Papa Leão XIV pede à Imprensa que busque o caminho da comunicação da paz


Com informações de Vaticannews

O Papa Leão XIV falou com jornalistas e profissionais da mídia de todo o mundo nesta segunda-feira, 12 de maio. A entrevista coletiva que tradicionalmente é concedida pelos papas eleitos foi realizada na Sala Paulo VI, no Vaticano. O pontífice concluiu seu discurso dizendo aos jornalistas:

“Vós estais na linha da frente, narrando conflitos e esperanças de paz, situações de injustiça, de pobreza, e o trabalho silencioso de tantos por um mundo melhor. É por isso que vos peço que escolhais, de forma consciente e corajosa, o caminho da comunicação da paz.”

A paz é  o centro do discurso de Leão XIV e aparece cinco vezes, inclusive na inspiração bíblica do Sermão da Montanha citada, quando o papa disse aos jornalistas: “No ‘Sermão da Montanha’, Jesus proclamou: ‘Felizes os pacificadores’ (Mt 5: 9). Esta é uma bem-aventurança que nos interpela a todos e vos diz respeito de perto, chamando cada um ao compromisso de levar adiante uma comunicação diferente, que não procura o consenso a qualquer custo, que não se reveste de palavras agressivas, que não adere ao modelo da competição, que nunca separa a busca da verdade do amor com que humildemente a devemos procurar.”

E prosseguiu: “A paz começa em cada um de nós: na forma como olhamos para os outros, ouvimos os outros, falamos dos outros; e, neste sentido, a forma como comunicamos adquire uma importância fundamental: temos de dizer ‘não’ à guerra das palavras e das imagens, temos de rejeitar o paradigma da guerra.”

O Pontífice falou também sobre a solidariedade da Igreja Católica com jornalistas presos por apresentar a verdade. Ele pediu a libertação desses profissionais, dizendo que a “Igreja reconhece nestes testemunhos – penso naqueles que narram a guerra mesmo à custa da própria vida – a coragem de quem defende a dignidade, a justiça e o direito dos povos a serem informados.” E o papa reforçou: “Porque só os povos informados  podem fazer escolhas livres”.

Serviço à verdade

Em seu discurso, o Papa Leão XIV chamou os jornalistas de amigos e agradeceu pelo serviço à verdade, assim como por conseguirem,  desde a morte do Papa Francisco e a dor que trouxe e ainda durante o período do Conclave, “narrar a beleza do amor de Cristo que nos une a todos e faz de nós um só povo, guiado pelo Bom Pastor”, disse agradecido.

Leão XIV ressaltou a comunicação como criação de cultura e da necessidade de diálogo. Ele disse aos jornalistas que “um dos desafios mais importantes é promover uma comunicação capaz de nos fazer sair da ‘torre de Babel’ em que por vezes, nos encontramos”. E explicou que isso significa “sair da confusão de linguagens sem amor, muitas vezes ideológicas ou sectárias”. 

Para o papa o serviço da imprensa é importante e depende das palavras e do estilo usado. “Com efeito, a comunicação não é apenas a transmissão de informações,  mas a criação de uma cultura de ambientes humanos e digitais que se tornam espaços de diálogo e de confronto de ideias”.

Seguindo o discurso, o pontífice pediu responsabilidade e discernimento no uso da inteligência artificial: “Olhando para a revolução tecnológica,  essa missão se torna mais necessária.  Penso, em particular,  na inteligência artificial com seu imenso potencial, que exige no entanto, responsabilidade e discernimento  para orientar os instrumentos para o bem de todos, para que possam produzir benefícios para a humanidade”.

O novo papa afirmou que a Igreja Católila está vivendo tempos especiais, que estão sendo compartilhados com todos os meios de comunicação,  televisão, rádio,  internet e redes sociais e que gostaria que todos pudessem dizer que os meios de comunicação “nos revelaram um pouco do mistério da nossa humanidade e que nos deixaram um desejo de amor e de paz”. 

Durante o encontro com jornalistas Leão XIV repetiu o convite feito pelo Papa Francisco, em sua última mensagem, para o próximo Dia das Comunicações Sociais, que será celebrado pela Igreja Católica em 1° de junho, com o tema (escolhido por Francisco): “Partilhai com mansidão a esperança que está nos vossos corações”. Leão XIV também pediu aos jornalistas: “Desarmemos a comunicação de todos os preconceitos,  rancores  fanatismos e ódios; limpemo-la da agressividade. Não precisamos de uma comunicação beligerante e musculosa, mas sim de uma comunicação capaz de escutar, de recolher a voz dos fracos que não têm voz. Desarmemos as palavras e ajudaremos a desarmar a Terra”. 

