Nos salvaremos a partir do princípio-esperança

A grande enchente que está assolando o Rio Grande do Sul é um dos sinais  mais inequívocos, dado pela Mãe Terra, dos efeitos extremamente danosos das mudança climática. Já estamos dentro dela. Não adianta os negacionistas se recusarem em aceitar a esse dado. Os fatos falam por si. Dentro de pouco chegarão na vida de todas as pessoas, ricos e pobres, como chegou a todos na maioria cidades ribeirinhas daquele estado.

Ocorreu uma surpreendente aceleração do processo de aquecimento global e não se cumpriu o decidido no Acordo de Paris de 2015 segundo o qual se previa uma redução drástica de  gazes de efeito estufa para não aumentarmos a temperatura de 1,5ºC até 2030. Quase nada se fez: em 2022 foram lançadas na atmosfera 37,5 bilhões de toneladas de CO² e em 2023 foram 40,8 bilhões de toneladas. Tudo foi excessivo. Em razão disso  alguns climatólogos sustentam que antes de 2030 como previsto, o aquecimento se antecipou. Por volta de 2026-2028 o clima da Terra se estabilizaria em torno de 38-40ºC e em alguns lugares com números mais elevados.

A temperatura de nosso corpo está por volta de 36,5ºC. Imaginem se pela noite a temperatura ambiente se mantiver por volta de 38ºC? Muitos, entre os idosos e crianças, não aguentarão e poderão até morrer. E para todos será uma grande agonia. Sem falar da perda da biodiversidade e das safras de alimentos, necessários para a sobrevivência.

Quem viu claro o estado da Terra foi um representante dos povos originários, aqueles que se sentem Terra e parte da natureza, uma liderança yanomami Dário Kopenawa:” A Terra é nossa mãe e sofre há muito tempo. Como um ser humano que sente dor, ela sente quando invasores, o agronegócio, mineradoras e petroleiras derrubam milhares de árvores e cavam fundo no solo, no mar. Ela está pedindo ajuda e dando avisos para que os não indígenas parem de arrancar a pele da Terra.”

Como continuamos arrancando a pele da Terra e agravando a mudança climática, o potencial de esperança está chegando ao limite. Cientistas deixaram claro que a ciência e a técnica não poderão reverter esta situação, apenas advertir da chegada de eventos extremos e mitigar suas consequências desastrosas. Chegamos à atual situação global simplesmente porque grande parte da população desconhece a real situação da Terra e a maioria dos chefes de Estado e os CEOs das grandes empresas preferem continuar a lógica da produção ilimitada, arrancada da natureza e do consumo sem limites, a ouvir as advertências das ciências da Terra e da vida. Não se fez a lição de casa. Agora a fatura amarga chegou.

O que ocorreu no Sul do Brasil é apenas o começo. Os desastres ecológicos vão se repetir com mais frequência e de forma cada vez mais grave em todas as partes do planeta.

Onde vamos buscar energias para ainda crer e esperar? Como foi dito com sabedoria: “quando não há mais razão para crer, então começa a fé; quando não há mais razão para esperar,então começa a esperança”. Como disse com acerto o autor da epístola aos Hebreus (por volta dos anos 80):” A fé é o fundamento do que se espera e a convicção das realidades que não se vêem”(11,1).A fé vê o que não se vê com os simples olhos carnais. A fé vê, com os olhos do espírito que é o nosso profundo, a possibilidade de um mundo que ainda virá, mas que, seminalmente mas ainda invisível, está entre nós. Por isso a fé se abre à esperança que é sempre ir além do que é dado e verificado. A fé e a esperança fundam o mundo das utopias que forcejam por se realizar historicamente.

Aqui vale o princípio-esperança. O filósofo alemão Ernst Bloch cunhou a expressão principio-esperança. Ele representa um motor interior que sempre está funcionando e alimentando o imaginário e o inesgotável potencial da existência humana e da história. O Papa Francisco na Fratelli tutti afiança: “a esperança nos fala de uma realidade enraizada no profundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e dos condicionamentos históricos em que vive” (n. 55). Assumir este princípio-esperança hoje,nesta nova fase da Terra, é extremamente urgente.

