Como Bereia já havia levantado, Promotoria afirma agora que jornal atuou como ferramenta de campanha e desequilibrou o pleito em Niterói. Caso pode tornar deputado inelegível por oito anos.
A Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro pediu, no início de junho, a declaração de inelegibilidade do deputado federal de identidade cristã não determinada Carlos Jordy (PL-RJ) e do empresário Lindomar Alves Lima, proprietário do jornal O Fluminense. O parecer, enviado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), sustenta que ambos cometeram abuso de meios de comunicação ao instrumentalizarem o veículo para atacar o então candidato Rodrigo Neves (PDT) e enaltecer Jordy durante as eleições municipais de 2024 em Niterói.
Bereia já havia publicado sobre o caso, em novembro passado, e apontado um padrão de publicações com forte viés editorial partidário e manipulação informativa na cobertura do histórico jornal de Niterói, O Fluminense. Segundo o levantamento feito pelo jornalista Daniel Reis, foram 23 matérias negativas contra Rodrigo Neves e 14 favoráveis a Jordy, sem qualquer conteúdo crítico sobre o então candidato do PL.
Agora, o Ministério Público Eleitoral (MPE) corrobora esse diagnóstico e afirma que o jornal atuou de forma sistemática para desequilibrar a disputa. O parecer descreve uma “veiculação massiva e reiterada de matérias positivas a Carlos Jordy e negativas a Rodrigo Neves”, em formatos impresso e digital, e também em redes sociais, às vésperas do segundo turno da eleição.
“As fartas provas coligidas aos autos demonstram a veiculação sistemática e massiva, durante todo o período eleitoral, pelo Jornal O Fluminense, de matérias desfavoráveis apenas ao então candidato Rodrigo Neves”, afirma o procurador Flávio Paixão de Moura Júnior no parecer oficial.
Conluio e conteúdo antecipado
Um dos elementos mais graves destacados pelo MPE é a existência de conluio entre Carlos Jordy e a direção do jornal. O procurador cita como indício o fato de Jordy ter publicado em suas redes sociais uma matéria do jornal antes mesmo de ela ser divulgada oficialmente. Segundo o parecer, a prática revela acesso prévio ao conteúdo e coordenação direta.
A Procuradoria conclui que Jordy não foi apenas beneficiado, mas contribuiu ativamente para a prática ilícita, o que justifica a aplicação da pena de inelegibilidade por oito anos conforme a Lei Complementar nº 64/1990.
Apoio religioso como estratégia de campanha
Durante a campanha eleitoral de 2024, o deputado federal Carlos Jordy fortaleceu sua imagem junto ao eleitorado evangélico. Ele se declara cristão e manteve uma relação próxima e estratégica com líderes religiosos, com destaque para encontros e alianças firmadas com pastores influentes. Um dos principais episódios ocorreu em outubro de 2024, quando Jordy reuniu cerca de 250 pastores evangélicos em um evento de apoio à sua candidatura, em Niterói. Na ocasião, ele reforçou seu compromisso com “valores cristãos”, criticou o que denomina “comunismo” e fez uso da menção à importância da fé em Deus como parte de sua plataforma política.
O documento do MPE também reforça que, às vésperas do segundo turno, O Fluminense intensificou a distribuição de edições impressas gratuitamente pela cidade, com matérias que associavam Rodrigo Neves à corrupção e à compra de votos, sem provas ou direito de resposta.
Esse tipo de ação, segundo o parecer, “tem aptidão para desequilibrar a disputa eleitoral e comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito”. Apesar de Jordy não ter vencido as eleições, o procurador destaca que a sanção de inelegibilidade independe do resultado final.
O parecer foi encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que deve julgar o recurso nas próximas semanas. A ação é movida pela coligação “Por Amor a Niterói”, encabeçada por Rodrigo Neves, reeleito prefeito com 57,20% dos votos válidos.
A sentença de primeira instância havia julgado improcedente a ação, mas o Ministério Público e os autores do processo recorreram. Para o MPE, a decisão anterior falhou ao ignorar a gravidade das circunstâncias e o impacto da cobertura enviesada do jornal.
