Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é investigada por gastar pouco

Circula em sites de notícias evangélicos e mídias sociais de apoiadores do governo críticas sobre notícia a respeito de investigação do Ministério Público Federal (MPF) que envolve os baixos investimentos feitos pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), atualmente comandado pela pastora batista Damares Alves. O MPF não costuma comentar oficialmente o andamento de inquéritos, e não respondeu a questionamentos de jornalistas nesse sentido.

A informação também foi compartilhada nos perfis oficiais da ministra na internet. Em 18 de outubro de 2021, ela afirmou por meio de seu perfil no Instagram ainda não ter sido comunicada sobre a abertura do inquérito. O deputado federal Dr. Jaziel (PL-CE) e as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP) foram alguns dos parlamentares que repercutiram a investigação do MPF e defenderam a ministra. O discurso de Damares Alves e apoiadores nas mídias sociais é de que “gastar pouco” deveria ser entendido como benéfico. 

Imagem: reprodução do Twitter

Sobre a investigação

Segundo as informações da imprensa, o inquérito pretende apurar a baixa execução orçamentária do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos nos anos de 2020 e 2021. De acordo com dados disponíveis no Portal da Transparência, no ano passado o MMFDH executou apenas R$ 253,2 milhões de um orçamento de R$ 673,7 milhões, o que corresponde a 38% do valor disponibilizado para a pasta. Já em 2021, até o momento, 18% do orçamento foi realizado (dos R$ 618,6 milhões, R$ 110 milhões foram gastos pelo Ministério).

Mesmo afirmando não ter sido comunicada do inquérito, Damares Alves procurou se justificar, dizendo que “todo nosso orçamento do ano passado está devidamente executado, devidamente empenhando (sic). Nossa execução passou de 98%, o que foi publicamente anunciado.” A ministra justificou que “só recebe dinheiro para a próxima etapa da obra após medição e conferência do que já foi feito”.

Menos políticas públicas de proteção

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos é o órgão responsável pela defesa dos Direitos Humanos no Brasil. Encarregado de formular políticas públicas de inclusão, o MMFDH tem papel fundamental na promoção da igualdade racial, defesa dos direitos da pessoa idosa, mulheres, crianças e adolescentes, Pessoas Com Deficiência, indígenas e população LGBTQIA+ no país.

A baixa execução do orçamento, mesmo com verba disponível, pode impactar projetos e programas governamentais, como o de proteção às mulheres e combate à violência de gênero. Damares Alves afirma que “o orçamento está garantido, empenhado e o dinheiro na conta, mas em nossa gestão, o valor só é liberado, a ordem de pagamento só é feita fase por fase da realização da obra, do projeto ou do programa, com a devida prestação de contas e com relatórios”. No entanto, esta não é a primeira vez que o MPF pede esclarecimentos à pasta quanto à execução de políticas públicas de responsabilidade do Ministério.

Em 2020, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão vinculado ao MPF, requereu ao Ministério informações sobre políticas públicas voltadas à proteção dos direitos das mulheres, especialmente no contexto da pandemia. Apesar do aumento da violência no período de isolamento social, com uma denúncia a cada cinco minutos, o MMFDH registrou o menor gasto da década com ações de proteção à mulher, segundo levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). 

Já em setembro deste ano, a PFDC solicitou informações sobre a execução orçamentária do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), que sofreu atrasos de pagamentos e corte de pessoal, colocando em risco a proteção de ativistas.

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Bereia classifica como enganosa a afirmação de que a Ministra do MMFDH é alvo de investigação pelo MPF por gastar pouco, o que seria uma virtude da pasta. Caso se confirme a informação de que há um inquérito em andamento, Damares Alves será investigada por possível baixa execução do orçamento do Ministério, tendo em vista que o um menor investimento da pasta impacta diretamente projetos e programas governamentais o voltados para o auxílio às populações vulneráveis. Ou seja, gastar menos do que o orçado e planejado para a pasta não necessariamente significa uma economia sem custos para a população e representa negligência com os deveres e responsabilidades que devem ser assumidos pelo poder público em relação a direitos de minorias sociais.