O princípio-esperança é o nicho de todas as utopias. Ele permite continuamente projetar novas visões, novos caminhos ainda não trilhados e sonhos viáveis. O sentido da utopia é sempre nos fazer andar (Eduardo Galeano), sempre superar dificuldades e melhorar a realidade. Como humanos, somos seres utópicos. É o princípio-esperança que nos poderá salvar e abrir  uma direção nova para a Terra e seus filhos e filhas.

Qual a nossa utopia mínima, viável e necessária? Ela implica, antes de mais nada, a busca da humanização do ser humano. Ele se desumanizou pois se transformou no anjo exterminador da natureza. Só recuperará sua humanidade se começar  a viver a partir daquilo que é de sua natureza: um ser de amorização, de cuidado, de comunhão, de cooperação, de compaixão, de ser ético e de ser espiritual que se responsabiliza por seus atos para que sejam benfazejos para o todos. Pelo fato de não ter criado espaço a esses valores e princípios, fomos empurrados na crise atual que pode nos conduzir ao abismo.

Essa utopia viável e necessária se concretiza sempre, caso tenhamos tempo, dentro das contradições, inevitáveis em todos os processos históricos. Mas ela significará um novo horizonte de esperança que alimentará a caminhada da humanidade na direção do futuro.

Desta ótica nasce uma nova ética.  Por todos os lados surgem forças seminais que buscam e já ensaiam um novo padrão de comportamento humano e ecológico. Representará aquilo que Pierre Teilhard de Chardin desde seu exílio na China em 1933 chamava de noosfera. Seria aquela esfera na qual as mentes e os corações (noos em grego) entrariam numa nova sintonia fina, caracterizada pela amorização, pelo cuidado, pela mutualidade entre todos, pela espiritualização das intencionalidades coletivas.Dizia um aforisma antigo:”quando não sabes para onde vais, regresse para saber de onde vens”. Temos que regressar à nossa própria natureza de onde viemos e  que contém as  indicações para onde vamos: àqueles valores acima enunciados que poderão nos tirar desta dramática situação.

No meio de tanto abatimento e melancolia pela situação grave do mundo, nisso cremos e esperamos.

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Foto de capa: Gaspar Rocha/Pixabay

A conta chegou: a tragédia climática no Rio Grande do Sul

Interrompo minha reflexão sobre os vetores da crise sistêmica atual e as eventuais saídas da crise, em razão da tragédia ambiental ocorrida no Rio Grande do Sul. As intensas chuvas e as catastróficas enchentes, com as águas invadindo cidades  inteiras, destruindo-as em parte, deslocando centenas de famílias, causando milhares de refugiados ou de desaparecidos e mortos, nos fazem pensar.

Antes de mais nada nossa profunda solidariedade às populações atingidas por esta calamidade de proporções bíblicas. Expressamos nossa compaixão, pois como ensinava Santo Tomás na Suma Teológica “a compaixão em si é a virtude maior. Pois faz parte da compaixão derramar-se sobre os outros – e o que é mais ainda-  ajudar a fraqueza e a dor dos outros”. Todo o país se mobilizou. O povo brasileiro mostrou o melhor de si, sua capacidade de solidariedade e disposição de ajuda, a despeito dos perversos que exploram a desgraça para fins particulares e por mentiras e calúnias.

Seria errôneo pensar que se trata apenas de uma catástrofe natural, pois de tempos em tempos ocorrem fenômenos semelhantes. Desta vez a natureza da tragédia possui outra origem. Temos a ver com a nova fase em que entrou o planeta Terra: a instalação de um novo estágio, caracterizado pelo aumento do aquecimento global. Tudo isso de origem antropogênica, quer dizer, produzida pelos seres humanos mas mais especificamente pelo capitalismo anglo-saxão, devastador dos equilíbrios naturais.

Há negacionistas em todos as esferas, especialmente entre os CEOs das grandes empresas e naqueles que se sentem bem na situação de privilégio, assentados sobre uma situação de conforto. Mas a avalanche de transtornos nos climas, a irrupção de eventos extremos, as ondas de calor intenso e de secas severas, os grandes incêndios, os tornados e as enchentes apavorantes, constituem fenômenos inegáveis. Está tocando a pele dos mais resistentes. Começaram também eles a pensar.

