* Matéria atualizada às 21:00 para correção de informações
Circula entre grupos religiosos, nas redes sociais, uma mensagem de texto em espanhol, sobre o fechamento de 1,5 mil igrejas na Nicarágua. A notícia teria sido divulgada por um jornal do país e propagada por uma pastora ligada à nação centro-americana, em contato direto com o(a) suposto(a) autor(a) da mensagem. Bereia checou as informações compartilhadas e a veracidade dos fatos.
Imagem: reprodução WhatsApp
Cancelamento do registro de organizações sem fins lucrativos na Nicarágua
Bereia verificou ser fato que o Ministério do Interior da Nicarágua publicou em Diário Oficial, em 19 de agosto último, o cancelamento de Pessoa Jurídica e do registo de 1,5 mil organizações sem fins lucrativos, por descumprimento das leis que regulam o funcionamento das organizações no país centro-americano.
Imagem: reprodução La Gaceta – Diario Oficial
A decisão do governo Ortega foi descrita, ao longo de 33 páginas, com a citação das organizações afetadas. Entre elas há organizações judaicas, islâmicas, Hare Krishna, católicas, evangélicas de diversas denominações – metodista, batista, presbiteriana e pentecostais – gnósticas, médicas, esportivas, de direitos LGBTQ, indígenas e ambientais.
Imagem: reprodução La Gaceta – Diario Oficial
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estado Americanos (OEA), emitiu, em 22 de agosto passado, uma nota em que condena a decisão do governo de Daniel Ortega de cancelar o registro das organizações da sociedade civil.
De acordo com o órgão, ao menos 700 delas eram instituições religiosas. “Esta ação intensifica a repressão na Nicarágua, evidenciando o sustentado embate contra o pluralismo e o fechamento deliberado do espaço cívico e democrático no país”, diz o texto oficial.
Imagem: reprodução La Gaceta – Diario Oficial
Mais recentemente, igrejas evangélicas, até então aliadas para o presidente da Nicarágua, também passaram a ser alvo das medidas de Ortega. Desde os protestos, motivados pela reforma previdenciária na Nicarágua, em 2018, lideres da Igreja Católica foram tratados pelo atual presidente como oposição, o que resultou em exílios e prisões.
Na ocasião do fechamento das ONGs, o Papa Francisco demonstrou preocupação com a situação da Nicarágua ao declarar “Sigo com uma profunda preocupação com o que está acontecendo na Nicarágua, onde bispos e sacerdotes foram privados de liberdade”.
A justificativa apresentada pelo governo da Nicarágua para os fechamentos foi que as ONGs não promoveram políticas de transparência quanto às transações financeiras, por períodos que variam de um a 35 anos.
Ao todo, mais de 5.100 organizações civis tiveram os registros cancelados desde 2018, quando iniciaram os grandes protestos contra o governo. O fechamento em massa ocorrido no mês de agosto, foi o maior desde então.
A decisão de Ortega tem sido apontada como meio para enfraquecer a atuação da sociedade civil e ampliar seu controle sobre o país. Além do fechamento das instituições, o presidente da Nicarágua assegura o confisco de bens e ativos das organizações afetadas.
Novo modelo de funcionamento de ONGs na Nicarágua
Dias antes, em 16 de agosto, o governo de Daniel Ortega havia anunciado uma mudança no funcionamento das ONGs no país. Conforme relatado pelo jornal espanhol El País, o novo modelo operacional para as organizações obriga ONGs a trabalharem apenas em “alianças de associação com entidades estatais”.
O comunicado divulgado institui a obrigatoriedade da apresentação de propostas específicas das ONGs para entidades do Governo, ou Estado, aprovarem, ou não. O documento ressalta que nenhum dos projetos será objeto de “isenções ou outros benefícios fiscais”.
Das mais de 3,3 mil organizações da sociedade civil, que tiveram suas condições jurídicas revogadas e pararam de atuar desde 2018, conforme divulgado pelo Relatório da Anistia Internacional, em abril de 2024, 30 ONGs sofreram confiscos e 41 propriedades foram afetadas segundo relatório do Observatório Pró-Transparência e Anticorrupção (OPTA) publicado em maio deste ano. O estudo estima que as 41 propriedades confiscadas valem aproximadamente US$ 8,4 milhões.
Atuação do presidente Lula (PT) e expulsão de embaixadores
Em fevereiro de 2023, o bispo de Matagalpa, na Nicarágua, Dom Rolando José Álvarez foi preso por “desestabilizar o país”, após ter sido condenado a 26 anos de prisão. Ele foi acusado de conspirar “para minar a integridade nacional” e de propagar “falsas notícias através de tecnologias da informação e da comunicação em detrimento do Estado e da sociedade nicaraguense”. Outros dois sacerdotes foram condenados, e outros cinco foram expulsos do país por traição à pátria.
No contexto da prisão do bispo Dom Rolando Álvarez, Lula se recusou a assinar uma carta de 55 países contra Ortega. Porém, em visita à Itália, em junho daquele ano, o presidente brasileiro disse a jornalistas que tentaria interceder junto ao presidente da Nicarágua Daniel Ortega em favor da liberação de Dom Álvarez. No primeiro semestre de 2024, Lula disse ao Secretário de Estado do Vaticano Pietro Parolin que não conseguiu concretizar contato telefônico com o líder nicaraguense.
Segundo informações do jornal O Globo, o governo brasileiro tentou contato por diversas vezes, “mas Ortega esnobou Lula, o que causou profundo mal-estar ao presidente brasileiro, antigo defensor da Revolução Sandinista”.
Embora ainda haja uma afinidade ideológica entre os dois líderes sulamericanos, as medidas adotadas por Ortega – e o não atendimento das chamadas do governo brasileiro – levaram, recentemente, à adoção de um novo posicionamento por parte do presidente brasileiro.
No último 7 de agosto, o governo da Nicarágua expulsou o embaixador brasileiro em Manágua Breno de Souza Brasil Dias da Costa. O Brasil, em resposta, também decidiu expulsar a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matus. Conforme noticiou a CNN, o presidente Lula, embora não se oponha ao diálogo, não tomaria a iniciativa de ligar para Ortega.
Em 26 de agosto, Ortega acusou Lula de querer ser representante dos estadunidenses na América Latina para justificar o rompimento com o Brasil, enquanto criticava a postura do presidente brasileiro em relação às eleições da Venezuela.
