Deputada evangélica defende submissão feminina e propõe sessão solene só de homens

* Matéria atualizada em 19/04/2024 às 09:50 para ajuste de texto

No último 17 de abril, a fala da deputada evangélica do Estado do Maranhão Mical Damasceno (PSD) viralizou em diversos sites pelo conteúdo inusitado. Nessa data, ela propôs uma sessão solene da Assembleia Legislativa local composta somente de parlamentares homens em homenagem ao tema da “família”. Bereia checou o caso.

Quem é a deputada estadual Mical Damasceno?

Mical Silva Damasceno, 53 anos, nasceu em Anajatuba (MA), e reside no município de Viana (MA). Foi reeleita deputada estadual, pelo Partido Social Democrático (PSD), em 2022, com 52123 votos.

Damasceno iniciou a trajetória política como candidata à Assembleia Legislativa pelo Partido Social Democrata Cristão (PSDC), em 2014, ficando como suplente. Em 2018, foi eleita deputada estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) com 30.693 votos, sendo a mais votada da coligação.Suas bandeiras políticas são a defesa da família, a saúde, a assistência social e a segurança pública, tendo forte apoio no segmento evangélico.

A parlamentar nasceu em uma família evangélica. O pai é pastor da Assembleia de Deus, no bairro Viana (Baixada Maranhense, Grande São Luis).

 Imagem: reprodução do Youtube (Canal TV Assembleia Maranhão)

A proposta da deputada

De acordo com os registros da Assembleia Legislativa do Maranhão, Mical Damasceno pediu a palavra à presidente da sessão, a deputada Iracema Vale (PSB), para compartilhar “uma ideia que havia em seu coração”, que acreditava ser de “procedência divina”, desviando o prosseguimento dos trabalhos da Assembleia Legislativa. 

Ao tomar a palavra, a deputada fez alusão ao Dia da Família na Assembleia Legislativa, que é comemorado em 15 de maio, a deputada sugeriu que apenas deputados homens participassem da sessão da Assembleia Legislativa nesse dia. Segundo Mical Damasceno, a proposta se explica porque são os homens os responsáveis pela família, fazendo referência a Jesus Cristo, que é “cabeça da igreja”.

Da Tribuna, a deputada declarou: 

“Eu tenho a alegria, a felicidade… nós comemoramos o Dia da Família em 15 de maio. E aí, veio uma ideia em meu coração que eu acredito que seja divina, de nós fazermos uma sessão solene aqui mas somente com homens. Pra mostrar a sociedade quem o cabeça da família é o homem. Então nós vamos encher esse plenário aqui no dia 15 de maio de ‘macho’. A mulher tem que entender que ela deve submissão ao marido. Doa a quem doer. As feministas defendem que tem esse direito de igualdade, elas querem estar sempre numa guerra contra o homem. (…) quem é o cabeça da família é o homem, assim como Cristo é o cabeça da igreja, então vai ser lindo para a glória do Senhor Jesus (…). Nós vamos encher esse plenário de homem, de ‘macho’, pra dizer que ele representa essa instituição…a primeira instituição criada por Deus”. (Transcrição: Canal TV Assembleia Maranhão)

A presidente da sessão não considerou a proposta de Damasceno pois estava fora do tema da sessão em exercício.

Esta não foi a primeira vez em que a parlamentar se envolveu em situações polêmicas. Em setembro de 2023, Mical Silva Damasceno esteve envolvida em um caso de intolerância religiosa. Ela discutiu com líderes de religiões de matriz africana durante uma sessão extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para discutir casos de racismo religioso. À época, ela era parte do grupo que foi acusado de atacar o terreiro de mina “Ilê Axé Oxum Ôpara”, que fica no bairro Itapera de Maracanã, na zona rural de São Luís (MA).

Atuação política

A atuação política da parlamentar é orientada para os temas próprios da extrema-direita, ligados à “defesa da família e dos valores cristãos”, como as questões relacionadas à pauta de gênero, defesa da propriedade privada, saúde, educação e projetos que tornam iniciativas de igrejas evangélicas como utilidade pública. Apoiadora declarada do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ficou entre os dez deputados estaduais mais votados na ocasião.

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Bereia classifica a fala da parlamentar como verdadeira. A gravação da fala de Mical Damasceno na Tribuna da Assembleia Legislativa do Maranhão comprova o que foi viralizado em mídias sociais em 17 de abril. A proposta da deputada evangélica, de delegar a deputados homens a homenagem à família, em sessão especial, por serem “cabeças” da instituição, é inusitada porém é coerente com as pautas expostas por políticos cristãos alinhados ao extremismo de direita.

