Cientista político e ONG desinformam sobre boicote do Brasil ao discurso do primeiro-ministro de Israel na ONU

Publicações sobre a participação do Brasil na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), na última sexta (27), ganharam relevância nas mídias sociais, em especial em espaços digitais religiosos. No Instagram, uma postagem do cientista político André Lajst, em parceria com a StandWithUs Brasil (organização educacional sobre Israel), afirma que as delegações de Brasil, Cuba, Irã, Turquia, Arábia Saudita e Venezuela se retiraram do plenário durante o discurso da delegação de Israel no órgão. 

Na legenda da imagem, Lajst diz que o ato é uma demonstração de que a ONU se transformou em uma plataforma para o antissemitismo e que o Brasil seguiu o “viés anti-Israel” da organização. O cientista político afirma, ainda, que algumas delegações que deixaram o salão “possuem um grave histórico de violações de direitos humanos, a exemplo do Irã, Arábia Saudita, Venezuela e Cuba”. A deputada federal católica Bia Kicis (PL-DF) compartilhou a publicação em seu perfil no Instagram.

Imagem: Reprodução/Instagram

Boicote e plenário vazio 

Bereia levantou o que foi reportado pelas mídias de notícias sobre o discurso do primeiro- ministro de Israel na ONU. De acordo com o Jornal Nacional, da Rede Globo, ao menos 12 delegações se tiraram do salão da Assembleia Geral em sinal de protesto ao discurso primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu. Essa foi a primeira vez que o Brasil boicotou um discurso na ONU, e, segundo o jornal, a instrução foi para que os diplomatas saíssem do local antes da entrada do premier israelense no plenário.

Segundo o Estadão, a ordem partiu do Ministro de Relações Exteriores Mauro Vieira, e foi motivada não só pela escalada do conflito no Oriente Médio, protagonizado por Israel, mas também pela morte de dois brasileiros nas recentes ofensivas de Netanyahu no Líbano. 

Em 25 de setembro, dois dias antes do discurso do primeiro-ministro, o Itamaraty confirmou a morte de Ali Kamal Abdallah, de 15 anos, primeiro brasileiro vitimado em um ataque de Israel ao Líbano. No dia do protesto, uma segunda morte foi confirmada: Mirna Raef Nasser, de 16 anos, estava em casa quando uma explosão atingiu o local no início daquela semana.

Em vídeo publicado pelo jornal The Guardian, é possível notar que membros das delegações começam deixar o local assim que o nome do premier israelense foi anunciado – o que contraria a afirmação de que o protesto ocorreu no meio do discurso. Por outro ângulo, um vídeo da agência AFP mostra que muitos lugares já estavam vazios antes da movimentação.

Analisando as imagens, Bereia verificou que os assentos das seguintes delegações estavam vazios: Turquia; Santa Lúcia; Paraguai; Nepal; Mauritânia; Madagascar; Argélia; Macedônia do Norte; Libéria; Namíbia; Nauru; Jordânia; Kuwait.

As ausências não significam adesão automática ao protesto, pois não é possível determinar em que momento os diplomatas deixaram do local, mas, além do Brasil, há confirmação de que no caso de Malásia, Indonésia e Turquia a saída foi intencional. Imagens do discurso do primeiro-ministro do Paquistão, que falou imediatamente antes de Benjamin Netanyahu, mostram que muitas delegações já haviam deixado o plenário. 

Imagem: Reprodução/ Youtube

A situação não foi diferente após o discurso do premier israelense: a primeira-ministra de Barbados também encarou um auditório parcialmente vazio.

Imagem: Reprodução/ Youtube

Netanyahu pede paz em meio aos piores ataques dos últimos 20 anos

Nos registros em vídeo, Netanyahu foi vaiado no início. Ele fez críticas ao Irã, a quem chamou de “maldição”,  falou sobre uma “reconciliação histórica” entre árabes e judeus, defendeu o que chamou de “mentiras e calúnias” sobre seu país. Netanyahu expôs uma demonstração de força diante da escalada do conflito no Líbano, onde o premier afirma “não ter escolha e ter todo o direito”.