Referências

Último Segundo. https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2021-10-17/damares-inquerito-mpf-orcamento.html Acesso em: 27 out 2021.

Poder 360. https://www.poder360.com.br/brasil/damares-critica-investigacao-do-mp-por-nao-ter-gasto-verba-disponivel/ Acesso em: 27 out 2021.

Instagram. https://www.instagram.com/p/CVJsTOVgEPk/ Acesso em: 22 out 2021.

Portal da Transparência http://portaldatransparencia.gov.br/ Acesso em: 24 out 2021.

Ministério Público Federal

http://www.mpf.mp.br/pfdc/noticias/pfdc-pede-a-ministra-damares-dados-sobre-acoes-para-a-protecao-de-mulheres-no-contexto-da-covid-19 Acesso em: 22 out 2021.

O Globo. https://oglobo.globo.com/celina/dia-internacional-da-mulher-2021-em-ano-de-aumento-da-violencia-contra-mulher-damares-usa-apenas-14-do-orcamento-menor-gasto-da-decada-24907681 Acesso em: 22 out 2021.

https://oglobo.globo.com/brasil/alem-de-orcamento-mpf-questiona-pasta-de-damares-por-acoes-voltadas-protecao-de-mulheres-defensores-25240066 Acesso em: 22 out 2021.

Poder 360

https://www.poder360.com.br/brasil/damares-critica-investigacao-do-mp-por-nao-ter-gasto-verba-disponivel/ Acesso em: 22 out 2021.

O Tempo

https://www.otempo.com.br/politica/governo/damares-reage-a-inquerito-do-mpf-sem-mencionar-os-motivos-da-investigacao-1.2557220 Acesso em: 22 out 2021.

Governo Federal

https://www.gov.br/mdh/pt-br/damares-alves Acesso em: 22 out 2021.

Politize!

https://www.politize.com.br/ministerio-da-mulher-familia-e-direitos-humanos/ Acesso em: 22 out 2021.

O Globo – Celina

https://oglobo.globo.com/celina/dia-internacional-da-mulher-2021-em-ano-de-aumento-da-violencia-contra-mulher-damares-usa-apenas-14-do-orcamento-menor-gasto-da-decada-24907681 Acesso em: 24 out 2021.

UOL – Universa

https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/10/18/mpf-investiga-minsterio-de-damares-por-nao-gastar-verba-que-tem-disponivel.htm Acesso em: 24 out 2021.

O Globo

https://oglobo.globo.com/brasil/alem-de-orcamento-mpf-questiona-pasta-de-damares-por-acoes-voltadas-protecao-de-mulheres-defensores-25240066 Acesso em: 25 out 2021.

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Foto de capa: Isac Nóbrega/PR

Sites de religiosos bolsonaristas receberam patrocínio do governo federal para propaganda da Previdência

*Publicado originalmente pela Agência Pública. 09 de Julho de 2020

“E essas pessoas cheias de saúde que se aposentam com 50 anos?”, pergunta o ator de um vídeo encomendado pelo governo Bolsonaro sobre a reforma da Previdência. A série publicitária, parte da campanha oficial mais cara realizada na atual gestão da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom), foi veiculada em rádios, TVs, jornais impressos e na internet, onde encontrou um nicho peculiar: canais de YouTube para crianças.

Segundo levantamento da Agência Pública, canais infantis no YouTube foram um dos principais meios de veiculação da propaganda governamental sobre a reforma da Previdência, que circulou também em canais religiosos, perfis acusados de produzir notícias falsas e contas banidas da plataforma por violarem regras.

A reportagem apurou os 500 canais do YouTube que mais receberam verbas da Secom através do sistema de anúncios do Google entre 6 de junho e 13 de julho de 2019. Nesse período, anúncios da Previdência foram veiculados em 168 canais infantis, 76 canais de música, 52 videoblogs ou vlogs e 33 canais religiosos. A Pública constatou que a campanha foi impulsionada em pelo menos 11 canais que publicaram notícias falsas e sete que foram excluídos ou banidos do YouTube por violação das regras. Juntos, eles receberam R$ 119 mil de dinheiro público.

