Pregadores de internet enquanto influenciadores digitais da fé: uma pesquisa de doutorado em Estudos da Mídia
Os meus interesses em pesquisar “mídia e religião” advém de dois caminhos pelos quais transitei durante minha trajetória acadêmica: paixão e estranhamento. Paixão, por realmente gostar do que pesquiso, e estranhamento, por buscar compreender aquilo que me causa desconforto enquanto um praticante religioso. Confesso que “mídia e religião”, para mim, não se resumem apenas a um tema de pesquisa, mas também é uma área de produção de sentidos da minha própria história de vida pessoal, profissional e religiosa.
E foi durante o processo de preparação para o ingresso no doutorado em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em 2019, que meu estranhamento aterrissou na atuação e produção midiatizada dos influenciadores digitais da fé a partir da plataforma do YouTube. Ao perceber muitas pessoas compartilhando nas mídias sociais os recortes de vídeos de Deive Leonardo e ao perguntar quem era este que estava sendo tão compartilhado, logo ouvi a resposta: “Trata-se de um influenciador digital”. À primeira vista, parecia um pregador idêntico aos pregadores que eu estava acostumado a ver na igreja, mas continuei a problematizar: “De fato, ele tem milhões de seguidores, mas por que ele é considerado um influenciador digital?”.
Eu sabia que era preciso aprofundar o meu olhar para e no fenômeno da pregação midiática e midiatizada, de modo a não cair na superficialidade das nomenclaturas, dentre elas a “de internet”. A partir disso, comecei a pensar nos pregadores de internet, não como uma pessoa que não fosse uma pregadora de fato, mas como uma nova categoria em ascensão no mercado de pregações evangélicas (Côrtes, 2014).
Os pregadores evangélicos começaram a ocupar a internet como mais um ambiente de atuação, pregando da mesma forma que pregavam nas ruas, nas praças e nos templos. A esses pregadores, eu os chamo de “pregadores na internet”. Enquanto o pregador tradicional sempre foi um importante agente religioso com bastante influência em seu campo específico, os pregadores de internet consolidam suas influências desde a ambiência digital e conseguem atrair a atenção de pessoas além do campo religioso tradicional. Isso ficou bastante evidente no contexto da pandemia de covid-19, onde a atuação dos pregadores havia se expandido para além de suas dimensões religiosas. Portanto, o pregador de internet se torna um influenciador digital da fé, porque seu lugar de influência, através de suas respectivas pregações, se constitui a partir do ambiente digital.
Foi exatamente neste lugar analítico (pregadores na internet x pregadores de internet) que ancorei minha tese enquanto resultado de uma pesquisa de doutoramento orientada pela Profª. Dra. Luciana Miranda Costa (UFRN) e coorientada pelo Prof. Dr. Luís Mauro Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero).
Na pesquisa, objetivei contribuir com os estudos de mídia e religião, oferecendo uma perspectiva comunicacional midiática que, em vez de enfatizar o uso das plataformas digitais por parte dos pregadores, privilegiou a compreensão da dimensão de produção de conteúdo midiático-religioso de Deive Leonardo e do pastor Antônio Júnior.
Foi a partir da análise dos dados empíricos, mapeando as processualidades midiatizadas dos pregadores de internet, que cheguei à conclusão de que a midiatização da religião possibilita processos de profissionalização da pregação, resultando na influência digital da fé evangélica. Destaco que não tive interesse em discutir questões teológicas da pregação. O que, de fato, me interessou foi a análise da profissionalização midiatizada de um fenômeno religioso de pregação de internet.
A tese contempla quatro objetivos que estão distribuídos entre os capítulos, a saber:
1. A identificação da escalada de profissionalização dos pregadores-itinerantes (categoria de pregadores que não se define a partir de um lugar fixo na atuação de suas pregações) aos pregadores de internet;
2. a contextualização do fenômeno da pregação de internet potencializada pelos processos de midiatização, resultando em influência digital da fé;
3. o aprofundamento das categorias de pregadores na internet e pregadores de internet, identificando aproximações e distanciamentos entre eles;
4. e o estudo de caso das processualidades midiatizadas presentes na produção de conteúdo de Deive Leonardo e do pastor Antônio Júnior em seus respectivos canais no YouTube.
A crise das instituições tradicionais, a dinâmica de midiatização da sociedade e a consolidação da cultura da conexão digital se transformaram em contextos fundamentais para a ascensão dos pregadores de internet. Há em curso uma nova racionalidade religiosa em nossos dias, moldada por processualidades midiatizadas, a partir da própria operacionalização da mensagem, que deixou de ser transmitida via meios de comunicação, como acontecia no século XX, para ser a constituição de um novo modo de praticar a fé.
Se interessou em ler a tese? Acesse qualquer um dos links: https://repositorio.ufrn.br/items/6b39ded5-6e21-4a4d-81e4-0d76262d6dce ou https://drive.google.com/file/d/1vY4DmmTitlhGY6VVCmPRRhc8IFRgdewG/view?us p=sharing
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Referência:
CÔRTES, Mariana. O mercado pentecostal de pregações e testemunhos: formas de
gestão do sofrimento. Religião & Sociedade, [S.L.], v. 34, n. 2, p. 184-209, dez. 2014.
FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1984-04382014000200010.
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Imagem de Capa: reprodução/ Youtube