Para o novo Papa, fazer uma comunicação desarmada e desarmante possibilita compartilhar uma nova visão do mundo e “agir de forma coerente com a nossa dignidade humana”.

Também para Leão XIV, os tempos estão difíceis para o trabalho do jornalista e representa para todos um desafio do qual não se pode fugir. “Pelo contrário,  estes tempos pedem a cada um de nós, nas nossas diferentes funções  e serviços,  que nunca cedemos à mediocridade”. O papa disse que tanto a Igreja deve aceitar o desafio do tempo como também “não pode haver comunicação e jornalismo fora do tempo e da história”. Ele citou Santo Agostinho no Sermão 80, 8: ‘Vivamos bem e os tempos serão bons! Nós somos os tempos’.

Referências:

VATICANNEWS. https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-01/papa-francisco-mensagem-dia-mundial-comunicacoes-sociais-2025.html Acesso em 12 maio 2025.

VATICANNEWS. https://www.vatican.va/content/leo-xiv/it/speeches/2025/may/documents/20250512-media.html Acesso em 12 maio 2025

Imagem de capa: Vatican News

Um papa de duas pátrias

Na manhã do dia 21 de abril, a humanidade amanhecia triste com a morte do papa Francisco. O papa que veio do fim do mundo, fez do mundo a sua casa e com o mundo dialogou, trazendo em evidência os gritos dos pobres e da terra. Passados os dias, toda a atenção se volta para o sucessor, se a pessoa escolhida seguirá a linha de Francisco ou se teremos um fechamento e um retorno ao passado.

Surgem sentimentos como expectativa, medo, mas também esperança e abertura ao novo, porque a memória de Francisco e as portas que foram abertas por ele trazem fatos que são irrenunciáveis e que devem permanecer.

Começam as congregações e o perfil do novo papa vai sendo desenhado, desejando ser em continuidade a Francisco, mantendo as suas reformas, de alguém que pudesse ser pastor e ao mesmo tempo atuante, experiente e com uma visão global, em atenção dos dramas humanos.

Então, na tarde do dia 08 de maio, sai a fumaça branca, os sentimentos ecoam e a expectativa toma conta de todos e de todas. No anúncio, a surpresa: a eleição como papa do cardeal Robert Francis Prevost, de nascimento norte-americano, mas de nacionalidade peruana, assumida em missão e de entrega a este povo.

No nome escolhido, outra surpresa: Leão XIV, em continuidade a Leão XIII, que trouxe à Igreja Católica a sua dimensão social, a defesa do trabalhadores explorados e a necessidade de dialogar com o mundo que avança e que muda constantemente. O tempo ainda é precoce para uma especulação mais precisa e para definir os rumos deste pontificado, mas o histórico de Prevost dá pistas de sua relação com Francisco, sua visão de mundo e de Igreja e o que dele se pode esperar.

Prevost nasceu em Chicago (Estados Unidos) e viveu a sua infância e adolescência no suburbio da cidade. Ainda nela, entra na ordem dos agostinianos e segue para a formação. Como padre, ele se faz missionário na América Latina, vindo para o Perú, atuando em regiões empobrecidas e de grande vulnerabilidade e precariedade.

Podemos dizer que isso marca a sua trajetória e visão de mundo e de igreja, porque o período era de meados da década de 1980 e estávamos no auge da Teologia da Libertação que influenciava o modo de ser Igreja e se fazer pastoral e missão neste continente. E esta teologia tem o seu nascimento, digamos assim, no Perú, com Gustavo Gutiérrez, e desta região se espalha para todo continente e depois pelo mundo.

Prevost volta aos Estados Unidos em 1999, torna-se provincial dos agostinianos e depois superior-geral em Roma, mas em 2014, é enviado novamente ao Perú, desta vez pelo próprio papa Francisco, que o faz bispo e depois cardeal. Esta ligação com a cidade peruana de Chiclayo, torna-se evidente, uma vez que em seu primeiro discurso na Praça de São Pedro, Prevost, agora como papa Leão XIV, passa do italino para o espanhol e saúda a sua igreja local, com a qual caminhou e pela qual se fez um com eles. É o autêntico da frase de Agostinho, que ele também traz no discurso: “com vocês sou cristão e para vocês sou bispo”.