Por meio dessa campanha, a Secom atingiu 9,8 milhões de visualizações em pouco mais de um mês. Mais de meio milhão se converteu em cliques nos anúncios da Nova Previdência – uma taxa de interação de 5,8%. Os canais infantis, maior público-alvo da campanha do governo federal, lideraram as visualizações.

Os dados foram obtidos por consultores legislativos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), em um processo que durou quase seis meses. Relatório apresentado à CPMI das Fake News revela que grande parte dos anúncios foi destinada a portais considerados “inadequados” – como sites de jogos de azar, disseminadores de notícias falsas ou banidos do YouTube por descumprimento de regras – e que há indícios de o dinheiro foi mal investido.

Canais bolsonaristas que disseminam fake news foram beneficiados

O Google Ads (AdWords) foi a plataforma utilizada pela Secom para divulgar a campanha da Nova Previdência no YouTube, em aplicativos e sites. Nela, os gestores de uma campanha podem estabelecer o orçamento, além de uma série de parâmetros para delimitar os canais em que os anúncios serão exibidos. O Google faz a intermediação entre o anunciante e os donos dos canais no YouTube que ofereceram seus espaços publicitários.

Ainda que o sistema seja automático, o anunciante consegue ter controle dos canais e até dos vídeos em que seu conteúdo será exibido, de acordo com o publicitário Paulo Motta, que trabalha com Google Ads há sete anos. “O Google permite segmentação por temas dos canais e por público-alvo. É possível escolher a faixa etária, a localização, o perfil de renda baseado em hábitos de consumo, a idade, e uma série de opções porque o Google colhe informações dos usuários para oferecer aos anunciantes”, garante. Motta diz que os gestores de uma campanha podem bloquear segmentos, canais e vídeos para assegurar que os anúncios não serão exibidos em sites de fake news e/ou de conteúdos sensíveis, como eróticos, por exemplo.

Apesar dessa possibilidade de bloqueio, anúncios da Secom foram veiculados em canais que espalharam fake news. Entre 6 de junho e 13 de julho de 2019, foram mais de 175 mil acessos aos vídeos da Nova Previdência em 11 canais desse tipo – com um faturamento de R$ 1,9 mil.

Oito deles são bolsonaristas, como, por exemplo, Bolsonaro TV, Jacaré de Tanga e Seu Mizuka, que postam vídeos alinhados ao discurso do presidente.

“A verdade pode ser assustadora!” é o título de um dos vídeos do Seu Mizuka, postado em 27 de junho do ano passado. Nele, o youtuber fala da reunião do G20, que estava prestes a ocorrer, chama os líderes mundiais de “globalistas” e acusa as Nações Unidas de querer criar movimentos separatistas dentro do Brasil.

Vídeos como esse foram precedidos por propagandas da Previdência, que atingiram mais de 18 mil visualizações através do Seu Mizuka. A cada cem visualizações, 41 pessoas clicaram no vídeo, uma taxa de interação considerada alta.

De maneira geral, considerando a taxa de interação – que pode ser um clique, um like ou um comentário – , as pessoas que assistiram aos canais de fake news se mostraram mais interessadas nos anúncios da Previdência do que as que viram vídeos de música, por exemplo. Em média, a cada cem acessos aos vídeos de desinformação, 13 se converteram em interações com os anúncios.

Um dos canais mais influentes na campanha da Nova Previdência foi o Foco do Brasil – antes chamado de “Folha do Brasil” –, que atingiu 57 mil visualizações e teve um ganho de R$ 13,70 por clique nos anúncios – totalizando um faturamento de R$ 726,25 no período. Além de publicar notícias falsas, o canal é alvo do inquérito da Procuradoria-Geral da República (PGR) que investiga a organização de atos antidemocráticos.

Com 2,18 milhões de inscritos, o canal posta vídeos de Jair Bolsonaro e de um jornal denominado JB News, que comenta as principais notícias do dia sob a ótica bolsonarista.