Caso o TRE aceite o recurso, Carlos Jordy poderá ficar inelegível até 2032, o que inviabilizaria uma possível candidatura à Prefeitura de Niterói ou à reeleição para deputado federal em 2026.
Atualmente, Jordy, 43 anos, é vice-líder da minoria na Câmara, conhecido deputado da “tropa de choque” da direita extremista e um dos mais aguerridos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Notório propagador de conteúdo falso e enganoso, é citado em várias matérias do Bereia.
Ao longo de sua história,O Fluminense, fundado em 1878 pelos majores da Guarda Nacional Francisco Rodrigues de Miranda e Prudêncio Luís Ferreira Travassos, foi muito mais que um jornal para os moradores de Niterói (RJ). Ele representou a tradição, a informação confiável e o compromisso com a transparência na comunicação. Historicamente manteve uma linha editorial conservadora, mas sem abandonar os princípios jornalísticos. Em 2018, após 140 anos de circulação impressa, o jornal deixou de ser publicado em papel, tendo se adaptado à era digital e passado a atuar exclusivamente online.
O Fluminense foi dirigido pela família Rodrigues de Miranda até 1955, quando passou ao advogado e deputado estadual Alberto Torres. Em 2019, os herdeiros de Torres venderam o jornal ao empresário Lindomar Alves Lima.
Durante as eleições municipais de 2024, observou-se uma mudança na postura editorial de O Fluminense. O jornal, que historicamente prezava pela imparcialidade, passou a publicar uma série de matérias que favoreciam o candidato a prefeito de Niterói Carlos Jordy, do PL, enquanto adotava um tom crítico em relação a Rodrigo Neves, do PDT. Essa mudança levantou questionamentos sobre o comprometimento do veículo com os princípios éticos do jornalismo e a atuação como ferramenta de comunicação da campanha de Jordy
Às vésperas do segundo turno, O Fluminense distribuiu gratuitamente pela cidade uma edição impressa extraordinária. As matérias divulgadas já haviam sido publicadas anteriormente na versão digital do Jornal.
Em 30 de outubro Rodrigo Neves emitiu nota oficial desmentindo a informação publicada pelo jornal:
“O prefeito eleito de Niterói, Rodrigo Neves, não foi notificado pessoalmente, como determina o Código de Processo Civil, para a audiência, marcada para essa quarta-feira (30-10). Estava com agenda em Brasília em audiências com o Ministro da Defesa, José Mucio, o Vice-Presidente e Ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad, e o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Cabe esclarecer que a audiência de hoje diz respeito a uma ação popular completamente improcedente do então vereador da oposição Bruno Lessa, cujo advogado é também advogado do candidato derrotado Carlos Jordy. E que essa ação judicial da oposição diz respeito ao mesmo assunto de outra ação arquivada após esclarecimentos de Rodrigo Neves e pedidos de arquivamento pelo Ministério Público e decisão do Tribunal de Justiça. Rodrigo Neves esclarece que irá participar da audiência prevista para dezembro e que confia na imparcialidade da Justiça em relação a essa ação judicial movida pela oposição. E que solicitou a condenação do autor da ação vereador Bruno Lessa por litigância de má fé com o único objetivo de fazer política e atacar o Prefeito eleito.”
Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024
A escolha de temas – pesquisa eleitoral favorável a Carlos Jordy e associar Rodrigo Neves a uma suposta acusação de corrupção – reforça a percepção de possível força do candidato Jordy, enquanto subtrai elementos que poderiam equilibrar e suavizar a imagem de Rodrigo Neves.
Esse recorte, especialmente em um jornal de distribuição gratuita no dia da eleição, tende a consolidar as preferências dos eleitores mais vulneráveis à última impressão. A ausência de diversidade de fontes de pesquisa eleitoral e o foco em uma pesquisa isolada contribuem para sugerir um favoritismo não inteiramente sustentado por um conjunto mais amplo de dados.
O uso de uma capa com informações negativas sobre Neves, como “irá depor dia 30/10 por corrupção”, coloca em evidência um ponto prejudicial à sua campanha, mesmo sem a confirmação oficial de um processo acessível ao público.
Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024
A capa do jornal reforça a narrativa editorial através de uma escolha visual estratégica: Rodrigo Neves é retratado em uma postura cabisbaixa, evoca desânimo ou até mesmo culpa, enquanto Carlos Jordy aparece de maneira expansiva, de braços abertos, discursando para o público feminino
Essa construção imagética, combinada com os textos, atua como um discurso não verbal que intensifica a percepção dos candidatos em direções opostas — Neves como vulnerável e enfraquecido, Jordy como um líder confiante e próximo do povo. A combinação de imagem e texto evidencia o alinhamento editorial do jornal, utilizando a fotografia para reforçar uma narrativa.
Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024
A maneira como os títulos e manchetes são estruturados na capa e no interior enfatiza uma dicotomia entre “honestidade” e “corrupção”, onde Jordy surge como o candidato honesto, enquanto Neves é associado a processos sigilosos e suspeitas de ilegalidade. Isso cria um ambiente polarizado, no qual o eleitor é levado a ver Jordy como uma escolha segura em contraste com Neves.
Bereia acompanhou uma série de outras publicações que visavam enaltecer Jordy e desqualificar o então candidato Rodrigo Neves. Nelas, foram usadas técnicas de manipulação e desinformação, como a insinuação indireta, a omissão de fontes confiáveis e a repetição constante da narrativa em múltiplas matérias para reforçar a associação negativa.
Tal postura marcou um distanciamento preocupante dos princípios éticos do jornalismo, uma vez que, em várias ocasiões, o jornal promoveu narrativas que não correspondiam aos fatos.
A matéria afirma que: “A disputa pela prefeitura de Niterói chega à reta final em clima de virada. O candidato Carlos Jordy (PL) alcançou um empate técnico com Rodrigo Neves (PDT) nas intenções de voto, segundo o cientista político Bruno Soller, do Instituto de Pesquisa Real Big Data. A diferença, que antes era favorável a Neves, diminuiu rapidamente, e, se a tendência de crescimento de Jordy se mantiver, ele pode se tornar o próximo prefeito de Niterói”.
“Soller destaca que a crescente insatisfação dos eleitores com a atual gestão, apoiada por Axel Grael, tem sido um ponto-chave para o avanço de Jordy na corrida eleitoral. “A eleição em Niterói agora é sobre continuidade ou mudança, e Rodrigo Neves representa uma continuidade que não tem agradado aos niteroienses. Essa percepção tem feito com que a distância entre os candidatos praticamente desapareça, levando Jordy ao empate técnico e ao protagonismo na disputa”, analisa Soller”.
Imagem: reprodução/O Fluminense
A pesquisa foi registrada no TSE, em 19 de outubro, com o número RJ-09627/2024, e divulgada em 25 de outubro. Entretanto, O Fluminense publicou apenas esta pesquisa mais favorável ao candidato Carlos Jordy; outras duas pesquisas, do mesmo período, foram omitidas. Há a pesquisa GERP divulgada em 24 de outubro de 2024:
Rodrigo Neves foi eleito no 2° turno com 156.067 votos, ou 57,20% dos votos válidos , e derrotou Carlos Jordy , que terminou com 42,80% dos votos válidos, ou 116.796 eleitores.
A matéria afirma que: “Na véspera do segundo turno das eleições mais disputadas da história recente de Niterói, os moradores da cidade foram surpreendidos, neste sábado, por uma verdadeira invasão de petistas de várias cidades do estado e, até mesmo, da região do ABC paulista. São milhares de militantes profissionais da Baixada Fluminense, Maricá, São Gonçalo, da Capital e, até mesmo, de São Bernardo do Campo, onde o PT ficou de fora do segundo turno”.
O jornal afirma que a deputada federal Benedita da Silva esteve em Niterói para apoiar Rodrigo Neves, o que de fato aconteceu. Entretanto, as informações sobre uma suposta “invasão de militantes profissionais” não é corroborada por fontes ou informações confiáveis, nem qualquer movimento neste sentido foi noticiado por outros veículos .
A matéria afirma que “Niterói está assistindo a campanha mais agressiva de sua história. O gabinete do ódio, montado por Rodrigo Neves, tem de tudo. Uma verdadeira fábrica de fake news está produzindo as narrativas mais absurdas, numa tentativa desesperada de Rodrigo Neves para manter o poder, custe o que custar”.
