* Matéria atualizada em 01/04/2024 para acréscimo de informações recentes sobre o tema
Enquanto cumpria agenda de prestação de contas no município de Nova Friburgo, no distrito de Lumiar,em 12 de agosto passado, a deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) foi atacada por manifestantes de extrema-direita.
Bereia teve acesso a áudios que indicam a organização do ataque a partir da propagação de desinformação, com uso de discurso religioso, a respeito do propósito da ida de Marina do MST ao distrito de Nova Friburgo.
Entre os que propagaram áudios para convocar a população para uma manifestação contra a deputada está um homem investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por incitar bolsonaristas a pegar em armas.
Ataque à deputada estadual Marina do MST (PT-RJ) em Nova Friburgo
Lucia Marina dos Santos, conhecida como Marina do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), é deputada estadual no Rio de Janeiro e cumpre o primeiro mandato. A parlamentar foi eleita defendendo, principalmente, as bandeiras da luta por soberania alimentar, agroecologia e o combate aos agrotóxicos.
Em visita à Nova Friburgo, Região Serrana fluminense, a deputada realizou uma reunião de prestação de contas do mandato, denominada Plenária Territorial, no centro da cidade, na manhã de 12 de agosto. À tarde, a reunião estava marcada para acontecer no distrito de Lumiar.
Um grupo de manifestantes, identificados como seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro, compareceu ao ato de prestação de contas da deputada Marina do MST, na praça Levi Aires Brust, em Lumiar, com o intuito de protestar contra a presença do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na localidade.
Imagens gravadas e publicadas nas redes digitais mostram uma multidão em torno de Marina e sua equipe. Os manifestantes, aos gritos de “fora”, cercaram a deputada, chegaram a empurrá-la e é possível ver pessoas arremessando garrafas em direção à deputada. Um vídeo mostra a chegada de viaturas policiais para conter as agressões.
Imagem: reprodução
Mobilização do ataque via redes digitais com referência bíblica
Áudios compartilhados em grupos de Whatsapp mostram que a decisão de protestar surgiu a partir da divulgação de informações de que o evento se tratava de uma ocupação do MST e não de uma ação do mandato da deputada. Os autores dos áudios identificam-se como pessoas ligadas a organizações como Associação dos Agricultores Familiares e Ação Rural dos distritos de Lumiar, São Pedro da Serra e Macaé de Cima.
Em um dos áudios obtidos por Bereia, o autor se identifica como Jailton Barroso Eller e convoca outras pessoas para um “movimento pacífico, mas (…) de ‘passo firme’”. “Não queremos eles [MST] aqui. Mas, para isso, meus irmãos, não adianta só as lideranças, não adianta só eu, da Ação Rural, ir. (…) O povo tem que estar junto. Não podemos aceitar e [temos que] mostrar que não queremos eles aqui. Convoco a todos do 5º e 7º distrito para estarmos em Lumiar a partir das 12h, para já esperar esse povo e mostrar que a gente não quer eles (sic) lá”, diz Eller.
Ao final da mensagem, o agricultor usa referências da Bíblia para incitar uma espécie de combate: “Não tem que ter plenária territorial aqui dentro do 7º distrito. Para quê esse inferno na nossa vida agora? Então vamos lutar. Nós somos pessoas de bem, pessoas que temem a Deus. (…) Para encerrar: Davi era um homem pacífico, um pastor de ovelhas. Estava no campo, mas foi ungido por Deus e derrotou Golias com cinco pedras (…). Estamos aqui há mais de 200 anos e vamos continuar, se nós nos unirmos cada vez mais. Não devemos aceitar esse movimento aqui dentro”, afirmou.
Jailton Barroso Eller, que fornece seu nome completo no áudio, já foi investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, em 2022, por incitar extremistas apoiadores da direita política a pegar em armas. Segundo informações do blog Ancelmo Gois, em O Globo, um mandado de busca e apreensão foi expedido contra Eller, após o agricultor veicular, nas mídias sociais, áudios em que exalta o ataque do ex-deputado Roberto Jefferson contra policiais federais, conclamando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro a pegar em armas em caso de derrota do candidato a reeleição nas eleições presidenciais.
Vereador de Nova Friburgo sugeriu que haveria invasão do MST em Lumiar
Além dos áudios que convocaram manifestação contra a presença da deputada estadual no distrito de Lumiar, um vereador de Nova Friburgo usou o plenário da Câmara Municipal para sugerir que haveria uma invasão por parte do MST. Em 10 de agosto, dois dias antes do ataque sofrido por Marina do MST e sua equipe, o vereador José Carlos Schuabb (PRTB-RJ) discursou, na Câmara dos Vereadores de Nova Friburgo, em tom crítico à ida da deputada.
“Sábado marcaram uma reunião lá [em Lumiar]. Nada mais, nada menos do que Marina do MST. Será que Lumiar, o 5º e o 7º distrito, tem tantas terras improdutivas assim (…) ou será que vão montar um acampamento na praça lá de Lumiar, que já vai começar as invasões?. Será possível isso?”, discursou o vereador.
