O Fluminense: de ícone do jornalismo local a instrumento de propaganda da extrema-direita

Ao longo de sua história, O Fluminense, fundado em 1878 pelos majores da Guarda Nacional Francisco Rodrigues de Miranda e Prudêncio Luís Ferreira Travassos, foi muito mais que um jornal para os moradores de Niterói (RJ). Ele representou a tradição, a informação confiável e o compromisso com a transparência na comunicação. Historicamente manteve uma linha editorial conservadora, mas sem abandonar os princípios jornalísticos. Em 2018, após 140 anos de circulação impressa, o jornal deixou de ser publicado em papel, tendo se adaptado à era digital e passado a atuar exclusivamente online. 

O Fluminense foi dirigido pela família Rodrigues de Miranda até 1955, quando passou ao advogado e deputado estadual Alberto Torres. Em 2019, os herdeiros de Torres venderam o jornal ao empresário Lindomar Alves Lima.

Durante as eleições municipais de 2024, observou-se uma mudança na postura editorial de O Fluminense. O jornal, que historicamente prezava pela imparcialidade, passou a publicar uma série de matérias que favoreciam o candidato a prefeito de Niterói Carlos Jordy, do PL, enquanto adotava um tom crítico em relação a Rodrigo Neves, do PDT. Essa mudança levantou questionamentos sobre o comprometimento do veículo com os princípios éticos do jornalismo e a atuação como ferramenta de comunicação da campanha de Jordy 

Às vésperas do segundo turno, O Fluminense distribuiu gratuitamente pela cidade uma edição impressa extraordinária. As matérias divulgadas já haviam sido publicadas anteriormente na versão digital do Jornal.

A capa da versão impressa traz a pesquisa mais favorável ao candidato Carlos Jordy. Logo abaixo, uma imagem do candidato Rodrigo Neves e o título: Rodrigo Neves irá depor dia 30/10 por corrupção. O processo divulgado tramita em segredo de justiça e não pode ser consultado por Bereia

Em 28 de outubro, apenas na versão digital, O Fluminense divulgou que teve acesso exclusivo a outros dois processos que também tramitam em segredo de justiça e que supostamente incriminavam Rodrigo Neves.

Em 30 de outubro Rodrigo Neves emitiu nota oficial desmentindo a informação publicada pelo jornal:

O prefeito eleito de Niterói, Rodrigo Neves, não foi notificado pessoalmente, como determina o Código de Processo Civil, para a audiência, marcada para essa quarta-feira (30-10). Estava com agenda em Brasília em audiências com o Ministro da Defesa, José Mucio, o Vice-Presidente e Ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad, e o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Cabe esclarecer que a audiência de hoje diz respeito a uma ação popular completamente improcedente do então vereador da oposição Bruno Lessa, cujo advogado é também advogado do candidato derrotado Carlos Jordy. E que essa ação judicial da oposição diz respeito ao mesmo assunto de outra ação arquivada após esclarecimentos de Rodrigo Neves e pedidos de arquivamento pelo Ministério Público e decisão do Tribunal de Justiça. Rodrigo Neves esclarece que irá participar da audiência prevista para dezembro e que confia na imparcialidade da Justiça em relação a essa ação judicial movida pela oposição. E que solicitou a condenação do autor da ação vereador Bruno Lessa por litigância de má fé com o único objetivo de fazer política e atacar o Prefeito eleito.”

Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024

A escolha de temas – pesquisa eleitoral favorável a Carlos Jordy e  associar Rodrigo Neves a uma suposta acusação de corrupção – reforça a percepção de possível força do candidato Jordy, enquanto subtrai elementos que poderiam equilibrar e suavizar a imagem de Rodrigo Neves.

Esse recorte, especialmente em um jornal de distribuição gratuita no dia da eleição, tende a consolidar as preferências dos eleitores mais vulneráveis à última impressão. A ausência de diversidade de fontes de pesquisa eleitoral e o foco em uma pesquisa isolada contribuem para sugerir um favoritismo não inteiramente sustentado por um conjunto mais amplo de dados.

 O uso de uma capa com informações negativas sobre Neves, como “irá depor dia 30/10 por corrupção”, coloca em evidência um ponto prejudicial à sua campanha, mesmo sem a confirmação oficial de um processo acessível ao público.

Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024

A capa do jornal reforça a narrativa editorial através de uma escolha visual estratégica: Rodrigo Neves é retratado em uma postura cabisbaixa, evoca desânimo ou até mesmo culpa, enquanto Carlos Jordy aparece de maneira expansiva, de braços abertos, discursando para o público feminino

Essa construção imagética, combinada com os textos, atua como um discurso não verbal que intensifica a percepção dos candidatos em direções opostas — Neves como vulnerável e enfraquecido, Jordy como um líder confiante e próximo do povo. A combinação de imagem e texto evidencia o alinhamento editorial do jornal, utilizando a fotografia para reforçar uma narrativa.

No interior da versão impressa, o jornal apresentou ainda a seguinte acusação: na manhã de 24 de outubro, a Polícia Federal prendeu dois homens em flagrante por transportarem R$500 mil em espécie no bairro de Icaraí, em Niteroi, juntamente com material de campanha do candidato Carlos Jordy. A Polícia não divulgou os nomes dos detidos, e outros jornais e portais de notícias também não identificaram os envolvidos. O Fluminense, no entanto, numa narrativa que destoava de todos os outros meios de imprensa, foi o único a divulgar os nomes dos suspeitos e, sem apresentar evidências, afirmou que Jordy seria vítima de uma armação, sugerindo que as suspeitas recaíam sobre Rodrigo Neves, que teria uma suposta “ligação” com os envolvidos.

Imagem: reprodução/O Fluminense – edição impressa extraordinária dias 26, 27 e 28 de outubro de 2024

A maneira como os títulos e manchetes são estruturados na capa e no interior enfatiza uma dicotomia entre “honestidade” e “corrupção”, onde Jordy surge como o candidato honesto, enquanto Neves é associado a processos sigilosos e suspeitas de ilegalidade. Isso cria um ambiente polarizado, no qual o eleitor é levado a ver Jordy como uma escolha segura em contraste com Neves.

Bereia acompanhou uma série de outras publicações que visavam enaltecer Jordy e desqualificar o então candidato Rodrigo Neves. Nelas, foram usadas  técnicas de manipulação e desinformação, como a insinuação indireta, a omissão de fontes confiáveis e a repetição constante da narrativa em múltiplas matérias para reforçar a associação negativa. 

Tal postura marcou um distanciamento preocupante dos princípios éticos do jornalismo, uma vez que, em várias ocasiões, o jornal promoveu narrativas que não correspondiam aos fatos.

Nos levantamentos realizados pelo Bereia nas últimas publicações do jornal, nos meses de setembro e outubro, 23 matérias criticavam o candidato Rodrigo Neves e nenhuma delas tecia comentários positivos à campanha ou sua gestão na cidade por Rodrigo Neves. Já com relação ao candidato Carlos Jordy, 14 matérias positivas e nenhuma desfavorável. 

Alguns exemplos:

Matérias Favoráveis a Carlos Jordy

“Carlos Jordy promete modernizar Centro, Alameda e mais 12 áreas” (02 de outubro de 2024)

“Carlos Jordy: Polo tecnológico irá gerar 8 mil empregos de qualidade” (03 de outubro de 2024)

“Carlos Jordy inicia campanha do segundo turno com caminhada empolgante em Icaraí” (14 de outubro de 2024)

“Partido Novo apoia Carlos Jordy no segundo turno em Niterói, reforçando valores conservadores” (15 de outubro de 2024) 

“Carlos Jordy promete cancelar contrato do Niterói Rotativo” (20 de outubro de 2024)

“Carlos Jordy cresce e apoio popular aumenta” (23 de outubro de 2024)

Além disso, encontros com representantes católicos e evangélicos foram destacados como um apoio formal destes segmentos ao candidato Jordy. Rodrigo Neves também recebeu o apoio de lideranças evangélicas locais, mão isto foi não mencionado pelo jornal. 