Dizemos, com isso, que Prevost conviveu com a realidade sofrida e empobrecida daquele país e teve proximidade com este modo de ser igreja e de se ter uma teologia da práxis com a Teologia da Libertação e com Gutiérrez. Se sua origem é estadunidense, como primeira pátria, podemos dizer que a realidade peruana, assumida como segunda pátria, é que o faz padre, missionário, bispo e pastor. Sua visão de igreja é marcada pela formação e espiritualidade agostiniana, sim, mas também pelo modo de ser Igreja neste continente.

Pensando no Conclave e na eleição do Papa, estes fatores tiveram o seu peso, pela experiência missionária e pastoral. Hoje, o mundo é marcado por uma geopolítica preocupante, no aumento de excluídos, nos afetados pelo clima e pela política agressiva do presidente dos EUA Donald Trump. Uma verificação rápida nas redes sociais de Prevost, nos faz perceber as inúmeras críticas dele a este tipo de política, chamando a atenção para a defesa dos migrantes, refugiados e deportados.

Este é um ponto que também favorece a escolha do nome de Robert Prevost, porque é alguém que pode atuar nesta condição, falando como papa e falando desde dentro, sendo, portanto, uma voz autorizada e de peso e repercussão. Os impactos da política trumpista são de abrangência global e todas as pautas socioambientais defendidas por Francisco estão aí implicadas. Pelo seu histórico e postura, Prevost, agora como Leão XIV, pode atuar como uma voz firme, profética, em defesa dos excluídos e na construção de pontes e espaços de paz.

No balção da basílica de São Pedro, Prevost chorou, o que mostra que o humano prevalece acima de tudo. Um papa que chora, sabe da responsabilidade que assume, da história que leva e de quem caminha com ele. O peso do cargo é enorme, mas o chamado sinodal de Francisco o fortalece. O homem de duas pátrias agora é um homem do mundo.

Morte do Papa e Conclave para eleição do novo líder católico geram uma onda de desinformação massiva 

Uma onda de teorias conspiratórias, interpretações simbólicas e místicas e paralelos proféticos, relacionada à morte do Papa Francisco chegou à equipe do Bereia nas últimas semanas. A ela se soma um intenso debate nas mídias digitais, com especial enfoque em círculos religiosos.

Francisco, líder da Igreja Católica Romana desde 2013, faleceu no dia 21 de abril de 2025, em sua residência na Casa Santa Marta, no Vaticano. De acordo com o comunicado oficial da Santa Sé, a causa da morte foi um acidente vascular cerebral fulminante, seguido de colapso cardíaco.  Apesar da clareza do comunicado e da cobertura televisiva dos ritos fúnebres, o fato do falecimento do pontífice, embora esperado após semanas de internações e histórico médico, gerou esta massa de desinformação. Bereia reune nesta matéria uma parcela do que foi coletado e pesquisado pela equipe. 

A data, a hora da morte e o clube do coração 

Um dos detalhes que mais gerou repercussão nas redes foi a divulgação de uma “numerologia” que representava a idade e o horário da morte do Papa: 88 anos e 2h35, horário argentino de seu falecimento. A união dos números coincide com os dígitos finais da credencial de sócio do clube de futebol San Lorenzo de Almagro, pelo qual Francisco era apaixonado: 88235. O clube divulgou no perfil oficial no X um vídeo em homenagem ao seu mais ilustre torcedor, com a imagem da carteirinha de Bergoglio. 

Imagem: Reprodução X

De fato, os números coincidem, o que não significa uma correlação direta entre um clube de futebol e a morte de um Papa. Porém, a constatação acionou uma série de suposições publicadas em mídias sociais.  

Imagem: Reprodução de publicação que ressalta a coincidência numérica
Imagem: Reprodução de publicação no X

Bergoglio é o “Anticristo” e o “Último Papa”?

A morte do Papa Francisco reacendeu debates sobre profecias que circulam há décadas, especialmente, em ambientes evangélicos, que supostamente preveem  o fim dos tempos. Entre elas, destaca-se a chamada Profecia de São Malaquias, ou a “Profecia dos Papas”, uma lista de 112 ou 113 frases em latim, que descreve os papas da Igreja Católica, começando com Celestino II até o último papa (Petrus Romanus). 

