Em vídeo que volta a circular, ministra propaga pânico sobre erotização em desenhos animados e universidades

Um vídeo publicado no YouTube e amplamente disseminado nas redes sociais digitais e em sites e blogs evangélicos em 2018, voltou a circular em espaços digitais religiosos no início deste ano, conforme indicação que Bereia recebeu de leitores. 

O vídeo é parte de uma palestra da atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, promovida pelo Centro de Formação da Comunidade Católica Missão Maria de Nazaré (MMN), em Divinópolis (MG), em abril de 2018.  A publicação no YouTube, intitulada “Dra. Damares Alves – A ideologia de gênero faz mal para a criança”, tem mais de 54 minutos, por meio da qual a ministra cita diversos exemplos do que seria, segundo ela, a ideologia de gênero ensinada para as crianças. 

Antes de assumir o ministério no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), em janeiro de 2019, Damares Alves,  pastora da Igreja Batista da Lagoinha, e advogada ligada à Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), foi assessora do ex-senador Magno Malta e assessora jurídica da Frente Parlamentar Evangélica e da Frente Parlamentar da Família e Apoio a Vida, tendo atuado também como secretária nacional do Movimento Brasil Sem Aborto. Ficou conhecida nacionalmente, nos últimos anos, por palestras que ofereceu em diferentes comunidades cristãs, relacionadas à pauta da moralidade sexual defendida por grupos conservadores.

Depois de assumir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro, Damares Alves se afirmou “terrivelmente cristã” apesar do Estado ser laico. Ela já esteve envolvida em uma série de polêmicas por pronunciamentos públicos que enfatizam a compreensão restritiva de gênero, simbolicamente traduzida em cores azul para meninos e rosa para meninas, e a pauta de controle da sexualidade de mulheres, de adolescentes, recentemente relacionada ao “combate à ideologia de gênero”. 

O vídeo de 2018, que voltou a circular, aborda o que a líder religiosa chama de  “subversão” dos desenhos animados clássicos e mostra supostos eventos em universidades federais pelo país, que segundo ela, seriam “antros de depravação da juventude”. 

Desenhos para corromper crianças?

No início da transmissão, a pastora mostra algumas imagens de desenhos animados clássicos da Disney e faz um alerta em tom de pânico: “olha o que eles fizeram com os desenhos animados!”. Em seguida apresenta imagens baseadas em obras da empresa de entretenimento Disney, que são “FanArts”, produções gráficas independentes baseadas em personagens, fantasias ou obras clássicas,  produzidas por um fã ou um grupo de fãs. 

“FanArts” geralmente são produzidas por artistas amadores e são facilmente encontradas na internet. Essas imagens não são de responsabilidade dos criadores originais dos desenhos e não têm qualquer relação com os estúdios, produtoras e editoras responsáveis pelas obras originais. A pastora usou exemplos de FanArts em forma de paródia (recriação de uma obra já existente, a partir de um ponto de vista predominantemente cômico) que reconstroém histórias de animações Disney dando-lhes caráter erótico e homossexual. 

Uma das imagens utilizadas por Damares Alves na palestra registrada em vídeo, cria uma cena da animação “A Bela Adormecida”, em que o príncipe que deveria salvar a princesa em sono induzido, aparece segurando no colo um homem que diz: “Bem, não se preocupe, ela dorme”. Esta FanArt pode ser encontrada em espaços na internet como aminoapps ou behance

Imagem: reprodução do YouTube

Damares Alves refere-se de forma genérica a pessoas ou grupos que estariam agindo para perverter “nossas crianças” por meio destas produções: “Acreditem: eles estão armados, articulados. O cão está muito bem articulado e nós estamos alienados”, diz a pastora na gravação. A projeção das imagens é rápida e as referências genéricas. A religiosa também não apresenta nomes (quem seriam “eles”) para que a audiência tome providências concretas, o que é característico de discursos que buscam propagar um clima de pânico permanente.

A pastora também fez críticas às produções das próprias animações que são base das FanArts. Em trecho que popularizou na cobertura noticiosa da época em que o vídeo foi primeiramente divulgado, no início de 2019, quando Damares Alves já era ministra, ela afirma que assistiu à animação Frozen, a qual avaliou como “muito bonito”, e entoou a música “Livre estou, livre estou…”. Depois declarou que a personagem Elsa ‘vai acordar a Bela Adormecida com um beijo gay’ e perguntou: “Por que que ela termina sozinha no castelo de areia, de gelo?” E  engatou a resposta: “Porque ela é lésbica. Nada é por um acaso”. 

De fato, houve uma campanha em mídias sociais nos Estados Unidos para que a personagem Elsa fosse identificada como LGBTI+, para fortalecer o movimento por direitos desta população, uma vez que nunca houve uma “princesa Disney” com esta identidade. A roteirista da animação Jennifer Lee deu entrevista ao jornal The Huffpost, em 2018, ano da palestra de Damares Alves, e admitiu a possibilidade de atender aos fãs na sequência da história, Frozen 2. A pastora, então, usou a informação da campanha e da possibilidade futura assentida pela roteirista como verdade em relação ao primeiro filme e denotou sua avaliação sobre o destino de uma mulher lésbica: o castigo de viver sozinha.


Foram muitas as críticas a Damares Alves em mídias sociais, da parte de políticos, celebridades da TV e da internet e pessoas comuns. O tuíte do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), de maio de 2019, foi um dos mais acessados e utilizados na cobertura noticiosa:

Imagem: reprodução do Twitter

A ministra se pronunciou pelo Facebook, à época (maio de 2019), em relação às críticas: “Fui surpreendida com mais esta polêmica que tem como base, novamente, uma pequena parte recortada de um vídeo que foi gravado durante uma de minhas palestras na igreja. Minha crítica é conhecida de todos. Eu critico é a tentativa de interferência dos ideólogos de gênero na identidade de nossas crianças. Vai um recado: Criança não namora! Criança brinca e estuda. Minha posição é contrária principalmente contra a erotização e “adultização” de crianças. Deixem nossas crianças serem crianças! Que estudem e brinquem sem que ninguém as incentivem a pular fases”, declarou.

Imagem: reprodução do Facebook

Lançada em 2020, a animação Frozen 2 frustrou as expectativas, tanto da campanha por afirmação LGBTI+ por meio da marca Disney quanto de quem usou as intrigas da internet para espalhar pânico em quem quer proteger famílias dos perigos das pautas de direitos sexuais e reprodutivos. Na segunda edição da produção, Elsa não tem uma namorada ou sequer busca um relacionamento sexual de qualquer natureza. Segundo matéria do Observatório do Cinema, fãs avaliaram que a intriga em torno de Elza ser lésbica acabou servindo mesmo como “caça cliques” em mídias sociais, isca para promoção do filme e chamariz para as pautas conservadoras por meio de pânico, caso da palestra de Damares Alves em 2018. 

Eventos corruptores em universidades federais

Ainda no vídeo da palestra em Divinópolis, em 2018, Damares Alves abordou sobre eventos e festas ocorridas em universidades federais pelo Brasil, que estariam corrompendo os jovens e promovendo badernas. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) é a primeira mencionada na palestra. A pastora refere-se, inicialmente, à filósofa e estudiosa em teoria de gênero, dos Estados Unidos, Judith Butler, a quem chama de “maluca” e aponta como principal responsável pela ideia de “subversão da identidade”.  

Entretanto, a imagem apresentada ao fundo destas referências é a do I Seminário Queer, realizado  no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, no ano de 2015. A data e o local do evento está no material apresentado por Damares Alves para embasar a palestra, mas mesmo assim, ela afirma que aconteceu na UFBA.

Imagem: reprodução do YouTube

O vídeo com a palestra da pastora menciona o II Seminário Internacional Desfazendo o Gênero, realizado na UFBA, em 2015, com a presença de Judith Butler. Em seguida, Damares Alves mostra uma foto que traz estudantes de costas e nus, sentados em círculo, associando a imagem ao seminário de Judith Butler. A atual ministra afirma ainda que para participar do evento os alunos tiveram que ficar “pelados no campus, para vencer as barreiras do sexo”, o que a levou a seguinte conclusão: “Não existe mais homem, não existem mais mulheres”.

A estadunidense Judith Butler é uma das principais referências mundiais de estudos de gênero, especificamente da teoria queer. Ela, de fato, esteve na UFBA, quando visitou o Brasil pela primeira vez, para a abertura do II Seminário Internacional Desfazendo o Gênero, de 5 a 7 de setembro de 2015. “Queer: cultura e subversão da identidade” foi o tema da Conferência Magna apresentada pela filósofa. 

De acordo com o material informativo do seminário, a “teoria Queer articula uma crítica à hegemonia heterossexual. A heterossexualidade, portanto, é vista e analisada como uma imposição cultural com graves consequências políticas para aqueles que não a incorporam. Originada a partir da confluência de vertentes radicais do feminismo e dos estudos gays e lésbicos, os estudos queer passaram a desenvolver análises críticas sobre como a hegemonia heterossexual tem passado a moldar até mesmo as homossexualidades contemporâneas por meio da heteronormatividade.” 

Contrariamente ao que diz Damares Alves na palestra gravada em vídeo, Judith Butler não é idealizadora da teoria Queer. Este ramo de estudos de gênero surgiu na década de 80, com diferentes de pesquisadores e ativistas. Butler ganhou alto reconhecimento por sua produção na temática.

Bereia verificou que a foto dos estudantes sem roupa foi tirada durante uma das oficinas que constavam na programação do evento, e não durante a palestra de Butler, como afirma Damares Alves no vídeo. A oficina, que ocorreu num dos pavilhões de aula (PAVIII), de acordo com veículos de notícias regionais, era parte do bloco temático do seminário no contexto “Cultura e Sociedade”. A foto foi publicada por um aluno participante, em grupo da UFBA no Facebook. 

Já a palestra de Judith Butler ocorreu no primeiro dia dos trabalhos, no Teatro Castro Alves, em ambiente fechado. Não é verdade ainda que para participar do evento os estudantes tinham que ficar nus. Foram mais de 1.500 participantes inscritos, sem qualquer exigência desta natureza. A experiência com nudez ocorreu na oficina, restrita a participantes, e em performance independente realizada por estudantes em frente ao PAVIII.

O Seminário Desfazendo o Gênero contou com 25 minicursos e 25 oficinas, entre elas performance, música e teatro.  O evento é organizado pelo Grupo de Pesquisa Cultura e Sexualidade, para reunir pesquisadores da área e ativistas do Brasil e do mundo. De acordo com organizadores, participam os que possuem interesse na área. 

Meme usado como exemplo de atividade universitária

Damares Alves também mostrou, durante a palestra gravada em vídeo, uma imagem referente  à Universidade Federal de Brasília (UNB):

Reprodução do YouTube

A imagem é a reprodução de uma publicação em perfil pessoal em mídia social, que convida pessoas a comerem alimentos preparados com plantas regadas com sangue menstrual e a conhecerem mais sobre o assunto. A pessoa que publicou, cujo nome na postagem está escondido, oferece a localização da exposição dos alimentos, o “ceubinho”, nome pelo qual é conhecido o Instituto Central de Ciências (ICC) da UNB.

Ao mostrar a imagem, a pastora afirma: “na Universidade Federal de Brasília, convidaram os alunos para comer no diretório, comidinha feita de plantas regadas a sangue menstrual! Isso mesmo. Não tem mais homens, não tem mais mulheres. A menstruação é para homens e para mulher, então vamos comer comidinha regada a sangue menstrual”.

Bereia não conseguiu localizar a publicação original e identificar a autoria, uma vez que, como nas demais imagens expostas na palestra, Damares Alves não indicou fonte ou referência. Porém, foi possível verificar que a postagem foi reproduzida em vários sites de “memes” e exposta como algo “bizarro”, tais como leninja.com.br, br.ifunny.co, me.me, entre outros, e é facilmente localizada no espaço digital, e são possíveis fontes da palestrante. 

A pastora ofereceu o conteúdo como uma prática da universidade. No entanto, é evidente que o material foi postado por um indivíduo que organizou a exposição dos alimentos fazendo uso de um espaço da universidade. 

Bereia verificou ainda que existem, sim, práticas de cultivo de alimentos que utilizam sangue menstrual como adubo. Um trabalho de conclusão do curso de Terapia Ocupacional da própria UNB refere-se a isso, com base em teoria e pesquisa de campo, bem como matéria jornalística da BBC Brasil. No entanto, não foi identificado qualquer processo de educação para estas práticas no currículo universitário. Damares Alves expôs aos presentes na palestra suas conclusões relacionadas a “ideologia de gênero” sem oferecer explicações sobre a origem da situação e os levou a compreender que tal prática foi um evento organizado pela universidade.

Foto colhida na internet atribuída a atividade curricular

O vídeo da palestra da pastora também expôs o que foi apresentado como  um “ritual” na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde “as pessoas riam da Bíblia e fumam muita maconha. E que era uma demonstração artística pra ganhar nota”, segundo Damares Alves. 

Ao apresentar uma imagem, com pessoas nuas ao redor de um crânio, a ministra insinuou se tratar de um ritual macabro, que ocorreu durante um evento intitulado “Xereca satânica”. Segundo ela, essa programação teria sido organizada por feministas da UFRJ, com o propósito de ir “contra os homens e a favor da ideologia de gênero”.  E passou a descrever sua interpretação de como ocorreu o suposto ritual que teria envolvido uma “vagina costurada” e seria uma aula de arte, para “ganhar nota no final”,  que envolveu uso de maconha.

O evento de fato ocorreu, no ano de 2014, mas na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Campus de Rio das Ostras, e não na UFRJ, como informou Damares Alves. O caso chegou a ser alvo de inquérito da Polícia Federal, com indiciamento das pessoas envolvidas por atos obscenos em local público e investigação da UFF. Após quatro anos de investigações, o Ministério Público Federal reconheceu que não houve crime por parte de nenhum dos acusados, e arquivou o processo.

Damares Alves não falou a verdade quando afirmou que o evento era  uma aula de artes que valia nota para os estudantes. O caso ocorreu no contexto de uma confraternização de estudantes que encerrou o seminário Corpo e Resistência, organizado em 2014, pelo Curso de Produção Cultural da UFF. Esse evento também é parte das atividades do Grupo de Pesquisas “Cultura e Cidade Contemporânea: arte, política cultural e resistência.”  É fato que durante a festa houve performances pelo Coletivo Coiote, convidado pela organização do evento, mas eram manifestações autônomas e não um conteúdo curricular condicionado à atribuição de notas a estudantes, como afirma a atual ministra.

O chefe do Departamento de Produção Cultural da UFF, Daniel Caetano, na ocasião, declarou que “esse tipo de apresentação tem o propósito de chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus próprios limites, sendo uma realidade a costura da parte genital na arte contemporânea”.  As investigações não comprovaram, portanto, a realização de ritual satânico. Não há referências ao Cristianismo ou a qualquer outra religião e seus símbolos, e não há registro de que os envolvidos fizessem uso de drogas, que aparecem na interpretação da ministra.

Outro exemplo exposto por Damares Alves na palestra foi a “Oficina de Siririca”, apresentada pela pastora ao público presente como um evento de recepção aos calouros na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Foi projetada a seguinte imagem:

Reprodução do YouTube

O evento de fato ocorreu em 2014 e teve repercussão em mídias sociais. No entanto, foi publicada em espaços noticiosos, na época, a afirmação da Assessoria de Imprensa da UFOP de que a oficina não era um evento de recepção aos calouros como repetiu a ministra, mas uma ação específica do Centro Acadêmico (CA) de estudantes do Curso de Serviço Social para os novos integrantes da universidade, aberto para quem desejasse participar, sem obrigatoriedade. À época, a universidade informou, em nota, que “respeita a diversidade do pensamento e o debate democrático sobre quaisquer assuntos relacionados à sexualidade, gênero e comportamento no âmbito de seus institutos”. 

Logo depois da “Oficina de Sirica, surgiu nas redes sociais digitais dos alunos da UFOP um novo evento.  Dessa vez,  uma “Oficina de Punheta”, apenas uma paródia feita por alunos e não uma programação oficial Universidade ou Centro Acadêmico, como indicado na imagem veiculada no vídeo da palestra da pastora. 

Reprodução do Youtube

Damares Alves expôs ainda imagem sobre a “Oficina de Empoderamento de Buceta”, sobre a qual disse: “eu que pago”, numa referência ao que havia dito no início da sua apresentação: “nós é que pagamos por isso (os eventos nas universidades), é ou não uma palhaçada?”.

Reprodução do Youtube

O evento foi  organizado pelo Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e não era parte da agenda oficial e do currículo da universidade, como Damares Alves faz parecer em seu discurso. A divulgação causou grande repercussão nas redes sociais digitais. Andréa Rufino, médica, sexóloga e pesquisadora em saúde, gênero, sexualidade e direitos humanos, convidada para participar do evento, foi vítima de ofensas e ameaças de perfis anônimos.

O DCE publicou uma “Nota de Esclarecimento” no Facebook com a justificativa da atividade, além de se defender e condenar os ataques. 

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Com base na pesquisa desenvolvida a partir do vídeo enviado por leitores, Bereia classifica o conteúdo da palestra proferido pela pastora Damares Alves, atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo federal do Brasil, como enganoso. A religiosa tem por objetivo criar pânico moral em torno do tema “ideologia de gênero”, conteúdo inventado para desenvolver oposição a temas referentes a direitos das mulheres e da população LGBTI+, como Bereia já publicou em várias matérias.

Seguindo uma prática que já vinha de outros eventos em que participou, Damares Alves faz um discurso exaltado, emotivo,  com o uso de imagens de eventos e situações  retiradas do seu contexto para oferecer sua interpretação de fatos e chamar a atenção dos participantes para a sua pauta. 

Neste vídeo que voltou a circular, há um esforço de fazer crer que há uma ação conspiratória para erotizar crianças e jovens (exemplos das animações Disney), que tomou também as  universidades públicas reduzindo-as em espaços de baderna e de perversão, e não instituições educacionais, formadoras de profissionais em várias áreas e produtora de ciência É fato que episódios controversos e ilegítimos ocorrem e, por vezes, acabam sendo alvo de investigação administrativa e judicial, como foi verificado, mas são promovidos por pessoas ou grupos de forma autônoma, não sendo parte da programação oficial da instituição ou do currículo acadêmico, como a atual ministra quer levar seu público a acreditar.

Bereia registra preocupação com o papel que a empresa Google, proprietária do Youtube, tem desempenhado na propagação de desinformação, como é o caso deste vídeo com conteúdo enganoso, que permanece na plataforma há quatro anos e segue sendo usado para desinformar. A campanha Fake News Mata (pessoas e democracias) tem denunciado esta situação e pressionado a Google para agir contra esta negação do direito à informação e não  lucrar com veiculação de conteúdo que desinforma.

Referências de checagem: 

Pavablog. https://www.pavablog.com/2013/05/11/magali-cunha-analisa-discurso-de-damares-alves-apresenta-elementos-criticos-genericos-e-imprecisos-inverdades-e-manipulacao-explicita-de-dados/ Acesso em: [20 fev 2022]

I Seminário Queer. https://www.pagu.unicamp.br/pt-br/i-seminario-queer Acesso em: [20 fev 2022]

UOL.https://educacao.uol.com.br/noticias/2014/09/16/recepcao-de-calouros-tem-oficina-de-siririca-na-ufop.htm Acesso em: [20 fev 2022]

Portal Justificando https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/591267689/saude-sexual-empoderamento-feminino-e-o-panico-moral Acesso em: [20 fev 2022] 

Ministério da Educação. https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2020/10/censo-da-educacao-superior-mostra-aumento-de-matriculas-no-ensino-a-distancia#:~:text=A%20pesquisa%20tamb%C3%A9m%20aponta%20que,Centros%20Federais%20de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20Tecnol%C3%B3gica

Jornal Folha de São Paulo https://ruf.folha.uol.com.br/2019/ranking-de-universidades/principal/ Acesso em: [20 fev 2022]

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57812736 Acesso em: [20 fev 2022]

Poder 360. https://www.poder360.com.br/governo/estado-e-laico-mas-sou-profundamente-crista-diz-damares-ao-assumir-ministerio/ Acesso em: [20 fev 2022]

EXAME. https://exame.com/brasil/menino-veste-azul-e-menina-veste-rosa-diz-damares-em-video/   Acesso em: [20 fev 2022]

Aos Fatos. https://www.aosfatos.org/noticias/desvendamos-noticias-falsas-de-damares-alves-contra-ideologia-de-genero/ Acesso em: [20 fev 2022]

Aminoapps. https://aminoapps.com/c/gay-pt-br/page/blog/e-se-as-princesas-da-disney-fossem-principes/kjP4_dLFGu7jlZeBpBqbl3NxlVJVYK0Wr7 Acesso em: [20 fev 2022]

Behance. https://www.behance.net/search/projects?search=DISNEY+FANART&tracking_source=typeahead_search_direct Acesso em: [20 fev 2022]

Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2019/05/13/interna_politica,1053417/damares-diz-que-princesa-elsa-do-filme-frozen-e-lesbica.shtml Acesso em: [20 fev 2022]

Huffpost. https://www.huffpost.com/entry/frozen-director-elsa-girlfriend_n_5a9388c5e4b01e9e56bd1ead Acesso em: [20 fev 2022]

Observatório de Cinema https://observatoriodocinema.uol.com.br/artigos/2020/01/e-lesbica-frozen-2-enfim-responde-duvida-sobre-sexualidade-de-elsa#:~:text=Isso%2C%20no%20entanto%2C%20n%C3%A3o%20aconteceu,seja%20l%C3%A9sbica%2C%20mas%20sim%20assexual. Acesso em: [20 fev 2022]

Justificando http://www.justificando.com/2018/07/17/caso-xereca-satanica-juiz-decide-que-manifestacao-artistica-nao-e-crime/ Acesso em: [20 fev 2022]

O Globo. https://oglobo.globo.com/brasil/performance-ou-crime-12698298 Acesso em: [20 fev 2022]

Bereia. https://coletivobereia.com.br/?s=ideologia+de+g%C3%AAnero Acesso em: [20 fev 2022]

Campanha Fake News Mata. https://www.fakenewsmata.org/ Acesso em: [20 fev 2022]

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Imagem de capa: reprodução YouTube

Voz em áudio convocando fiéis a pedir ajuda na frente de quartéis militares não é da ministra Damares Alves

Um áudio de doze minutos contendo uma orientação ostensiva para que os cristãos evangélicos fossem à frente dos quartéis para pedir intervenção militar circulou nas mídias sociais na última semana. Apesar da pessoa não se identificar em nenhum momento, a seguinte mensagem foi encaminhada junto com o áudio:

“Desabafo desesperado da Ministra Damares. Ouça!!! E muito sério estamos correndo risco é urgente este desabafo da Ministra Damares. Pra Ministra Damares fazer este apelo é porque a coisa tá feia misericórdia Jesus”.

Mensagem encaminhada com o suposto áudio da ministra

O áudio ainda cita desinformações já verificadas e desmentidas: a acusação de prefeitos e governadores receberem 19 mil reais por cada morte de COVID-19, desinformando sobre a portaria do Ministério de Saúde relativa ao valor diário repassado por cada leito de UTI dedicado à COVID-19; a existência de um vídeo de uma idosa com COVID-19 sendo enterrada viva, quando na verdade tratava-se de uma paciente aguardando atendimento em um hospital do Pará; decretos de autoridades públicas mandando fechar igrejas, desinformação baseada em vídeos antigos e sem considerar que o decreto federal definiu igrejas como serviços essenciais.

Damares e Ministério negaram

Bereia entrou em contato por e-mail com o gabinete do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que respondeu enviando nota da assessoria de comunicação (também publicada no site do Ministério) desmentindo que a voz é da ministra Damares Alves: 

Um áudio atribuído à ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que circula desde o final de semana em grupos de aplicativos de trocas de mensagens, não foi gravado ou divulgado pela gestora.

Nota da ASCOM/MMFDH

Sobre o conteúdo da mensagem, a nota afirma:

Ao contrário do que é defendido na mensagem, a ministra é defensora do Estado Democrático de Direito e do respeito às instituições. O Ministério trabalha em diálogo com os demais entes federados e órgãos públicos pelo respeito aos direitos humanos e para que estes não sejam violados em nome de combate à pandemia.

Nota da ASCOM/MMFDH

No dia 29 de março a própria ministra publicou um vídeo negando que seja ela falando no áudio compartilhado.  

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Bereia classifica, portanto, o áudio como falso. A voz do áudio não é da ministra Damares Alves e traz desinformações já verificadas como igualmente falsas. Bereia também recomenda atenção para todo e qualquer áudio em que a pessoa que fala não se identifica, pois tais condições são comuns a conteúdo falso ou conteúdo criado para causar desinformação.

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Referências de checagem

Site do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/marco/audio-que-circula-em-grupos-de-aplicativos-de-mensagens-nao-e-da-ministra-damares-alves Acesso em: 29 mar 2021.

Perfil de Damares Alves em rede social digital – https://www.instagram.com/tv/CNBIOYpD099/?igshid=kypml4ubzbup Acesso em: 29 mar 2021

Aos Fatos, https://www.aosfatos.org/noticias/prefeituras-nao-recebem-r-19-mil-do-governo-federal-cada-morte-por-covid-19/ Acesso em: 01 abr 2021

Último Segundo, https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2020-05-15/idosa-com-covid-19-enterrada-viva-entenda-o-video-fake.html Acesso em: 01 abr 2021

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/video-de-marisa-lobo-desinforma-sobre-perseguicao-religiosa/. Acesso em 01 abr 2021

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/governo-define-lotericas-e-igrejas-como-atividades-essenciais Acesso em 01 abr 2021.

Discurso de Damares à ONU engana a respeito de ações do Governo na pandemia

Por meio de um pronunciamento gravado, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves participou da reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em 22 de fevereiro. O portal gospel Pleno News noticiou o evento e destacou a afirmação da ministra em defesa da família. No entanto, a matéria não aponta a desinformação contida no discurso de Damares Alves, que abordou desde o combate à pandemia até o orçamento para os direitos das mulheres.

O governo não apresentou planos estruturados contra da covid-19

Logo na abertura de seu discurso, a ministra afirmou: “A Covid-19 impôs ao mundo inteiro grandes desafios na área dos direitos humanos, especialmente entre os grupos mais vulneráveis. Para enfrentar essa realidade, o governo brasileiro apresentou planos de contingência estruturados nos eixos saúde, proteção social e proteção econômica.”

De fato, a pandemia atinge com maior gravidade grupos mais vulneráveis. Uma nota técnica publicada em maio de 2020 pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), que reúne acadêmicos da PUC-Rio, FioCruz, USP e IDOR,  concluiu que a taxa de letalidade da covid-19 é maior entre pretos e pardos em relação aos brancos. O estudo levou em conta cerca de 30 mil casos encerrados, ou seja, que já tiveram desfecho: óbito ou recuperação (alta). Destes, 37,9% dos brancos faleceram. Essa taxa sobe para 54,7% entre pretos e pardos. Essa taxa também é maior conforme o grau de escolaridade das pessoas diminui. Cerca de sete em cada dez dos casos daqueles sem escolaridade terminaram em óbitos. Entre aqueles com Ensino Superior, o índice cai para 22,5%. .

No entanto, apesar do Governo Federal ter custeado até dezembro de 2020 o Auxílio Emergencial, promovido o Programa de Manutenção do Emprego e Renda, não houve um plano estruturado para o combate à pandemia. Pelo contrário, o presidente Jair Bolsonaro minimizou diversas vezes a gravidade da doença em prol da prioridade às  atividades econômicas. Além disso, o presidente também agiu contra a vacinação no país.. 

Bereia já havia verificado como falsa a afirmação – repetida pelo próprio presidente – de que o Supremo Tribunal Federal teria impedido o Governo Federal de agir contra a pandemia. O STF determinou que União, Estados e Municípios têm responsabilidade concorrente diante da crise sanitária.

Cestas básicas citadas pela ministra são cumprimento de obrigação (e não iniciativa) do Governo

No pronunciamento à reunião da ONU, Damares Alves citou que mais de 700 mil cestas básicas foram distribuídas para indígenas e quilombolas. Entretanto, em setembro de 2020, a Justiça Federal exigiu do Governo a distribuição de cestas básicas e kits de higene para indígenas do médio do Xingu, no Pará, por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) enquanto durar a pandemia. 

À reportagem da Rádio Agência, a Funai esclareceu que cumpriria a decisão depois da apresentação de alguns critérios de identificação pelo juiz federal. A Fundação afirmou que já faz ações do tipo. De fato, entregas de cestas básicas e kits de higiene fazem parte do Plano de Enfrentamento e Monitoramento da Covid-19. O plano revisado foi entregue em setembro ao STF por determinação do ministro Luís Roberto Barroso. A versão, no entanto, não foi homologada por Barroso, que demandou um novo plano. Entre os argumentos da negativa está a consideração, por parte do ministro, que a redação foi genérica e vaga. 

Apenas 2,7% do valor empenhado às políticas para mulheres foi gasto

Damares Alves também disse à ONU que o orçamento de 2020 para os direitos das mulheres foi o maior dos últimos cinco anos. É o que divulga o site do Governo Federal sobre o trabalho da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM). No entanto, um levantamento da agência Gênero e Número aponta que apenas 2,7% do valor empenhado para o Direitos das Mulheres foram gastos pelo governo.

Nesse sentido, destaca-se o baixo investimento na Casa da Mulher Brasileira. O levantamento da Gênero e Número mostra que de R$ 61 milhões de reais empenhados foram gastos apenas R$ 66 mil, pouco mais de 0,1% Em junho de 2020, um pronunciamento do Governo Federal explicou que a execução de verba só tinha sido autorizada em maio daquele ano por conta da pandemia.

Um estudo da consultoria da Câmara dos Deputados, divulgado em junho, apontou que o Governo tinha gastado, até aquele momento, apenas R$ 5,6 milhões dos R$ 126,4 milhões previstos para políticas direcionadas aos direitos das mulheres, menos de 5%. A situação estava no contexto de um aumento de denúncias de violência contra mulher. Abril de 2020 apresentou um aumento de 35% dessas denúncias em relação ao mesmo mês do ano anterior.

Defesa dos idosos e vacinação

A matéria do site gospel Pleno News ainda relata que a ministra destacou ações pelos idosos, como combate à violência e prioridade na vacinação no contra covid-19. É verdade que os números de denúncias de violência a idosos aumentaram. Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação demonstram que foram feitas 25.533 denúncias ao Disque 100 entre março e junho de 2020. Esse número representa um aumento de 59% em relação ao mesmo período do ano passado. 

Além disso, é também verdadeiro que o Governo Federal agiu para investigar e punir a violência contra idosos. A fala da ministra se refere à Operação Vetus, uma cooperação do Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos e do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A ação aconteceu no DF e nos 26 estados e desde o início, em 1 de outubro, até 4 de dezembro, 567 pessoas foram detidas.

Já sobre a prioridade na vacinação contra a covid-19, idosos, de fato, fazem parte dos grupos prioritários, como divulgou o Ministério da Saúde, seguindo as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). A ordem pela qual os diferentes perfis de idosos (por idade, por exemplo) serão imunizados fica a cargo de estados e municípios. 

A prioridade aos idosos tem sido padrão em outros países que já iniciaram a vacinação. No Reino Unido, profissionais de casas de cuidados com este grupo de pessoas são a primeira prioridade, seguidos daqueles com 80 anos ou mais e os profissionais de saúde e assistência social. Os próximos da fila são outros grupos de idosos. Israel também priorizou idosos, como mostram os dados coletados pelo Our World In Data.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos recomenda que profissionais de saúde e de asilos sejam a primeira prioridade, seguidos de profissionais de atividades essenciais e pessoas com 75 anos ou mais. Nos EUA, cada estados define seu próprio plano de vacinação. Fica não-dito no pronunciamento da ministra, a não priorização da compra de vacinas por parte do governo do Brasil, que centralizou o processo e não tem um plano efetivo, diferentemente de outros países

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Bereia conclui que a matéria do site Pleno News é enganosa ao tratar do discurso da ministra Damares Alves. O texto apenas reproduz o que disse a ministra sem verificar se o pronunciamento condiz com as ações do governo federal. É verdadeiro que tem havido combate à violência contra idosos e que há prioridade a essa parcela da população na campanha de vacinação, o que significa seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde, o que tem já sido feito por muitos países.

Por outro lado, é impreciso afirmar que o governo federal foi responsável pela distribuição de kits de higiene e cestas básicas para indígenas, sem considerar que uma parcela dessas ações estiveram negligenciadas e, por isso, foram determinadas pela Justiça. Além disso, o plano da Funai para combate à covid foi mal elaborado e não foi homologado pelo STF.

De igual forma, as afirmações de Damares Alves quanto ao investimento pelos direitos das mulheres e sobre a iniciativa estruturada do Governo Federal contra a pandemia não se sustentam – a primeira pode ser confrontada com dados oficiais do próprio Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos  e a segunda, pela postura do presidente Jair Bolsonaro, que minimiza permanentemente a gravidade da situação e tem agido contra a vacinação.

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Foto de Capa: Print do vídeo/Reprodução

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Referências

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Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), https://drive.google.com/file/d/1tSU7mV4OPnLRFMMY47JIXZgzkklvkydO/view. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Caixa Econômica Federal, https://www.caixa.gov.br/auxilio/PAGINAS/DEFAULT2.ASPX. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Ministério da Economia, https://servicos.mte.gov.br/bem/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

O Estado de São Paulo, https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,maricas-histeria-nao-sou-coveiro-relembre-frases-de-bolsonaro-sobre-a-covid-19,70003509925. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Revista Piauí, https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-sabotador/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-ao-noticiar-que-cidades-ignoram-decreto-presidencial-sobre-abertura-de-igrejas/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Agência Brasil, https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/geral/audio/2020-09/justica-determina-distribuicao-de-cestas-basicas-indigenas-no-para. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/setembro/PlanoREVISADO1.pdf. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

STF, http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=453860. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/01/atual-gestao-investe-em-politicas-para-as-mulheres-mais-do-que-os-cinco-anos-anteriores. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Gênero e Número, http://www.generonumero.media/orcamento-damares-2020-mulheres-lgbt/. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/junho/orcamento-destinado-a-casa-da-mulher-brasileira-cresce-mais-de-200-em-2020. Acesso em 25 de fevereiro de 2021.

Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira, https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2020/ET16_Violncia_MUlher.pdf. Acesso em: 25 de fevereiro de 2021.

G1, https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/10/29/cresce-59percent-o-numero-de-denuncias-de-violencia-contra-o-idoso-no-brasil-durante-a-pandemia-da-covid-19.ghtml. Acesso em: 01 de março de 2021.

G1, https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/12/04/operacao-combate-crimes-de-violencia-contra-idosos-em-todo-pais.ghtml. Acesso em: 01 de março de 2021.

Governo Federal, https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/entenda-a-ordem-de-vacinacao-contra-a-covid-19-entre-os-grupos-prioritarios. Acesso em: 01 de março de 2021.

Nações Unidas, https://news.un.org/pt/story/2020/12/1735372. Aceso em: 02 de março de 2021.

Gov. UK, https://www.gov.uk/government/publications/covid-19-vaccination-care-home-and-healthcare-settings-posters/covid-19-vaccination-first-phase-priority-groups. Acesso em: 01 de março de 2021.

Our World In Data, https://ourworldindata.org/vaccination-israel-impact. Acesso em: 01 de março de 2021.

CDC, https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/vaccines/recommendations.html. 01 de março de 2021.

Ministra Damares Alves faz acusações sem provas sobre contaminação de indígenas por Covid-19

Durante a reunião ministerial do governo federal, cujo vídeo foi tornado público em 22 de maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, relatou que pessoas estariam contaminando povos indígenas propositalmente com o novo coronavírus a fim de dizimá-los e atingir o presidente Jair Bolsonaro.

Eu fui lá para a Amazônia e para Roraima para acompanhar o primeiro óbito [pela covid-19]. E por que que nós fomos lá, presidente? Porque nós recebemos a notícia que haveria contaminação criminosa em Roraima e Amazônia, de propósito, em índios, pra dizimar aldeias e povos inteiros pra colocar nas costas do presidente Bolsonaro. (…) Eu tive que ir pra lá com o presidente da Funai e me reuni com generais da região e o superintendente da Polícia Federal, pra gente fazer uma ação ali meio que sigilosa, porque eles precisavam matar mais índio pra dizer que a nossa política não tava dando certo.”

A íntegra da fala da ministra e de toda a reunião pode ser assistida em vídeo e a gravação dos conteúdos pode ser lida aqui.

A acusação feita pela ministra é muito grave e é muito sério também  que ela não tenha apresentado dados que corroborassem sua afirmação, referindo-se à necessidade de fazer uma ação “meio que sigilosa” com a Polícia Federal, porque, segundo ela, “eles” [e não fica claro quem são “eles”] precisavam matar “mais índio” para fazer crer que a política bolsonarista não estaria dando certo.

O Coletivo Bereia checou a veracidade desta informação dada pela ministra Damares Alves na reunião ministerial de 22 de abril.

A reunião ministerial

O vídeo foi solicitado pela defesa do ex-ministro da justiça Sérgio Moro, para ser apresentado como prova no inquérito da Polícia Federal que investiga a denúncia do ex-ministro sobre possível intervenção indevida de Jair Bolsonaro neste mesmo órgão, para atender objetivos pessoais.

O acesso livre ao vídeo da reunião foi liberado pelo Supremo Tribunal Federal em 22 de maio, inclusive a degravação das falas (com exceção de trechos que mencionam a China e o Paraguai, por questões de segurança nacional), por se tratar de assunto de interesse público.

O conteúdo da reunião chamou a atenção, além dos trechos que podem ser ou não interpretados como prova na investigação em curso, pelo baixo nível do que foi dito pelos líderes nacionais. Houve excesso de expressões de baixo calão, pedidos de prisão de ministros do STF, classificados como “vagabundos”, também de governadores e prefeitos que atuam em medidas de isolamento social contra a Covid-19, além de outras intervenções de ética questionável.

Quando lhe foi dada a palavra, a ministra Damares Alves questionou o STF sobre a possibilidade de liberar o aborto a “todos que tiveram coronavírus” no Brasil, falou sobre a  informação de que indígenas haviam sido contaminados de propósito para se colocar a culpa em Jair Bolsonaro e que “nunca houve tanta violação de direitos no Brasil como neste período“, indicando que pediria a prisão de governadores e prefeitos.

Indígenas no Brasil e o descaso governamental

Segundo o Instituto Socioambiental, uma organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994, com atuação em torno de questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos.

Em pleno século XXI a grande maioria dos brasileiros ignora a imensa diversidade de povos indígenas que vivem no país. Estima-se que, na época da chegada dos europeus, fossem mais de 1.000 povos, somando entre 2 e 4 milhões de pessoas. Atualmente encontramos no território brasileiro 256 povos, falantes de mais de 150 línguas diferentes.

Os povos indígenas somam, segundo o Censo IBGE 2010, 896.917 pessoas. Destes, 324.834 vivem em cidades e 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproximadamente a 0,47% da população total do país.

A maior parte dessa população distribui-se por milhares de aldeias, situadas no interior de 724 Terras Indígenas, de norte a sul do território nacional. 

Entre as principais etnias indígenas brasileiras na atualidade estão a Ticuna (35.000), Guarani (30.000), Caiagangue ou Caigangue (25.000), Macuxi (20.000), Terena (16.000), Guajajara (14.000), Xavante (12.000), Ianomâmi (12.000), Pataxó (9.700) e Potiguara (7.700).

A defesa dos direitos dos povos indígenas, os habitantes originários das terras brasileiras, tem sido árdua. A maior conquista foi o direito à demarcação de terras alcançado com a Constituição de 1988. Os direitos constitucionais dos índios estão expressos em capítulo específico da Constituição (título VIII, “Da Ordem Social”, capítulo VIII, “Dos Índios”), além de outros dispositivos dispersos ao longo do texto e de um artigo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

São, pelo menos, duas inovações importantes em relação a Constituições anteriores e ao chamado Estatuto do Índio. A primeira é o abandono de uma perspectiva assimilacionista, que entendia os índios como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento. A segunda é que os direitos dos índios sobre suas terras são definidos como direitos originários, isto é, direitos anteriores à criação do próprio Estado. Isto decorre do reconhecimento do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil. A Constituição de 1988 estabelece, desta forma, novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.

Em relação ao atual governo, são cinco principais pontos de conflito que envolvem os povos indígenas: demarcações paralisadas (cumprimento de promessa de campanha), defesa de que haja mineração em terras indígenas, indicação de expansão do agronegócio em áreas indígenas, repetição do discurso da ditadura militar de que indígenas devem se integrar à sociedade, agrado à bancada ruralista com transferência da FUNAI do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura (o que foi impedido pelo STF, declarado inconstitucional).

Esta tensão entre o governo Jair Bolsonaro e povos indígenas brasileiros fez com que membros de 45 etnias se reunissem em uma aldeia em Mato Grosso em protesto, em janeiro passado. O encontro foi convocado pelo cacique kayapó Raoni Metuktire e, nele, os indígenas afirmaram em um manifesto “que está em curso um projeto político do governo brasileiro de genocídio, etnocídio e ecocídio“. “As ameaças e falas de ódio do atual governo estão promovendo a violência contra povos indígenas, o assassinato de nossas lideranças e a invasão das nossas terras“, diz o texto, redigido ao fim da reunião, na aldeia Piaraçu, na Terra Indígena Capoto Jarina.

Em uma de suas transmissões ao vivo pelo Youtube às quintas-feiras, o presidente Jair Bolsonaro disse em 24 de janeiro, referindo-se à criação do Conselho da Amazônia e a ações previstas para a proteção de terras indígenas, que “cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”. Ele afirmou pretender fazer com que os povos nativos da Amazônia sejam integrados à sociedade, e que sejam donos das terras indígenas. O conselho foi criado após o governo brasileiro, e o próprio Presidente da República, sofrerem críticas, inclusive em âmbito internacional, pela atuação destrutiva na área ambiental.  A coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) Sônia Guajajara, reagiu à época afirmando que os indígenas exigem respeito.

Bolsonaro mais uma vez rasga a Constituição ao negar nossa existência enquanto seres humanos. É preciso dar um basta a esse perverso!

De acordo com o coordenador do Conselho Indigenista Missionário – CIMI Sul, Roberto Liebgott, em entrevista ao IHU On-Line,

Nos últimos anos intensificaram-se os ataques aos direitos indígenas tendo como foco a desconstituição do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que assegura aos povos originários a demarcação das terras que tradicionalmente ocupam. Os ataques visam abrir caminho para a exploração agrária e agrícola; a expropriação e o esbulho da terra; a expansão minerária, madeireira e hidráulica; e a cobiça pelos recursos ambientais. O governo eleito não admite que na Constituição Federal (que ele [Bolsonaro] jurou defender) estejam expressos os direitos à diferença étnica, à terra demarcada e respeitada e o fato destas populações serem sujeitos de direitos.”

Neste 2020 o governo Bolsonaro foi denunciado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por diversas violações ao meio ambiente, a mulheres e a indígenas. O país vive pressão inédita desde o fim da ditadura com relatores da ONU, ONGs e ativistas do Brasil e de outros países referente ao desmonte dos mecanismos de proteção a direitos fundamentais.

Contaminação por Covid-19 entre povos indígenas

Se o coronavírus entrar nas aldeias, é possível que o aumento de casos seja explosivo”, alertou o pesquisador Andrey Moreira Cardoso, da Fiocruz, em entrevista ao site do Instituto Socioambiental, organização da sociedade civil brasileira, sem fins lucrativos, fundada em 1994, para propor soluções de forma integrada a questões sociais e ambientais com foco central na defesa de bens e direitos sociais, coletivos e difusos relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. 

Na entrevista, publicada em 26 de março, o especialista sinalizou estudos em várias partes do mundo e também no Brasil  que atestam que os índios são mais vulneráveis a epidemias em função de condições sociais, econômicas e de saúde piores do que as dos não índios, o que amplifica o potencial de disseminação de agentes causadores de doenças.

A questão está estreitamente associada às possibilidades de acesso aos territórios tradicionais e aos recursos lá disponíveis. Também se vincula à proximidade dos centros urbanos, ao grau de dependência em relação ao mercado regional e à disponibilidade de políticas públicas. A possibilidade de contato com populações onde ocorre transmissão comunitária da doença, a depender da localização onde residem e do grau de contato, pode facilitar com que uma pessoa se infecte e volte para a aldeia. Então, um dos grandes desafios é evitar esse contato e que ocorra a transmissão para alguém que vai retornar à aldeia. No momento em que essa pessoa retorna à aldeia, é muito difícil conter a disseminação do vírus.”

Andrey Moreira Cardoso

O apontamento se materializou em uma triste estatística.  Em 1º de abril foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 em uma jovem indígena da etnia Kokama, no município de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. Ela atua no SUS e é agente indígena de saúde no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Alto Rio Solimões. A vítima se recuperou integralmente. Entretanto, dez dias depois, o número de casos confirmados em indígenas subiu para nove, incluindo cinco prováveis contatos da jovem kokama, um caso no DSEI Manaus, um no DSEI Parintins e um adolescente de 15 anos da etnia yanomami, no estado de Roraima, de acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), subordinada ao Ministério da Saúde.