Imagens: reprodução/O Fluminense 

Matérias críticas a Rodrigo Neves

Das mais de duas dezenas de matérias negativas, quatro matérias publicadas poucos dias antes do segundo turno se destacam:

Carlos Jordy e Rodrigo Neves empatados tecnicamente”

A matéria afirma que: “A disputa pela prefeitura de Niterói chega à reta final em clima de virada. O candidato Carlos Jordy (PL) alcançou um empate técnico com Rodrigo Neves (PDT) nas intenções de voto, segundo o cientista político Bruno Soller, do Instituto de Pesquisa Real Big Data. A diferença, que antes era favorável a Neves, diminuiu rapidamente, e, se a tendência de crescimento de Jordy se mantiver, ele pode se tornar o próximo prefeito de Niterói”.

“Soller destaca que a crescente insatisfação dos eleitores com a atual gestão, apoiada por Axel Grael, tem sido um ponto-chave para o avanço de Jordy na corrida eleitoral. “A eleição em Niterói agora é sobre continuidade ou mudança, e Rodrigo Neves representa uma continuidade que não tem agradado aos niteroienses. Essa percepção tem feito com que a distância entre os candidatos praticamente desapareça, levando Jordy ao empate técnico e ao protagonismo na disputa”, analisa Soller”.

Imagem: reprodução/O Fluminense 

A pesquisa foi registrada no TSE, em 19 de outubro, com o número RJ-09627/2024, e divulgada em 25 de outubro. Entretanto, O Fluminense publicou apenas esta pesquisa mais favorável ao candidato Carlos Jordy; outras duas pesquisas, do mesmo período, foram omitidas. Há a pesquisa GERP divulgada em 24 de outubro de 2024:

Imagem: reprodução/GERP

Também há a pesquisa Atlas Intel divulgada em 26 de outubro de 2024.

Imagem: reprodução/Atlas Intel

Rodrigo Neves foi eleito no 2° turno  com 156.067 votos, ou 57,20% dos votos válidos , e derrotou Carlos Jordy , que terminou com 42,80% dos votos válidos, ou 116.796 eleitores.

PT invade Niterói para tentar salvar Rodrigo Neves” (26 de outubro de 2024)

A matéria afirma que: “Na véspera do segundo turno das eleições mais disputadas da história recente de Niterói, os moradores da cidade foram surpreendidos, neste sábado, por uma verdadeira invasão de petistas de várias cidades do estado e, até mesmo, da região do ABC paulista. São milhares de militantes profissionais da Baixada Fluminense, Maricá, São Gonçalo, da Capital e, até mesmo, de São Bernardo do Campo, onde o PT ficou de fora do segundo turno”.

O jornal afirma que a deputada federal Benedita da Silva esteve em Niterói para apoiar Rodrigo Neves, o que de fato aconteceu. Entretanto, as informações sobre uma suposta “invasão de militantes profissionais” não é corroborada por fontes ou informações confiáveis, nem qualquer movimento neste sentido foi noticiado por outros veículos .

“Medo de perder boquinhas une velha política de Niterói com Rodrigo Neves”,  em 26 de outubro de 2024.

A matéria afirma que “Niterói está assistindo a campanha mais agressiva de sua história. O gabinete do ódio, montado por Rodrigo Neves, tem de tudo. Uma verdadeira fábrica de fake news está produzindo as narrativas mais absurdas, numa tentativa desesperada de Rodrigo Neves para manter o poder, custe o que custar”.

O Fluminense cita uma suposta fábrica de fake news, mas durante o processo eleitoral, o candidato Carlos Jordy foi punido pelo TRE por “discurso ofensivo” e “campanha ilegal nas redes socias”, como checado pelo Coletivo Bereia. Ainda durante a campanha, a Justiça Eleitoral derrubou mais de 20 páginas com notícias falsas e ataques ao candidato Rodrigo Neves.

“Rodrigo Neves despeja dinheiro e torna segundo turno em Niterói o mais sujo do país” (27 de outubro de 2024)

Imagem: reprodução/O Fluminense 

Esta matéria afirma que: “Segundo cobertura da mídia e informações oficiais da Justiça Eleitoral, Niterói foi a cidade com maior número de presos por compra de votos em todo Brasil. São mais de 100 presos por boca de urna para o candidato do PDT, Rodrigo Neves. Até o momento dezenas de outros presos por corrupção eleitoral aguardam para serem indiciados. O abuso de poder econômico por parte da campanha de Rodrigo Neves ignorou completamente a legislação eleitoral.