Pressão internacional contra o regime de Daniel Ortega
Além de ter tido papel preponderante na Revolução Sandinista ao final da década de 1970, Daniel Ortega foi presidente da Nicarágua de 1985 a 1990. Em 2007, após campanha eleitoral que acenou ao eleitorado religioso, voltou à liderança do país e, vitorioso, promoveu mudanças constitucionais que permitiram sucessivas reeleições desde então. A partir de 2016, Rosa Murillo, esposa de Ortega, passou a ser a vice-presidente do país e o governo vem sendo cada vez mais questionado em razão do desrespeito aos direitos humanos.
Já em 2016, organismos internacionais não puderam observar o processo eleitoral na Nicarágua. Em 2018, após a aprovação de uma reforma previdenciária que aumentaria a contribuição de empresários e trabalhadores, a sociedade nicaraguense entrou em um momento conturbado de agitação social.
Em resposta às manifestações, o governo liderado por Daniel Ortega colocou em prática atos de repressão contra a população local. Mortes foram registradas desde os primeiros dias das agitações, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), instalou uma comissão para observar a situação dos direitos humanos no país.
Em maio de 2018, a CIDH publicou relatório em que apontava graves violações aos direitos humanos no país. Desde então, a comunidade internacional vem pressionando o regime de Daniel Ortega, a fim de constranger o país em suas medidas repressivas. Em abril de 2014, a CIDH, mais uma vez, fez um apelo para que os países da região e os demais Estados nacionais se esforcem para garantir o retorno à democracia e ao estado democrático de direito na Nicarágua.
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Bereia confirma que há uma crise na Nicarágua sob o governo de Daniel Ortega, com ações classificadas como repressivas e persecutórias a organizações da sociedade civil, incluídas as igrejas, porém, classifica o conteúdo checado como enganoso. A mensagem de texto em espanhol, compartilhada em grupos religiosos no WhatsApp, contém elementos verdadeiros apresentados de forma distorcida, com exageros. Os números propagados pela publicação não correspondem ao de igrejas fechadas, mas ao total de organizações sem fins lucrativos, de diferentes segmentos e religiões, afetadas pela decisão do governo da Nicarágua de revogar seus registros.
Importa reconhecer que há, na Nicarágua, um cenário de desrespeito e perseguição a diversas entidades civis, com pressão da sociedade internacional sobre o regime de Ortega. No caso específico, no entanto, quem produziu o texto checado pelo Bereia reduziu a questão a igrejas, inflou o número de organizações cristãs fechadas e usou recursos para dar à mensagem o teor de proximidade com pessoas afetadas. A disposição das informações na mensagem foi estruturada para exacerbar o aspecto religioso nas medidas de Ortega.
Bereia alerta para a necessidade de contextualização dos fatos ocorridos e de atenção a tentativas forçadas de correlação do cenário estrangeiro com a realidade política brasileira. A distorção de fatos e números, especialmente no que diz respeito ao fenômeno religioso, tem sido uma das formas de captar o apoio para pautas levantadas de forma enganosa pela extrema direita. Nesse sentido, o uso da ideia de “cristofobia” ou de perseguição sistemática a cristãos no Brasil é objeto de recorrentes checagens do Bereia, principalmente em períodos eleitorais.
O telejornal RJ2 da Rede Globo divulgou, em 8 de junho, a investigação realizada pela Polícia Federal (PF) sobre o desvio de emendas parlamentares para a ONG Con-tato, que seria ligada aos irmãos deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro Domingos Brazão, acusados de envolvimento com o crime no Rio de Janeiro, e com a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL).
A matéria indica que a ONG tem contratos milionários com diferentes esferas do poder público e que, em material apreendido pela PF, foram encontrados indícios de que o Chiquinho Brazão e o ex-deputado federal católico Pedro Augusto (Partido Progressista-RJ), conhecido como Romeiro de Aparecida, usavam a organização para desviar dinheiro do orçamento público por meio de emendas parlamentares.
Imagem: Reprodução TV RJ2
Além do envolvimento do ex-deputado católico, a reportagem aponta que, desde 2019, a ONG Con-tato teria recebido mais de R$137 milhões em emendas parlamentares direcionadas por deputados cristãos de diferentes partidos e membros da Frente Parlamentar Evangélica. Entre os citados estão os deputados evangélicos do Rio Jorge Braz (Republicanos), Otoni de Paula (MDB) e Sóstenes Cavalcante (PL) e os católicos Carlos Jordy (PL) e Hugo Leal (PSD). Também estariam envolvidos os ex-deputados federais Clarissa Garotinho (União Brasil), João Carlos Soares Gurgel (PL), Ricardo da Karol (PDT), Roberto Sales (PSD) e Wladimir Garotinho (PSD).
A organização também estaria envolvida nos escândalos da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj), um esquema de contratação ilegal de funcionários, entre 2021 e 2023. A Con-tato teria recebido R$ 26 milhões do órgão no programa “Mais Acesso”.
Por conta da menção a emendas parlamentares de deputados religiosos no caso, Bereia checou a história.
O que está sendo investigado?
Em 2023, a Con-tato fechou dois contratos com a Secretaria de Estado Intergeracional de Juventude e Envelhecimento Saudável que somam mais de R$ 30 milhões. O programa empenhado deveria desenvolver política de saúde preventiva na rede municipal de ensino e lideranças comunitárias, para prevenção de doenças. Entretanto, o convênio foi assinado em 10 de março de 2020, justamente quando as medidas de isolamento, devido à pandemia, já estavam em vigor em muitos lugares. Mais de 80% do valor do contrato, 20 milhões de reais, foram pagos na primeira de três parcelas previstas, no mesmo dia em que o governo do estado suspendeu as aulas por decreto.
De acordo com o TCE, esta antecipação de valores não foi justificada e há suspeitas de direcionamento na contratação, superfaturamento e não realização dos serviços. O tribunal deu um prazo de 30 dias, a partir de 11 de março deste ano, para que a entidade apresentasse defesa ou devolvesse R$ 26 milhões, em valores atualizados.
Apesar de estar sob suspeita, a ONG Con-tato firmou com a Secretaria Estado de Ambiente e Sustentabilidade o contrato de maior valor com o Estado. O documento foi assinado sem licitação, em 30 de dezembro de 2021, no valor total de R$ 96 milhões. Agora, a organização negocia uma renovação de contrato com a mesma secretaria de mais R$ 60 milhões.