Esta matéria afirma que: “Segundo cobertura da mídia e informações oficiais da Justiça Eleitoral, Niterói foi a cidade com maior número de presos por compra de votos em todo Brasil. São mais de 100 presos por boca de urna para o candidato do PDT, Rodrigo Neves. Até o momento dezenas de outros presos por corrupção eleitoral aguardam para serem indiciados. O abuso de poder econômico por parte da campanha de Rodrigo Neves ignorou completamente a legislação eleitoral.
Entretanto, de acordo com informações do TRE, 53 pessoas foram conduzidas à Delegacia da Polícia Federal por suspeita de prática de boca de urna, sendo que 20 foram autuadas. Além disso, não há qualquer menção oficial sobre o candidato que supostamente seria beneficiado com a prática. Curiosamente, apenas O Fluminense publicou a alegação de que a boca de urna estaria sendo realizada em favor de Rodrigo Neves, uma informação que não foi corroborada por outros veículos de comunicação.
*** O Fluminense produziu uma seleção tendenciosa de informações. Especificamente, ao publicar apenas a pesquisa eleitoral que favorecia o candidato Carlos Jordy, tendo omitido outras pesquisas realizadas no mesmo período que mostravam resultados diferentes, como as do GERP e Atlas Intel. Esta prática pode criar uma percepção distorcida da realidade eleitoral, e influenciar a opinião pública de maneira parcial.
Além disso, há omissão de fontes confiáveis ao afirmar que houve uma “invasão de militantes profissionais” do PT em Niterói. Sem apresentar fontes ou dados concretos para sustentar essa alegação, e sem que outros veículos de comunicação tenham corroborado a informação, a credibilidade da notícia é questionável. Esta falta de evidências concretas pode induzir o leitor ao erro e compromete a responsabilidade jornalística.
Observa-se também uma repetição de narrativas negativas direcionadas ao candidato Rodrigo Neves. Foram publicadas 23 matérias críticas a seu respeito, sem nenhum contraponto positivo, enquanto Carlos Jordy recebeu 14 matérias favoráveis e nenhuma crítica. A repetição contínua de conteúdos negativos sobre um candidato pode reforçar associações negativas no público, influenciando a percepção de maneira desequilibrada.
O uso de insinuações e linguagem emocional é evidente em termos como “gabinete do ódio”, “fábrica de fake news” e “campanha mais suja do país”, utilizados sem evidências concretas. Essas expressões têm o potencial de instigar emoções negativas e desacreditar Rodrigo Neves, desviando o foco de uma discussão objetiva e baseada em fatos.
Há também um distanciamento dos fatos e dados oficiais. A matéria que afirma que “Niterói foi a cidade com maior número de presos por compra de votos em todo Brasil” contradiz os dados oficiais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que registrou 53 conduções por suspeita de boca de urna, sem especificar envolvimento direto de qualquer candidato. Essa discrepância levanta preocupações sobre a precisão e veracidade das informações divulgadas.
As falhas na verificação de informações são preocupantes. Ao citar supostos eventos como a “invasão” de militantes e a existência de um “Gabinete do Ódio” sem apresentar provas ou fontes confiáveis, o jornal não cumpre com o dever básico de checar os fatos antes da publicação, o que compromete a qualidade e a ética jornalística.
Por fim, há um claro desbalanceamento na cobertura jornalística. A ausência de matérias críticas sobre Carlos Jordy e a falta de reconhecimento das ações positivas ou apoios recebidos por Rodrigo Neves indicam uma cobertura desequilibrada e parcial. Uma imprensa responsável deve buscar a imparcialidade para oferecer ao público uma visão equilibrada dos fatos e permitir que os leitores formem suas próprias opiniões com base em informações precisas e verificadas.
O Fluminense, um jornal com profunda ligação histórica com Niterói, desviou-se de seu compromisso com o jornalismo responsável, ao utilizar técnicas de desinformação que comprometem a integridade informativa e a confiança dos leitores. Ao enfatizar apenas aspectos positivos de um candidato e negativos de outro, sem embasamento em fontes confiáveis, o jornal desempenhou um papel mais próximo ao de um panfleto político do que ao de um veículo de comunicação comprometido com a verdade.