Entretanto, de acordo com informações do TRE, 53 pessoas foram conduzidas à Delegacia da Polícia Federal por suspeita de prática de boca de urna, sendo que 20 foram autuadas. Além disso, não há qualquer menção oficial sobre o candidato que supostamente seria beneficiado com a prática. Curiosamente, apenas O Fluminense publicou a alegação de que a boca de urna estaria sendo realizada em favor de Rodrigo Neves, uma informação que não foi corroborada por outros veículos de comunicação.

*** O Fluminense produziu uma seleção tendenciosa de informações. Especificamente, ao publicar apenas a pesquisa eleitoral que favorecia o candidato Carlos Jordy, tendo omitido outras pesquisas realizadas no mesmo período que mostravam resultados diferentes, como as do GERP e Atlas Intel. Esta prática pode criar uma percepção distorcida da realidade eleitoral, e influenciar a opinião pública de maneira parcial.

Além disso, há omissão de fontes confiáveis ao afirmar que houve uma “invasão de militantes profissionais” do PT em Niterói. Sem apresentar fontes ou dados concretos para sustentar essa alegação, e sem que outros veículos de comunicação tenham corroborado a informação, a credibilidade da notícia é questionável. Esta falta de evidências concretas pode induzir o leitor ao erro e compromete a responsabilidade jornalística.

Observa-se também uma repetição de narrativas negativas direcionadas ao candidato Rodrigo Neves. Foram publicadas 23 matérias críticas a seu respeito, sem nenhum contraponto positivo, enquanto Carlos Jordy recebeu 14 matérias favoráveis e nenhuma crítica. A repetição contínua de conteúdos negativos sobre um candidato pode reforçar associações negativas no público, influenciando a percepção de maneira desequilibrada.

O uso de insinuações e linguagem emocional é evidente em termos como “gabinete do ódio”, “fábrica de fake news” e “campanha mais suja do país”, utilizados sem evidências concretas. Essas expressões têm o potencial de instigar emoções negativas e desacreditar Rodrigo Neves, desviando o foco de uma discussão objetiva e baseada em fatos.

Há também um distanciamento dos fatos e dados oficiais. A matéria que afirma que “Niterói foi a cidade com maior número de presos por compra de votos em todo Brasil” contradiz os dados oficiais do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que registrou 53 conduções por suspeita de boca de urna, sem especificar envolvimento direto de qualquer candidato. Essa discrepância levanta preocupações sobre a precisão e veracidade das informações divulgadas.

As falhas na verificação de informações são preocupantes. Ao citar supostos eventos como a “invasão” de militantes e a existência de um “Gabinete do Ódio” sem apresentar provas ou fontes confiáveis, o jornal não cumpre com o dever básico de checar os fatos antes da publicação, o que compromete a qualidade e a ética jornalística.

Por fim, há um claro desbalanceamento na cobertura jornalística. A ausência de matérias críticas sobre Carlos Jordy e a falta de reconhecimento das ações positivas ou apoios recebidos por Rodrigo Neves indicam uma cobertura desequilibrada e parcial. Uma imprensa responsável deve buscar a imparcialidade para oferecer ao público uma visão equilibrada dos fatos e permitir que os leitores formem suas próprias opiniões com base em informações precisas e verificadas.

O Fluminense, um jornal com profunda ligação histórica com Niterói, desviou-se de seu compromisso com o jornalismo responsável, ao utilizar técnicas de desinformação que comprometem a integridade informativa e a confiança dos leitores. Ao enfatizar apenas aspectos positivos de um candidato e negativos de outro, sem embasamento em fontes confiáveis, o jornal desempenhou um papel mais próximo ao de um panfleto político do que ao de um veículo de comunicação comprometido com a verdade.