A ONG nega todas as acusações. Em nota de esclarecimento, a entidade diz que as informações divulgadas, recentemente, por grandes veículos de comunicação não condizem com a realidade. “São completamente infundadas, acerca de um suposto envolvimento em desvio de verbas públicas ou ligação da organização com os deputados federais Chiquinho Brazão e Pedro Augusto, além de outras alegações”.
Ainda de acordo com a nota, a ONG Con-tato jamais executou projetos advindos de emendas destes dois parlamentares. Entretanto, conforme consulta ao Portal da Transparência, é possível verificar que há emendas do ex-deputado Pedro Augusto para a ONG.
Imagem: reprodução/site Con-tato
O que são e como funcionam as emendas parlamentares?
Atualmente, a Lei Orçamentária Anual Brasileira é definida pelo Poder Executivo, ou seja, pelo presidente, governadores e prefeitos. Contudo, a Constituição permite que os parlamentares façam emendas para modificar itens do projeto que, por fim, deve ser aprovado, enviado novamente ao Poder Executivo, para ser sancionado e executado no ano seguinte.
Por meio das emendas parlamentares os deputados federais podem acrescentar novas programações orçamentárias e influenciar no que o dinheiro público será gasto. Segundo o site Transfere Gov, é comum que as emendas sejam direcionadas para as bases eleitorais dos parlamentares, para atender as demandas das comunidades que representam.
Imagem: reprodução/Portal da Transparência da Controladoria Geral da União
Segundo o Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU), o Poder Executivo não é obrigado a dar cumprimento a todas as emendas parlamentares. As únicas emendas que devem ter execução orçamentária e financeira obrigatórias são as emendas individuais (propostas por cada parlamentar), limitadas a 2% da Receita Corrente Líquida (RCL), e as emendas de bancada (de autoria das bancadas estaduais no Congresso Nacional relativa a matérias de interesse de cada Estado ou do Distrito Federal), limitadas a 1% da RCL.
De acordo com a Agência Câmara de Notícias, em 2024, o total de emendas parlamentares atingiu a marca de R$44,67 bilhões, dos quais R$25,07 bilhões são emendas individuais e R$8,56 bilhões de emendas de bancadas estaduais. Do total, 66% das emendas foram destinadas para o ministério da Saúde e para transferências diretas para prefeituras. Isso acontece porque 50% do total das emendas individuais devem ser obrigatoriamente destinadas para a saúde.
Imagem: reprodução/Câmara dos Deputados
As emendas parlamentares são alvo de atenção pública desde o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em 2020, foi criado, sob a liderança dele, um orçamento paralelo bilionário para conseguir o apoio do “Centrão” no Congresso Nacional contra possíveis processos de impeachment e para aprovação de projetos do governo. O jornal O Estado de São Paulo, expôs o escândalo. Documentos obtidos pelo veículo indicam que o esquema violava leis orçamentárias, já que ministros, não congressistas, deveriam decidir sobre a alocação de recursos.
O envolvimento da Frente Parlamentar Evangélica
Conhecida pela defesa de pautas conservadoras alinhadas à chamada “agenda moral”, com temas voltados à sexualidade na “defesa da família tradicional”, e na aliança com parlamentares do agronegócio e da pauta da segurança pública (Bancadas conhecidas como Boi e Bala), a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) tem envolvimento com outras abordagens.
Entre os envolvidos no caso de desvio das emendas parlamentares para a ONG Con-tato, os parlamentares Sóstenes Cavalcante (PL), Otoni de Paula (MDB), Jorge Braz (Republicanos) e Hugo Leal (PSD) também fazem parte da FPE. Em busca no Portal de Transparência foi possível verificar que além do envolvimento na investigação, as emendas parlamentares dos quatro deputados citados foram direcionadas para a área de esportes, educação, direitos humanos e assistência social do Estado do Rio de Janeiro.
Em contrapartida, o ex-deputado católico Pedro Augusto (Progressistas), que assumiu como suplente da ex-deputada evangélica Flordelis dos Santos (PSD), presa pelo homicídio do marido, também foi citado na operação. O ex-deputado fazia parte da Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana, e possui ligação com outras investigações como a Furna da Onça. A operação que investigou esquemas de corrupção que envolviam o senador Flávio Bolsonaro, apontou que funcionários do gabinete de Pedro Augusto na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) movimentaram R$4,1 milhões de reais entre 2016 e 2017.
Circula em mídias sociais e sites religiosos pronunciamento feito pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), no qual defende que durante os três anos de seu mandato houve uma redução de investimentos destinados às Organizações Não Governamentais (ONGs), que, consequentemente, levou à extinção do Movimento Sem Terra (MST). No mesmo pronunciamento o presidente defende que mais de mil licenças CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) foram emitidas por dia.
O site Pleno News destaca o pronunciamento do presidente, realizado em 10 de fevereiro de 2022, em frente ao Palácio do Planalto, diante de público apoiador. A matéria expõe os seguintes temas presente no discurso do presidente: não houve aumento no número de demarcações de terras destinadas aos povos tradicionais indígenas brasileiros; a redução de verbas para ONGS e possível extinção do MST; as CACs podem garantir a fazendeiros, a quem se refere como “produtor rural”, a defesa de seu patrimônio territorial contra quem desejar tomar posse de suas terras.
Bereia checou os elementos destacados pelo presidente no pronunciamento e repercutidos pelo Pleno News, bem como por outros espaços digitais religiosos.
Corte de verbas para ONGs e mudanças políticas
As ONGs são organizações sem fins lucrativos, caracterizadas por suas ações de prestação de serviços e solidariedade, frente às políticas públicas em áreas em que o Estado está ausente ou apresenta carências. Os recursos para a manutenção das ONGs brasileiras são, em sua maioria, provenientes de captação que elas fazem com empresas privadas, doadores individuais, realização de eventos, campanhas de financiamento coletivo ou venda de produtos que são parte de suas ações.
Nascidas no regime de exceção da ditadura militar, a cultura das ONGs surgiu da necessidade de se estabelecer um diálogo entre a população e as formas de governança, como defende a professora universitária, Olivia Perez. Suas atividades financeiras dependem do financiamento vindo de entidades, fundações, empresas, incentivos internacionais, ações governamentais e criação de investimentos próprios.