Em 11 de agosto, a deputada estadual declarou à imprensa ter sido ameaçada por empresários da região, e por isso, não só acionou a Polícia Militar e Civil do município, como comunicou ao Ministério Público sobre as ameaças. No mesmo dia, em seu perfil na rede digital X (antigo Twitter), Marina do MST esclareceu o motivo de sua ida à cidade: “A gente não vai a Friburgo ocupar latifúndio de ninguém, inclusive porque a cidade é referência no que a gente defende: o pequeno produtor. 96% das propriedades são de pequenos produtores que colocam comida de verdade na mesa dos brasileiros. Friburgo dá aula para o Brasil”, publicou.
Imagem: reprodução do Twitter
Desdobramentos após o ataque
No mesmo dia do ataque, o Movimento Fé e Política da Diocese Católica de Nova Friburgo divulgou nota em solidariedade à deputada em que afirmava “Lumiar está inserida na Diocese de Nova Friburgo, o que nos exige cobrar posição da Igreja Católica contra esses fatos. Porque a Igreja de Nova Friburgo precisa ser um fator de formação/evangelização para a paz, a Justiça, e a sabedoria, ao invés do ódio que nasce da ignorância”.
Uma nota de solidariedade também foi publicada pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em 14 de agosto, que dizia “O impedimento da realização do debate público de ideias e propostas por parte de representantes legitimamente eleitos pelo povo, mediante o uso de métodos de violência física e moral, constitui-se em ameaça à democracia e ao Estado de Direito, razão pela qual não podem ser tolerados em nossa sociedade”.
O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL), emitiu, em 15 de agosto, uma nota oficial em solidariedade à deputada Marina do MST e cobrou punição aos envolvidos. No mesmo dia, a Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino no Estado-RJ (Feteerj) e o Sindicato dos Professores emitiram uma nota de repúdio ao ataque contra Marina do MST.
Jailton Barroso Eller foi denunciado por incitar a prática do crime publicamente, e Wanderlei Araujo, Leandro Nascimento Longo, Manoel João Leal, Marcos Halley da Silva Klein, Aderlã de Oliveira Frez, Maria Conceição Costa e Samara Thuller de Oliveira, por injúria real e constrangimento ilegal.
O texto da denúncia do MP esclarece que após conclamação de Eller, via aplicativo de mensagens, os outros sete denunciados compareceram no dia e local do evento divulgado pela deputada e praticaram os crimes, juntamente com outras pessoas não identificadas, e declara ainda que “o crime de injúria real foi praticado contra funcionária pública, em razão de suas funções”.
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Bereia considera falso o conteúdo que levou ao ataque sofrido pela deputada estadual Marina do MST (PT-RJ). Os áudios utilizados para organizar o protesto contra a deputada revelam que houve desinformação sobre o motivo da visita da parlamentar a Nova Friburgo (RJ). O conteúdo dos áudios carecem de substância factual, caracterizando-se como boatos ou conteúdos fabricados para parecer informação.
O conteúdo veiculado nos áudios levou uma parcela da população a crer que a visita se tratava de um ato do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), possivelmente uma ocupação não apenas de propriedades rurais, mas também de imóveis. Nenhuma das informações disponíveis, porém, indicavam que isso aconteceria. Houve, ainda, uso de discurso religioso com o objetivo de mobilizar a população local contra a agenda oficial de uma deputada eleita.
Além dos áudios, o pronunciamento de um vereador no plenário da Câmara Municipal de Nova Friburgo, na antevéspera da ida da deputada à cidade, foi compartilhado juntamente com os áudios nos grupos de Whatsapp e contribuiu para a crença de que haveria “invasões”, o que, igualmente, não se sustenta à luz das informações disponíveis. Bereia alerta alerta para a importância de uma leitura cuidadosa dos fatos e informações relacionadas ao MST e suas lideranças. Extremistas usam justamente as lacunas de informação e de conhecimento sobre pessoas, grupos e fatos para acionar a intolerância e incitar violência.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), que vi nascer e ao qual permaneço vinculado, é o mais popular, combativo e democrático movimento popular do Brasil. Congrega, hoje, cerca de 500 mil famílias assentadas e 100 mil acampadas. Luta por um direito elementar, jamais efetivado no Brasil, um país de dimensões continentais e onde há muita gente sem-terra e muita terra sem gente – a reforma agrária.
É, no mínimo, uma vergonha constatar que, no século XXI, os únicos países que não fizeram reforma agrária na América Latina foram Brasil, Argentina e Uruguai. O modelo de propriedade da terra que ainda perdura em nosso país é o das capitanias hereditárias. E a relação de muitos proprietários de terras com seus empregados pouco difere dos tempos de escravidão.
Nascido em 1984 e prestes a completar 40 anos em 2024, o MST sabe, desde seus primórdios, que governo é como feijão, só funciona na panela de pressão… Ainda que tenha contribuído decisivamente para eleger Lula presidente, o MST jamais se deixou cooptar pelo governo. Mantém a sua autonomia e sabe muito bem que a relação de governo com movimentos sociais não pode ser de “correia de transmissão” e, sim, de representação das bases sociais junto às instâncias governamentais. Muitos políticos enchem a boca com a palavra “democracia”, mas temem que passe de mera retórica para ser, de fato, um governo cujo principal protagonista é o povo organizado.