Referências:

Governo Federal. https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2024/10/pf-prende-dois-homens-com-r-500-mil-durante-acao-contra-crimes-eleitorais-em-niteroi Acesso em: 29 Out 2024 

FGV https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/FLUMINENSE,%20O.pdf Acesso em: 29 Out 2024 

TJ-RJ https://www3.tjrj.jus.br/consultaprocessual/#/consultapublica?numProcessoCNJ=0061380-23.017.8.19.2017 Acesso em: 29 Out 2024 

O Fluminense https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.tre-rj.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Outubro/niteroi-e-petropolis-elegem-prefeitos-em-segundo-turno Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274821-rodrigo-neves-despeja-dinheiro-e-torna-segundo-turno-em-niteroi-o-mais-sujo-do-pais.html  Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274816-medo-de-perder-boquinhas-une-velha-politica-de-niteroi-com-rodrigo-neves.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274805-pesquisa-carlos-jordy-e-rodrigo-neves-empatados-tecnicamente.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274818-pt-invade-niteroi-para-tentar-salvar-rodrigo-neves.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274805-pesquisa-carlos-jordy-e-rodrigo-neves-empatados-tecnicamente.html Acesso em: 29 Out 2024 

https://www.ofluminense.com.br/cidades/niteroi/2024/10/1274703-jordy-fortalece-lacos-com-igreja-catolica-em-defesa-dos-valores-cristaos-e-da-vida.html Acesso em: 29 Out 2024 

Enfoco https://enfoco.com.br/noticias/politica/rodrigo-neves-recebe-apoio-de-evangelicos-no-mercado-municipal-122893 Acesso em: 29 Out 2024 

TSE https://pesqele-divulgacao.tse.jus.br/app/pesquisa/detalhar.xhtml Acesso em: 29 Out 2024 

https://pesqele-divulgacao.tse.jus.br/app/pesquisa/detalhar.xhtml Acesso em: 29 Out 2024 

O Dia. https://odia.ig.com.br/niteroi/2024/09/6915486-justica-derruba-mais-de-vinte-paginas-de-fake-news-contra-rodrigo-neves.html Acesso em: 29 Out 2024 

Coletivo Bereia. https://coletivobereia.com.br/eleicoes-2024-justica-eleitoral-pune-candidato-a-prefeito-autointitulado-cristao-deputado-carlos-jordy-pl/ Acesso em: 29 Out 2024 G1. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/10/24/pf-apreende-dinheiro-em-niteroi.ghtml Acesso em: 29 Out 2024

Balanço Janeiro 2024: desinformação sobre investigação de participação de deputado católico no 8 de janeiro

A Polícia Federal deflagrou, em 18 de janeiro de 2024, a 24ª fase da Operação  Lesa Pátria, que investiga promotores e participantes dos ataques antidemocráticos às sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro do ano passado. Nesta etapa, parlamentares estão incluídos nas investigações, entre eles, o deputado federal católico e líder da oposição Carlos Jordy (PL-RJ) e o que gerou reações dele próprio nas mídias sociais, de parceiros e apoiadores, marcadas por desinformação. As reproduções de publicações a seguir foram coletadas para esta matéria e se concentram na noção de “perseguição”, bastante explorada em grupos religiosos, como Bereia já mostrou em outras checagens.

Fonte: Instagram. Perfil do deputado federal Marcel Van Hattem (NOVO-RS)

Fonte: GospelPrime

Fonte: Instagram. Perfil do deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ)

Quem é Carlos Jordy

Carlos Jordy iniciou sua jornada política em 2016, como vereador de Niterói (RJ), eleito pelo Partido Social Cristão (PSC) com 2.388 votos. Foi lançado no cenário nacional em 2018, desta vez filiado ao Partido Social Liberal (PSL), na trilha do protagonismo de Jair Bolsonaro, então candidato do seu estado à Presidência da República, pelo mesmo partido. Jordy chegou à Câmara dos Deputados ao receber 204.048 votos, o quarto candidato que mais recebeu votos no Rio de Janeiro.  Ele se tornou reconhecido por passar a integrar a “tropa de choque” do então presidente Jair Bolsonaro e uma das principais vozes em temas da extrema-direita. Em 2022, no Partido Liberal (PL), foi reeleito deputado federal com 114.000 votos. 

Com uma habilidosa utilização das mídias sociais, o deputado Carlos Jordy alcançou uma expressiva base de seguidores, contando com 903 mil no Instagram, 220 mil no TikTok, 893 mil no Facebook e mais de 1 milhão no X (antigo Twitter) até o fechamento desta matéria. Essa presença digital robusta evidencia o alcance e a influência que Jordy exerce no espaço online, engajando seu público com conteúdos que refletem suas posições e visões políticas de extrema-direita.