A lista teria sido escrita pelo arcebispo de Armagh (Irlanda), no século 12, Máel Máedóc Ua Morgair, que foi canonizado como São Malaquias, no final daquele século. O texto ganhou notoriedade com a publicação do historiador e monge beneditino francês Arnold de Wion, na obra Lignum Vitae (1595). Na lista, cada papa é representado por um lema em latim, que poderia refletir sua personalidade ou o contexto histórico do seu pontificado. De acordo com a teoria, o arcebispo irlandês teria descrito os papas que liderariam a Igreja Católica até o Juízo Final.​ O manuscrito de 900 anos diz que o ‘Apocalipse’ viria após a consagração do 112º Papa, que foi Francisco.

Segundo interpretações populares, o Papa Francisco corresponderia ao penúltimo lema, que antecede o “Petrus Romanus” (“Pedro Romano”), o último papa que governaria durante grandes tribulações. A inscrição de São Malaquias sobre “Pedro Romano” diz: “Na extrema perseguição da Santa Igreja Romana, sentar-se-á Pedro Romano, que apascentará as ovelhas em muitas tribulações; e quando estas coisas terminarem, a cidade das sete colinas será destruída, e o Juiz terrível julgará o seu povo. Fim.” 

A rede de teorias baseadas nessa suposta profecia viralizou na última semana. Entre os evangélicos, a morte e a escolha de um novo líder para a Igreja Romana reacenderam as teorias apocalípticas divulgadas, em especial, por  grupos adventistas,  pela editora “Chamada da Meia-Noite” e pela teologia  dispensacionalista — uma interpretação da bíblica que divide a história da humanidade em diferentes “dispensações” ou períodos, nos quais Deus interage com o homem de maneiras distintas. Este sistema teológico enfatiza a separação entre Israel e a Igreja, com cada um tendo um papel único no plano de Deus. Tal noção foi reforçada, mais recentemente,  pelo sucesso editorial do best seller “Deixados Para Trás”, sucesso nos Estados Unidos no começo dos anos 2000 (simbolicamente, a virada do segundo milênio) e foi produzida em filme.

Na leitura dispensacionista do Apocalipse, no fim do mundo há uma guerra em Israel, a morte do papa e uma crise civilizatória. Evidentemente, os três eventos acompanham a história da humanidade desde 1054 – data em que o Bispo de Roma e o Patriarca de Constantinopla se excomungaram mutuamente. 

Teses semelhantes já haviam circulado durante os pontificados de Pio XII (contemporâneo de Adolf Hitler) e de João Paulo II (contemporâneo da Queda do Muro de Berlim). Para ampliar as teses macabras e acionar os buscadores de presságios, foi propagada a história de que, em 1958, o cadáver de Pio XII, saturado de gases internos, após longo velório, teria se rompido. 

Bereia levantou publicações que divulgam  o resumo das “profecias dos papas”, relacionados ao capítulo 17 de Apocalipse. Elas apresentam uma leitura tradicionalista e conservadora sobre o lugar e do poder da Igreja Católica, como se pode identificar: 

1. Pio XII (1939–1958) Último pilar da tradição católica. Seu “reinado” marca o início da preparação do ciclo profético, antes da grande ruptura.

2. João XXIII (1958–1963) Convocou o Concílio Vaticano II. Foi o iniciador da “transformação espiritual da Igreja”, abrindo caminho para mudanças profundas.

3. Paulo VI (1963–1978) Implementou as reformas do Concílio. Seu “reinado” consolidou a “perda das tradições milenares e acelerou a crise interna da fé”.

4. João Paulo I (1978) “Reinou” apenas 33 dias. Cumpriu o sinal do “reinado breve”, previsto na profecia, e simbolizou a “fragilidade do tempo”.

5. João Paulo II (1978–2005) Liderança mundial carismática. Promoveu a “expansão espiritual da Igreja, mas também cedeu ao espírito do mundo moderno”.

6. Bento XVI (2005–2013) Lutou pela “defesa da tradição em meio ao isolamento”. Seu papado representou a “última grande resistência antes da divisão aberta”.

7. Francisco (2013–2025) Promoveu uma “abertura extrema e favoreceu o cisma interno”. Sua morte “marca o fim dos sete reis e o encerramento da era”.

8. O Futuro Papa  Será o “oitavo rei”. O seu surgimento representa o “fechamento do ciclo profético e a manifestação da besta que caminha para a perdição”.

Profecia de São Malaquias

A pesquisa sobre este assunto indica que estudiosos questionam a autenticidade e a interpretação dessa profecia; entre eles está o escritor  Anura Guruge. Ele afirma que, apesar de a profecia usar o nome de São Malaquias, não vale a pena prestar atenção nela. “O fato é que Malaquias é um santo católico, então alguns católicos atribuem qualidades mágicas ou espirituais à visão. O que eles tendem a não entender é que, muito provavelmente, tudo isso é uma falsificação”.