O MST se destaca também pelo cuidado que dedica à formação política de seus militantes, o que muitos movimentos e partidos de esquerda negligenciam. Os sem-terra mantêm, inclusive, um espaço próprio para o trabalho pedagógico, a Escola Florestan Fernandes, em Guararema (SP). E em todos os eventos que promove, o movimento valoriza a “mística”, ou seja, atividades lúdicas (cantos, hinos, painéis etc.) e símbolos (fotos, artesanato etc.) de caráter emulador.
O MST segue rigorosamente os ditames da Constituição Cidadã de 1988. A Carta defende o uso social da terra, que deve respeitar o meio ambiente e ser produtiva. E exige algo ainda em compasso de espera e imprescindível se o Brasil quiser alcançar o desenvolvimento sustentável e abandonar sua submissão aos ditames das nações metropolitanas, que nos impõem a mera condição de exportadores de produtos primários, hoje elegantemente chamados de “commodities”…
Ocupação não é invasão. Jamais o MST ocupa terras produtivas. Hoje, o movimento é o maior produtor de arroz orgânico na América Latina e defende a Reforma Agrária Agroecológica, capaz de facilitar o acesso à terra como direito humano; produzir alimento saudável e sustentável para toda a sociedade brasileira; oferecer ao mercado alimentos salubres e livres de agrotóxicos; valorizar o papel da mulher trabalhadora do campo; expandir o número de cooperativas de agroecologia; e ampliar a soberania e a biodiversidade alimentares no combate à fome e à insegurança alimentar.
A campanha do “Abril Vermelho” não usa o adjetivo como evocação da cor preferida dos símbolos comunistas (e, também, das vestes solenes dos cardeais), como querem interpretar os detratores do MST. É, sim, a cor do sangue dos 19 sem-terra cruelmente assassinados pela Polícia Militar em Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, a 17 de abril de 1996. Sete vítimas foram mortas por foices e facões, e os demais por tiros à queima-roupa.
Cerca de 100 mil famílias aguardam assentamento no Brasil. E é no mínimo um desserviço o agronegócio promover o desmatamento de nossas florestas para expandir a fronteira agrícola, usufruir de isenção fiscal na exportação de seus produtos e concentrar sua produção em apenas cinco mercadorias: soja, milho, trigo, arroz e carne, controladas por grandes empresas transnacionais.
A fome cresce no mundo. Já são quase 1 bilhão de pessoas afetadas. E isso não resulta da falta de alimentos. O planeta produz o suficiente para alimentar 12 bilhões de bocas. Resulta da falta de justiça. No sistema capitalista, o faminto morre na calçada à porta do supermercado. Porque o alimento tem valor de troca e não de uso. Ora, enquanto a produção alimentar não seguir os padrões agroecológicos e a terra e a água, recursos naturais limitados, não forem considerados patrimônios da humanidade, a desigualdade tende a se agravar e, com ela, toda sorte de conflitos. Paz rima com pão.
O MST assusta tanto porque luta para que o Brasil, uma das nações mais ricas do mundo, e que figura entre as cindo maiores produtoras de alimentos, deixe de ser um país periférico, colonizado, marcado por abissal desigualdade social.
Tomara que, um dia, nunca mais se torne realidade os versos cantados por João Cabral de Melo Neto em “Funeral de um lavrador”: “Não é cova grande / É cova medida / É a terra que querias / Ver dividida”.
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.
Circula nas mídias sociais publicação em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) defendem que durante o governo atual houve um exponencial aumento no número de entrega de posse de terras públicas a famílias de agricultores. Ainda em publicação em suas mídias sociais, os políticos afirmam que durante todos os governos Lula e Dilma foram entregues anualmente 19 mil títulos de posse de terras, e que o governo Bolsonaro teria entregue 104 mil títulos anualmente até o momento.
O que é o direito à posse de terra
O direito à posse de terras pertencentes ao poder público é praticado no Brasil desde as repartições das Sesmarias, ainda em regime colonial, e segue sendo uma prática realizada ainda hoje. Passando pela Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras), até o Decreto-lei n.º 9.760, de 1946, hoje vigora a Lei n.º 6.383 de 1976, em que se defende a posse de terras públicas por pessoas físicas como um direito constituinte. Juntas, a Lei nº 6.383 e Portaria n.º 812, de 26 de agosto de 1991, criada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tornam possível o uso de terras estatais. A portaria estabelece como elegíveis à posse terras pertencentes ao Estado, que não tenham um uso público, não estejam sob posse particular, não seja fronteiriça (municipal, estadual ou federal), ou ainda que não sejam rotas para a defesa e segurança nacional. Fica ainda estabelecido que apenas pessoas físicas possam ocupar terras públicas, sob a promessa de fazerem elas produtivas economicamente.