Bereia verificou anteriormente diversos conteúdos desinformativos produzidos pelo deputado federal Carlos Jordy. O parlamentar é um dos que faz farto uso de falsidades como estratégia de convencimento. 

Para além do trabalho do Bereia, o projeto Digitalização e Democracia no Brasil, parceria entre a FGV DAPP e a Embaixada da Alemanha,  analisou postagens com acusações de fraude na urna eletrônica e defesa de voto impresso auditável publicadas no Facebook, entre novembro de 2020 e janeiro de 2022, com vistas a desestabilizar o processo eleitoral de 2022. O projeto levantou  um recorde de publicações falsas sobre fraude eleitoral, a maior parte das quais provenientes de perfis de parlamentares, e entre eles consta o nome de Carlos Jordy.

Imagem: Lista de contas que atraíram mais interações em postagens sobre fraude nas urnas. Período de análise: 2 de novembro de 2020 a 18 de janeiro de 2022. Reprodução de site da FGV

Jordy já era investigado pela Polícia Federal desde 2021, no âmbito do inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal para levantar uma trama golpista de agitação e propaganda contra o regime democrático. Em relatório de 83 páginas, produzido pelo STF, a PF foi instada a investigar, em ação inédita no país, 13 parlamentares integrantes de uma conspiração com o objetivo de “derrubar a estrutura democrática”, entre eles Carlos Jordy, na época ligado ao PSL-RJ. O texto citou  indícios de uma “estrutura organizada”, financiada com recursos públicos e privados, dedicada à incitação à incitação de um golpe para “o retorno do estado de exceção”, a partir do fechamento do Congresso e da “extinção total ou parcial” do Supremo Tribunal Federal. 

Jordy também foi citado no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia de Covid-19, apresentado em outubro de 2021. Ele apareceu como integrante do núcleo político apoiador do denominado “Gabinete do Ódio”, que atuava de dentro do Palácio do Planalto, na disseminação de material de incentivo ao descumprimento das normas sanitárias para conter a pandemia e adotou conduta de incitação ao crime. O relatório pediu o indiciamento dos integrantes deste núcleo.
 

Operação Lesa Pátria, 2023-2024 

A operação da Polícia Federal para investigar responsáveis e participantes pelos ataques às sedes dos Três Poderes, em janeiro de 2023, inclui buscas e apreensões e quebras de sigilo. Quando tais atividades envolvem parlamentares, a PF solicita autorização ao Supremo Tribunal Federal, o que foi obtido, no que diz respeito a Carlos Jordy. O ministro Alexandre de Moraes atendeu à representação apresentada pela Polícia Federal, que teve parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo os protocolos referentes a investigações que envolvem parlamentares.

O material coletado pela PF já apontava para a participação ativa de Jordy e outros investigados em núcleos de financiamento e incitação dos atos questionados. As evidências obtidas indicam uma rede de apoio para desestabilizar as instituições. Os fatos teriam se iniciado em novembro de 2022, logo após o segundo turno das eleições presidenciais, com bloqueios de rodovias e a instalação de acampamentos na frente de quartéis pedindo golpe militar.

O inquérito da PF visa  apurar condutas que se amoldam, em tese, “a crimes contra o Estado Democrático de Direito, consubstanciado nos atos de tentar com emprego de grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, bem como os crimes de incitação pública de animosidade entre as Forças Armadas contra os poderes constitucionais e de associação criminosa, delitos previstos nos artigos 359-L da Lei 14.197 /2021, art. 286, parágrafo único e art. 288 do Código Penal”.

Investigações apontam Carlos Victor de Carvalho, figura da extrema-direita da cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), com conexões estreitas com o deputado Carlos Jordy. Evidências incluem a administração de grupos de WhatsApp e interações suspeitas, que sugerem a orientação de Jordy em movimentações antidemocráticas. Diálogos durante bloqueios rodoviários intensificam as suspeitas. Tal linha investigativa foi levantada, quando Carlos Victor de Carvalho (CVC)remete  mensagem ao parlamentar, em  01 de novembro de 2022, transcrita a seguir:

CVC: Bom dia meu líder. Qual direcionamento você pode me dar? Tem poder de parar tudo. 

