, afirma o coordenador referindo-se à organização criminosa Primeiro Comando da Capital. 

Matos destaca ainda que o caráter oportunista na divulgação desta informação nesse conjunto de reportagens está inserida em um grave quadro de desinformação em relação a temas como sistema prisional, sistema socioeducativo e segurança pública no Brasil. “Podemos falar, sem rodeios, que esses temas são tratados pela imprensa no Brasil, e não só pelos veículos estritamente conservadores, a partir da reprodução de estereótipos racistas e com pouco interesse por pesquisas sérias e independentes da lógica punitivista que naturaliza a violência de Estado”, disse Lucas Mattos.

De acordo com o coordenador do ISER, além da impropriedade metodológica de tratar números tão pequenos em uma chave estatística, existem questões de fundo que as reportagens nem cogitam discutir. “A população prisional (no Brasil) é composta basicamente por jovens negros das frações mais precarizadas da classe trabalhadora. A afirmação da seletividade desse sistema é um dado incontornável, demonstrado cientificamente, e consequência direta do fato de que toda a sociedade infringe regras e comete crimes, mas só uma parcela determinada é punida e encarcerada”, lamenta o advogado. 

Matos aponta ainda que chama a atenção que nenhuma das reportagens demonstra alguma curiosidade sobre o perfil das pessoas privadas de liberdade que votaram. “Isso contraria a própria lógica do debate eleitoral atual, muito preocupado sobre como dimensões como renda, território, faixa etária, raça, gênero e religião influenciam nos votos. Mais uma vez, estamos diante da reprodução de estereótipos que limitam essas pessoas ao rótulo de criminosas e encarceradas, o que seria suficiente para definir a sua preferência eleitoral. Esses estereótipos, vale dizer, compõem o quadro de desumanização produzida pelo Estado e pela sociedade contra as pessoas privadas de liberdade, seus familiares e suas sociabilidades”, finaliza.

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Bereia avalia a matéria do Pleno.News, bem como as dos demais veículos que publicaram na mesma temática, como enganosa. Além de usar em seu título dado estatístico para velar o pequeno e irrisório número de votos que foram computados nos presídios, 484, não deixa clara a situação real dos votantes, que o texto tenta relacionar ao candidato Guilherme Boulos. São presos que ainda não foram condenados e, portanto, ainda não podem ser caracterizados como criminosos. Apenas usam a linguagem jurídica para tanto “sem condenação criminal transitada em julgado” o que dificulta o entendimento do leitor.

Além disso, omite a informação de que a grande maioria dos presos, 30.170, estes sim julgados e condenados, não podem votar. Se considerarmos o universo eleitoral do município paulista, que tem o maior colégio eleitoral do país – 34.403.609 – e compararmos com o número de eleitores aptos a votar em presídios e unidades de internação, 484, verifica-se que é um percentual ínfimo e não reflete o eleitorado do candidato psolista que recebeu 1.776.127 (29,07% dos votos válidos) da população paulistana. Isto torna a classificação do título da matéria como sensacionalista, apesar de o veículo usar dados numéricos corretos. 

Referências de checagem:

Band
https://www.band.uol.com.br/radio-bandeirantes/noticias/com-48-dos-votos-boulos-foi-o-candidato-mais-votado-nos-presidios-de-sao-paulo-202410081235 – Acesso 18 de outubro 24

Metrópoles
https://www.metropoles.com/sao-paulo/veja-qual-candidato-a-prefeitura-de-sp-obteve-mais-votos-nos-presidios – Acesso 18 de outubro 24

TRE-SP
https://www.tre-sp.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Outubro/2-700-presos-provisorios-e-jovens-internos-poderao-votar-no-estado-de-sao-paulo – Acesso 18 de outubro 24

https://www.tre-sp.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Outubro/2-700-presos-provisorios-e-jovens-internos-poderao-votar-no-estado-de-sao-paulo – Acesso 18 de outubro 24

https://www.tre-sp.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Julho/eleicoes-2024-sp-tem-22-do-total-de-155-9-milhoes-de-eleitoras-e-eleitores-do-pais  – Acesso 18 de outubro 24

TSE
https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Outubro/ricardo-nunes-mdb-e-guilherme-boulos-psol-vao-disputar-o-2o-turno-para-a-prefeitura-de-sao-paulo – Acesso 18 de outubro 24

https://dadosabertos.tse.jus.br/dataset/?tags=Ano+2024 – Acesso 18 de outubro 24

https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/eleicao;e=e619;uf=sp;mu=71072;ufbu=sp;mubu=71072;zn=0001;se=0001;tipo=3/dados-de-urna/boletim-de-urna – Acesso 18 de outubro 24

Foto de capa: Câmara dos Deputados

ELEIÇÕES 2024: Sites gospel desinformam com jornalismo declaratório partidário no conteúdo sobre eleições 

Levantamento realizado pela Agência Pública, em 25 de setembro passado, indica que Pablo Marçal (PRTB), candidato à Prefeitura de São Paulo, apresentou o maior número de citações  na cobertura da imprensa após as convenções partidárias, realizadas no final de julho. Marçal, que antes deste período tinha menor visibilidade, viu suas menções em reportagens quase quadruplicarem, o que corresponde ao maior crescimento de abordagens em relação aos demais candidatos. Este aumento pode estar ligado ao jornalismo declaratório, prática em que a imprensa reproduz e dá destaque a declarações de certas personagens públicas, muitas vezes em detrimento de outras ou da irrelevância de determinadas abordagens, aumentando a visibilidade de pessoas. O jornalismo declaratório, por dar ênfase às afirmações em vez de à relevância dos assuntos e à apuração e à checagem dos fatos, pode levar à desinformação e à simplificação de temas complexos bem como à imposição de pautas tendenciosas.

Imagem: reprodução/Folha de São Paulo

Marçal, que tinha 14% das intenções de voto no início de agosto de 2024, segundo pesquisa Datafolha, obteve 28,14% dos votos no primeiro turno, embora não tenha avançado para o segundo. A maior cobertura do noticiário  foi um fator que contribuiu para o crescimento de sua popularidade.

Em entrevista à Agência Pública, o cientista político Fábio Vasconcellos, afirma que Marçal rompeu a bolha do digital ao transferir sua popularidade do meio online para o ambiente institucional da política. “É aquela velha máxima: falem mal, mas falem de mim. (…) Ao invés da imprensa estar falando das propostas de Nunes, Boulos, de Tábata, a imprensa está ocupando energia e espaço para falar de Pablo Marçal”, declarou.

Jornalismo Declaratório: o que é?

Para o autor do livro “Jornalismo Declaratório”, Israel Oliveira, este estilo de reportagem é caracterizado pela ênfase em declarações. O termo ganhou destaque em 2011, quando o jornalista Caco Barcelos criticou essa prática no programa “Em Pauta”, da GloboNews, quando expressou preocupação com a imprensa brasileira, ao pontuar que muitas críticas à mídia, que eram proferidas à época, pareciam baseadas em declarações de certas fontes.

Esse modelo foca em declarações e opiniões, em vez de análises ou investigações. Reproduz falas de figuras públicas, como políticos, muitas vezes sem contexto ou checagem, simplificando temas e contribuindo para a desinformação. Prioriza citações em detrimento da investigação. Muitas vezes tais declarações são proferidas por figuras irrelevantes na cena pública ou dizem respeito a assuntos irrelevantes ou tendenciosos no debate público. 

Imagem: reprodução/X

Imagem: reprodução/X

Impacto do Jornalismo Declaratório

A professora e pesquisadora de Jornalismo Marli dos Santos, consultada pelo Bereia, destacou que a prática é comum nas redações pela agilidade na publicação. Segundo Santos,  “As declarações,  quando antagonizam pontos de vista, são mais atraentes, geram cliques ao serem utilizadas em títulos, especialmente se forem polêmicas (durante a pandemia, muitas declarações de Bolsonaro estiveram presentes em títulos)”. Ela observa que o jornalismo declaratório gera superficialidade pela falta de contexto e checagem.