Considerando a história do planeta que já existe há mais de 4 bilhões de anos, constatamos que  aquecimento global participa da evolução e do dinamismo do universo;  este está sempre em movimento e se adaptando às circunvoluções energéticas que ocorrem no decorrer do processo cosmogênico. Assim o planeta Terra conheceu muitas fases, algumas de extremo frio, outras de extremo calor como há 14 milhões de anos. Nesta época de calor extremos não existia ainda o ser humano que somente irrompeu na África há 7-8 milhões de anos e o homo sapiens atual há apenas 200 mil anos.

 O próprio ser humano percorreu várias etapas em seu diálogo com a natureza: inicialmente predominava uma interação pacífica com ela; depois passou a uma intervenção ativa nos seus ritmos, desviando cursos de rios para a irrigação, cortando territórios para estradas; passou para uma verdadeira agressão da natureza, precisamente a partir do processo industrialista que se aproveitou dos recursos naturais para a riqueza de alguns à custa da pobreza das grandes maiorias; esta agressão foi levada por tecnologias eficientes a uma verdadeira destruição da natureza, ao devastar inteiros ecossistemas, pelo desflorestamento em função da produção de commodities, pelo mau uso do solo impregnando-o de agrotóxicos, contaminando as águas e os ares. Estamos em plena fase de destruição das bases naturais que sustentam nossa vida. Digamos o nome: é o modo de produção/devastação do sistema capitalista anglo-saxão hoje globalizado, com seus mantras: maximização do lucro através da superexploração dos bens e serviços naturais, no quadro de severa competição sem qualquer laivo de colaboração.

Este processo teve um pesado custo, sequer tomado em conta pelos  operadores deste sistema. Os danos naturais e sociais  eram considerados como efeitos colaterais que não entravam na contabilidade das empresas. Ao estado e não a eles cabia enfrentar tais taxas de iniquidade.

A Terra viva começou a reagir enviando vírus, bactérias, todo tipo de doenças, tufões, tempestades rigorosas e por fim um aumento de sua temperatura natural. Ela entrou em ebulição. Iniciamos um caminho sem volta. São os gases de efeito estufa: o CO2, o metano (28 vezes mais danoso que o CO2), o óxido nitroso e o enxofre entre outros.Só em 2023 foram lançados na atmosfera 40,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono, com consta no relatório da COP 28, realizada no Cairo.

Vejamos os níveis de crescimento desse gás: em 1950 as emissões eram de  6 bilhões de toneladas; em 2000 já eram 25 bilhões;em 2015 subiu para 35,6 bilhões; em 2022 foram 37,5 bilhões e finalmente em 2023,como referimos, foram 40,9 bilhões de toneladas anuais.Esse volume de gazes funciona como uma estufa, impedindo que os raios do sol retornem para o universo, criando uma capa quente, ocasionando o aquecimento do inteiro planeta. Acresce dizer que o dióxido de carbono,CO2, permanece na atmosfera por cerca de 100 a 110 anos.

Como a Terra pode digerir semelhante poluição? O acordo de Paris na COP de 2015 estabelecia cotas de redução desses gases com  a criação de energias alternativas (eólica, solar, das marés). Nada de substancial foi feito. Agora chegou a conta a ser paga por toda a humanidade: um aquecimento irreversível que tornará algumas regiões do planeta na África, na Ásia e também entre nós, inabitáveis.

O que estamos assistindo no Rio Grande do Sul é apenas o começo de um processo que, mantido o tipo atual de civilização dilapidadora da natureza, tende a piorar. Os próprios climatólogos alertam: a ciência e a técnica despertaram tarde demais para essa mudança climática. Agora não poderão evitá-la, apenas advertir da chegada de eventos extremos e de  mitigar seus efeitos danosos.