JORDY: “Fala irmão, beleza? Está podendo falar aí? CVC: Posso irmão. Quando quiser pode me ligar” 

Nessa data ocorriam bloqueios de rodovias em todo Brasil, inclusive em Campos, como protestos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, contra o resultado das eleições. Além disso, o deputado teria tido contato telefônico com Carlos Victor Carvalho, em 17 de janeiro de 2023,  quando o líder extremista estava foragido. A PF avalia que Jordy, como agente público, deveria ter comunicado imediatamente à autoridade policial o destino do investigado.

Na decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, que autoriza a PF a realizar buscas e apreensões relacionadas ao parlamentar Carlos Jordy, consta que os fatos narrados na investigação da PF, demonstram a existência de uma possível organização criminosa que visa desestabilizar as instituições republicanas. O ministro vê a utilização de  uma rede virtual de apoiadores “que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e do Estado de Direito no Brasil”.

Na decisão, o ministro decretou a busca e apreensão domiciliar e pessoal de armas, munições, computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos, bem como de quaisquer outros materiais relacionados aos fatos. Além disso, autorizou o acesso e a análise do conteúdo de dados, arquivos e mensagens eletrônicas disponíveis em computadores, celulares e demais equipamentos apreendidos ou em serviços de armazenamento “em nuvem”.

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Bereia avalia que as publicações que afirmam que as investigações que envolvem o deputado federal católico Carlos Jordy (PL-RJ) são ilegais e representam perseguição carecem de fundamento e são falsas. A ação foi baseada em uma representação da Polícia Federal, aprovada pela Procuradoria-Geral da República e validada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo protocolo diz respeito à investigação de parlamentares, de acordo com as evidências colhidas pela PF. O caso está em investigação, sob os trâmites do Estado Democrático de Direito, e o parlamentar segue em atuação, com ampla liberdade de expor sua avaliação do processo nos veículos de mídia dos quais dispõe, o que torna falsas afirmações da existência de uma ação em  forma de ditadura.

Referências de checagem:

TSE.

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2016/2/58653/190000013079 Acesso em 29 JAN 2024 

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2018/2022802018/RJ/190000614646 Acesso em 29 JAN 2024 

https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao-resultados/resultado-da-elei%C3%A7%C3%A3o?session=200806150682479 Acesso em 29 JAN 2024 

https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2022/2040602022/RJ/190001596781 Acesso em 29 JAN 2024 

https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/r/seai/sig-eleicao-resultados/resultado-da-elei%C3%A7%C3%A3o?p0_abrangencia=Munic%C3%ADpio&clear=RP&session=304689231096337 Acesso em 29 JAN 2024 

Supremo Tribunal Federal

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=525022&ori=1 Acesso em 29 JAN 2024

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=501376&ori=1 Acesso em 29 JAN 2024

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=524163&ori=1 Acesso em 29 JAN 2024

https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/DecisoPET11986.pdf Acesso em 29 JAN 2024

https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ParecerPGRPET11986.pdf Acesso em 29 JAN 2024 

Senado Federal. https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9484688&ts=1697682413143&disposition=inline Acesso em 29 JAN 2024

FGV. https://democraciadigital.dapp.fgv.br/estudos/desinformacao-on-line-e-contestacao-das-eleicoes/ Acesso em 29 JAN 2024

Coletivo Bereia.https://coletivobereia.com.br/deputado-federal-cristao-usa-montagem-de-oito-videos-para-desinformar-sobre-atual-gestao-do-poder-executivo/ Acesso em 02 JAN 2024

Gospel Prime https://www.gospelprime.com.br/seguindo-receita-de-ditaduras-judiciario-vira-arma-contra-oposicao/#google_vignette  Acesso em 02 JAN 2024

El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-20/bolsonaro-e-lider-e-porta-voz-das-fake-news-no-pais-diz-relatorio-final-da-cpi-da-pandemia.html Acesso em 06 FEV 2024

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Foto de capa: Câmara dos Deputados