Dos critérios para obtenção das licenças de ocupação de terras públicas estão: a) serem as terras devolutas; b) área de até cem hectares; c) comprovação de morada permanente e cultura efetiva, pelo lapso temporal não inferior a um ano; d) não ser proprietário de imóvel rural; e) exploração de atividade agrária com seu trabalho e o de sua família direta e pessoalmente.
Todavia, a licença à posse de terras não garante que o possuidor seja dono delas. Mesmo estando sob sua posse legal, as terras ainda são pertencentes ao Estado, e legalmente a posse não garante a propriedade. O possuidor deve, como parte do acordo firmado entre as partes, tornar a terra útil para o uso agrário, sendo o detentor dos insumos por ele produzidos, garantindo o direto da atividade agrária a ser exercida. Não é permitida a venda, repasse ou realocação de terras, tão pouco o uso para fins comerciais que se não o uso agrícola.
Ações como a entrega de títulos de posse de terras e assentamentos são parte de projetos desenvolvidos junto aos Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em parceria com Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e englobam pautas ligadas à reforma agrária, prevista na Constituição Federal. O INCRA é, também, o órgão público responsável pela desapropriação e reapropriação de propriedades rurais sem uso, propriedades essas que mais tarde poderão ser destinadas à reforma agrária, movimentos sociais, e ONGs.
Um levantamento do Movimento Sem Terra (MST) defende que, os títulos de posse de terras, aos quais o governo Bolsonaro se refere, foram dados às famílias que já viviam em assentamentos legalizados. Com isso, a posse de terras se dá em assentamentos já ocupados, desmobilizando o movimento social.
Em postagem recente, Bolsonaro aponta que os títulos de posse concedidos representam maior poder econômico para os pequenos produtores rurais. Amparados pelo Decreto 9.424/2018, os produtores rurais podem pedir financiamento junto ao INCRA através do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) para o financiamento de insumos agrícolas.
Todavia, fundos financiadores e garantidores para os pequenos produtores rurais já existem desde o fim dos anos 1990 (dentre eles o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar -PRONAF; Política de Garantia de Preços Mínimos- PGPM; Programa de Aquisição de Alimentos- PAA), com o objetivo de oferecer carta de crédito ao produtor rural ou garantir seguridade em caso de perda de lavoura, dentre outros aspectos. Os pequenos produtores rurais assentados contam ainda com financiamento oriundos de ONGs e programas governamentais que subsidiaram famílias assentadas.
Distribuição de títulos
Fonte: Twitter @FlavioBolsonaro
As pautas ligadas à reforma agrária e à distribuição de terras são uma constante desde o governo Fernando Henrique Cardoso, resultado das conquistas da Constituição Federal de 1988, pós-ditadura militar. De acordo com levantamento da CONJUR, revista eletrônica especializada em temas jurídicos, o governo Lula, de 2005 a 2009, mais de 40 milhões de hectares de terra sob responsabilidade do Estado foram destinados à reforma agrária. Parte dessas terras foram desapropriadas ou compradas ainda durante o governo Fernando H. Cardoso, e outra parte durante o governo Lula.
“De acordo com dados informados pelo Incra, somadas as duas modalidades (desapropriação e compra), o Brasil já destinou mais de 80 milhões de hectares à reforma agrária. Desse total, apenas 16 milhões de hectares foram acumulados até 1994, antes do primeiro governo FHC. A população de assentados no programa de reforma agrária já beira o milhão.” mostra a CONJUR.
Durante os governos Dilma e Lula foram assentadas 727 mil famílias, e entregues cerca de 216 mil títulos de posse de terras individuais; já no governo Bolsonaro foram assentadas nove mil famílias e concedidos mais de 320 mil títulos de posse nos últimos três anos. Esse número só é possível pois o governo Bolsonaro tem como seu objeto a titulação de terras para famílias já assentadas, diferentemente dos governos Lula e Dilma, que tinham projetos de criação de novos assentamentos.
Chama atenção que durante o governo Bolsonaro, apenas 2,8 mil hectares de terras foram destinados à reforma agrária, com o assentamento de nove mil famílias. Essa terras foram compradas com R$ 2,4 milhões destinados, o que representa 0,25% do valor comparativo aos investimentos realizados há dez anos, quando o governo investiu R$ 930 milhões no setor. Há um acentuado contraste entre o número de títulos individuais concedidos e o número de famílias assentadas em novas propriedades estatais, uma vez que a maioria dos titulares já viviam em assentamentos legalizados, criados nos governos FHC, Lula e Dilma.
Parte do discurso de deslegitimação das ações das ONGs e MST pelo direito à terra, como Bereia já cobriu, vem da ideologia de que somente agora os famílias podem ser possuidoras de suas terras, outrora posse coletiva, o que as livraria daquilo que Flávio Bolsonaro chamou de “escravização”. É dito que a reforma agrária pleiteada por movimentos sociais não objetiva a posse individual de terras, o que é fato e corresponde ao previsto na legislação.