Terra e Humanidade deverão adaptar-se a essa mudança climática. Idosos e crianças e muitos organismos vivos terão dificuldade de adaptação e irão sofrer muito e até morrer. A Mãe Terra daqui por diante conhecerá transformações nunca dantes havidas. Algumas podem dizimar as vidas de milhares de pessoas. Se não cuidarmos, o planeta inteiro poderá ser hostil à vida da natureza e à nossa vida. No seu termo, poderemos até desaparecer. Seria o preço de nossa irresponsabilidade, desumanidade e descuido da natureza que  tudo nos dá para viver. Não conseguimos pagar a conta.

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Foto de capa: Flickr do Governo do Estado do Rio Grande do Sul

A ameaça mais sensível: a mudança climática

Há várias ameaças que assolam a vida, especialmente, a humana, em nosso planeta: a ameaça nuclear, a do colapso mundial do sistema econômico-social,  a da ultrapassagem da Sobrecarga da Terra (insuficiência dos bens e serviços naturais que susententam a vida), a da escassez mundial de água doce, entre outras.

Talvez a mais sensível seja a mudança climática, pois está atingindo a pele de inteiras populações. Ligada a ela está a crise hídrica que já  afeta boa parte das nações. Pessoalmente estou vivendo este drama hídrico. No limite de meu terreno, corria um riozinho com abundante água.Canalizava-se uma pequena porção dele para produzir uma cascata frequentada por muitos,durante todo o ano. Lentamente, entretanto, o rio foi diminuindo, a cascata sumindo até, numa longa extensão, o rio secar totalmente, aparecendo depois com visível diminuição de água. Ele nasce do meio de uma floresta vizinha totalmente preservada. Não haveria razão para que suas águas diminuíssem.Entretanto, sabemos, que o fator hídrico é sistêmico, está todo interligado.Mundialmente cresce a escassez de água potável.

O risco mais próximo e com consequências danosas é a mudança climática, de origem antropogênica, vale dizer, produzida pela forma com os seres humanos, especialmente, os donos das grandes complexos industriais e financeirostêm tratado a natureza nos últimos três séculos. O projeto que animava e ainda anima esse o modo de viver na terra é o crescimento ilimitado de bens e serviços no pressuposto de que a Terra possuiria também esses bens de forma ilimitada. Entretanto, depois que se publicou o  Relatório “Os limites do crescimento” em 1972 pelo Clube de Roma ficou claro que a Terra é um planeta pequeno com bens e serviços limitados. Ela não suporta um crescimento ilimitado. Hoje para atender a demanda dos consumistas precisamos de mais de uma Terra e meia, o que estressa totalmente o planeta. Ele reage, pois é um super Ente que se rege sistemicamente como um ser vivo, aquecendo-se, produzindo eventos extremos e enviando mais e mais vírus perigosos, até letais, como temos visto com o coronavírus.

Conclusão: ultrapassamos o ponto crítico. Já estamos dentro do aquecimento global. Produziu-se uma desregulação ecológica. Aumentaram exponencialmente os gases de efeito estufa, produtores de aquecimento. Vejamos alguns dados. Em 1950 emitiam-se anualmente 6 bilhões de toneladas de CO2.Em 2000, 25 bilhões de toneladas. Em 2015 já eram 35,6 bilhões de toneladas. Em 2022/23,atingiou-se 37,5 bilhões de toneladas anuais.Ao todo circulam na atmosfera cerca 2,6 trilhões de toneladas de CO2, que permanecem nela por cerca de 100 anos. Acresce o fato de que os analistas não estarem incluindo  ainda no agravamento do aquecimento global, a interação sinergética entre a comunidade de plantas, massas de terra, oceanos e gelo, o que torna dramática a situação climática. Nós encostamos nos limites intransponíveis da Terra. A prosseguir o nosso modo de atuar e consumir, a vida está ameaçada ou a Terra não nos quererá mais sobre sua superfície.

O acordo de Paris firmado em 2015 de todos os países se empenharem na redução de gases de efeito estufa para evitarmos ultrapassar 1,5C ou até 2C em relação à era industrial, se frustrou. Os países não fizeram sua lição de casa. Era necessária a redução imediata de 60-80% das emissões de CO2. Caso contrário, haveria o risco real de mudanças irreversíveis, o que deixaria vastas regiões da Terra inabitáveis. A última COP28 mostrou que tem aumentado o uso de energia fóssil, petróleo, gás e minérios.