Referências de checagem:

Uol Notícias. https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/04/17/deputada-maranhao-dia-da-familia-homens.htm Acesso em 18 ABR 24

Blog Jorge Vieira. https://www.blogjorgevieira.com/mical-damasceno-e-ameacada-de-cassacao-por-apoiar-ataques-em-brasilia/ Acesso em 18 ABR 24

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/mulher-e-submissa-deputada-propoe-sessao-so-com-homens-no-maranhao Acesso em 18 ABR 24

Portal G1. https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2023/09/15/apos-defender-igreja-deputada-discute-com-integrantes-de-religiao-de-matriz-africana-durante-sessao-parlamentar-no-ma.ghtml  Acesso em 18 ABR 24

Folha de Pernambuco. https://www.folhape.com.br/politica/saiba-quem-e-a-deputada-do-maranhao-que-sugeriu-sessao-do-dia-da/330291/ Acesso em 18 ABR 24

União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais. https://bancodeleis.unale.org/ Acesso em 18 ABR 24

Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão.

https://sapl.al.ma.leg.br/  Acesso em 18 ABR 24

https://www.al.ma.leg.br/noticias/47563#:~:text=A%20deputada%20Mical%20Damasceno%20(PSD,urbanas%20e%20rurais%20no%20Maranh%C3%A3o. Acesso em 18 ABR 24

https://www.al.ma.leg.br/deputado/mical-damasceno Acesso em 18 ABR 24

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=IbnobK9Y3Bc&t=749s Acesso em 18 ABR 24

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Foto de capa: Youtube

Matérias sobre projeto de lei que inclui leitura da Bíblia para redução de pena são imprecisas

No dia 10 de agosto, foi aprovado na Assembleia Legislativa do Maranhão (Alema) o Projeto de Lei n. 281/2019 que insere a Bíblia como livro obrigatório no acervo bibliográfico indicado pela Comissão de Remição pela Leitura. O documento acrescenta dispositivos à Lei Estadual 10.606/2017 que institui o Projeto “Remição pela Leitura” no âmbito das penitenciárias do Maranhão. A proposta foi apresentada pela deputada estadual Mical Damasceno (PTB) e aprovada com a totalidade dos votos dos parlamentares presentes.

Alguns veículos como o G1, Noca portal de credibilidade e o portal evangélico CPAD News publicaram manchetes semelhantes à “Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia”. Os sites não esclareceram, porém, se essa leitura era obrigatória ou se havia outros livros passíveis de ser escolhidos pelos detentos.

Originalmente, o projeto oferece ao detento a oportunidade de reduzir parte da pena pela leitura mensal de uma obra literária, clássica, científica ou filosófica, entre outras, que são previamente escolhidas pela Comissão de Remição pela Leitura, e pela elaboração de relatório ou resenha. Em artigo intitulado “Projeto Remição pela Leitura: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização”, Jaciara Marques Galvão Silva e Francinete Costa Primo comentam que o acervo é composto por livros didáticos, Bíblias e outras obras religiosas, da área de educação, dicionários e muitos paradidáticos, a maioria literatura brasileira. Isto é, não é apenas a Bíblia que está disponível para a remição de pena, e sim também a Bíblia.

Além disso, de acordo com o artigo décimo do documento do PL de origem, de 2017, “A participação do interno custodiado alfabetizado no Projeto Remição pela Leitura será voluntária, mediante inscrição no setor pedagógico ou social do Estabelecimento Penal”. O artigo 12 acrescenta: “O interno custodiado alfabetizado poderá escolher somente uma obra literária dentre os títulos selecionados para leitura e elaboração de um relatório de leitura ou resenha, a cada trinta dias”. Portanto, a proposta de leitura aos detentos, além de voluntária, é opcional, o acréscimo da Bíblia no acervo não induz a obrigatoriedade da leitura, e sim disponibiliza a opção de escolhê-la.

O PL 281/2019 não foi disponibilizado na plataforma de leis e projetos em votação da Assembleia Legislativa do Maranhão até o fechamento desta matéria. O Coletivo Bereia entrou em contato com o gabinete da deputada Mical Damasceno e conseguiu acesso à íntegra do documento aprovado recentemente. De acordo com o texto, não há indício algum de que a Bíblia seja o único livro que pode ser lido para reduzir a pena. É possível conferir o documento abaixo.

Laicidade e estímulo à leitura

“É importante ressaltar, ainda, que o presente projeto não fere o Estado Laico, pois a leitura da Bíblia não está sendo imposta. O que se pretende aqui é garantir o direito de leitura deste livro tão importante. A Bíblia, além de ser o livro mais lido no mundo, tem sido agente transformador e possui maior influência do que qualquer outro semelhante”, explica a deputada Mical Damasceno, autora e precursora do projeto. Não consta no PL imposição da Bíblia aos detentos, no entanto pode haver interesse em estimular a leitura, considerando que o projeto prevê a obrigatoriedade no acervo.