Em 9 de abril de 2020 houve o registro da primeira morte de indígena pelo coronavírus no país. O adolescente yanomami Alvaney Xiriana Pereira, de 15 anos, ficou internado na UTI do Hospital Geral de Roraima (HGR) por sete dias. No dia seguinte à morte, a FUNAI lançou uma nota, lamentando o ocorrido.

Depois da morte do adolescente yanomanmi e da nota da FUNAI, a Associação Yanomami fez um apelo em carta aberta, para que o próprio órgão, a PF e o Exército retirem imediatamente os garimpeiros das terras indígenas a fim de evitar novas contaminações dos povos locais.

Entidades de defesa da causa indígena, como o Instituto Socioambiental e o CIMI denunciaram a subnotificação de casos da Covid-19 entre esta população, gerando preocupação quanto ao que isso pode representar de risco para as comunidades.

As duas entidades também denunciaram que outros dois indígenas contaminados pelo novo coronavírus já tinham ido a óbito e que o governo federal não registrou as ocorrências no balanço. Os indígenas eram uma mulher idosa da etnia Borari, de 87 anos, que morreu em Alter do Chão, no município de Santarém (PA), no dia 19 de março,  e o outro era um homem de 55 anos, do povo Mura, morto em Manaus, no dia 5 de abril. Em consequência da morte da idosa, o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito, no dia 2 de abril, pedindo medidas para evitar a disseminação da Covi-19 em Santarém. Além disso, uma das denúncias investigadas é de que não houve notificação da suspeita de Covid-19. No dia 20 de março, centenas de pessoas compareceram ao funeral da mulher borari, muito querida em toda a vila. 

A Secretaria de Saúde Pública do Pará (Sespa) publicou o exame da idosa indígena no Twitter porque um parente teria negado que se tratava de uma vítima do coronavírus.

Em 12 de abril de 2020, a ministra Damares Alves chegou a Boa Vista. Visitou o projeto Operação Acolhida, responsável pela imigração dos venezuelanos naquele estado e participou de reuniões com a FUNAI, para articular ações de combate ao coronavírus.

Em toda a cobertura sobre a visita da ministra Damares Alves à Amazônia em abril, tanto no âmbito oficial, quanto pela imprensa de um modo geral, não foi encontrada qualquer menção dela, de representantes da FUNAI ou de qualquer outra autoridade sobre uma possível contaminação criminosa de indígenas.

Pelo contrário, as declarações foram todas positivas em relação a ações do governo. Na ocasião, o presidente da FUNAI Marcelo Augusto Xavier destacou que o governo federal estaria adotando todas as medidas para conter a transmissão da Covid-19 entre os povos indígenas. “É importante assegurar que o governo federal está presente em Roraima e Boa Vista e ninguém ficará para trás”, ressaltou.

Estamos aqui para encontrar respostas neste momento de enfrentamento ao coronavírus, completou Damares.

Antes da viagem Damares Alves,  os órgãos ligados à proteção indígena já vinham sendo questionados sobre uma possível omissão em meio à pandemia. No começo de abril, foram destinados R$ 10,8 milhões para a Funai no combate à pandemia entre as comunidades indígenas. Duas semanas depois, nada havia sido feito. Isto resultou cobrança do subprocurador-geral da República Antonio Carlos Alpino Bigonha questionando a FUNAI e o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, em 16 de abril, sobre o motivo das verbas reservadas para o combate ao coronavírus em comunidades tradicionais e indígenas não terem sido empenhadas. Dos quase R$ 11 milhões da verba emergencial para o combate à Covid-19, Damares Alves teria usado apenas R$ 1 milhão para comprar caminhonetes. Um parecer técnico interno da Procuradoria ainda dizia que a falta do investimento não é “questão financeira”. O subprocurador-geral ressaltou que “a necessidade é urgente em cada comunidade indígena, seja por alimentos, seja por proteção e segurança”.

No entanto, a pandemia seguiu avançando em terras indígenas. Assim, até 3 de maio, cerca de cem índios foram contaminados, sendo que o maior número de casos entre indígenas no Brasil está concentrado no Amazonas, epicentro da doença. Os dados foram apontados em matéria do G1 do referido dia, intitulada: “Índios temem ‘catástrofe’ e tentam fugir da Covid-19”.

Segundo a reportagem, cuja versão em vídeo foi exibida no programa Globo Rural, da emissora Globo, em 20 de março, a associação que representa os povos, no norte do Mato Grosso,  pediu que os caciques interrompessem o deslocamento dos índios para as cidades, e reivindicou o fechamento das estradas que levam para fora do parque. Mediante a dificuldade de deslocamento para a cidade, os grupos que compõem as 16 etnias presentes na região estariam sofrendo com a falta de produtos básicos, como sabão e creme dental. O confinamento também estaria comprometendo o trabalho e a renda dos índios.

A estatística evidencia uma preocupação desvelada em maio, de acordo o boletim da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do dia 25, que apresenta são 40 mortos indígenas, 824 casos de contaminação confirmados e 218 casos suspeitos. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) apresentava em 11 de maio números já maiores, com  77 mortos com teste positivo para a doença e 308 indígenas de contaminados. Vale registrar que a Sesai não está contabilizando casos de indígenas que vivem em cidades.

Uma rede de colaboradores foi criada para levantar casos e mortes suspeitos, tendo à frente a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coaib). A APIB ainda mantém uma lista de vítimas disponível no site quarentenaindigena.info (http://quarentenaindigena.info/casos-indigenas/), a qual, até o dia 22 de maio, às 16h30, contabilizava 125 indígenas mortos, 987 contaminados e 61 povos atingidos.

Em matéria publicada no site do Instituto Socioambiental, em 8 de maio, a coordenadora da APIB, Sonia Guajajara, aponta a divergência entre os números.

“Os números apurados pelo movimento indígena, quando comparados aos da Sesai, revelam uma discrepância absurda. Além da negligência do Estado brasileiro, há um racismo institucionalizado (…) O movimento indígena está preocupado em registrar minuciosamente os dados e exigir sua oficialização, para que daqui a 30 anos não tenham que ser revelados os ‘desaparecidos pela covid-19’.”

Contaminação de Covid proposital?

Sobre as afirmações da ministra Damares Alves, de que toda esta contaminação de indígenas teria sido realizada de forma proposital para atingir o presidente Jair Bolsonaro, Bereia não localizou registros de investigações ou quaisquer indicações comprobatórias de tal situação entre os organismos oficiais FUNAI, SESAI ou de proteção a indígenas como APIB ou Instituto Socioambiental. Para as organizações que atuam em apoio a essas populações, as causas da contaminação são de conhecimento notório dos órgãos governamentais e são criminosas, sim, relacionadas às invasões das terras indígenas.

O Presidente do CIMI, Bispo D. Roque Paloschi explica:

“A principal preocupação e ameaças com relação aos povos indígenas é que garimpeiros, grileiros, madeireiros e invasores em geral, não fazem a quarentena. Ao contrário, aproveitam a falta de fiscalização e de gestão política e administrativa no país para continuar com as ações ilícitas nas terras indígenas, com um agravante maior, os contínuos discursos do governo do Brasil em incentivar as invasões, com sua retórica desenvolvimentista. Outra grande preocupação são os projetos de emenda constitucional e projetos de lei, como o PL 191/20, que regulamentam a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas.”

Sobre isto Bereia ouviu o Pastor Sandro Luckmann, educador do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (COMIN), da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil:

“A fala da ministra é extremamente grave. É uma fala cujo objetivo principal é omitir, é esconder a situação de ausência e de trabalho articulado e com melhor resposta do próprio governo. Os dados que temos levantados a partir da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI) e o que as próprias organizações indígenas têm levantado mostram isto. Há uma disparidade bastante grande neste sentido. A SESAI no seu último boletim reconhece que em nível nacional houve somente 35 mortes de pessoas indígenas enquanto as próprias organizações de indígenas falam que este número já está em 125 indígenas falecidos, atingindo em torno de 61 povos. E na Amazônia a situação é extremamente grave por conta da geografia. Para acessar os recursos emergenciais, os benefícios, as comunidades precisam descer de barco até as cidades e não há infraestrutura, local adequado para ficar. O sistema de comunicação é difícil, complexo, não é ágil. Estive no início de março, antes do isolamento social, visitando uma comunidade lá. Para chegar eu levei seis horas num barco veloz da cidade mais próxima. Mas os barcos que os indígenas geralmente usam levam um ou dois dias. Já houve manifestações de lideranças indígenas que dizem que caso aconteça de indígenas pegarem a COVID-19, não vão buscar ajuda porque sabem que chegando até lá não terão atendimento. Há uma denúncia de falta de hospitais de campanha que possam ser interiorizados, com equipamento. Outra denúncia é que quando há necessidade de hospital as comunidades indígenas são as últimas a ocuparem o espaço porque viajam do interior da Amazônia para Manaus e o sistema já está caótico. Há um problema muito sério nesse sentido. Avaliamos então esta tentativa do governo de esconder a real situação e a falta de infraestrutura, a falta de capacidade deste governo em atender esta demanda das comunidades indígenas. O Estado do Amazonas é o estado que tem a maior população indígena e há uma invasão deliberada das terras indígenas. Há denúncias em Roraima mesmo, um dos estados que a Ministra cita, denúncias da invasão de garimpeiros, madeireiros, grileiros, e isto tem feito avançar a doença sobre as comunidades indígenas. Nesse sentido a FUNAI não tem sido uma agente protetora dos territórios indígenas então há uma situação bem complexa neste sentido.”

O coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), da Igreja Católica, Região Sul Roberto Antônio Liebgott, também ouvido por Bereia, afirma que a declaração de Damares Alves é mentirosa e explica que isto acontece porque a ministra não menciona que:

por omissão e falta de fiscalização, por parte do governo que ela integra, ocorrem invasões nas terras indígenas por milhares de garimpeiros, madeireiros, grileiros, posseiros e tantos outros que saqueiam o patrimônio público. Também não foi por um acaso o discurso do Presidente ao propor, como medida de segurança, o armamento em massa – em suas palavras, todos devem estar armados. Quem são ‘todos’? Os indígenas e os quilombolas poderão se armar para se defender da invasão de seus territórios? Os pais de família, das periferias, poderão se armar para se defender da ação de milicianos? As pessoas que sofrem violências poderão se armar para se defender de ataques fascistas? 

Bereia conclui que a ministra Damares Alves fez uso de desinformação na reunião ministerial de 22 de abril, no que diz respeito à suposta à contaminação criminosa de coronavírus entre indígenas para atingir negativamente o presidente Jair Bolsonaro. O Coletivo classifica a fala como imprecisa pois não apresenta as fontes que corroborem tais afirmações nem dados coerentes com a grave situação descrita nesta matéria, desconsiderando as ações historica e comprovadamente criminosas de invasão de terras indígenas da parte de garimpeiros e grileiros, que são fonte de doenças para estas populações. O uso de desinformação, em caso como este, é irresponsável pois levanta acusações sem apresentar autoria e dados, levando quem ouve as afirmações a atitudes de desconfiança e condenação precoce, que são frequentemente direcionadas a pessoas opostas no campo político.

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Referências de Checagem:

Portal do STF (1) https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=443959&ori=1 Acesso em 26 mai 2020

Portal do STF (2) https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=418183 Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental. Povos Indígenas no Brasil https://pib.socioambiental.org/pt/Quem_s%C3%A3o Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental. Direitos constitucionais dos índios https://pib.socioambiental.org/pt/Constitui%C3%A7%C3%A3o Acesso em 26 mai 2020

BBC https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51229884 Acesso em 26 mai 2020

IHU On Line http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/586730-a-ameaca-institucional-juridica-e-fisica-a-existencia-dos-povos-indigenas-entrevista-especial-com-roberto-liebgott  Acesso em 26 mai 2020

El País https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-10/50-anos-depois-brasil-volta-a-ser-alvo-sistematico-de-denuncias-internacionais-por-violacoes-de-direitos-humanos.html Acesso em 26 mai 2020

Instituto Sociambiental Notícias (1) https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/se-coronavirus-entrar-nas-aldeias-e-possivel-que-aumento-de-casos-seja-explosivo-alerta-especialista Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental Notícias (2)  https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/em-alter-do-chao-pa-teste-de-indigena-falecida-da-positivo-para-covid-19 Acesso em 26 mai 2020

Instituto Sociambiental Notícias (3) https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/indigenas-de-cidades-com-covid-19-nao-ficarao-sem-assistencia-mas-responsabilidade-e-do-sus-diz-sesai Acesso em 26 mai 2020

Instituto Socioambiental Notícias (4) https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/indigenas-mortos-por-covid-19-chegam-a-55-segundo-APIB-numero-salta-45-em-dois-dias Acesso em 26 mai 2020

Boletim Epidemiológico da SESAI http://www.saudeindigena.net.br/coronavirus/mapaEp.php Acesso em 26 mai 2020

G1https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2020/04/12/ministra-damares-alves-faz-visita-surpresa-a-boa-vista-neste-domingo-12.ghtml Acesso em 26 mai 2020

Nota: Funai lamenta morte de indígena com COVID-19 http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6006-nota-funai-lamenta-morte-de-indigena-com-covid-19 Acesso em 26 mai 2020

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Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/morre-indio-yanomami-com-coronavirus Acesso em 26 mai 2020

MPF http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/mpf-cobra-medidas-para-evitar-disseminacao-da-covid-19-em-santarem-pa/view Acesso em 26 mai 2020

Publicação na página da Sespa (PA) no Twitter https://twitter.com/SespaPara/status/1245461415005167617?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1245461415005167617%7Ctwgr%5E&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.socioambiental.org%2Fpt-br%2Fnoticias-socioambientais%2Fem-alter-do-chao-pa-teste-de-indigena-falecida-da-positivo-para-covid-19 Acesso em 26 mai 2020

Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/em-roraima-ministra-damares-visita-a-sede-da-operacao-acolhida  Acesso em 26 mai 2020

Ecoamazônia https://www.ecoamazonia.org.br/2020/04/ministra-mulher-familia-direitos-humanos-damares-alves-visita-roraima/ Acesso em 26 mai 2020

FUNAI  http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/6009-comitiva-do-governo-federal-articula-acoes-de-combate-a-covid-19-no-norte-do-pais Acesso em 26 mai 2020

O Estado de São Paulo https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,funai-recebe-r-11-milhoes-para-proteger-indigenas-do-coronavirus-mas-nao-gastou-nenhum-centavo,70003269873 Acesso em 26 mai 2020

G1https://g1.globo.com/economia/agronegocios/globo-rural/noticia/2020/05/03/indios-temem-catastrofe-e-tentam-fugir-da-covid-19.ghtml Acesso em 26 mai 2020

Boletim Covid-19 Ministério da Saúde https://saudeindigena.saude.gov.br/

APIB http://APIB.info/2020/05/14/1-vidas-indigenas-e-covid-19/ Acesso em 26 mai 2020

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