Para a maioria dos teólogos e historiadores eclesiásticos, a chamada “Profecia dos Papas”, atribuída a São Malaquias, é considerada uma falsificação. Para o professor do departamento de Teologia da PUC-SP Dayvid da Silva, a “profecia” usou o nome de São Malaquias para ganhar relevância. “Esse texto é aquilo que nós chamamos de pseudoepígrafo, que é quando você escreve um texto e para obter relevância você coloca o nome de alguém famoso ou de um santo famoso, alguém com uma certa autoridade”, explicou. Não existem registros contemporâneos que comprovem que São Malaquias tenha escrito essa profecia durante a  vida.

O intervalo entre a morte de São Malaquias, em 1148, e a primeira publicação da suposta profecia, em 1595, é de mais de 400 anos. O texto foi divulgado pela primeira vez pelo beneditino Arnold de Wion, como já indicado nesta matéria. Além disso, não há qualquer menção a essa profecia nos escritos de São Bernardo de Claraval, biógrafo e amigo pessoal de São Malaquias. Como aponta o  pesquisador em História e Filosofia Medieval Dr. Luis Alberto De Boni, São Bernardo descreve Malaquias como um “homem de espírito profético”, mas sem citar qualquer obra. Dado o relacionamento próximo entre os dois, seria improvável que Bernardo desconhecesse tal documento caso ele realmente existisse.

Diante disso, muitos teólogos e historiadores consideram a Profecia de São Malaquias como uma desinformação do século 16, possivelmente elaborada para influenciar eleições papais da época. Assim, não há embasamento teológico ou histórico sério que ligue Francisco a um suposto “último Papa”.

Imagem: Reprodução Instagram

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O fim do mundo, mais uma vez…

No prefácio da obra “Visions of the End, Apocalyptic Traditions in the Middle Ages” [Visõesdo Fim, Tradições Apocalípticas na Idade Média”, em 1979, o historiador Bernard McGinn afirma,, que o apocalipticismo faz parte das três religiões monoteístas: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Todavia, a literatura apocalíptica ganhou impulso na Idade Média entre os cristãos – especialmente por conta da virada do milênio e das guerras religiosas promovidas pelas Cruzadas e após a Reforma Protestante do século 16. Viradas de milênio e movimentos de mudança cultural, tecnológica ou transformação geopolítica também são apontadas como “catalizadores” de movimentos milenaristas e de propagação de  seitas apocalípticas.

Estudiosos da Bíblia no Brasil compartilham da mesma compreensão. O professor e pesquisador em Cristianismo Primitivo Paulo Augusto de Souza Nogueira afirma que o Apocalipse de João, na Bíblia, é um texto que fascina a humanidade. “Suas imagens misteriosas e sua narrativa surpreendente nos causam admiração, encanto, mas também pavor. Devido a seu potencial simbólico tem sido travada na cultura ocidental uma batalha de interpretação em torno desse texto. O Apocalipse tem sido, dessa forma, atualizado e recriado para expressar as angústias, temores e anseios mais profundos da sociedade”, explica Nogueira, que integra Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC-Campinas. Ele indica que “apocalipse” quer dizer “revelação”, isto é “desvelamento da experiência profunda do mundo, do encontro do ser humano com o Cristo, para muitas gerações”.

O prof. Paulo Nogueira alerta que, por outro lado, “o Apocalipse também tem sido domesticado, quando não calado”. Por isso, o pesquisador acrescenta: “Ele foi transformado em mapa de fim de mundo, em previsão de notícias de jornais, um horóscopo tão impreciso quanto assustador. Não é à toa que diferentes discursos fundamentalistas cristãos buscam construir suas visões de mundo a partir desse livro”. 

Nos livros que escreve e nos cursos que oferece sobre o Apocalipse, Nogueira propõe: “Podemos superar esses medos paralisantes por meio da redescoberta desse texto fundante de nossa cultura, adentrando em seus misteriosos jogos de interpretação, jogos que não se resumem a prever eventos isolados, ao contrário, inserem nossa realidade numa narrativa total e multifacetada, integradora e radical”.

Os cardeais e o Conclave

A morte de Francisco, que alimentou discussões escatológicas sobre o “fim dos tempos”, num contexto de crescente instabilidade global — guerras, crises ambientais e tensões religiosas, também alimentou uma enxurrada de desinformação sobre os cardeais e o Conclave.