No caso do MST, a maior parte dos recursos que financiam o MST não vêem de verbas governamentais, mas sim do financiamento de insumos realizado pelo Financiamento Popular da Agricultura Familiar (FINAPOP). Este é um fundo de investimento ligado às cooperativas da Reforma Agrária Popular, que, através da venda de títulos, arrecada verbas destinadas à produção agrícola; doação interna dos membros do Movimento e da venda de insumos por eles produzidos. Outra fonte de financiamento para o MST vem de doadores nacionais e internacionais e de parcerias com ONGs europeias, Programas governamentais como Procera (Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária), não apoiam diretamente o movimento, por terem relação direta com pequenos produtores, portanto e, consequentemente, o movimento.
Das muitas possibilidades de captação de recursos estão as leis de incentivo fiscal, nelas o governo abre mão de parte dos impostos pagos por empresas privadas e destina parte dessas verbas para entidades ou projetos sociais, tudo mediado pelo cumprimento e implementação de editais auditáveis (são exemplos Lei Rouanet na área da cultura – Lei nº 8.313/9; Lei do Audiovisual – Lei nº 8.685/93).
Há ainda as leis de incentivo parlamentar, em que os governantes podem destinar até 0,6% da corrente líquida prevista para um projeto encaminhado pelo Poder Executivo para ações humanitárias, tal qual as ONGs, conforme determinado pelo § 9º artigo, 166 (Emenda Constitucional 86). Na prática isto significa que cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas ao orçamento, com o valor total de R$ 15,9 milhões, desse valor 50% precisa obrigatoriamente ser destinado a ações e serviços públicos de saúde e educação.
“De fato, a partir da década de 1990 houve uma expansão de diversas organizações civis, inclusive daquelas que executam serviços governamentais junto ao poder público. Esse crescimento pode ser explicado pelas novas diretrizes dos governos pós- democratização – que se abriram às parcerias com organizações civis – e também pela multiplicação de iniciativas da sociedade civil”, opina a professora Olívia Perez.
Por sua vez, o MST, assim como outras ONGS comprometidas com direitos humanos, sociais, culturais e ambientais, não têm recebido verbas governamentais. A política é parte da postura assumida pelo governo de Jair Bolsonaro de negar o papel das ONGs e atribuí-las caráter criminoso. Já no primeiro ano de governo, Nabhan Garcia, nomeado secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, afirmou ao tomar posse no cargo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: “Não haverá mais dinheiro para ONGs escusas”, o. Presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan foi conselheiro de Bolsonaro para o agronegócio durante a campanha.
Na entrevista, o secretário se recusou a citar nomes de entidades que considera suspeitas. “Tem muita ONG que, se quiser sobreviver, vai ter que sobreviver como manda a lei, às custas próprias”, continuou. “Existe uma preocupação de algumas ONGs que estão reclamando… Não vejo um motivo. Talvez seja isso. Ora, já se diz: organização não governamental. Que sobreviva às custas próprias, não tirando dinheiro dos cofres públicos.”, declarou.
De fato, já na campanha para a Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro, então candidato do PSL, ameaçou: “A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, ameaçou Bolsonaro, que mais uma vez combinou um suposto discurso patriótico com exaltação violenta contra adversários políticos. “Essa pátria é nossa. Não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha.” Depois desta declaração pública, a Associação Brasileira de ONGs (ABONG) divulgou nota pública condenando a criminalização das organizações pelo então candidato e as ameaças de perseguição.
Em 2019, a A MESA de Articulação de Associações Nacionais e Redes Regionais de ONGs da América Latina e Caribe publicou nota solidarizando-se com a sociedade civil e o povo brasileiro em razão da Medida Provisória que deu à Secretaria de Governo, liderada pelo general Santos Cruz, o poder de supervisionar, coordenar e monitorar as atividades de ONGs e organizações internacionais.
Ao longo do governo Bolsonaro foram diversas as declarações de negação do papel das ONGs e de criminalização de suas ações, várias delas baseadas em desinformação, como verificou o projeto Aos Fatos.
No entanto, no atual governo recursos destinados às ONGs continuam sendo aplicados em instituições sem fins lucrativos, aponta o colunista do portal UOL, Demétrio Vecchioli, porém, há motivações que fogem da lógica do atendimento a políticas públicas e passam por questões ideológicas e relações pessoais entre líderes do governo, deputados federais e beneficiários. Em 2020 o Instituto Léo Moura (jogador de futebol veterano), por exemplo, sediado no Rio de Janeiro, recebeu cerca de R$ 5,2 milhões destinados pelo governo federal, para a manutenção de 15 escolinhas de futebol. O Rio é o estado do deputado federal Luiz Lima (PSL), apoiador do governo federal. Como comparação, o valor é maior do que recebem, por ano, 29 das 35 confederações olímpicas, incluindo as de atletismo e esportes aquáticos.
“A grande maioria dessas emendas visa beneficiar prefeituras municipais. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Cidadania firmou 160 convênios originários de emendas que beneficiaram o estado de São Paulo. Dessas, só 11 eram com ONG’s e nenhuma emenda foi de valor superior a R$ 300 mil. É mais comum que projetos sociais sejam financiados via Lei de Incentivo ao Esporte”, afirma Demétrio Vecchioli, colunista esportivo do portal UOL
Matéria do UOL em 2019 já mostrava que as condições precárias nos postos de saúde das aldeias indígenas de Dourados, a 230 km de Campo Grande (MS) contrastam com o enorme volume de recursos públicos destinados ao atendimento médico dos cerca de 17 mil índios das etnias terena, kaiowá e guarani que vivem naquela região. A ONG Missão Evangélica Caiuá já era, à época, a recordista em repasses federais por meio de convênios nos seis primeiros meses do governo Jair Bolsonaro (PSL), superando Estados e municípios nas chamadas transferências voluntárias de dinheiro.
Já matéria da Agência Pública levantou que entidades cristãs receberam quase 70% da verba federal para comunidades terapêuticas (CTs) no primeiro ano de governo Bolsonaro. Dinheiro público financiou CTs denunciadas por violações de direitos humanos, incluindo LGBTfobia e desrespeito à liberdade religiosa.