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Bereia classifica a postagem do senador Flávio Bolsonaro como enganosa, uma vez que algumas das informações apresentadas por ele e pelo presidente Jair Bolsonaro são verdadeiras, mas desconsideram o quadro político geral, levando o leitor a pensar que mais famílias saíram de uma situação de fome e/ou opressão. Essas informações desconsideram que durante os três primeiros anos de seu mandato Bolsonaro assentou apenas nove mil famílias, em 2,8 mil hectares, número inferior aos dos governos Lula e Dilma, com 727 mil famílias assentadas em pouco mais de 64 milhões de hectares. As postagens deixam ainda de mencionar que os títulos de posse de terra não são gratuitos, e que as famílias contempladas com eles precisam pagar por suas terras. Bereia indica a leitores/as que informações como o número de assentamentos criados, de pessoas assentadas, de processos em tramitação e o dinheiro destinado a eles podem ser consultados no portal do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Circula em mídias sociais e sites religiosos pronunciamento feito pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PL), no qual defende que durante os três anos de seu mandato houve uma redução de investimentos destinados às Organizações Não Governamentais (ONGs), que, consequentemente, levou à extinção do Movimento Sem Terra (MST). No mesmo pronunciamento o presidente defende que mais de mil licenças CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) foram emitidas por dia.
O site Pleno News destaca o pronunciamento do presidente, realizado em 10 de fevereiro de 2022, em frente ao Palácio do Planalto, diante de público apoiador. A matéria expõe os seguintes temas presente no discurso do presidente: não houve aumento no número de demarcações de terras destinadas aos povos tradicionais indígenas brasileiros; a redução de verbas para ONGS e possível extinção do MST; as CACs podem garantir a fazendeiros, a quem se refere como “produtor rural”, a defesa de seu patrimônio territorial contra quem desejar tomar posse de suas terras.
Bereia checou os elementos destacados pelo presidente no pronunciamento e repercutidos pelo Pleno News, bem como por outros espaços digitais religiosos.
Corte de verbas para ONGs e mudanças políticas
As ONGs são organizações sem fins lucrativos, caracterizadas por suas ações de prestação de serviços e solidariedade, frente às políticas públicas em áreas em que o Estado está ausente ou apresenta carências. Os recursos para a manutenção das ONGs brasileiras são, em sua maioria, provenientes de captação que elas fazem com empresas privadas, doadores individuais, realização de eventos, campanhas de financiamento coletivo ou venda de produtos que são parte de suas ações.
Nascidas no regime de exceção da ditadura militar, a cultura das ONGs surgiu da necessidade de se estabelecer um diálogo entre a população e as formas de governança, como defende a professora universitária, Olivia Perez. Suas atividades financeiras dependem do financiamento vindo de entidades, fundações, empresas, incentivos internacionais, ações governamentais e criação de investimentos próprios.
No caso do MST, a maior parte dos recursos que financiam o MST não vêem de verbas governamentais, mas sim do financiamento de insumos realizado pelo Financiamento Popular da Agricultura Familiar (FINAPOP). Este é um fundo de investimento ligado às cooperativas da Reforma Agrária Popular, que, através da venda de títulos, arrecada verbas destinadas à produção agrícola; doação interna dos membros do Movimento e da venda de insumos por eles produzidos. Outra fonte de financiamento para o MST vem de doadores nacionais e internacionais e de parcerias com ONGs europeias, Programas governamentais como Procera (Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária), não apoiam diretamente o movimento, por terem relação direta com pequenos produtores, portanto e, consequentemente, o movimento.
Das muitas possibilidades de captação de recursos estão as leis de incentivo fiscal, nelas o governo abre mão de parte dos impostos pagos por empresas privadas e destina parte dessas verbas para entidades ou projetos sociais, tudo mediado pelo cumprimento e implementação de editais auditáveis (são exemplos Lei Rouanet na área da cultura – Lei nº 8.313/9; Lei do Audiovisual – Lei nº 8.685/93).
Há ainda as leis de incentivo parlamentar, em que os governantes podem destinar até 0,6% da corrente líquida prevista para um projeto encaminhado pelo Poder Executivo para ações humanitárias, tal qual as ONGs, conforme determinado pelo § 9º artigo, 166 (Emenda Constitucional 86). Na prática isto significa que cada parlamentar pode apresentar até 25 emendas ao orçamento, com o valor total de R$ 15,9 milhões, desse valor 50% precisa obrigatoriamente ser destinado a ações e serviços públicos de saúde e educação.
“De fato, a partir da década de 1990 houve uma expansão de diversas organizações civis, inclusive daquelas que executam serviços governamentais junto ao poder público. Esse crescimento pode ser explicado pelas novas diretrizes dos governos pós- democratização – que se abriram às parcerias com organizações civis – e também pela multiplicação de iniciativas da sociedade civil”, opina a professora Olívia Perez.
Por sua vez, o MST, assim como outras ONGS comprometidas com direitos humanos, sociais, culturais e ambientais, não têm recebido verbas governamentais. A política é parte da postura assumida pelo governo de Jair Bolsonaro de negar o papel das ONGs e atribuí-las caráter criminoso. Já no primeiro ano de governo, Nabhan Garcia, nomeado secretário especial de Regulação Fundiária do Ministério da Agricultura, afirmou ao tomar posse no cargo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: “Não haverá mais dinheiro para ONGs escusas”, o. Presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan foi conselheiro de Bolsonaro para o agronegócio durante a campanha.