No seu último vídeo, denominado “Fim do Canal?”, publicado na quarta-feira (24/6), o apresentador agradece o apoio dos seguidores e ressalta de onde vem o dinheiro do canal: “Contamos com o apoio de membros e com as publicidades que o próprio YouTube veicula e que você assiste, exatamente igual ao que acontece com todo o universo de youtubers”.

Outro beneficiado com a campanha – que veiculou as propagandas 6,4 mil vezes –, o Vlog do Fernando Lisboa Replay é do mesmo autor do canal Vlog do Lisboa, que também está na mira das investigações da PGR. Em seus dois canais, Lisboa exibe fotos com o presidente Jair Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes autorizou que a PGR requisitasse ao YouTube as contas da ferramenta de anúncios do Google associadas ao Foco do Brasil e ao Vlog do Lisboa, no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos. Outros 11 canais também estão na mira.

O advogado de Fernando Lisboa, Marcos Conceição, afirmou que seu cliente respeita as instituições democráticas. “Não tem nada dele falando das instituições. Ele formula opinião em cima de matérias publicadas pelo Uol, pelo Terra, pelo Globo”, observou. Sobre os recursos recebidos com anúncios do Google para a campanha da Previdência, Conceição disse que Lisboa recebe o dinheiro dos anúncios diretamente do YouTube. “Aí ele não sabe de onde veio”, ressaltou, acrescentando que Lisboa não tem nenhum vínculo com a Secom e nunca recebeu dinheiro da secretaria. A Pública entrou em contato por e-mail com os canais DR News e Foco do Brasil, mas não obteve resposta.

Segundo o movimento Sleeping Giants, os anúncios do Google AdWords tornaram a produção de fake news “um negócio extremamente lucrativo”. O movimento tenta combater o financiamento de sites de desinformação e discurso de ódio informando as empresas de que seus anúncios estão sendo exibidos nessas plataformas e pedindo bloqueio.

O Sleeping Giants já flagrou anúncios do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (TCE-MS) e do Banco do Brasil em sites de fake news, que foram bloqueados por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU). “O dinheiro público está basicamente financiando ataques à democracia”, defende o Sleeping Giants.

Anúncios da Previdência foram veiculados em canais investigados

Além de canais de fake news, outros dois canais, entre os 500 que veicularam anúncios da Nova Previdência, são alvos de investigações na Justiça.

O canal de Renato Garcia trouxe 137 mil acessos à propaganda governamental sobre a reforma da Previdência e, com isso, recebeu R$ 1,6 mil de dinheiro público. O youtuber paranaense, que faz vídeos sobre sua rotina e suas “máquinas” (motocicletas, carros e até armas), foi preso por posse ilegal de armas, munição e drogas encontradas em sua casa em maio de 2019 – um mês antes de receber financiamento da Secom através dos anúncios. Ele pagou fiança e responde em liberdade, mas continuou produzindo três vídeos por dia para seus mais de 18 milhões de inscritos.

Ainda em 2019, Garcia publicou um vídeo em suas redes sociais para esclarecer que as drogas e armas apreendidas não pertenciam a ele. A reportagem tentou entrar em contato com o canal para esclarecimentos sobre o caso e sobre a veiculação de anúncios da Previdência, mas não teve sucesso.

Outro exemplo de canal investigado pela Justiça que recebeu dinheiro público é o Fran para Meninas, que recebeu R$ 1.084,34 por 91 mil acessos ao anúncio da Nova Previdência. O canal está sendo investigado pelo Ministério Público (MP) pelo que o Conselho Tutelar chamou de “exposição vexatória e degradante”, como revelou a revista Veja em maio deste ano.

A denúncia começou na internet, quando usuários do Twitter subiram a hashtag #SalvemBelParaMeninas, com evidências de que a menina protagonista dos vídeos, Bel, estaria sendo exposta a situações desconfortáveis por sua mãe, Francinete Peres, no processo de gravação.

Em 2016, o canal Bel para Meninas também foi alvo de investigação do MP para apurar “práticas de direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica ao público infantojuvenil”. Como resultado, o MP recomendou que o Google retirasse do YouTube todos os vídeos com publicidade de produtos infantis e protagonizados por crianças de até 12 anos.

Depois das denúncias mais recentes, os pais da criança gravaram um vídeo em que negaram a veracidade das acusações, que chamaram de “fake news” e “campanha caluniosa e difamatória”. A Pública buscou contato com os proprietários do canal, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

Pedro Hartung, coordenador do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, enfatiza a necessidade de responsabilização das empresas, plataformas e anunciantes em casos como o de Bel, que chama de trabalho artístico não autorizado. “É importante que qualquer anunciante, seja privado ou governamental, assuma a responsabilidade que tem por lei de não financiar atividades que estejam fora da legalidade, como o trabalho infantil artístico sem autorização judicial.”

Anúncios da Previdência para crianças

A maior parte dos canais que receberam os anúncios entre 6 de junho e 13 de julho de 2019 foi direcionada ao público infantil – 168 dos 500 analisados –, recebendo um total de R$ 57,1 mil de repasse, um terço do montante analisado.

Esses canais foram os que mais divulgaram as propagandas da Previdência: os vídeos da campanha se repetiram 4,5 milhões de vezes. Destas, 240 mil se converteram em cliques nos anúncios. O número corresponde a 41% de todas as interações no período.

Para Hartung, a informação de que essa campanha foi veiculada principalmente em canais infantis do YouTube causa “estranhamento”. Ele avalia que o alto número de interações em canais infantis é consequência da vulnerabilidade desse público, não uma medida da qualidade do anúncio.

“A criança ainda está entendendo como funciona o mundo digital e o próprio mundo real, em desenvolvimento inconcluso de suas capacidades de leitura crítica.”

O publicitário Paulo Motta, que diz excluir essa categoria quando veicula anúncios no Google, acredita que a Secom pode ter direcionado a campanha para esses canais em decorrência da “enorme audiência do público infantil no YouTube”. Outra explicação seria o fato de que as crianças costumam usar o celular ou dispositivo de um adulto para acessar os vídeos. “O Google entende o comportamento de consumo como sendo o do proprietário do aparelho, não o da criança. Por isso, mesmo se o usuário está vendo um desenho, o YouTube pode mostrar um anúncio da Previdência”, diz.

Os consultores legislativos da CPMI das Fake News consideram que a grande veiculação de anúncios da Previdência em canais infantis é evidência de uma “falha intensa de target”, ou seja, determinação de público-alvo.

Outra evidência dessa falha seria a presença de canais estrangeiros entre os endereços que mais receberam repasses da Secom no período analisado. Dos 168 canais infantis, 32 exibiam seu conteúdo em línguas como inglês, espanhol, coreano, árabe, russo, japonês, turco, alemão e francês. Juntos, eles receberam R$ 7,9 mil do governo. O relatório exibido à CPMI dá destaque ao canal russo Get Movies, que sozinho recebeu R$ 1,4 mil.

Quase R$ 4 mil foram destinados a canais religiosos

Canais religiosos estão em quinto lugar entre as categorias que mais veicularam anúncios da Nova Previdência no período de 6 de junho a 13 de julho. Eles trouxeram mais de 285 mil acessos para a campanha em prol da reforma da Previdência.

Dos 500 canais que mais receberam repasses, 33 eram ligados à temática religiosa (6,6%). Juntos, eles receberam R$ 3.976,50.

Só o canal do cantor gospel Leandro Borges apresentou as propagandas do governo mais de 32 mil vezes. Considerado um fenômeno da música no meio evangélico, Leandro tem mais de 2,5 milhões de inscritos na plataforma e recebeu R$ 489,20 de dinheiro público pela campanha.

De cima para baixo: cantor Leandro Borges, no centro, senador Arolde de Oliveira e abaixo, Casal Hernades (Fotos/Reprodução)

Em 2018, o cantor gravou um vídeo em que declara apoio ao senador bolsonarista Arolde de Oliveira (PSD). Arolde é dono do MK, um dos maiores grupos empresariais evangélicos do país, que inclui uma gravadora (MK Music), a MK News e outras empresas de mídia. Leandro não tem contrato com a MK Music, mas a MK News gerencia o YouTube do senador Flávio Bolsonaro, que também veiculou anúncios da Secom no período, mas poucas vezes (48). O canal é apontado entre os gastos irregulares da secretaria no relatório da CPMI das Fake News.