O MST
O Movimento Sem Terra (MST), surgiu da união de movimentos populares de luta pela terra promovidas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, na primeira metade dos anos 1980. Fundado em 1984 no Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terras, o MST forma uma frente de luta em prol da reforma agrária brasileira. Hoje o movimento encontra assentamentos em todos os estados do país, mantendo vínculos diretos com cerca de 400.000 famílias assentadas e mais 120.000 acampadas. Dentre as principais ações desenvolvidas pelo movimento estão o de produção de insumos agrícolas, educação para jovens e adultos e distribuição de alimentos à famílias carentes.
“As famílias acampadas e assentadas estão hoje entre os principais produtores de orgânicos do país —no caso do arroz, já são os maiores da América Latina— e seus produtos chegam tanto em escolas públicas como a mercados europeus. Esta é a história desses homens e mulheres do campo”, segundo matéria do jornal EL País.
“Tirei dinheiro de ONG do MST. Não tem mais MST. O número de invasão é menos de dez por ano. Resolvido rapidamente”, disse o presidente Bolsonaro no pronunciamento checado pelo Bereia. Parte do plano de ações do governo federal para a posse de terras e o relacionamento com o MST está sob o programa Titular Brasil, articulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Invasão e ocupação não são sinônimos. A ocupação de terras ou patrimônios diz respeito a um movimento legalizado e previsto por lei, sua ação consiste na ocupação de uma área, seja rural ou urbana, que seja ociosa, isto é, que não esteja sendo utilizada ou possua um fim destinado pelo proprietário. Tal movimento é respaldado pela Lei de Ocupação de Solo, prevista na Constituição de 1988, e defende que o proprietário não pode deixar o seu imóvel ou terras sem uso, visando uma possível especulação imobiliária para sua venda, sendo possível a ocupação do imóvel ou território que não cumpra sua função social.
Artigo 186 da Constituição de 1988: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
Para exercer direito legal sobre o território ocupado, os ocupantes precisam realizar atividades econômicas sob o solo tornando-o economicamente produtivo. Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Deuze Laureano, “juridicamente, o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes. Trocando em miúdos, é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é o titular do domínio, em face de todos os outros integrantes daquela sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para este sujeito dono é exigido o cumprimento da função social. Essa é a condição sine qua non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu direito de propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social está vazio. Ninguém tem a sua posse, como consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente no registro, dar as garantias da ação possessória.”, afirma.
Em contrapartida, a invasão diz respeito à apropriação ilegítima de terras e imóveis que comprovadamente têm uso e função social. É configurado como invasão de terra e propriedade a apropriação indevida de imóveis e territórios em uso ou produção agrícola, sendo a pena para esse crime detenção de seis meses a três anos, de acordo com o artigo 5º da lei 4.947 de 1966.
De acordo com a Câmara de Conciliação Agrária do INCRA no triênio 2019 a 2021 foram registradas 24 ocupações em fazendas e terras ociosas, uma redução expressiva se comparada as quase 150 ocupações em 2018. Em entrevista à Rede Brasil Atual, a dirigente nacional do MST Marina dos Santos, aponta que a queda no número de ocupações se deu graças ao cenário pandêmico. A líder do movimento destaca ainda, “Na verdade, não é nem uma necessidade que o MST tem de organizar. Mas é uma necessidade que surge a partir das necessidades do próprio povo trabalhador. Precisamos retomar as ocupações, porque elas também podem ser um instrumento importante no combate à fome que estamos vivendo hoje”, explica.
Em comparação com o histórico relatório anual da Comissão Pastoral da Terra da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Igreja Católica “Conflitos no Campo Brasil 2020, os dados do governo são bem menores mas indicam a realidade de queda no número de ocupações. No entanto, o documento da CPT relaciona esta situação não a cortes de verbas para ONGs, mas ao crescimento da violência no campo, relacionada ao aumento do número de licença de armas para fazendeiros, e às barreiras sanitárias, com a pandemia de covid-19.
O relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, que é referência nacional e internacional para pesquisas sobre este tema, desde 1985 (todos os relatórios podem ser encontrados aqui), aponta que 2020 foi o “ano de terror no campo”, com um aumento de 8% de conflitos de terra e das águas em relação a 2019, média 6.62 conflitos por dia. Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro registraram o maior número de aumentos de conflitos no campo. Os povos indígenas (42%) foi o grupo que mais sofreu ações de conflitos por terra, seguido por quilombolas com 17% e posseiros com 15%. Foram registradas 2.054 ocorrências em 2020, um aumento de 8% em relação a 2019. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela organização desde 1985. Foram 914.144 pessoas envolvidas em conflitos ano passado, um aumento de 2% em relação ao ano anterior.
“Injustiça fundiária”
Segundo o relatório, o Brasil viveu em 2020 um quadro de “injustiça fundiária, prevalência dos interesses do capital, violência, omissão/conivência do Estado e resistência dos povos e comunidades. 2020, porém, foi um ano em que alguns atores tiveram que se adaptar frente a uma condicionante inesperada: a COVID-19. Nesse sentido, as ações de resistência, como ocupações/retomadas e acampamentos – que já haviam declinado em 2019, diante da postura belicosa do governo federal –, experimentaram novo enfraquecimento, e somaram apenas 29 ocupações e três acampamentos” (página 9).
O documento da CPT oferece um comparativo do número de ações de ocupação e retoma de terras nos últimos dez anos:
Imagem: reprodução de tabela do documento
Extraído de Conflitos no Campo 2020, CPT, p. 22
Uma audiência na Câmara dos Deputados debateu o tema da violência no campo, em 2021, com a participação do INCRA. De janeiro a maio, a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), atuou em 505 processos judiciais relativos a ações de posse e de reivindicação de propriedade efetiva de terras. Também há preocupação com a invasão de terras indígenas, sobretudo no caso dos conflitos dos Munduruku com garimpeiros ilegais, no Pará. As discussões corroboraram o que consta no relatório da CPT.
O direito às “terras indígenas” é garantido pela constituição cidadã de 1988, Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios. A constituição partiu em defesa dos índios como os primeiros, e naturais, senhores da terra, sendo eles seus proprietários de seus direitos. Assim, o direito dos nativos à terra independe do reconhecimento formal. No artigo 20 está estabelecido que essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos povos indígenas a posse, usufruto e permanência em seu território.