Na entrevista, o secretário se recusou a citar nomes de entidades que considera suspeitas. “Tem muita ONG que, se quiser sobreviver, vai ter que sobreviver como manda a lei, às custas próprias”, continuou. “Existe uma preocupação de algumas ONGs que estão reclamando… Não vejo um motivo. Talvez seja isso. Ora, já se diz: organização não governamental. Que sobreviva às custas próprias, não tirando dinheiro dos cofres públicos.”, declarou.
De fato, já na campanha para a Presidência da República, em 2018, Jair Bolsonaro, então candidato do PSL, ameaçou: “A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, ameaçou Bolsonaro, que mais uma vez combinou um suposto discurso patriótico com exaltação violenta contra adversários políticos. “Essa pátria é nossa. Não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha.” Depois desta declaração pública, a Associação Brasileira de ONGs (ABONG) divulgou nota pública condenando a criminalização das organizações pelo então candidato e as ameaças de perseguição.
Em 2019, a A MESA de Articulação de Associações Nacionais e Redes Regionais de ONGs da América Latina e Caribe publicou nota solidarizando-se com a sociedade civil e o povo brasileiro em razão da Medida Provisória que deu à Secretaria de Governo, liderada pelo general Santos Cruz, o poder de supervisionar, coordenar e monitorar as atividades de ONGs e organizações internacionais.
Ao longo do governo Bolsonaro foram diversas as declarações de negação do papel das ONGs e de criminalização de suas ações, várias delas baseadas em desinformação, como verificou o projeto Aos Fatos.
No entanto, no atual governo recursos destinados às ONGs continuam sendo aplicados em instituições sem fins lucrativos, aponta o colunista do portal UOL, Demétrio Vecchioli, porém, há motivações que fogem da lógica do atendimento a políticas públicas e passam por questões ideológicas e relações pessoais entre líderes do governo, deputados federais e beneficiários. Em 2020 o Instituto Léo Moura (jogador de futebol veterano), por exemplo, sediado no Rio de Janeiro, recebeu cerca de R$ 5,2 milhões destinados pelo governo federal, para a manutenção de 15 escolinhas de futebol. O Rio é o estado do deputado federal Luiz Lima (PSL), apoiador do governo federal. Como comparação, o valor é maior do que recebem, por ano, 29 das 35 confederações olímpicas, incluindo as de atletismo e esportes aquáticos.
“A grande maioria dessas emendas visa beneficiar prefeituras municipais. No ano passado, por exemplo, o Ministério da Cidadania firmou 160 convênios originários de emendas que beneficiaram o estado de São Paulo. Dessas, só 11 eram com ONG’s e nenhuma emenda foi de valor superior a R$ 300 mil. É mais comum que projetos sociais sejam financiados via Lei de Incentivo ao Esporte”, afirma Demétrio Vecchioli, colunista esportivo do portal UOL
Matéria do UOL em 2019 já mostrava que as condições precárias nos postos de saúde das aldeias indígenas de Dourados, a 230 km de Campo Grande (MS) contrastam com o enorme volume de recursos públicos destinados ao atendimento médico dos cerca de 17 mil índios das etnias terena, kaiowá e guarani que vivem naquela região. A ONG Missão Evangélica Caiuá já era, à época, a recordista em repasses federais por meio de convênios nos seis primeiros meses do governo Jair Bolsonaro (PSL), superando Estados e municípios nas chamadas transferências voluntárias de dinheiro.
Já matéria da Agência Pública levantou que entidades cristãs receberam quase 70% da verba federal para comunidades terapêuticas (CTs) no primeiro ano de governo Bolsonaro. Dinheiro público financiou CTs denunciadas por violações de direitos humanos, incluindo LGBTfobia e desrespeito à liberdade religiosa.
O MST
O Movimento Sem Terra (MST), surgiu da união de movimentos populares de luta pela terra promovidas nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, na primeira metade dos anos 1980. Fundado em 1984 no Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terras, o MST forma uma frente de luta em prol da reforma agrária brasileira. Hoje o movimento encontra assentamentos em todos os estados do país, mantendo vínculos diretos com cerca de 400.000 famílias assentadas e mais 120.000 acampadas. Dentre as principais ações desenvolvidas pelo movimento estão o de produção de insumos agrícolas, educação para jovens e adultos e distribuição de alimentos à famílias carentes.
“As famílias acampadas e assentadas estão hoje entre os principais produtores de orgânicos do país —no caso do arroz, já são os maiores da América Latina— e seus produtos chegam tanto em escolas públicas como a mercados europeus. Esta é a história desses homens e mulheres do campo”, segundo matéria do jornal EL País.