Enquanto Netanyahu discursava, o número de vítimas dos bombardeios de Israel no Líbano nos cinco dias anteriores chegou a 700, mais da metade do número de mortos na guerra de 2006. A ofensiva de Israel contra o Hamas matou mais 40 mil palestinos nos primeiros 10 meses de conflito, marcado por ataques a campo de refugiados, hospitais, escolas, comboio de ajuda humanitária e civis desarmados.  

Diante deste cenário, Israel sofre duras críticas de toda a comunidade internacional e da ONU, que, em março de 2024, afirmou ter motivos para sustentar que o país comete genocídio na Faixa de Gaza. Em julho deste ano, o principal tribunal das Nações Unidas considerou ilegal a ocupação de Israel em territórios palestinos e pediu a suspensão da construção de assentamentos israelenses na região.

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Bereia classifica a publicação de André Lajst e da organização Stand with Us como enganosa. Apesar de se basear em informações verdadeiras sobre o boicote do Brasil ao premier israelense, Lajst divulga desinformação para reforçar mensagem pró-governo israelense. Em primeiro lugar, afirma que a delegação brasileira se retirou do plenário da Assembleia Geral da ONU durante o discurso de Netanyahu, quando, de acordo com diplomatas ouvidos pela imprensa brasileira, ela nem estava presente quando o primeiro-ministro foi anunciado. 

Em segundo lugar, a publicação coloca o Brasil em um suposto grupo de países que teria deixado o plenário. Como Bereia verificou, o grupo de países ausentes é muito maior do que o que foi listado nos perfis do Instagram. A seleção apresentada é composta por países que recebem frequentes críticas públicas a respeito de suas políticas interna e externa. Colocar o Brasil no grupo selecionado oferece a leitores e seguidores uma mensagem negativa como se o país se alinhasse às mesmas tendências políticas, o que não é factual. 

Em terceiro lugar, a publicação reduz o gesto dos países a antissemitismo e descarta a dimensão política do protesto na Assembleia da ONU, associado aos fatos recentes, como a violenta ação no Líbano que vitimou centenas de civis, incluindo dois adolescentes brasileiros. 

Essa imprecisão e a omissão de um contexto importante para a compreensão de uma questão tão complexa leva o público a uma percepção enganosa dos fatos.

Referências 

StandWithUs

https://www.standwithus.com/brazil-about-us Acesso em 30 set 2024

The Guardian

https://www.theguardian.com/world/video/2024/sep/27/delegates-walk-out-of-un-general-assembly-chamber-as-benjamin-netanyahu-takes-podium-video Acesso em 30 set 2024

G1

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/09/27/no-discurso-do-primeiro-ministro-de-israel-na-onu-delegacoes-do-brasil-e-de-outras-nacoes-deixam-o-plenario-em-protesto.ghtml Acesso em 30 set 2024

Reuters

https://www.reuters.com/world/middle-east/netanyahu-says-israel-seeks-peace-fighting-life-2024-09-27/ Acesso em 01 out 2024

Estadão

https://www.estadao.com.br/internacional/brasil-deixa-plenario-antes-de-discurso-de-binyamin-netanyahu-na-assembleia-geral-da-onu/ Acesso em 01 out 2024

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/itamaraty-confirma-morte-de-segundo-adolescente-brasileiro-no-libano/ Acesso em 30 set 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/israel-abre-fogo-mata-e-fere-centenas-que-esperavam-por-comida-em-gaza/#:~:text=Pelo%20menos%20112%20pessoas%20morreram,da%20Saúde%20palestino%20em%20Gaza. Acesso em 02 out 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ataque-a-comboio-humanitario-foi-sistematico-carro-a-carro-diz-fundador-de-ong/ Acesso em 02 out 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ataque-aereo-israelense-contra-escola-da-onu-em-gaza-deixa-dezenas-de-mortos-dizem-autoridades-de-hospital/ Acesso em 02 out 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/discurso-netanyahu-assembleia-onu-delegacoes-deixam-plenario/ Acesso em 30 set 2024

Instagram  

https://www.instagram.com/p/DAcRsJWp1P9/?igsh=MXcxMGw1ZGV0ZG1yag== Acesso em 30 set 2024

https://www.instagram.com/p/DAbdsUgRDhe/?igsh=MW91MTU4NzJ2OTg0NQ== Acesso em 30 set 2024

Youtube

https://youtu.be/w0b0dAb81qQ?si=QgS7TEWxG3LBbLIB Acesso em 02 out 2024

https://www.youtube.com/watch?v=ARZGgK1x4oM Acesso em 02 out 2024

https://www.youtube.com/watch?v=lTMm8BYRG4E Acesso em 02 out 2024

https://www.youtube.com/watch?v=aUvWnTesK3w&t=1588s Acesso em 02 out 2024

ONU News

https://news.un.org/pt/story/2024/09/1838336 Acesso em 02 out 2024

Nexo Jornal

https://www.nexojornal.com.br/extra/2024/09/27/benjamin-netanyahu-na-onu-boicote-brasil-ataques-contra-o-libano Acesso em 02 out 2024

Monitor do Oriente

https://www.monitordooriente.com/20240927-discurso-de-netanyahu-na-onu-e-marcado-por-vaias-e-saida-de-diplomatas/ Acesso em 02 out 2024

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-03/relatora-da-onu-diz-que-israel-comete-genocidio-na-faixa-de-gaza Acesso em 02 out 2024 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-03/ataque-de-israel-hospital-em-gaza-faz-quatro-mortos-e-17-feridos#:~:text=Ataque%20de%20Israel%20a%20hospital%20em%20Gaza%20faz%20quatro%20mortos%20e%2017%20feridos,-Exército%20israelense%20visava&text=Um%20ataque%20das%20forças%20militares,Mundial%20de%20Saúde%20(OMS).Acesso em 02 out 2024

BBC News Brasil

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn33r5lkkn4o Acesso em 02 out 2024

Euronews

https://pt.euronews.com/2024/07/19/tribunal-da-onu-considera-ilegal-a-ocupacao-dos-territorios-palestinianos-por-israel Acesso em 02 out 2024

Capa: Reprodução/Youtube

Natal: Netanyahu (Herodes) e a matança de inocentes em Gaza

Nos dias atuais estamos assistindo a atualização do relato bíblico: um feroz rei, cioso de seu poder, manda matar todas as crianças abaixo de um ano. O Herodes de hoje tem um nome: Benjamin Netanyahu. Em seu furor vingativo, sua força militar, aérea, marítima e terrestre assassinou milhares de crianças, sendo que muitas delas jazem sob os escombros, além de outros milhares de civis que sequer pertencem ao grupo Hamas. Não podemos deixar que esta tragédia obscureça a festa radiosa do Natal. Ela é demais preciosa para não ser recordada  e celebrada.

Voltemos ao relato que nos enche de encanto, mesmo depois de mais de dois séculos. José e Maria, sua esposa, grávida de nove meses, estão a caminho vindo de Nazaré, do norte da Palestina para o sul, em Belém. São pobres como a maioria dos artesãos e camponeses mediterrâneos. Às portas de Belém, nos dias de hoje arrasada pelas tropas de Netanyahu, Maria entra em trabalho de parto: segura a barriga pois a longa caminhada acelerou o processo de gestação. Batem à porta de uma hospedaria. Ouvem o que os pobres na história sempre ouvem: “não tem lugar para vocês na hospedaria”(Lc 2,7).

Abaixam a cabeça e se afastam preocupados. Como ela vai dar à luz? Sobrou-lhes, na vizinhança, uma estrebaria  de animais. Ai há uma manjedoura com palhas,  um boi e um jumento que, estranhamente, permanecem quietos, observando. Ela dá a luz a um menino entre os animais. Faz frio. Ela o envolve com panos e ajeita-o nas palhinhas. Choraminga alto como todos os recém nascidos.

Há pastores que velam à noite, vigiando o rebanho. Segundo os critérios de pureza legal da época, os pastores, são considerados impuros e por isso desprezados, por estarem sempre às voltas com os animais, seu sangue e seus excrementos. Diferente era a visão idílica dos gregos e dos romanos que idealizam a figura dos pastores. Mas são estes pobres e impuros pastores hebreus os primeiros a verem o Puer divinus, a divina criança.

 Surpreendentemente, uma luz os envolveu e escutaram do Alto uma voz lhes anunciando: “não temais anuncio-vos uma grande alegria que é para todo o povo; acaba de nascer o  Salvador; este é o sinal: encontrareis um menino envolto em panos, deitado numa manjedoura”. Ao porem-se, pressurosos, a caminho ouviram um cântico mavioso, de muitas vozes, vindo do Alto: “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens  por Deus amados”(Lc 2,8-18). Chegam e se confirmou tudo o que lhes fora comunicado: aí está um menino, tiritando, enfaixado em panos e deitado na manjedoura, na companhia de animais.

Algum  tempo depois, eis que vem descendo o caminho, três sábios do Oriente. Sabiam interpretar as estrelas. Chegam. Extasiam-se pela misteriosidade da situação. Identificam no menino aquele que iria sanar a existência humana ferida. Inclinam-se, reverentes, e deixam presentes simbólicos: ouro, incenso e mirra. Com o coração leve e maravilhados, tomam o caminho de volta, evitando a cidade de Jerusalém, pois aí reinava um “Netanyahu” terrivelmente belicoso, pronto a mandar  matar quem visitara a criança divina.

Lição: Deus entrou no mundo, na calada da noite, sem que ninguém o soubesse. Não há pompa nem glória, que imaginaríamos adequadas a um menino que é Deus. Mas preferiu chegar fora da cidade, entre animais. Não constou na crônica da época, nem em Belém, nem  em Jerusalém, muito menos em Roma. No entanto, aí está Aquele que o universo estava gestando dentro de si há bilhões de anos, aquela “luz verdadeira que ilumina cada pessoa que vem a este mundo”(Jo 1,10). Deus não veio para divinizar o ser humano, Ele veio para se humanizar junto conosco.

Devemos respeitar e amar a forma como Deus quis entrar neste mundo: anônimo como anônimas são as grandes maiorias pobres e menosprezadas da humanidade. Quis começar lá em baixo para não deixar ninguém de fora. A situação humilhada e ofendida deles foi aquela que o próprio Deus  quis fazer sua.

Mas há também sábios e homens estudiosos das estrelas do universo, os cosmólogos e que captam atrás das aparências o mistério de todas as coisas. Entreveem neste menino de corpinho tiritante, que molha os paninhos, choraminga e busca, faminto, o seio da mãe, o Sentido Supremo de nossa caminhada e do próprio universo. Para eles é também Natal.

É verdade o que se diz por aí: “Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino”.

Esse é um lado, alvissareiro: um raio de luz no meio da noite escura. Um pouco de luz tem mais direito que todas as trevas.

Mas há o outro lado, sombrio e também trágico, referido anteriormente. Há um “Netanyahu” que não teme assassinar inocentes. José, atento, logo se dá conta: ele quer mandar matar o menino recém-nascido. Foge para o Egito com Maria e o menino ao colo que dorme, busca o seio e volta a dormir.

Milhares de crianças foram assassinadas em terras da Faixa de Gaza. Então se ouviu um dos lamentos mais comoventes de todas as Escrituras: “Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos assassinados e não quer ser consolada porque os perdeu para sempre”(Mt 2,18).

Os Herodes se perpetuam na história também durante quatro anos no Brasil sob o Inelegível e atualmente na Palestina. Não obstante, haverá sempre uma estrela, como a de Belém, a iluminar nossos caminhos. Por mais perverso que sejam os Herodes, eles não podem impedir que o sol nasça cada manhã nos trazendo esperança, especialmente aquele que foi chamado “O Sol da Esperança”.

Essa alegria é inaudita: a nossa humanidade, fraca e mortal, a partir do Natal começou a pertencer ao próprio Deus. Por isso algo nosso já foi eternizado pelo Puer aeternus que nos garante que os Herodes da morte jamais triunfarão. Feliz Natal a todos com muita compaixão por tantas vítimas em Gaza, com luz e discreta alegria.

** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

*** Foto de capa: Gerd Altmann / Pixabay