Artigo 231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
As terras demarcadas como pertencentes aos povos indígenas somam hoje 15% do território amazônico. 63 milhões de hectares. E apesar de serem popularmente chamadas de “terras indígenas” o território demarcado para os povos originários é de posse do Estado, cabendo a ele sua manutenção e preservação, sendo sua venda ou arrendamento a terceiros punível por lei. De acordo com relatório “Conflito no Campo Brasil 2020”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 modalidades de violência como a invasão de território indígenas cresceram em relação a anos anteriores. Das 81 mil famílias vítimas de invasão territorial, 58. 327 são indígenas (71,8%). Em 2019, essa porcentagem havia sido de 66,5% (26.621) e em 2018, 50,1% (14.757)
“Os registros da CPT confirmam a análise da prof. Patrícia [Chaves, da Universidade Federal do Amapá] ao identifcar, na esteira dos ataques promovidos pelos referidos agentes, os principais tipos de violência por eles cometidos em 2020: “invasão”, “grilagem” e “desmatamento ilegal”. Foram vitimadas por invasão 81.225 famílias, das quais 58.327 9 são indígenas (72%); 19.489 sofreram grilagem (37% indígenas); e 25.559, desmatamento ilegal (60% indígenas)”, afirma CPT em relatório.
O relatório da CPT reconhece que o governo federal “apresentou o Projeto de Lei (PL) 191/2020, para regulamentar a exploração em terras indígenas, e apoiou o PL 5.518/2020, apresentado pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), cujo objetivo é de aprovar concessões de exploração das florestas à iniciativa privada” (p. 29).
O governo deu porte de arma às pessoas?
“Demos o porte de arma ao fazendeiro. Estamos criando mais de mil CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) por dia”, disse Jair Bolsonaro, no encontro com apoiadores em 10 de fevereiro . De fato, isto é resultado de uma política do governo federal que prevê um processo de armamento de parcela da população.
Desde 2019, houve um aumento nos registros de compras de novas armas por cidadãos brasileiros, contabilizando um acréscimo de 225% se comparado ao triênio anterior, foram 153 mil novas armas adquiridas de 2019 a 2021, estando 143 mil desse total, 76%, sob posse de cidadãos sem especificação de uso ou territorialidade (se para centros urbanos, como autodefesa, ou para o campo, como arma de caça). Em contrapartida, o número de alvarás para a posse de armas foi de 10.627, entre 2019 e 2021, menos de 10% do número de novas armas. No mesmo período, o número de pedidos para registro de atuação como CACs aumentou 43%, chegando a 286,9 mil pedidos em 2020.
Posse e porte não são sinônimos. A posse permite a pessoa adquirir e tutelar uma arma de fogo, já o porte permite que a mesma faça o seu uso e locomoção. De acordo com o artigo 6º, IX da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento, a licença CAC-atirador não é o mesmo que posse de armas. Ela permite ao sujeito o manuseio da arma em ambiente controlado, dentro de um Clube de Tiro, além da participação em treinos e competições de tiro. Para isto é necessário estar apto para tal ação, sendo o uso da arma em ambiente externo ao clube permitido apenas para competições e não para autodefesa ou defesa patrimonial.
O relatório Conflitos no Campo 2020 da CPT confirma a fala do presidente, ao relacionar o aumento na violência no campo a partir de 2019 com estas políticas de armamentismo. O texto registra que o governo Bolsonaro
“não somente faz vistas grossas para as ilegalidades e impunidades cometidas pelas classes ruralista e burguesa do país, ele abertamente propõe leis ou cria decretos que estimulam os massacres contra as populações, como é o caso dos decretos 10.627/21, 10.628/21, 10.629/21 e 10.630/21, que flexibilizam os procedimentos para porte de armas; ampliam a lista de profissões autorizadas ao uso de armas; retiram o imposto de importação de armas; e permitem a posse de arma para toda propriedade rural” (p. 28)
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Bereia classifica a afirmação do presidente Jair Bolsonaro, repercutida pelo site gospel Pleno News, de que “tirou verba de ONG e acabou com o MST” como enganosa. O conteúdo do pronunciamento é impreciso e não corresponde a tal afirmação, que foi utilizada como chamariz. A apesar de ter elementos verdadeiros, como a redução de verbas governamentais para as ONGs, a declaração do presidente omite dados referentes à autonomia financeira do MST em relação ao governo, às causas da redução das ocupações de terra, como a pandemia de covid-19, e aos interesses em torno da não-demarcação de terras indígenas. Além disso, a fala de Jair Bolsonaro denota como positiva a insegurança no campo, com as ações armadas da parte de fazendeiros para reduzir ocupações de terras, e o não cumprimento do direito constitucional dos indígenas à demarcação. Bereia verificou que o MST não só segue em atuação como foi destaque no noticiário recente por conta de sua premiação pela Organização Internacional do Trabalho e sua entrada no mercado financeiro para captação de recursos.
A explosão ocorrida na região portuária de Beirute, capital do Líbano, em 4 de agosto deste ano, deixou 163 mortos, mais de 6 mil feridos e 300 mil desabrigados, segundo autoridades locais. A tragédia foi provocada por grande quantidade de material explosivo confiscado armazenado em depósito no porto da cidade, próximo a áreas populosas.
Enquanto as buscas por desaparecidos prosseguiam, Beirute e o restante do Líbano passavam por mudanças. Em meio aos protestos decorrentes da tragédia, o primeiro-ministro Hasan Diab e seu gabinete renunciaram. Alguns dias depois, o diplomata e embaixador do Líbano na Alemanha, Mustafa Adib, foi nomeado primeiro-ministro do país.
Na ocasião, em entrevista ao portal “Evangelical Focus” (do qual a matéria de CPAD News reproduz o conteúdo), a chefe da ONG cristã Together For The Family Izdihar Isaac, que atende refugiados no acampamento libanês de Bekaa, disse que “temos certeza de que as pessoas não vão parar de sair às ruas para protestar”.
Diversas igrejas tiveram seus templos danificados pela explosão, mas apesar dos danos sofridos, as congregações têm consciência de que o povo como um todo sofreu com a explosão e vive uma situação crítica. Por isso, as congregações têm se empenhado em ajudar a reconstruir a cidade, afirma.
A líder da ONG cristã também ressaltou que os cristãos têm visto a situação como oportunidade de mostrar às pessoas que há esperança no Evangelho, e mencionou sua preocupação com a situação dos refugiados afetados pela explosão, mas assegurou que assim como outras famílias que sofreram com a tragédia, estes grupos estão sendo ajudados por muitas igrejas.