“Tirei dinheiro de ONG do MST. Não tem mais MST. O número de invasão é menos de dez por ano. Resolvido rapidamente”, disse o presidente Bolsonaro no pronunciamento checado pelo Bereia. Parte do plano de ações do governo federal para a posse de terras e o relacionamento com o MST está sob o programa Titular Brasil, articulado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Invasão e ocupação não são sinônimos. A ocupação de terras ou patrimônios diz respeito a um movimento legalizado e previsto por lei, sua ação consiste na ocupação de uma área, seja rural ou urbana, que seja ociosa, isto é, que não esteja sendo utilizada ou possua um fim destinado pelo proprietário. Tal movimento é respaldado pela Lei de Ocupação de Solo, prevista na Constituição de 1988, e defende que o proprietário não pode deixar o seu imóvel ou terras sem uso, visando uma possível especulação imobiliária para sua venda, sendo possível a ocupação do imóvel ou território que não cumpra sua função social.
Artigo 186 da Constituição de 1988: “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
Para exercer direito legal sobre o território ocupado, os ocupantes precisam realizar atividades econômicas sob o solo tornando-o economicamente produtivo. Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Deuze Laureano, “juridicamente, o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes. Trocando em miúdos, é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é o titular do domínio, em face de todos os outros integrantes daquela sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para este sujeito dono é exigido o cumprimento da função social. Essa é a condição sine qua non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu direito de propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel que não cumpre a função social está vazio. Ninguém tem a sua posse, como consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente no registro, dar as garantias da ação possessória.”, afirma.
Em contrapartida, a invasão diz respeito à apropriação ilegítima de terras e imóveis que comprovadamente têm uso e função social. É configurado como invasão de terra e propriedade a apropriação indevida de imóveis e territórios em uso ou produção agrícola, sendo a pena para esse crime detenção de seis meses a três anos, de acordo com o artigo 5º da lei 4.947 de 1966.
De acordo com a Câmara de Conciliação Agrária do INCRA no triênio 2019 a 2021 foram registradas 24 ocupações em fazendas e terras ociosas, uma redução expressiva se comparada as quase 150 ocupações em 2018. Em entrevista à Rede Brasil Atual, a dirigente nacional do MST Marina dos Santos, aponta que a queda no número de ocupações se deu graças ao cenário pandêmico. A líder do movimento destaca ainda, “Na verdade, não é nem uma necessidade que o MST tem de organizar. Mas é uma necessidade que surge a partir das necessidades do próprio povo trabalhador. Precisamos retomar as ocupações, porque elas também podem ser um instrumento importante no combate à fome que estamos vivendo hoje”, explica.
Em comparação com o histórico relatório anual da Comissão Pastoral da Terra da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Igreja Católica “Conflitos no Campo Brasil 2020, os dados do governo são bem menores mas indicam a realidade de queda no número de ocupações. No entanto, o documento da CPT relaciona esta situação não a cortes de verbas para ONGs, mas ao crescimento da violência no campo, relacionada ao aumento do número de licença de armas para fazendeiros, e às barreiras sanitárias, com a pandemia de covid-19.
O relatório Conflitos no Campo Brasil 2020, que é referência nacional e internacional para pesquisas sobre este tema, desde 1985 (todos os relatórios podem ser encontrados aqui), aponta que 2020 foi o “ano de terror no campo”, com um aumento de 8% de conflitos de terra e das águas em relação a 2019, média 6.62 conflitos por dia. Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro registraram o maior número de aumentos de conflitos no campo. Os povos indígenas (42%) foi o grupo que mais sofreu ações de conflitos por terra, seguido por quilombolas com 17% e posseiros com 15%. Foram registradas 2.054 ocorrências em 2020, um aumento de 8% em relação a 2019. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela organização desde 1985. Foram 914.144 pessoas envolvidas em conflitos ano passado, um aumento de 2% em relação ao ano anterior.
“Injustiça fundiária”
Segundo o relatório, o Brasil viveu em 2020 um quadro de “injustiça fundiária, prevalência dos interesses do capital, violência, omissão/conivência do Estado e resistência dos povos e comunidades. 2020, porém, foi um ano em que alguns atores tiveram que se adaptar frente a uma condicionante inesperada: a COVID-19. Nesse sentido, as ações de resistência, como ocupações/retomadas e acampamentos – que já haviam declinado em 2019, diante da postura belicosa do governo federal –, experimentaram novo enfraquecimento, e somaram apenas 29 ocupações e três acampamentos” (página 9).
O documento da CPT oferece um comparativo do número de ações de ocupação e retoma de terras nos últimos dez anos:
Imagem: reprodução de tabela do documento
Extraído de Conflitos no Campo 2020, CPT, p. 22
Uma audiência na Câmara dos Deputados debateu o tema da violência no campo, em 2021, com a participação do INCRA. De janeiro a maio, a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), atuou em 505 processos judiciais relativos a ações de posse e de reivindicação de propriedade efetiva de terras. Também há preocupação com a invasão de terras indígenas, sobretudo no caso dos conflitos dos Munduruku com garimpeiros ilegais, no Pará. As discussões corroboraram o que consta no relatório da CPT.
O direito às “terras indígenas” é garantido pela constituição cidadã de 1988, Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios. A constituição partiu em defesa dos índios como os primeiros, e naturais, senhores da terra, sendo eles seus proprietários de seus direitos. Assim, o direito dos nativos à terra independe do reconhecimento formal. No artigo 20 está estabelecido que essas terras são bens da União, sendo reconhecidos aos povos indígenas a posse, usufruto e permanência em seu território.
Artigo 231: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
As terras demarcadas como pertencentes aos povos indígenas somam hoje 15% do território amazônico. 63 milhões de hectares. E apesar de serem popularmente chamadas de “terras indígenas” o território demarcado para os povos originários é de posse do Estado, cabendo a ele sua manutenção e preservação, sendo sua venda ou arrendamento a terceiros punível por lei. De acordo com relatório “Conflito no Campo Brasil 2020”, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2021 modalidades de violência como a invasão de território indígenas cresceram em relação a anos anteriores. Das 81 mil famílias vítimas de invasão territorial, 58. 327 são indígenas (71,8%). Em 2019, essa porcentagem havia sido de 66,5% (26.621) e em 2018, 50,1% (14.757)
“Os registros da CPT confirmam a análise da prof. Patrícia [Chaves, da Universidade Federal do Amapá] ao identifcar, na esteira dos ataques promovidos pelos referidos agentes, os principais tipos de violência por eles cometidos em 2020: “invasão”, “grilagem” e “desmatamento ilegal”. Foram vitimadas por invasão 81.225 famílias, das quais 58.327 9 são indígenas (72%); 19.489 sofreram grilagem (37% indígenas); e 25.559, desmatamento ilegal (60% indígenas)”, afirma CPT em relatório.
O relatório da CPT reconhece que o governo federal “apresentou o Projeto de Lei (PL) 191/2020, para regulamentar a exploração em terras indígenas, e apoiou o PL 5.518/2020, apresentado pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), cujo objetivo é de aprovar concessões de exploração das florestas à iniciativa privada” (p. 29).
O governo deu porte de arma às pessoas?
“Demos o porte de arma ao fazendeiro. Estamos criando mais de mil CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) por dia”, disse Jair Bolsonaro, no encontro com apoiadores em 10 de fevereiro . De fato, isto é resultado de uma política do governo federal que prevê um processo de armamento de parcela da população.
Desde 2019, houve um aumento nos registros de compras de novas armas por cidadãos brasileiros, contabilizando um acréscimo de 225% se comparado ao triênio anterior, foram 153 mil novas armas adquiridas de 2019 a 2021, estando 143 mil desse total, 76%, sob posse de cidadãos sem especificação de uso ou territorialidade (se para centros urbanos, como autodefesa, ou para o campo, como arma de caça). Em contrapartida, o número de alvarás para a posse de armas foi de 10.627, entre 2019 e 2021, menos de 10% do número de novas armas. No mesmo período, o número de pedidos para registro de atuação como CACs aumentou 43%, chegando a 286,9 mil pedidos em 2020.
Posse e porte não são sinônimos. A posse permite a pessoa adquirir e tutelar uma arma de fogo, já o porte permite que a mesma faça o seu uso e locomoção. De acordo com o artigo 6º, IX da Lei 10.826/03 – Estatuto do Desarmamento, a licença CAC-atirador não é o mesmo que posse de armas. Ela permite ao sujeito o manuseio da arma em ambiente controlado, dentro de um Clube de Tiro, além da participação em treinos e competições de tiro. Para isto é necessário estar apto para tal ação, sendo o uso da arma em ambiente externo ao clube permitido apenas para competições e não para autodefesa ou defesa patrimonial.
O relatório Conflitos no Campo 2020 da CPT confirma a fala do presidente, ao relacionar o aumento na violência no campo a partir de 2019 com estas políticas de armamentismo. O texto registra que o governo Bolsonaro
“não somente faz vistas grossas para as ilegalidades e impunidades cometidas pelas classes ruralista e burguesa do país, ele abertamente propõe leis ou cria decretos que estimulam os massacres contra as populações, como é o caso dos decretos 10.627/21, 10.628/21, 10.629/21 e 10.630/21, que flexibilizam os procedimentos para porte de armas; ampliam a lista de profissões autorizadas ao uso de armas; retiram o imposto de importação de armas; e permitem a posse de arma para toda propriedade rural” (p. 28)
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Bereia classifica a afirmação do presidente Jair Bolsonaro, repercutida pelo site gospel Pleno News, de que “tirou verba de ONG e acabou com o MST” como enganosa. O conteúdo do pronunciamento é impreciso e não corresponde a tal afirmação, que foi utilizada como chamariz. A apesar de ter elementos verdadeiros, como a redução de verbas governamentais para as ONGs, a declaração do presidente omite dados referentes à autonomia financeira do MST em relação ao governo, às causas da redução das ocupações de terra, como a pandemia de covid-19, e aos interesses em torno da não-demarcação de terras indígenas. Além disso, a fala de Jair Bolsonaro denota como positiva a insegurança no campo, com as ações armadas da parte de fazendeiros para reduzir ocupações de terras, e o não cumprimento do direito constitucional dos indígenas à demarcação. Bereia verificou que o MST não só segue em atuação como foi destaque no noticiário recente por conta de sua premiação pela Organização Internacional do Trabalho e sua entrada no mercado financeiro para captação de recursos.