Entre os 500 canais mais influentes na campanha da Nova Previdência no YouTube está o da Renascer Praise. A banda gospel, ligada à igreja evangélica Renascer em Cristo, gerou mais de 5 mil visualizações para o governo por um valor de R$ 82,55. Comandada pelo apóstolo Estevam Hernandes e pela bispa Sônia Hernandes, a Renascer mantém a Rede Gospel, uma emissora de TV que recebeu R$ 402,7 mil em anúncios da Secom durante o governo Bolsonaro. A igreja acumula uma dívida de mais de R$ 30 milhões com a Receita Federal.

Pelo WhatsApp, um integrante da equipe de divulgação do cantor Leandro Borges informou que a publicidade do canal dele no YouTube “é administrada por uma empresa da Suíça chamada BELIEVE” e que “ele não tem relações com anunciantes, uma vez que esse gerenciamento é feito pela empresa”. A reportagem da Pública não conseguiu contato com a igreja Renascer em Cristo.

Agência gastou quase R$ 6 milhões em divulgação da Previdência no Google

A campanha da reforma da Previdência, que custou mais de R$ 71 milhões em diversas ações, envolveu sete agências de publicidade contratadas pelo governo. Os gastos, contudo, ficaram concentrados em uma agência, a Artplan – empresa que se tornou a maior beneficiada por contratos com a Secom na gestão atual.

Segundo a Pública apurou, o governo fechou mais de R$ 69 milhões em contratos com a Artplan para a campanha da Previdência. A agência foi a única que registrou gastos no sistema de anúncios do Google a respeito da Previdência, além de gastos no Facebook e em outras redes sociais.

Além da propaganda sobre as mudanças na Previdência, a Artplan fechou contratos para ações nas redes sociais nas campanhas de combate à violência contra a mulher e “Pátria Voluntária”, ambas ligadas ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos; e de divulgação das medidas anticrime, do Ministério da Justiça.

A proximidade da Artplan com o secretário Fabio Wajngarten já foi motivo de críticas ao governo. A Folha de S.Paulo revelou que a agência presta serviços para uma empresa da qual Wajngarten é sócio, a FW Comunicação, que tem como clientes emissoras de TV como Record e Band. Segundo a reportagem, a empresa de Wajngarten atua junto à Artplan averiguando se anúncios comprados pela agência foram efetivamente veiculados.

A Artplan já foi denunciada pelo MP por envolvimento em esquema de desvio de dinheiro, além de ter levantado suspeitas de favorecimento em licitações. A Pública questionou a agência sobre os valores gastos no sistema de anúncio do Google. A Artplan respondeu que “fez a intermediação da compra entre Secom e Google, referente ao pacote ‘Formas Inovadoras de Comunicação’”, comercializado pela plataforma, mas que “o suporte e distribuição da campanha foram executados pelo próprio Google, respaldados pelas políticas da sua plataforma”.

Além da Artplan, a Secom fechou contratos para anúncios em redes sociais com a Calia Y2, agência que, antes da gestão de Wajngarten, era a que mais recebia verbas públicas da secretaria. A Calia Y2 fechou contratos para ações em redes sociais em duas campanhas que passam imagem “positiva” do governo Bolsonaro, como revelou a Pública em reportagem, e atuou na divulgação no Google para as campanhas “Dia da Amazônia”, para “mostrar como o Brasil defende e conserva o bioma”; e “Brasil no Exterior”, para melhorar a imagem do governo Bolsonaro no exterior. Foi a empresa responsável pela “Proteger Vidas e Empregos”, em substituição à campanha “O Brasil não Pode Parar”, vetada pela Justiça. Custou R$ 5,3 milhões aos cofres públicos, por intermédio da Secom.

A reportagem questionou a Secom sobre a segmentação utilizada nos anúncios da Previdência e sobre outras campanhas veiculadas no Google, mas não obteve resposta até a data de publicação.

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