Jornalismo Declaratório em sites gospel durante as eleições

Conforme a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)  nº 23.738, de 27 de fevereiro de 2024, o período de campanha para as eleições municipais de 2024 começou em 16 de agosto. A partir dessa data, os candidatos puderam solicitar votos de forma explícita e realizar propaganda eleitoral. 

Nesse contexto, Bereia realizou um levantamento de dados em portais de notícia gospel, com dados sobre a cobertura dos três candidatos mais votados no primeiro turno no pleito à prefeitura de São Paulo. O objetivo foi verificar o recurso ao jornalismo declaratório por esses veículos na cobertura das eleições para a Prefeitura de São Paulo.

O levantamento foi conduzido por meio de busca direta, tomando-se os nomes dos candidatos como palavras-chave. Os dados foram compilados e categorizados por data, tema e candidato. No total, foram 96 menções a Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB) nos sites Gospel Mais, Pleno News, Conexão Política e Gospel Prime, no período entre 1º de julho e 15 de outubro, que compreendeu as convenções partidárias, o início da campanha e o decorrer do segundo turno.   


O gráfico “Evolução Temporal das Menções por Candidato” mostra a variação das citações aos nomes. As menções a Pablo Marçal, Guilherme Boulos e Ricardo Nunes aumentaram com a aproximação do primeiro turno, realizado em 6 de outubro.

O gráfico “Tópicos Principais por Candidato” destaca os temas mais frequentes de cada candidato. Para Ricardo Nunes, os tópicos mais abordados são “Pesquisa eleitoral” e “Apoio político”. No caso de Pablo Marçal, predominam os temas “Acusações” e “Evangélico”. Já para Guilherme Boulos, os principais tópicos são “Acusações” e “Embate político”.

O gráfico “Menções de Cada Candidato por Site” mostra a distribuição das menções entre os candidatos. No site Pleno News, as menções a Pablo Marçal e Guilherme Boulos foram as mais numerosas e praticamente iguais, enquanto Ricardo Nunes teve menos destaque. No Conexão Política, as menções a todos os três candidatos foram bastante equilibradas, com Guilherme Boulos recebendo um pouco mais de atenção. Já nos sites Gospel Prime e Gospel Mais, Pablo Marçal se destacou como o candidato com mais menções.

O gráfico de “Menções Positivas e Negativas por Candidato nos Sites” revela que, no Conexão Política, Guilherme Boulos teve o maior número de menções negativas, com oito citações, enquanto Pablo Marçal se destacou com oito menções positivas. No Gospel Mais, Boulos e Marçal receberam sete menções negativas cada. No Gospel Prime, Marçal teve cinco menções positivas, o maior valor entre os candidatos. No Pleno News, tanto Nunes quanto Marçal foram mencionados positivamente oito vezes cada, enquanto Boulos e Nunes receberam três menções negativas.

Com base no levantamento realizado pelo Bereia sobre o recurso ao jornalismo declaratório em sites gospel, foi identificado que os portais Gospel Mais, Pleno News, Conexão Política e Gospel Prime, durante a corrida eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, dedicaram níveis distintos de atenção aos principais candidatos, com diferenças na cobertura mais evidentes à medida que se aproximava a data da eleição. 

Além disso, a análise aponta para possíveis preferências editoriais ou alinhamentos políticos desses sites, com o oferecimento de mais espaço a determinados candidatos por alguns em relação a outros. Tal cenário ressalta o papel significativo que esses portais desempenham na formação da opinião pública do segmento evangélico durante campanhas eleitorais, podendo influenciar a visibilidade e a percepção dos eleitores sobre os candidatos em disputa.

Bereia alerta leitores e leitoras para que permaneçam atentos ao uso do jornalismo declaratório nesses portais. É fundamental que o público faça a leitura as informações de forma cuidadosa e crítica, e questione a imparcialidade e a falta de profundidade do conteúdo apresentado. Essa conscientização é essencial para garantir que o consumo de notícias se dê de maneira digna e responsável, para assim promover um entendimento mais claro e equilibrado sobre os temas abordados no contexto religioso.

Referências:

Agência Pública. https://apublica.org/nota/levantamentos-indicam-que-jornalismo-declaratorio-beneficia-marcal/. Acesso em: 14 de outubro de 2024. 

Jornalismo declaratório. https://livro-reportagem.com.br/o-que-e-jornalismo-declaratorio/.  Acesso em: 14 de outubro de 2024. 

Tribunal Superior Eleitoral. https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2024/resolucao-no-23-738-de-27-de-fevereiro-de-2024.  Acesso em: 14 de outubro de 2024. 

g1. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/eleicoes/2024/noticia/2024/08/08/eleicoes-2024-em-sao-paulo-nunes-tem-23percent-e-boulos-22percent-diz-datafolha-numeros-indicam-empate-tecnico.ghtml.  Acesso em: 16 de outubro de 2024. 

Foto de capa: Mohamed Hassan / Pixabay

Site gospel engana sobre suspeita de atentado em incidente em carreata de Pablo Marçal

O site gospel Pleno News publicou, em 1º de agosto de 2024,  matéria sobre um incidente ocorrido durante carreata do candidato autoidentificado como cristão à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB-SP), no bairro do Tatuapé. O título e o conteúdo da matéria indicam, sem evidências, um suposto envolvimento da candidata a vereadora Carol Iara (PSOL-SP) no episódio.

Imagem: Reprodução/Pleno News

O título da matéria, “Incidente em carreata de Marçal envolveu candidata do PSOL”, sugere uma associação entre a candidata e a ameaça de atentado de morte que o candidato afirma ter recebido. O texto detalha que a polícia foi chamada após a observação de um indivíduo supostamente armado, que fugiu em um veículo com outras pessoas ao ser identificado pelos seguranças. E a matéria insinua um envolvimento da candidata Carol Iara no incidente, com base apenas na presença dela no evento, sem fornecer provas que sustentem tal associação.

Pleno News também não menciona que Marçal, ao prestar depoimento, afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada, informação que contradiz a narrativa de ameaça apresentada inicialmente.

O incidente 

O caso ocorreu na Zona Leste de São Paulo, durante um ato de campanha do candidato Pablo Marçal. Vídeos compartilhados nas mídias digitais mostram a movimentação de um veículo, enquanto seguranças do candidato se aproximam, mas não há evidências claras de arma ou ameaça, o que enfraquece a suspeita. 

Como precaução, o candidato se dirigiu a uma padaria para vestir um colete à prova de balas, medida que já havia utilizado anteriormente em sua campanha.

Imagem: Reprodução/X

Reprodução/X

De acordo com a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, a Polícia Militar foi acionada às 15 horas e 18 minutos do dia 30 de agosto, para verificar uma “atitude suspeita”. Policiais do 8º Batalhão foram ao local após receberem relatos de que um indivíduo em um Ford Ka parecia estar armado. 

Viaturas foram enviadas à área, mas não conseguiram localizar o veículo. O Ford Ka foi gravado em um vídeo, por apoiadores de Marçal, que mostra Carol Iara entrando no carro com dois membros de sua equipe. Um homem tentou abordar o veículo, que seguiu seu trajeto.

Versões dos candidatos

Pablo Marçal, em vídeos postados em seu perfil no Instagram, sugere ter sofrido uma ameaça de morte. Ele relata ter percebido, ao chegar ao local, uma tentativa de hostilização e informou ao policial que fazia a segurança do evento que algo estava errado. 

Após o episódio, Marçal foi ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) no início da noite para dar prosseguimento ao caso. O candidato prestou depoimento e registrou um boletim de ocorrência por ameaça. Marçal afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada e minimizou a repercussão do caso. Seu advogado declarou que a polícia deve ouvir todos os envolvidos.

Apesar disso, o candidato capitalizou o caso em campanha ao mencionar que, em sua comunicação com a polícia, usa a expressão “treze” para se referir a pessoas que causam problemas. “A gente gosta de falar que gente que dá problema é treze, nem imagina o porque né (…) falei ó esse aí é treze, cuidado ai ó, cê já sabe que treze é um número que você não pode cagar na urna eletrônica” declara o candidato em um dos vídeos.

Reprodução/Instagram

Carol Iara apresenta uma versão diferente dos eventos. Em nota divulgada no seu perfil no Instagram, em 30 de agosto, a candidata a vereadora afirma que Marçal utilizou termos enganosos para disseminar desinformação sobre o caso. “As acusações de Marçal são infundadas e completamente falsas”, declara Iara.

No vídeo divulgado junto à nota, Iara se diz “totalmente chocada” com a divulgação de imagens onde aparece sendo perseguida por um segurança de Marçal. Ela afirma: “Não acreditem nessa mentira, gente. Eu passei o dia fazendo campanha eleitoral e vim entregar um presente pro Pablo Marçal, que era esse isoporzinho, um meme de Pinóquio pro candidato mais mentiroso dessa eleição”.

A candidata a vereadora explica que o objeto que Marçal supôs ser uma arma era um boneco de isopor em forma de emoji do Pinóquio, simbolizando, segundo ela, as “mentiras” contadas pelo empresário.

Reprodução/Instagram

Em entrevista ao O Globo, Iara afirmou que o boneco com nariz de Pinóquio foi retirado de suas mãos por apoiadores e seguranças de Marçal antes que ela e seus assessores pudessem se aproximar do candidato. Segundo Iara, a intenção era fazer uma entrega pacífica, mas os seguranças a hostilizaram e a forçaram a se retirar para evitar agressões. 

Ela explicou que o carro usado foi alugado de um militante do PSOL, que não estava presente no local do episódio. Além disso, Iara se mostrou disponível para esclarecer qualquer questão aos órgãos competentes e declarou que está avaliando com sua equipe jurídica a necessidade de se apresentar à polícia.

Apesar do relato da candidata a vereadora, Marçal foi ao Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) no início da noite para dar prosseguimento ao caso. Sua equipe afirmou que “aparentemente os suspeitos foram identificados”, mas essa informação não foi confirmada pelas forças de segurança. 

Repercussão

Veículos de comunicação repercutiram o caso com abordagens diversas. O portal da CBN relatou que o candidato teria sido alvo de uma tentativa de homicídio: “um indivíduo armado e disfarçado tentou assassinar o candidato antes de uma carreata no Tatuapé”, afirma o texto. 

A Gazeta do Povo adotou uma abordagem similar: “Depois da ocorrência, o candidato do PRTB passou a usar um colete à prova de balas e deu continuidade ao evento político”.

A Jovem Pan apenas menciona que a polícia foi acionada após “atitudes suspeitas” e que Marçal adotou o uso do colete.

Imagem: Reprodução/Gazeta do Povo

Imagem: Reprodução/Jovem Pan

Imagem: Reprodução/CBN

Bereia classifica a notícia do Pleno News como enganosa. A matéria do site gospel apresenta o caso e sugere, sem evidências concretas, um envolvimento da candidata Carol Iara (PSOL-SP) em um suposto incidente armado durante a carreata de Pablo Marçal (PRTB-SP).

A checagem revela que não há provas de ameaça armada. O próprio Marçal, em depoimento à polícia, afirmou não ter visto nenhuma pessoa armada, informação omitida pela matéria original.

O portal Pleno News faz associações infundadas e omite informações cruciais, induzindo os leitores a uma interpretação equivocada dos fatos para martirização do candidato. A presença de Carol Iara no local e o acionamento da polícia são usados para construir um discurso que não se sustenta com as evidências disponíveis.

O caso demonstra como fatos isolados podem ser manipulados para criar uma impressão enganosa, especialmente em contextos eleitorais. A omissão de detalhes importantes e a sugestão de conexões não comprovadas são táticas comuns em conteúdos desinformativos.

Bereia alerta leitores e leitoras sobre a importância da busca de múltiplas fontes ao se deparar com notícias sobre incidentes políticos. É fundamental verificar se as alegações são respaldadas por evidências concretas e se todas as partes envolvidas tiveram a oportunidade de se manifestar.

Referências:

O Globo

.https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/08/30/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato.ghtml. Acesso: 2 set 2024

CBN.
https://www.cbnrecife.com/artigo/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato. Acesso: 3 set 2024

https://cbn.globo.com/politica/noticia/2024/08/30/pm-e-acionada-apos-campanha-de-marcal-relatar-presenca-de-homem-armado-em-ato.ghtml

Jovem Pan.
https://jovempan.com.br/noticias/politica/eleicoes-2024/pablo-marcal-usa-colete-a-prova-de-balas-durante-ato-em-sao-paulo.html. Acesso: 4 set 2024

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Foto de capa: reprodução/Pleno.News

A “Teologia Coach” pede voto

Personagens surgidos na cena gospel acabaram por trazer visibilidade para um novo fenômeno traduzido em estratégia política. A chamada “Teologia Coach”, que seria herdeira da antiga “Teologia da Prosperidade”, com eficiência máxima diante de uma sociedade consumista e cada vez mais midiatizada. Um de seus expoentes mais famosos é o candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal (PRTB).

Em artigo para o site Meio, a pesquisadora e diretora-executiva do Instituto de Estudos da Religião discorre sobre o conceito e as manifestações da “Teologia Coach”, abordando seu contexto, suas práticas e como reverberam no cenário brasileiro. Confira o texto completo (para assinantes) aqui.

** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

*** Foto de capa: reprodução/YouTube

Eleições 2024: Nos primeiros dias da campanha, religiosos repetem mentiras e pedem favores para igrejas

* Matéria atualizada às 16:17 para ajuste de informações

O início das eleições municipais deste ano já está marcado por uma onda de desinformação e tentativas de obtenção de favores para igrejas, que envolvem candidatos com identidade religiosa cristã. O candidato a prefeito na cidade de São Paulo Pablo Marçal (PRTB-SP) e o deputado federal evangélico Eli Borges (PL-TO), pastor da Assembleia de Deus, estão entre os principais nomes em destaque. Marçal enfrenta investigações após insinuar o uso de drogas pelo seu adversário, enquanto Borges, em apoio a uma candidatura, propagou informações falsas e pediu facilitações para igrejas evangélicas em sua cidade.

Pablo Marçal

O ex-coach, empresário e influenciador digital, que se tornou político, Pablo Marçal passa por uma investigação solicitada pela Justiça Eleitoral à Polícia Federal (PF) por insinuar o uso de substâncias ilícitas pelo também candidato à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) durante debate eleitoral transmitido na emissora Bandeirantes, em 8 de agosto. Na ocasião, Marçal simulou com as mãos o ato de cheirar cocaína e divulgou vídeos no Youtube  que insinuam o uso de drogas pelo candidato psolista. 

Imagem: reprodução/UOL

A campanha de Guilherme Boulos acionou a Justiça Eleitoral e, no domingo, 18 de agosto, o Tribunal Regional Eleitoral de SP (TRE-SP) concedeu a Boulos três direitos de resposta nas redes sociais do adversário do PRTB por difamação. A decisão atende ao pedido do promotor eleitoral Nelson dos Santos Pereira Júnior que solicitou investigação pelos crimes de calúnia, difamação e divulgação de fatos inverídicos, além da remoção dos vídeos das mídias sociais de Marçal. Em 22 de agosto, entretanto, o TRE-SP suspendeu temporariamente os três direitos de resposta concedidos anteriormente a Boulos. De acordo com o desembargador Encinas Manfré, o efeito suspensivo foi concedido à Marçal até que o mérito da ação de difamação movida por Boulos seja apreciado pelo tribunal

Uma outra ação contra Marçal foi movida pelo Ministério Público Eleitoral de São Paulo (MPE-SP), com base no pedido inicial de impugnação que havia sido apresentado pelo PSB de São Paulo, da adversária no pleito, Tábata Amaral. Os advogados do PSB alegaram que o estatuto do partido de Pablo Marçal determina que postulantes interessados em representar o partido em uma eleição devem estar filiados há pelo menos seis meses na data da convenção. Marçal se filiou ao PRTB em 5 de abril e a convenção aconteceu em 4 de agosto. 

O secretário-geral do PRTB Marcos André de Andrade, e a empresária filiada Lilian Costa Farias também ingressaram com uma ação de impugnação da candidatura de Pablo Marçal, com a denúncia de outras questões relativas à convenção. Andrade alegava que a convenção partidária que oficializou o candidato, no início do mês, teria ocorrido de forma irregular. Este pedido foi negado, em 21 de agosto passado. 

Na decisão, o juiz eleitoral Antonio Maria Patiño Zorz afirmou que não pode suspender a candidatura até a análise do mérito. “Desse modo, desrespeitar o rito do registro de candidatura previsto na legislação supramencionada violaria o princípio do devido processo legal previsto na Constituição”. A ação de impugnação prossegue imposta pelo MPE-SP, aguarda julgamento.

Outro revés enfrentado pela campanha do candidato do PRTB ocorreu em 22 de agosto. A Justiça Eleitoral determinou a suspensão temporária dos perfis de Marçal nas redes sociais usados para monetização. A ação foi movida pelo PSB, partido da candidata Tabata Amaral. A legenda solicitou a abertura de um inquérito contra Marçal por pagar seguidores para que estes distribuam cortes de seus vídeos nas redes sociais. A campanha de Marçal criou, então, contas reservas no Instagram, TikTok, Youtube, Whatsapp, Telegram e Gettr. De acordo com a nota divulgada pelo candidato no dia 25, a liminar não “impede a presença do candidato nas plataformas digitais”.

Em oito minutos, deputado evangélico faz inúmeros pedidos e espalha mentiras

Bereia recebeu, por seu grupo de Correspondentes, um vídeo em que o deputado federal Eli Borges (PL-TO), pastor das Assembleias de Deus, fez diversas afirmações falsas e enganosas durante um evento de apoio à candidatura à Prefeitura de Palmas (TO) de Janad Valcari (PL), deputada estadual em Tocantins. O parlamentar presidiu a Frente Parlamentar Evangélica nos últimos meses, mas deixou o cargo, logo após assinar o polêmico Projeto de Lei que equipara o aborto em casos de estupro a homicídio.

Imagem: Reprodução/Youtube

Logo no início do discurso, o deputado mentiu ao mencionar o Projeto de Lei 2630/2020, que propõe responsabilização das plataformas de mídias quanto ao conteúdo que publicam. O deputado federal pastor se referiu à proposta que veio do Senado Federal para a Câmara, como um projeto cujo objetivo é  “instalar o comunismo no Brasil”. Borges, para inflamar a audiência, faz uso de um tema comumente utilizado em campanhas eleitorais por religiosos da direita: o fantasma do comunismo.

Além disso, ao abordar o tema da liberdade religiosa em seu discurso, Eli Borges afirmou que a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta a atuação religiosa em presídios, impediria que evangélicos fizessem apelos para que os presos “aceitem a Jesus”. O deputado enganou a audiência com a distorção do conteúdo da Resolução, publicada em abril, desinformação que tem sido usada pela Bancada Evangélica, e já foi checada pelo Bereia

Ao final do discurso, o deputado do PL por Tocantins, mencionou um terceiro tema de desinformação bastante acionado em espaços religiosos: a “doutrinação ideológica dentro das escolas”. Ele elegeu esta suposta ação como “pior inimigo”, porque acredita que educadores estão ensinando ideologias contra a “família judaico-patriarcal”. Bereia também já checou vários conteúdos em torno desta temática explorada em tempos de campanha eleitoral.

Além dessas declarações, Eli Borges também fez uma série de pedidos à candidata a prefeita, caso eleita. Entre eles, solicitou que a Prefeitura facilite a regularização de igrejas evangélicas instaladas em terrenos públicos e que sejam eliminadas as medidas de ordenamento urbano, como a limitação de decibéis, sob o argumento de preservar a “liberdade religiosa”.

Janad Valcari é evangélica, sem explicitar a igreja da qual faz parte, conforme Bereia apurou a partir de levantamento da identidade confessional dos candidatos/as às Prefeituras das 26 capitais. Mídias locais já haviam noticiado, meses atrás, o apoio declarado das Assembleias de Deus em Palmas à candidata do PL.



Imagem: Reprodução/ Palmas aqui

Janad trava uma briga na Justiça com as mídias noticiosas. Em 7 de agosto, o Tribunal de Justiça do Tocantins determinou a retirada do ar do site de notícias Diário do Centro do Mundo (DCM) após um processo movido pela deputada. A ação foi motivada por uma reportagem publicada em novembro de 2023, que alegava que Janad teria faturado R$ 23 milhões em um esquema envolvendo prefeituras e a banda Barões da Pisadinha. A Justiça mencionou “tentativas infrutíferas” de contato com o DCM e uma “impossibilidade técnica” de suspender apenas o link da matéria como razões para a derrubada completa do site.

Em nota, a Coalizão em Defesa do Jornalismo classificou a decisão como uma violação à liberdade de imprensa e pediu o restabelecimento do site. “A decisão que levou o site inteiro do DCM a sair do ar expõe a situação precária de segurança jurídica a que estão submetidos jornalistas e meios de imprensa. A decisão tem também um efeito intimidatório e inibe o trabalho da imprensa em todo o país”.

Atento à propagação de informações falsas no meio religioso, o Coletivo Bereia participa da campanha de combate à desinformação nas igrejas durante o período eleitoral, chamada “Bote fé no Voto! Votar bem importa”, realizada em parceria com a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), o Centro de Estudos Bíblicos (CEBI) e o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC).

Referências:

Veja https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/justica-nega-pedido-de-ala-do-prtb-que-queria-barrar-candidatura-de-marcal/  Acesso 23 de agosto 2024

Bereia

https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/justica-nega-pedido-de-ala-do-prtb-que-queria-barrar-candidatura-de-marcal/  Acesso 23 de agosto 2024

BOL

https://www.bol.uol.com.br/noticias/2024/06/19/silas-camara-assume-comando-bancada-evangelica-e-diz-que-continuara-sem-alinhamento-ao-governo.htm  Acesso 23 de agosto 2024

UOL https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/08/20/justica-manda-pf-abrir-inquerito-contra-pablo-marcal-por-calunia-a-guilherme-boulos.htm  Acesso 23 de agosto 2024

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Foto de capa: montagem a partir de reprodução de YouTube, Câmara dos Deputados e Facebook

Eleições 2024: Bereia dedica atenção à campanha de candidatos/as com identidade religiosa para as Prefeituras das 26 capitais

O início oficial do período de propaganda eleitoral  para Prefeituras e Câmaras de Vereadores, em todo o país, ocorreu em 16 de agosto. Durante as sete semanas deste período de campanha por votos, Bereia vai acompanhar a forma como as religiões e temas religiosos são propagados, para verificar se há uso de desinformação. Em 2020 e 2022, Bereia identificou farta utilização de conteúdo falso, enganoso e impreciso como estratégia de campanha de candidatos e seus apoiadores para convencer eleitores ou para destruir a imagem de opositores e de partidos.

Aumento de candidaturas religiosas

Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa e Reputação de Imagem (IPRI), da FSB Holding, as candidaturas com Identidades Religiosas aumentaram 225% nas últimas sete eleições municipais. Os dados foram coletados a partir de um levantamento com dados disponíveis no portal do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao qual Bereia também recorreu. A análise realizada pelo IPRI aponta que o número de candidaturas com identidade religiosas saltou de 2.215 em 2000 para 7.206 em 2024.

Em entrevista para a plataforma Agência Brasil, o sócio-diretor do IRPI Marcelo Tokarski afirma que o aumento apresentado nos últimos 24 anos demonstra também um crescimento do apelo da religião na política. Sobre o tema, a Agência Brasil também ouviu a coordenadora da área de Religião e Política do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Lívia Reis, que indica existirem candidatos não religiosos que passam a se declarar como cristãos de modo genérico para comunicar um conjunto de valores ou pedir por voto em instituições religiosas.

“Se, por um lado, as candidaturas oficiais apoiadas por igrejas evangélicas continuam tendo bons resultados nas urnas, nem sempre elas mobilizam nome religioso nas urnas. Por outro lado, candidatos que não são religiosos passaram a se identificar como cristãos – assim, de modo genérico –, para comunicar ao eleitorado o conjunto de valores com os quais ele se identifica ou então para pedir voto em igrejas de pequeno e médio portes, que não têm suas candidaturas oficiais. Também é importante lembrar que, nas eleições municipais, as dinâmicas locais nos territórios são muito valorizadas e, muitas vezes, precisam ser combinadas com uma identidade religiosa para que aquela candidatura seja vencedora no pleito”, Lívia Reis disse à Agência Brasil.

O avanço do segmento evangélico no cenário político brasileiro tem raízes históricas, intensificada após a redemocratização e a Constituição de 1988, como aponta o estudo da pesquisadora da Religião e editora-geral do Bereia Magali Cunha. Outro fato significativo é o sucesso da campanha de religiosos nas eleições. A pesquisa do IPRI indica que candidaturas que mobilizam a religiosidade tendem a ser mais bem-sucedidas nas urnas, e ocupam, em média, mais de 51% das cadeiras nas Câmaras Municipais nas eleições de 2020.

Candidaturas com identidade religiosa nas capitais do Brasil 

O levantamento do Bereia sobre as candidaturas com identidade confessional para as Prefeituras das 26 capitais brasileiras, em 2024, levou em conta os dados fornecidos pelo TSE. Foi contabilizado um total de 192 candidatos e candidatas, de 28 partidos. Para verificar quais deles têm identidade confessional, foi utilizada a base de dados do Instituto de Estudos da Religião (ISER) sobre as eleições de 2020 e 2022,  para obter dados de candidaturas à reeleição e outras reapresentadas. Para as novas candidaturas, a equipe Bereia seguiu a metodologia do ISER de tomar por base as mídias sociais dos candidatos para conhecer como se autoidentificam e como expõem, ou não, uma confessionalidade, além da consulta a outros registros públicos.  

Os dados levantados pelo Bereia mostram que 84 candidatos/as a prefeitos/as de capitais do país expõem publicamente sua confissão religiosa: 46 são católicos, 21 se identificam como cristãos de forma não determinada, 16 são evangélicos e um é espírita. 

Este grupo que pleiteia as Prefeituras das capitais está dividido em 19 partidos: a maioria é da direita, com 41 candidatos, sendo 14 do PL, oito do União Brasil e 29 de outros nove partidos; são 21 candidatos com identidade confessional em cinco partidos ao centro. Já a esquerda tem 19 candidatos entre PT, PDT, PSB e PSOL. 

Entre estas candidaturas, 13 tentam a reeleição e dois são vereadores que almejam Prefeituras. Há 15 deputados federais que se licenciaram para concorrer, dois senadores e 17 deputados estaduais.    

Destaca-se o dado de que 25% dos candidatos às Prefeituras das capitais se identificam como cristãos de forma não determinada. As pesquisas do ISER mostram que a exposição de uma identidade cristã não determinada tem sido uma prática expressiva em campanhas eleitorais desde 2020. 

Porém, 38% deste grupo de cristãos não determinados têm algum tipo de vínculo com uma igreja (dois católicos e cinco evangélicos) e até mesmo com uma outra religião. Como já citado na análise de Lívia Reis, estes candidatos optam por comunicar certos valores cristãos às suas bases eleitorais. 

Chama a atenção o caso do candidato a prefeito de Fortaleza (CE) senador Eduardo Girão (Novo), conhecido por sua vinculação ao Espiritismo Kardecista, e por ações em torno desta religião, se apresentar nestas eleições como um cristão não determinado.

Imagem: Perfil de Eduardo Girão no Instagram

Um exemplo destacado neste grupo é o do candidato na cidade de São Paulo Pablo Marçal (PRTB). Em entrevista ao canal Antagonista, Marçal diz ser cristão, mas não se considera evangélico nem católico. Para ele o Cristianismo é um estilo de vida (lifestyle), não uma religião. Porém, mesmo negando um vínculo confessional, o acionamento de símbolos e discursos evangélicos e a aproximação do influenciador com pastores do segmento é bastante visibilizado.

Ex-coach, o influenciador digital atraiu uma legião de seguidores ao falar sobre fé, pensamento positivo e prosperidade financeira, marcas relevantes do discurso da Teologia da Prosperidade, bem conhecido entre os evangélicos brasileiros. Isto proporcionou que ele participasse de conferências e cultos ao lado dos pastores midiáticos Claudio Duarte, Josué Valandro Junior e André Valadão.

Imagem: reprodução/Youtube

Imagem: reprodução/Youtube 

Imagem: reprodução/Facebook

Em uma palestra voltada para pastores, Pablo Marçal cita a frase “Um monte de gente vai te criticar em nome de Jesus, manda esse povo se f*”, arrancando risos do público.

Durante a pandemia, o candidato paulistano participou de live com o também pastor midiático Caio Fábio, que é reconhecido no cenário do evangelicalismo brasileiro como progressista. Sobre a live, o pastor se diz crítico do ex-coach e explicou que se tratou de um pedido feito por amigos próximos e que não o conhecia previamente.

Acesse aqui a lista dos candidatos com identidade religiosa

Propagadores de desinformação 

Além da identidade religiosa e do vínculo confessional, também foi verificado pelo Bereia se os candidatos já foram checados por terem propagado desinformação.

Dos 84 candidatos às Prefeituras das 26 capitais, quatro já foram checados pelo Bereia por propagarem desinformação. São eles, Cristina Graeml (PMB, Curitiba/PR, cristã não determinada), Assumção (PL, Vitória/ES, evangélico da Igreja Maranata), Pablo Marçal (PRTB, São Paulo/SP, cristão não determinado) e Eduardo Girão (Novo, Fortaleza/CE, cristão com vínculo espírita kardecista). Girão, que é senador da República (Novo-CE), teve várias verificações do Bereia, com destaque para a atuação dele com falsidades na CPMI da Covid e contra a política de vacinação, também na divulgação de conteúdos falsos sobre o Q-Anon e de informações falsas sobre o aborto legal.

Imagem: reprodução/site Bereia

Entre os 84 candidatos/as às Prefeituras das capitais com confissão religiosa identificada pelo Bereia, alguns também se destacam por menções negativas no noticiário, seja por checagens de mentiras divulgadas, seja por discurso de ódio ou por corrupção. É o caso do deputado federal licenciado para concorrer à Prefeitura de Cuiabá Abílio Brunini (PL-MT), conhecido como “Rei das Fake News”.

Imagem: reprodução/Diário de Cuiabá 

Evangélico e neto de pastor das Assembleias de Deus, Abílio Brunini ganhou notoriedade durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Atos Golpistas, em 2023, de onde teve, por várias vezes, a saída ordenada pela presidência da Comissão por conta de atitudes indecorosas. Eleito vereador de Cuiabá, pelo PSC, em 2016, ele teve o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, e naquele mesmo ano concorreu à Prefeitura da cidade, saindo derrotado no segundo turno.

A campanha de Abílio Brunini já foi multada na primeira semana do período eleitoral de 2024, por propagação de mentiras contra o candidato concorrente. 

Imagem: reprodução/Diário de Cuiabá 

Outro destaque no quesito desinformação é Janad Valcari (PL, Palmas/TO, evangélica de vinculação não identificada), com caso recente reportado pela plataforma Conjur. O veículo aponta que a candidata, licenciada como deputada estadual para concorrer à Prefeitura de Palmas (TO), moveu um processo para a retirada do site Diário do Centro do Mundo (DCM) do ar, que publicou reportagem que expunha ganhos milionários da deputada em contratos com Prefeituras para shows musicais. A juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, da 4ª Vara Cível da Comarca de Palmas, determinou o cumprimento do processo e o site foi suspenso. A medida foi criticada por juristas, lideranças políticas e jornalistas como censura prévia e um grave atentado à liberdade de imprensa e ao direito à informação.