No fim do documento do PL 281/2019, na seção de justificativa, pode-se notar que a deputada Mical Damasceno trouxe uma explicação compatível com a sua crença: “A Bíblia é a única Escritura sagrada que oferece salvação eterna como um dom totalmente gratuito da graça e da misericórdia de Deus. Contém os mais elevados padrões morais dentre todos os livros. Somente a Bíblia apresenta o mais realístico ponto de vista sobre a natureza humana, tem o poder de convencer as pessoas de seus pecados e a habilidade de transformar a natureza humana. Ela oferece uma solução realística e permanente para o problema do mal e do pecado humano”, justifica ela.

De acordo com o dispositivo legal, sendo a Bíblia a obra literária escolhida, esta será dividida em 39 livros (Velho Testamento) e 27 livros (Novo Testamento), considerando-se assim a leitura de cada um deles como uma obra concluída.

Medida similar em São Paulo

Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) foi adotada medida similar. Segundo o Projeto de Lei n. 390/2017, as Escrituras também seriam divididas em 66 livros – 39 do Velho Testamento e 27 do Novo Testamento. Porém, o projeto foi vetado em fevereiro deste ano por ser considerado inconstitucional sob o argumento de que legislação penal é de competência do Senado e da Câmara, e não da Alesp como prevê a Constituição.

Em São Paulo, na época da aprovação do PL, em meados de 2018, houve um questionamento sobre a laicidade. O professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDPSP), Conrado Gontijo, relatou que o projeto esbarra na escolha da recomendação da Bíblia como livro indicado para leitura. “O Estado brasileiro é laico. Você não pode beneficiar alguém por ler a Bíblia e tirar o benefício de outra pessoa ler outro livro de sua religião”, diz ele.

O professor acrescentou que a ideia do projeto não era ruim, “mas a forma que foi feita é completamente equivocada. O projeto cria um estímulo quase impossível de resistir por causa do benefício e acaba preterindo outros materiais que do ponto de vista de socialização talvez sejam mais interessantes”. Mesmo que Gontijo tenha comentado sobre o caso paulista, é um questionamento que também se encaixa na medida maranhense, visto que os PLs são praticamente idênticos.

Por outro lado, a Bíblia é uma coleção de livros religiosos de aproximadamente 1.500 páginas. Se for considerá-la como uma obra literária só, seria de fato muito grande em comparação com outras. Dada a extensão, a já comum divisão em livros com quantidades menores de páginas é um facilitador para que os detentos possam escolher o livro religioso.

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Bereia classifica as matérias que divulgam o PL 281/2019 como imprecisas por oferecerem conteúdos verdadeiros, porém sem considerar as diferentes perspectivas e não contextualizar a situação explicando que os livros da Bíblia são apenas parte do acervo que pode ser lido pelos detentos em progressão de pena.

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências de checagem

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Aprovado PL que insere a Bíblia como livro obrigatório na remição de pena. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/40250. Acesso em: 13 ago 2020.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Deputada Mical apresenta projeto que inclui a Bíblia no acervo bibliográfico do projeto “Remissão pela Leitura”. Disponível em: https://www.al.ma.leg.br/noticias/38497. Acesso em: 13 ago 2020.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MARANHÃO. Lei n. 10.606, de 30 de junho de 2017. Disponível em: http://arquivos.al.ma.leg.br:8080/ged/legislacao/LEI_10606. Acesso em: 13 ago 2020.

PROJETO REMIÇÃO PELA LEITURA: atuação das bibliotecárias da Universidade Federal do Maranhão – Campus Grajaú na Unidade Prisional de Ressocialização. Disponível em: https://portal.febab.org.br/anais/article/download/2192/2193. Acesso em: 13 ago 2020.

G1 Maranhão. Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/08/11/assembleia-de-ma-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-livros-da-biblia.ghtml. Acesso em: 13 ago 2020.

CPAD News. Deputados do Maranhão aprovam projeto de redução da pena de presos que lerem a Bíblia. Disponível em: http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/51238/deputados-do-maranhao-aprovam-projeto-de-reducao-da-pena-de-presos-que-lerem-a-biblia.html. Acesso em: 13 ago 2020.

NOCA. Assembleia Legislativa do MA aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://www.noca.com.br/noticia/50055-assembleia-legislativa-do-ma-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-livros-da-biblia. Acesso em: 13 ago 2020.

G1 São Paulo. Assembleia de SP aprova projeto que diminui pena de presos que lerem livros da Bíblia. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/assembleia-legislativa-de-sp-aprova-projeto-que-diminui-pena-de-presos-que-lerem-a-biblia.ghtml. Acesso em: 13 ago 2020.

Folha de S.Paulo. Justiça de SP derruba lei que permitia a preso diminuir pena com leitura da Bíblia. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/02/justica-de-sp-derruba-lei-que-permitia-a-preso-diminuir-pena-com-leitura-da-biblia.shtml. Acesso em: 13 ago 2020.