O relato de Izdahir Isaac não é o único a tratar do trabalho de igrejas para ajudar a cidade depois da explosão. O portal evangélico Guia-me entrevistou o pastor brasileiro André Argente, que mora no Líbano há três anos, onde atua em parceria com uma ONG local em apoio às pessoas atingidas pelo acidente.
PROJETO JUNTOS PELA FAMÍLIA (Together for the family)
Isaac vive e desenvolve seu projeto missionário em Zalé, no Vale do Beqaa, no Líbano, segundo o site da organização Bright Hope World, que apoia o projeto Juntos pela Família. O trabalho de Izdahir Isaac Kassis começou com famílias em situação de vulnerabilidade (especialmente mães e recém-nascidos), mas expandiu-se para o apoio às famílias de refugiados que chegaram ao Líbano com mais intensidade a partir de 2011.
O site da Bright Hope World relata que o projeto já possui várias vertentes, desde distribuição de alimentos, capacitação profissional e até assistência médica. A iniciativa também é apoiada por outra organização missionária, a Fundação Outreach.
RELIGIÃONOLÍBANO
O Líbano é um país de diversidade religiosa. Em 2010, conforme dados do Pew Religious Center, em termos percentuais o Líbano apresenta a seguinte composição religiosa: muçulmanos (61,3%); cristãos católicos (28,8%); cristãos ortodoxos (8.3%); outros cristãos (1%+), cristãos protestantes (1%), outras religiões (1%-). As principais igrejas são: a Católica Maronita, a Ortodoxa Grega, a Católica Grega (Melquitas), Ortodoxa e as protestantes (Batista e Presbiteriana com mais presença, a que se somam pequenas missões evangélicas de diferentes origens).
De acordo com os pesquisadores Jamil Zugueib Neto e Fábio Bacila Sahd, a população no Líbano está repartida entre dezessete grupos étnicos-confessionais, embora apenas seis possuam representação parlamentar e façam parte do tronco fundador do país. São eles: muçulmanos sunitas, xiitas, drusos, cristãos maronitas, gregos ortodoxos e gregos católicos.
Na época da independência, os maronitas representavam 25% da população e sempre lideraram iniciativas políticas particularistas pelo lado cristão (apoiados por católicos e ortodoxos), apesar de contarem com intelectuais de expressão em movimentos arabistas. Contudo, perderam parte da influência política diante do crescimento populacional e melhoria educacional de outras comunidades, como a xiita.
Apesar de constituírem uma minoria (7% da população), os drusos possuem peso respeitável no jogo político nacional, mas sofre rejeições por parte dos muçulmanos, que os consideram uma seita herética como de cristãos, que apesar do bom convívio, guardam desconfiança devido aos massacres sofridos durante a guerra civil em 1860. Sunitas e xiitas se enfrentam desde os eventos políticos associados à sucessão do profeta Maomé.
Dividida em grupos de ritos e configurações sociais distintas, a sociedade libanesa nutre sentimento de diferença irreconciliável que leva à naturalização das particularidades. A religião enquanto conexão com o sagrado será o referente de orientação nos comportamentos, concorrendo para diretrizes que mobilizam os grupos.
Segundo Neto e Sahd, o que se vê é a superposição de modelos de pensamento convergindo para um discurso que entrelaça princípios e revelações celestiais com a interpretação histórico-política legitimando a causa defendida. Desta forma, os rituais de fidelidade religiosa incitam a devoção na ação política, provocando entusiasmo desproporcional e uma entrega desmesurada do indivíduo à sua causa e ao seu grupo.
ENTENDA A EXPLOSÃO EM BEIRUTE
Conforme matéria publicada pela Folha de S. Paulo, autoridades libanesas haviam alertado o premiê e o presidente do país, em julho, sobre o risco de explosão das 2.750 toneladas de nitrato de amônio armazenadas no porto de Beirute, de acordo com documentos aos quais a Agência Reuters obteve acesso.
Pouco mais de duas semanas após o alerta, os produtos químicos causaram uma mega explosão que destruiu a maior parte do porto, matando ao menos 220 pessoas, ferindo mais de 6 mil, além de destruir prédios do entorno.
O relatório elaborado pela Direção Geral de Segurança do Estado, órgão responsável pela supervisão da segurança portuária, sobre os eventos que levaram ao incidente inclui uma referência a uma carta privada enviada ao presidente Michel Aoun e ao primeiro-ministro Hassan Diab em 20 de julho.
Em entrevista à Reuters, uma autoridade sênior disse que ela resumia as conclusões de uma investigação judicial iniciada em janeiro, segundo a qual, produtos químicos precisavam ser colocados em condições mínimas de segurança.
De acordo com a Folha, a revelação pode alimentar a indignação dos libaneses com o episódio, apontado pela matéria como o mais dramático e recente exemplo de negligência do governo que levou o país a um colapso econômico.
A indignação popular não demorou a aparecer. Em matéria publicada pela Revista Istoé foi relatada a reação da população através de manifestações nas ruas de Beirute e em mídias sociais.
Um grupo de manifestantes foi às ruas e ergueu forcas fictícias com silhuetas de papelão representando os principais líderes, com a corda em volta do pescoço, incluindo Hasán Nasralá, chefe do Hezbollah, organização libanesa paramilitar e política islâmica xiita.
Vários libaneses consideram que a responsabilidade da explosão deve recair sobre todos os partidos que estão no poder, principalmente o Hezbollah, que domina a vida política. Alguns acusam o movimento xiita de ter guardado a enorme quantidade do material explosivo que causou a catástrofe e que estava armazenada no porto para ser usada na guerra da Síria, onde apoia o governo.
A tragédia ocorreu em meio a uma grave crise econômica, política e social vivida pelo Líbano, o que acentuou a rejeição dos libaneses aos líderes e ao Hezbollah, que também está na mira da justiça internacional.
As iniciativas para ajudar vítimas da explosão e para reconstruir a capital, Beirute, foram destacadas em mídias religiosas, católicas e evangélicas. Portais como Pleno News, Exibir Gospel, Portal dos Fatos e Canção Nova relataram ações executadas com o objetivo de auxiliar o povo libanês diante da conjuntura complexa em que o país se encontra.
Dentre as ações noticiadas estão ajuda emergencial no valor de 250 mil euros pela Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) para a aquisição de alimentos para famílias pobres afetadas pela explosão e o trabalho voluntário desenvolvido por grupos cristãos, atuando em tarefas como limpeza, ajuda às vítimas, reconstrução de lugares destruídos, dentre outros.
No plano internacional e ecumênico, o Conselho de Igrejas do Oriente Médio e o Conselho Mundial de Igrejas, juntamente com igrejas de todo o mundo, se somaram às associações nacionais de igrejas e realizaram ações de alívio às famílias atingidas e reconstrução da cidade. Estes grupos atuam ainda em cooperação com outros grupos de religiosos em nome da recuperação da cidade, como a campanha “Esperança Beirute”.
Além destas iniciativas, têm ganhado destaque as ações realizadas por grupos de jovens ativistas libaneses e estrangeiros no intuito de reconstruir a capital do país. Agências da Organização das Nações Unidas (ONU) destacaram o papel de jovens na recuperação de Beirute.
O Brasil, país onde vivem atualmente mais de 10 milhões de descendentes de libaneses, segundo estimativas da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, auxiliou o Líbano através de campanhas promovidas pela Associação Cultural Brasil-Líbano, que em 2006 arrecadou mantimentos para o Líbano após ser invadido por Israel. Com a explosão ocorrida em agosto deste ano, a associação se mobilizou para arrecadar mantimentos para as vítimas.
A Campanha Esperança Beirute
O Sínodo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano serve como guarda-chuva das congregações reformadas de língua árabe no Oriente Médio. Parte da Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas. O Sínodo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano representa 20 mil cristãos protestantes. Sua organização de ajuda diaconal é a Sociedade Protestante da Compaixão (Compassion Protestant Society), fundada em 2018. Ela fornece ajuda para o desenvolvimento profissional e opera escolas, clínicas, lares de idosos e outros serviços vitais.
George Ziadeh é CEO da Sociedade Protestante da Compaixão, que iniciou uma campanha de arrecadação de fundos, “Beirut Hope” (Esperança Beirute), para ajudar as centenas de milhares de pessoas afetadas pela explosão no porto de Beirute, em 4 de agosto. A entrevista a seguir foi extraída de uma entrevista original de Ziadeh produzida pela Igreja Evangélica da Renânia, Alemanha, que se juntou ao apelo por doações para as vítimas da explosão.
O que inspirou o nome da campanha?
Ziadeh: O nome da arrecadação de fundos não é coincidência. Beirute passou por muitas crises e guerras. Mas tivemos e sempre teremos a vontade e a esperança de reconstruir o país com o apoio de todo o mundo. É por isso que o projeto se chama Beirut Hope. Já vejo muita esperança. As organizações de ajuda trabalham juntas além das fronteiras religiosas. As igrejas se aproximam das pessoas. E isso definitivamente tornará a igreja uma igreja melhor.
Como você organizou a ajuda imediatamente após o desastre e ajudou as pessoas afetadas?
Ziadeh: Pouco depois da explosão, era importante dar assistência médica às pessoas e colocá-las em segurança. Afinal, mais de 300.000 pessoas perderam suas casas em Beirute. O maior desafio era e é o atendimento médico, porque a maioria dos hospitais de Beirute foram destruídos. Então, tivemos que levar as pessoas para hospitais fora da cidade. O problema, no entanto, é que os hospitais do Líbano não têm capacidade para tratar os 6.000 feridos na explosão de uma vez. A próxima tarefa era fornecer alimentos às pessoas que estavam sentadas em frente aos escombros e ver se precisavam de remédios. Muitas organizações e pessoas de fora de Beirute vieram ajudar.
Quais são as próximas etapas e qual ajuda é mais necessária agora?
Ziadeh: Na segunda fase, nós como a Compassion Protestant Society nos propusemos a tarefa de ajudar 1.000 famílias na reconstrução, cujas casas e apartamentos foram destruídos pela explosão. Estamos falando sobre a reconstrução de 1.000 casas. Será um grande esforço, também financeiro. Muitos fundos de ajuda chegam em dólares americanos e precisam ser convertidos em libras libanesas, embora a taxa atualmente esteja oscilando muito. Mas nosso objetivo é reconstruir as casas das 1.000 famílias até o inverno. Essa é a nossa principal meta para os próximos dois meses antes do início do inverno em outubro. E para isso também arrecadamos doações.
Muitos refugiados sírios também foram afetados pela explosão em Beirute. Como vocês ajudam essas pessoas?
Ziadeh: Definitivamente haverá refugiados sírios entre as 1.000 famílias. Muitos deles moram na cidade. Sabemos que 63 refugiados sírios morreram na explosão. Tentaremos avaliar a situação rapidamente para ver onde a ajuda é mais necessária. Agora é sobre nós, junto com outras organizações, para ajudar o maior número de pessoas possível. Esse é o nosso objetivo.
Pessoas de muitas religiões diferentes coexistem no Líbano. Como funciona a cooperação dessas comunidades de fé?
Ziadeh: Antes desta entrevista, tive um encontro com 60 organizações de diferentes comunidades religiosas e diferentes origens. Não devemos procurar as diferenças agora, devemos ajudar juntos, trabalhar juntos. Entre outras coisas, um bairro cristão pobre foi seriamente afetado pela explosão. Ajudantes muçulmanos também estão trabalhando lá. De qualquer forma, você pode ver ajudantes de todas as organizações em todas as partes da cidade. A ajuda humanitária que atualmente pode ser vista nas ruas de Beirute é impressionante.
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Mediante as informações levantadas, o Coletivo Bereia conclui que é VERDADEIRA a notícia publicada pelo site CPAD News. Igrejas de diferentes denominações citadas na matéria, e também outras levantadas pelo Bereia, têm se unido com o objetivo de reconstruir Beirute em meio à grave crise política, social e econômica que o Líbano atravessa.
É importante ampliar a informação e reconhecer que, além das ações práticas envolvendo voluntários ligados a movimentos religiosos ou não, foram realizadas campanhas mobilizando diversos países para arrecadar mantimentos destinados aos afetados pelo acidente.
Conclui-se assim que o trabalho realizado, tanto por organizações religiosas ou não, é extremamente importante e benéfico para o povo libanês mediante a atual conjuntura local e mundial.