Bem disse o presidente Lula na COP28: “O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos. Precisamos de atitudes concretas. Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?”

O que predomina é o negacionismo. Diz-se que o aquecimento é efeito do El Niño. O El Niño entra na equação, mas ele não explica, apenas agrava o processo em curso já iniciado e sem retorno. Os próprios cientistas da área confessam: a ciência e a técnica chegaram atrasadas, Elas não têm condições de reverter essa mudança, apenas advertir a sua chegada e minorar os efeitos danosos.

Mesmo assim são propostas duas maneiras para enfrentar o atual aquecimento: o primeiro, usando organismos fotossintéticos, para absorver o C02 através da fotossíntese das plantas e transformá-lo em biomassa. É o caminho correto mas insuficiente. O segundo, seria lançar partículas de ferro nos oceanos aumentando sua capacidade de fotossíntese. Mas este método não é cientificamente aconselhado por danos previsíveis  à vida nos oceanos.

Na verdade não temos soluções viáveis. O certo  é que temos que nos adaptar à mudança climática e organizar nossa vida, as cidades oceânicas, os processos produtivos para minorar os danos inevitáveis. No fundo, temos que volver ao mito do cuidado sobre nós e sobre todas as coisas como venho insistindo há anos, já que o cuidado pertence à essência do humano e de todos os viventes.

Imaginemos se um dia, a humanidade tomar consciência de que a  vida poderá desaparecer e fizer com que toda a população mundial, num fim de semana, se pusesse a plantar árvores e assim sequestrar o carbono e criar condições para o sistema-vida e a humanidade sobreviverem? Seria uma tentativa que podemos implementar e quiçá nos salvar. O imponderável sempre pode acontecer como a história tem mostrado. Vale a advertência de um eminente filósofo alemão Rudolf-Otto Apel: “Pela primeira vez na história do gênero humano, os seres humanos foram postos, na pratica, diante da tarefa de assumir a responsabilidade solidária pelos efeitos de suas ações em um parâmetro que envolve todo o planeta” (O a priori da Comunidade de Comunicação, São Paulo: Editora Loyola, 2000 p. 410). Ou nos responsabilizamos, sem exceção de ninguém, pelo nosso futuro comum ou poderá acontecer que não contaremos mais entre os viventes do planeta Terra.

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Foto de capa: Julio Perez/Pexels

Começou a era da ebulição global do planeta?

A expressão não é minha, mas do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, proferida no dia 27 de julho de 2023, ao tomar conhecimento da aceleração inesperada do aquecimento global. Este chegou ao ponto de o planeta entrar num processo de ebulição, dada a incúria dos processos humanos, especialmente do industrialismo e produtivismo capitalista (incluída a China) que usam abusivamente de energia fóssil, carvão e outros elementos produtores de efeito estufa.

O clima normal médio da Terra é de 15 graus Celsius. Mas esta média começou a subir tanto que ultrapassou em julho de 2023 a mais de 17 graus Celsius.

Isso tudo se deve ao fato de por ano serem lançadas na atmosfera cerca de 40 bilhões de toneladas de CO2 que permanece na atmosfera por mais de 100 anos, acrescido ainda do ácido nitroso e do metano que é 28 vezes mais danoso que o CO2, embora fique na atmosfera por uns 9-10 anos.

As consequências deste aumento se mostram por secas prolongadas, por inundações de inteiras regiões e cidades, furacões, ciclones extratropicais como no Sul do país, queimadas em quase todo o planeta. A inflexão sobre as vidas humanas é de grande monta. A conhecida revista Nature Medicine calculou que o alto calor de 2022 provocou só na Europa 61 mil mortes. Nem falemos de África e da Ásia ou de países mais pobres que vitimaram milhares de crianças e de pessoas idosas, particularmente na parte central da Índia, onde a temperatura chegou a 50 graus centígrados.

A observar o pouco que as grandes corporações e os estados fazem para deter essa lenta, mas permanente ascensão da temperatura, tudo indica que já atingimos o ponto de não retorno. A ciência e a técnica chegaram atrasadas, não conseguem deter o aumento, apenas ajudam a minorar os efeitos danosos que serão inevitáveis.