O lançamento de um filme homônimo, que concorreu ao Oscar em 2025, Conclave,  aumentou a imaginação em torno da eleição do novo pontífice. Publicações em  grupos de Telegram e Whatsapp relacionados à própria Igreja Católica e a igrejas evangélicas relacionaram a morte do Papa Francisco com os enredos conspiratórios do filme – e especialmente com “informações secretas” sobre os candidatos. Para complicar a propagação de desinformação , imagens do filme (uma obra de ficção) estão sendo discutidas e tratadas como “documentário”.

No filme, as diversas alas políticas e teológicas disputam a votação do sucessor do papa falecido. A pressão política vazou para as mídias.  Conclave é um thriller político dirigido por Edward Berger – o mesmo diretor de “Nada de Novo no Front” (2022). Ele captura o suspense que surge quando o Vaticano atrai o interesse da cobertura internacional. 

Em meio às teorias, coincidências e interpretações simbólicas, o fato é que a morte de Francisco marcou o fim de um papado transformador e divide opiniões dentro e fora da Igreja Católica.

Para muitos, Francisco deixa um legado de engajamento, mobilização ambiental, diálogo inter-religioso e defesa da paz e justiça social, bem como atenção aos mais vulneráveis. Para seus admiradores, seu maior sinal profético não foi a data de sua morte, mas a vida que escolheu viver — desafiando estruturas de poder e chamando a Igreja a uma conversão pastoral em tempos conturbados. Para os que são contrários às suas ações enquanto Papa, Francisco dividiu a Igreja Católica e foi por demais permissivo com questões morais destrutivas da fé cristã. 

O mundo aguarda agora o próximo capítulo da história. Com Francisco, uma era se encerra; o futuro ainda está por ser escrito. 

Referências:

O Estado de São Paulo

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/profecia-de-sao-malaquias-proximo-papa-fim-do-mundo-enganoso/#:~:text=O%20que%20est%C3%A3o%20compartilhando:%20que,e%20concluiu%20que:%20%C3%A9%20enganoso. Acesso em 25 abr 2025

Extra

https://extra.globo.com/blogs/page-not-found/post/2025/04/morte-do-papa-francisco-reacende-crenca-na-profecia-de-sao-malaquias-argentino-seria-o-ultimo-pontifice-antes-do-fim-do-mundo.ghtml?utm_source=chatgpt.com Acesso em 25 abr 2025

Extra

https://extra.globo.com/mundo/noticia/2025/04/morre-papa-francisco-o-reformista-da-igreja-catolica.ghtml Acesso em 25 abr 2025

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/lifestyle/profecia-de-nostradamus-vem-a-tona-apos-morte-do-papa-francisco-entenda/ Acesso em 25 abr 2025

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-as-coincidencias-em-torno-da-data-da-morte-do-papa-francisco/ Acesso em 25 abr 2025

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/futebol/idade-e-hora-da-morte-do-papa-e-igual-ao-dado-de-socio-dele-no-san-lorenzo/  Acesso em 25 abr 2025

G1

https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2025/04/21/e-fato-idade-e-hora-da-morte-do-papa-francisco-coincidem-com-numero-da-carteirinha-dele-de-socio-do-san-lorenzo.ghtml Acesso em 25 abr 2025

G1

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/04/21/time-do-papa-francisco-faz-homenagem-emocionante.ghtml  Acesso em 25 abr 2025

PUC-RS

https://revistaseletronicas.pucrs.br/teo/article/view/1689  Acesso em 25 abr 2025

New Advent

https://www.newadvent.org/cathen/12473a.htm  Acesso em 25 abr 2025

O Estado de São Paulo

https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/profecia-de-sao-malaquias-proximo-papa-fim-do-mundo-enganoso/#:~:text=O%20que%20est%C3%A3o%20compartilhando:%20que,e%20concluiu%20que:%20%C3%A9%20enganoso. Acesso em 25 abr 2025

Vatican News

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-04/papa-francisco-causa-morte-21-04-25.html Acesso em 25 abr 2025

Prof. Paulo Nogueira

https://www.profpaulonogueira.com.br/sobre/. Acesso em 7 mai 2025

Revista Fronteiras – Revista de Teologia da UnicapXAVIER, Liniker Henrique. Fundamentalismo e Dispensacionalismo: evangélicos e o engajamento contra a Modernidade. Fronteiras – , Recife, PE, Brasil, v. 6, n. 2, p. 267–286, 2023. https://www1.unicap.br/ojs/index.php/fronteiras/article/view/2519.. Acesso em 7 mai 2025.