Em eleições anteriores, Bereia identificou que candidatos propagaram desinformação de forma deliberada como estratégia de campanha, com imposição de medo, pânico moral, mentiras sobre opositores e partidos. Os temas mais explorados foram a falsa perseguição sistemática a cristãos no Brasil (“cristofobia”)sexualidade/ideologia de gênero, o fantasma do comunismo, negacionismo sobre vacinas e outros temas de saúde.

Imagem: reprodução/Bereia

Bereia seguirá no acompanhamento destas candidaturas com identidade religiosa confessional e de outras que acionarem temas religiosos como estratégia. Leitores e leitoras podem contribuir com o envio de materiais para checagem por meio dos canais de contato indicados no site Bereia.

A partir deste compromisso, foi lançada pelo Bereia em parceria com a CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço, o CEBI – Centro de Estudos Bíblicos e o CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs a campanha “Bote fé no Voto! Votar é um direito!” , com o objetivo de combater a desinformação nos meios e mídias religiosos durante as eleições municipais de 2024. A campanha ocorre ao longo de sete semanas e apresentará reflexões e dicas para ajudar os eleitores a fazer valer seu voto de forma consciente.

Referências de checagem:

Diário de Cuiabá

https://www.diariodecuiaba.com.br/cuiaba-urgente/rei-das-fake-news-abilio-e-condenado-por-chamar-fiscais-de-corruptos/681289 Acesso 26 Agosto 2024

https://www.diariodecuiaba.com.br/politica/justica-multa-assessor-de-abilio-acusado-de-produzir-fake-news/688996 Acesso 26 Agosto 2024

G1
https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/09/26/sessao-da-cpi-e-suspensa-apos-deputado-se-recusar-a-se-retirar-da-sala.ghtml Acesso 26 Agosto 2024

UOL

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/05/23/abilio-brunini-quem-e-deputado-que-discutiu-com-haddad.htm  Acesso 26 Agosto 2024

Conjur

https://www.conjur.com.br/2024-ago-07/especialistas-criticam-decisao-de-juiza-do-to-que-tirou-site-dcm-do-ar/ Acesso 26 Agosto 2024

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-08/candidaturas-com-identidade-religiosa-crescem-225-em-24-anos Acesso 26 Agosto 2024

Revista FAMECOS – PUCRS

https://revistaseletronicas.pucrs.br/revistafamecos/article/view/30691 Acesso 26 Agosto 2024

Lideranças religiosas mentem e enganam sobre as enchentes que atingem o RS

Com colaboração de Magali Cunha, André Mello, Naira Diniz, Gabriella Vicente e João Pedro Capobianco

* Matéria atualizada em 21/05/2024 para ajuste de título, texto e acréscimo e correção de informações

As fortes chuvas que atingem o Estado do Rio Grande do Sul desde o 27 de abril passado causaram um verdadeiro cenário de destruição, marcado por um  aumento no número de pessoas desabrigadas, de desaparecidas e mortas. Ao contrário dos temporais ocorridos no ano de 2023, que atingiram áreas isoladas, desta vez mais de 80% dos municípios do estado gaúcho foram afetados.

Os dados são preocupantes: até o fechamento desta matéria, 161 pessoas foram encontradas mortas, e 85 estão desaparecidas. Além disso, dezenas de milhares de pessoas estão desalojadas ou desabrigadas, com 1,5 milhão de pessoas afetadas pelo que o governador Eduardo Leite (PSDB) chamou de “uma catástrofe”. Em 1º de maio, o governo local decretou estado de calamidade em uma edição extra do Diário Oficial do Estado.

O governo federal criou um gabinete de crise para operar com as frentes de ação constituídas pelo Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul no enfrentamento da tragédia. Em quatro viagens aos locais atingidos, o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve acompanhado de mais de uma dezena de ministros de pastas-chave para o socorro humanitário.

Na segunda comitiva, Lula levou o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PL-AL), o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, já que os três poderes devem agir conjuntamente na aprovação de medidas necessárias para a superação da tragédia vivida pelo estado gaúcho.

Em 15 de maio o governo criou a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, com status de ministério. O secretário de Comunicação do Governo Paulo Pimenta foi nomeado o titular da pasta.

No acompanhamento das publicações sobre o tema em ambientes digitais religiosos, Bereia verifica três posturas: 

  • Amplas manifestações de empatia com a população atingida e o estado, com orações pelo fim das chuvas e pelo alívio do sofrimento, além de chamados às ações de solidariedade (recolhimento de alimentos, água, roupas);
  • Classificações da tragédia como castigo de Deus por conta de o estado ter baixo número de evangélicos contrapondo o alto número de expressões afro religiosas (viralização do vídeo de uma influenciadora) e  por conta de o Rio Grande do Sul ter dado ampla votação a Jair Bolsonaro – em relação aos compartilhamentos e comentários dos dois conteúdos, há apoio e reforço (em menor número) e crítica e reprovação (em maior número); 
  • Uso político da tragédia, por parte de lideranças religiosas e políticos com identidade religiosa, para criticar o governo federal, as esquerdas, o presidente da República e sua esposa Rosângela (Janja) da Silva, com muito uso de conteúdo falso, enganoso e impreciso.

Nesta matéria, Bereia dedica atenção à desinformação circulante promovida por lideranças e políticos religiosos para uso político da tragédia. 

Júlia Zanatta

A deputada federal católica Júlia Zanatta (PL-SC) publicou em seu perfil no Instagram, em 3 de maio, um vídeo que mostra o presidente Lula, ao chegar ao Rio Grande do Sul, respondendo a um pedido de aceno e dizendo que vai torcer pelos times gaúchos de futebol, Grêmio e Internacional.

Em seguida, são exibidas imagens de cidades inundadas e pessoas em telhados de casas esperando por resgate. O narrador do vídeo traz dados referentes ao desastre e afirma que “o descaso de Lula foi além da declaração futebolística”. Diz, também, que o governo manteria o Concurso Nacional Unificado, adiado pelo governo federal na sexta-feira, 3 de maio. O vídeo termina com informações para quem quiser ajudar e com a declaração: “Lula não tem condições mínimas de ser chefe da nação”.

Imagem: reprodução/Instagram

Este vídeo foi explorado por várias personagens que fazem oposição ao governo federal e repercutido em veículos que divulgam notícias produzidas pela extrema direita. O trecho é uma gravação das imagens da chegada do presidente Lula em sua primeira visita ao Rio Grande do Sul inundado, em 3 de maio. No recorte, ao desembarcar na cidade de Santa Maria, uma das mais atingidas, após ouvir o pedido de homem não identificado “Acena pra gente aí”, o presidente diz “Estou torcendo pelo Grêmio e pelo Internacional”. Críticos alegaram que Lula debochou do povo gaúcho no seu sofrimento. Já a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) Gleisi Hoffmann, ao comentar a crítica sobre o tema publicada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG) disse que a fala de Lula foi “uma clara metáfora ao lema ‘todos somos um’, mostrando que era um momento de união do povo gaúcho para enfrentar a tragédia que aconteceu”.

Imagem: reprodução/X

Um outro vídeo publicado por Zanatta exibe, na parte superior da tela, u a deputada afirma que a primeira-dama, Janja, “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude da primeira-dama demonstra falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.

Um outro vídeo publicado por Zanatta, em 5 de maio, exibe, na parte superior da tela, um trecho do Jornal Nacional com cenas da apresentação da cantora Madonna na praia de Copacabana e, na parte inferior, pessoas sendo resgatadas de inundações. Na descrição da postagem,a deputada afirma que a esposa do presidente Janja da Silva “estava ansiosa” para se encontrar com a cantora e que a atitude dela demonstraria falta de preocupação para com a situação do povo gaúcho.

A divulgação de que Janja estaria no show da cantora Madonna, no Rio de Janeiro, em 4 de maio, partiu do colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, e foi tema bastante explorado para críticas de descaso com a tragédia no sul, do presidente da República e sua esposa. O secretário-executivo do Ministério da Cultura publicou no X, na tarde do dia do show de Madonna, que Janja da Silva, esteve com a ministra Margareth Menezes cumprindo agendas para ações de cultura do G-20 no Rio de Janeiro e que já se encontrava de volta em Brasília após os compromissos.

Imagem: reprodução/X

Os deputados federais e senadores gaúchos destinaram quase R$ 1,6 bilhão em emendas individuais e de bancada para o estado em 2024, fazendo 408 aportes diferentes. Todavia, apenas três deputadas enviaram recursos relacionados às enchentes: Fernanda Melchionna (PSOL-RS) fez duas emendas, num total de R$ 1,7 milhão, para a elaboração de projetos de prevenção à erosão costeira e para gestão socioambiental. Maria do Rosário (PT-RS) e Reginete Bispo (PT-RS) disponibilizaram, respectivamente, R$ 500 mil e R$ 300 mil para ações de educação ambiental. 

Luís Carlos Heinze 

Em meio à comoção nacional gerada pelo desastre climático, repercutiu nas redes um vídeo no qual o senador Luís Carlos Heinze (PP/RS) defende o produtor rural e argumenta que os produtores não podem ser culpados pelas chuvas volumosas que atingiram o Rio Grande do Sul. 

O senador disse que Organizações Não-Governamentais deveriam arcar com os custos do desastre e alegou não acreditar no aquecimento global: “Eu não acredito [em aquecimento global]. (…) Quero que as ONGS, aqueles que defendem, ponham a mão no bolso, não eu e os produtores”, conclui Heinze.

Imagem: reprodução/X

O vídeo foi gravado em 29 de novembro de 2016, quando o senador Heinze deu entrevista à imprensa após um almoço da Frente Parlamentar da Agropecuária, realizada semanalmente em uma mansão no Lago Sul, Brasília.

Lucas Redecker

Circulou pelas mídias sociais uma publicação do jornalista André Trigueiro, da Rede Globo, que afirma que o deputado federal evangélico (Luterano) Lucas Redecker (PSDB – RS) foi o relator do projeto aprovado, em março passado, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O jornalista informa que o projeto autoriza o desmatamento de 48 hectares de “campos nativos”.

Imagem: reprodução/X

Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, na terça-feira 7, um vídeo no qual afirma que em meio à grave situação ocasionada pelas chuvas no Rio Grande do Sul há pessoas divulgando fake news sobre deputados e governos, especificamente sobre o Projeto de Lei 364, de autoria do deputado Alceu Moreira, do qual Redecker é o relator.

Em resposta ao conteúdo da publicação, o parlamentar postou em seu perfil no Instagram, em  7 de maio, um vídeo em que tenta se desvincular do projeto destrutivo do meio ambiente, para o qual deu parecer de aprovação .  Ele atribui a informação a “fake news das esquerdas”.

Imagem: reprodução/Instagram

Bereia checou que Lucas Redecker deu parecer de aprovação ao projeto do deputado Alceu Moreira (MDB/RS). O texto trata, de fato, como denuncia André Trigueiro, da liberação da utilização da vegetação nativa dos Campos de Altitude associados ou abrangidos pelo bioma Mata Atlântica para ampliação das áreas plantio do agronegócio.

Vídeo de Pablo Marçal: desinformação compartilhada por congressistas

Em 6 de maio, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) compartilhou em suas páginas, nas redes digitais, um vídeo no qual afirma que a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio Grande do Sul estaria impedindo a entrada de caminhões com doações porque os produtos não tinham nota fiscal. O senador reforça o conteúdo do vídeo com seus próprios comentários e ainda questiona a ação do governo federal para ajudar a população castigada pelo evento climático extremo. 

O vídeo foi divulgado originalmente pelo influenciador digital Pablo Marçal, que conta com mais de cinco milhões de seguidores no Instagram. Ele é reincidente na prática de disseminar notícias falsas e é alvo de investigação da Polícia Federal por disseminar afirmações que as urnas eletrônicas foram fraudadas nas eleições de 2022, repercussão ao discurso do ex-presidente e candidato à reeleição na época, Jair Bolsonaro (PL). As informações postadas por Marçal também foram compartilhadas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Imagem: reprodução X

Diante da ampla disseminação desta mentira, a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul emitiu nota, em 6 de maio, para afirmar que os veículos que transportam doações não estavam sendo retidos.  O órgão público chamou as publicações de “informação incorreta” e disse que os servidores estavam orientados pela Receita Estadual a liberarem todas as cargas com donativos nos postos fiscais.

Pablo Marçal, Cleitinho e Eduardo Bolsonaro foram citados em um ofício enviado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) Paulo Pimenta ao ministro da Justiça e Segurança Pública Ricardo Lewandowski.

No documento, encaminhado à Polícia Federal (PF), o governo aponta onze publicações desinformativas sobre a tragédia no Rio Grande do Sul e afirma que elas estão atrapalhando as operações de salvamento e acolhimento, causando transtornos a uma população já fragilizada. Além disso, a Secom também divulgou as medidas adotadas pelos órgãos de transporte para agilizar o fluxo de doações para o estado gaúcho.

Show da Madonna e dinheiro público: outro tema de desinformação

Uma outra tática política de desinformação é destacar um tema comportamental – no caso, o show da cantora estadunidense Madonna no Rio de Janeiro, em 4 de maio, como já mencionado nesta matéria.

O senador Jorge Seif (PL-SC) também criticou o show de Madonna, mas somente após ter sido flagrado na área VIP do evento. Vale lembrar que Santa Catarina, seu estado, faz fronteira com o Rio Grande do Sul e também foi afetado pelas chuvas intensas.

Em um estado que recebeu centenas de migrantes gaúchos, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) também criticou o show da cantora pop. Ele repostou uma publicação que afirma haver “dois países diferentes” no Brasil: um que enfrenta as enchentes e está “abandonado pelo governo”, e outro que assiste ao que chamou de “espetáculo de chorume moral protagonizado por uma depravada decadente”.

Imagem: reprodução X 

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) seguiu a mesma linha, atacando a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, por agradecer a Madonna pelas mídias digitais. A ministra foi homenageada pela cantora no telão do show em Copacabana. “No dia em que bebês estavam boiando mortos no RS”, disparou o deputado. Nikolas também tem usado as mídias para pedir apoio e doações para as vítimas da tragédia.

Outro episódio que ganhou destaque em grupos de WhatsApp foi um print falso de uma suposta conversa entre a primeira-dama Janja da Silva e a cantora Madonna.

Bereia verificou ser falsa a conversa entre ambas, uma vez que, além de ser ficção flagrante (Madonna ter um Pix, por exemplo), é nítida a montagem feita para difamar a imagem da esposa do presidente da República e utilizar como prática de desinformação o show que reuniu mais 1,6 milhões de espectadores no Rio de Janeiro.

Imagem: reprodução/WhatsApp

Além disso, informações falsas de que o Governo Federal teria gasto R$ 50 milhões no show da cantora, repercutiram também na rede digital X (antigo Twitter). A agência Lupa verificou o fato e publicou ser falsa a informação. Em nota, o governo Federal lamenta a “falsa narrativa” e reforça a necessidade de uma abordagem mais responsável:

“Este episódio serve como um lembrete crítico da necessidade de uma abordagem mais rigorosa e responsável no combate à desinformação. Informações falsas não apenas distorcem a realidade, mas podem ter consequências diretas sobre as vidas e a segurança das pessoas. Em tempos de crise, a verdade e a integridade da informação não são apenas uma necessidade cívica, mas uma questão de sobrevivência. Como sociedade, devemos exigir responsabilidade daqueles que divulgam informações e trabalhar juntos para promover uma cultura de integridade e precisão informativa”.

A turnê “The Celebration Tour”, que comemorou os 40 anos de carreira de Madonna, e terminou para um público de mais de um milhão e meio de pessoas na Praia de Copacabana, custou cerca de R$ 60 milhões. Este valor foi pago pelo banco Itaú (R$ 40 milhões) e por patrocinadores como a cervejaria Heineken e o aplicativo de reprodução musical Deezer. De acordo com dados do estudo realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE), o Governo do Estado do Rio de Janeiro investiu R$ 10 milhões no evento, e a prefeitura do Rio arcou com mais de R$ 10 milhões.

O impacto da desinformação no Rio Grande do Sul

Bereia entrevistou a pastora da Igreja Metodista em Santa Maria (RS) Margarida Ribeiro. Ela afirma que as mentiras e os enganos não têm colaborado para a ação solidária que está ocorrendo e enfatiza que a prática de desinformar está crescendo a cada dia.

A pastora Margarida Ribeiro ainda complementa que toda má informação não ajuda ninguém, só atrapalha. “E atrapalha às vezes ao ponto de socorrer vidas e faltar o que é essencial para as pessoas nesse momento.” Ela reforça que toda ação tem uma intenção, mas que agora não é tempo de julgar, pois o foco é a vida, e finaliza declarando:  “Que esse tempo proporcione uma nova fraternidade, mais fraterna”.

A disseminação de desinformação em meio a eventos trágicos, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, é um fenômeno preocupante. Isso pode desencadear uma série de graves consequências. Enquanto as autoridades e voluntários se esforçam para ajudar as vítimas, informações falsas circulam, dificultando as ações de resgate e apoio. 

Influenciadores digitais, entre eles os que possuem o selo de verificação de plataformas de mídias, promovem teorias da conspiração sobre eventos climáticos, que são classificados como artificiais, fictícios e superdimensionados.  Por mais que haja um esforço para restringir e remover esses conteúdos, ainda não é o suficiente, dada a quantidade de publicações com as mesmas informações e a ramificação para as outras plataformas como TikTok, X (antigo Twitter), Instagram, WhatsApp, Telegram etc.

Bereia alerta que, por mais que o conteúdo circule em grande escala e seja encaminhado por pessoas conhecidas, leitores e leitoras devem sempre desconfiar de material alarmante e contraditório das informações oficiais. Também é preciso atentar ao fato de que o consenso científico reconhece  a influência humana nas mudanças climáticas e esta responsabilidade deve ser assumida por governantes e por quem os elege.

Diante do alto volume de desinformação que prejudica o socorro às vítimas, Bereia indica a iniciativa Verifica RS, que tem o propósito distribuir conteúdo verificado nas mídias sociais e em grupos de moradores do Rio Grande do Sul. A iniciativa conta com os canais no Instagram (@rsverifica) e no TikTok (@rsverifica).

Referências de checagem:

AGÊNCIA LUPA. É falso que governo Lula patrocinou show da Madonna e deixou de enviar recursos para as vítimas das tragédias no RS. Agência Lupa, 07 maio 2024. Disponível em: https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2024/05/07/e-falso-que-governo-lula-patrocinou-show-da-madonna-e-deixou-de-enviar-recursos-para-as-vitimas-das-tragedias-no-rs . Acesso em: 13 maio 2024.

CNN BRASIL. Fake news sobre tragédias no RS: Governo pede que PF investigue postagens de Eduardo Bolsonaro, senador Cleitinho e Pablo Marçal. CNN Brasil, Política, 2024. Disponível em: https://cnnbrasil.com.br/politica/fake-news-sobre-tragedias-no-rs-governo-pede-que-pf-investigue-postagens-de-eduardo-bolsonaro-senador-cleitinho-e-pablo-marcal . Acesso em: 13 maio 2024.

DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. União de todos os lados pela reconstrução do Rio Grande do Sul. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 2024. Disponível em: https://diariooficial.rs.gov.br/materia?id=997980 . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. Enem dos Concursos: Governo fala sobre o Concurso Nacional Unificado (CNU). G1, Trabalho e Carreira, 17 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/concursos/ao-vivo/enem-dos-concursos-governo-fala-sobre-o-concurso-nacional-unificado-cnu . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. PF faz operação contra coach investigado por divulgar fake news sobre urnas. G1, Política, 17 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/01/17/pf-faz-operacao-contra-coach-investigado-por-divulgar-fake-news-sobre-urnas . Acesso em: 13 maio 2024.

G1. Temporais no RS: veja cronologia de desastre. G1, Rio Grande do Sul, 05 maio 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/05/temporais-no-rs-veja-cronologia-de-desastre . Acesso em: 13 maio 2024.

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Governo do Estado destaca resultado positivo das ações realizadas para o show da Madonna. Governo do Estado do Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://rj.gov.br/noticias/governo-do-estado-destaca-resultado-positivo-das-acoes-realizadas-para-o-show-da-madonna1347 . Acesso em: 13 maio 2024.

INSTAGRAM. Postagem do perfil @mentiratempreco. Instagram, 2024. Disponível em: https://instagram.com/p/C6o5zvqvikF . Acesso em: 13 maio 2024.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL. União de todos os lados pela reconstrução do Rio Grande do Sul. Governo Federal, 2024. Disponível em: https://gov.br/mdr/pt-br/noticias/uniao-de-todos-os-lados-pela-reconstrucao-do-rio-grande-do-sul . Acesso em: 13 maio 2024.

O GLOBO. Bolsonarista Jorge Seif pede desculpas por ter ido ao show da Madonna: “Decepcionei meu eleitorado”. O Globo, Política, 07 maio 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/07/bolsonarista-jorge-seif-pede-desculpas-por-ter-ido-ao-show-da-madonna-decepcionei-meu-eleitorado . Acesso em: 13 maio 2024.

O GLOBO. Chega a 145 o número de mortos pelas chuvas no Rio Grande do Sul. O Globo, Brasil, 12 maio 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/sos-rio-grande-do-sul/noticia/2024/05/12/chega-a-145-o-numero-de-mortos-pelas-chuvas-no-rio-grande-do-sul-e-cresce-numero-de-desaparecidos . Acesso em: 13 maio 2024.

O SUL. Bolsonaristas criticam Janja por suposta ida ao show de Madonna em meio à tragédia no Rio Grande do Sul; secretaria de governo negou. O Sul, 2024. Disponível em: https://osul.com.br/bolsonaristas-criticam-janja-por-suposta-ida-ao-show-de-madonna-em-meio-a-tragedia-no-rio-grande-do-sul-secretaria-de-governo-negou . Acesso em: 13 maio 2024.

PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. Estudo de Impacto: Show Madonna. Prefeitura do Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://prefeitura.rio/wp-content/uploads/2024/04/Estudo-Impacto-Show-Madonna.pdf . Acesso em: 13 maio 2024.SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Governo Federal aciona PF para punir quem propaga fake news sobre catástrofe no Rio Grande do Sul. Secom, 2024. Disponível em: https://gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/05/governo-federal-aciona-pf-para-punir-quem-propaga-fake-news-s . Acesso em: 13 maio 2024.

BRASIL DE FATO. Rio Grande do Sul tem 154 mortes e 94 desaparecidos. Disponível em: https://istoe.com.br/rio-grande-do-sul-tem-154-mortes-e-94-desaparecidos/ Acesso em: 17 maio 2024.

G1. Lula cria secretaria extraordinária para reconstrução do RS; Paulo Pimenta vai comandar órgão https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/05/15/governo-confirma-pimenta-em-cargo-para-coordenar-acoes-federais-de-reconstrucao-do-rs.ghtml Acesso em: 17 maio 2024.

YOUTUBE. https://youtu.be/tcXdZtQiTY4 Acesso em: 20 maio 2024.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2190986&fichaAmigavel=nao Acesso em: 20 maio 2024.

CORREIO BRAZILIENSE. Pablo Marçal é alvo de operação da PF que investiga crimes eleitorais https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/07/5106830-pablo-marcal-e-alvo-de-operacao-da-pf-que-investiga-crimes-eleitorais.html Acesso em: 20 maio 2024.

O SUL. Bolsonaristas criticam Janja por suposta ida ao show de Madonna em meio a tragédia no Rio Grande do Sul; Secretaria de Governo negou. https://www.osul.com.br/bolsonaristas-criticam-janja-por-suposta-ida-ao-show-de-madonna-em-meio-a-tragedia-no-rio-grande-do-sul-secretaria-de-governo-negou/ Acesso em: 20 maio 2024.

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Foto de capa: Imagem: Lauro Alves /Governo RS