Mas nem tudo é fatal. Cabe lembrar que o improvável pode acontecer: os seres humanos sob a percepção do risco de desaparecer, deem um salto de consciência, rumo à noosfera como projetava Teilhard de Chardin ainda em 1933, vale dizer, unindo coração e mente (noosefera) para mudar a forma de produzir, de consumir e particularmente de se relacionar com a natureza, sentindo-se parte, não seus senhores e cuidando dela.

Se observarmos a biografia da Terra, constatamos que o aquecimento pertence à evolução de nosso planeta. Quando ainda não existíamos como espécie sobre a Terra, há 250 milhões de anos, o clima chegou e permaneceu por milhares e milhares de anos a 32 graus Celsius. Ocorreu uma massiva extinção de espécies de seres vivos. Mais tarde, há 50 milhões e anos, a Terra chegou a 21 graus Celsius; os crocodilos e as palmeiras adaptaram-se a esse aquecimento mas houve também  grande extinção de organismos vivos. Mais perto de nós, há 130 mil anos, a Terra alcançou a temperatura que neste momento estamos verificando, de 17 graus Celsius. Muitos seres desapareceram e o mar subiu entre 6-9 metros, o que teria encoberto toda a Holanda e as partes baixas do norte europeu.

Esse aumento do clima terrestre pertence à geoevolução. Mas o atual é causado pelos próprios seres humanos, não tanto pelas grandes maiorias pobres, mas pelas populações dos países opulentos, sem a justa medida em suas ações seja no assalto sobre a natureza seja nas formas de consumo suntuoso e nada solidário. Fala-se que inauguramos uma nova era geológica, o antropoceno. Por este conceito se quer identificar que a grande ameaça à vida do planeta e ao futuro da natureza depende dos seres humanos. Estes, na expressão do biólogo da biodiversidade Edward Wilson, se comportaram como o Satã da Terra e transformaram o Jardim do Éden num matadouro. Alguns vão mais longe ainda e referem-se ao necroceno, dado o crescente processo de morte (necro) de espécies de seres vivos na ordem de 70-100 mil por ano. Ultimamente se tem falado do piroceno, quer dizer, da era do fogo. Este é causado também pelos seres humanos, mas particularmente porque o solo ficou mais seco, as pedras se terem aquecido; basta folhas secas e gravetos sobre elas para produzirem grandes e devastadores incêndios por quase todo o planeta, mesmo na úmida Sibéria.

Que cenários poderemos enfrentar? São todos sombrios, caso não ocorrer um salto quântico que defina outro caminho e outro destino para o sistema-vida e o sistema-Terra. Não se pode negar que o planeta, dia após dia, está se aquecendo. Os órgãos da ONU que acompanham a evolução deste evento desastroso nos alertam que entre os anos 2025-2027 teremos ultrapassado os 1,5 graus Celsius, previstos para 2030 pelo acordo de Paris em 2015. Tudo se antecipou e nesta data, entre 2025-2027, chegaremos ao que está ocorrendo atualmente, um clima que poderá se estabilizar acima de 35 graus, chegando a 38-40 graus em algumas regiões do planeta. Milhões deverão emigrar por não poderem mais viver em suas pátrias queridas e safras serão totalmente perdidas. O Brasil, atualmente, um dos maiores exportadores de alimentos, verá sua produção profundamente reduzida. Segundo James Lovelock, (Veja, Páginas Amarelas de 25 de outubro de 2006), o Brasil, por causa de sua vasta extensão ensolarada, será um dos mais atingidos pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas. Os do agronegócio deveriam estar atentos a estas advertências, pois como escreveu o Papa Francisco na encíclica Laudato Si: como cuidar da Casa Comum, dirigida a toda a humanidade e não apenas aos cristãos: “As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia; deixaríamos para as próximas gerações demasiadas ruínas, desertos e lixo” (n.161).

É o que ninguém quer para seus filhos e netos. Mas para isso devemos nos munir de coragem e de ousadia para mudar de rumo. Só uma radical mudança ecológica poderá salvar as condições que permitirão nossa continuidade sobre esse esplêndido planeta Terra.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil