Jornais geram desinformação com declaração de pastor sobre oração e milagres viralizada nas redes

* Matéria atualizada em 02/07/2024 às 08:00 para correção de informações

O portal de notícias Metrópoles publicou, em 19 de junho, matéria sobre a declaração de um pastor evangélico, que teria afirmado fazer uma mulher obesa emagrecer instantaneamente. O jornal também divulgou o trecho do vídeo, em que o líder religioso faz a declaração, no perfil oficial do veículo de comunicação no X, antigo Twitter, em 21 de junho.

O jornal DCM repercutiu o vídeo publicado pelo Metrópoles no X, em matéria em seu portal oficial, ainda em 21 de junho. O Globo também noticiou a viralização do vídeo com a declaração do pastor, em 20 de junho, sob o título: “Ozempic cristão? Pastor viraliza ao dizer que mulher perdeu 23kg após oração: ‘tiveram que segurar a saia dela para não cair’”. Bereia analisou o conteúdo gerado pela imprensa acerca do caso. 

Imagem: reprodução DCM

Declaração do pastor e redes digitais

O vídeo em questão é um extrato de entrevista do pastor Célio Rosa da Silva ao programa POD Acreditar, transmitido pelo canal da baixada cuiabana (MT), TV Capital, e apresentado por Michelly Alencar, em 4 de maio último. Na entrevista, o pastor relatou suas experiências espirituais, incluindo alguns milagres realizados, segundo ele. 

O  recorte da gravação da entrevista com o pastor Célio Rosa viralizou nas redes digitais, em 19 de junho, com as afirmações do pastor sobre situações em que suas orações resultaram no emagrecimento imediato de duas fiéis com quadro de obesidade.

Imagem: reprodução YouTube

Célio Rosa conta dois casos em que ele teria curado a obesidade de forma instantânea. “A filha do pastor tinha um problema de obesidade. Quando eu orei por ela, tiveram que segurar a saia dela, porque senão a saia caía”. Indagado pela entrevistadora, o pastor confirmou que o emagrecimento foi “na hora”.

No segundo caso, Célio Rosa diz: “Em Maringá, eu orei para (sic) uma mulher que emagreceu 23Kg na hora. Eu estou falando para você, eu já vi coisas nesses trinta anos”. A apresentadora chega a rir do “milagre do emagrecimento”, mas não contesta os relatos. 

Depois de viralizado, o recorte também foi publicado na página oficial da igreja Ministério Pescador Sal para Terra no TikTok, e alcançou mais de três mil visualizações.

Imagem: reprodução TikTok

Pastor Célio Rosa e Ministério O Pescador Sal da Terra

De acordo com texto publicado pela Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso (ALMT), Célio Rosa da Silva passou a atuar como pastor em 1997, quando fundou o Ministério Sal da Terra, em Rondonópolis (MT). A informação foi divulgada pelo site, em 2010, em meio ao pedido apresentado pelo então deputado estadual Hermínio J. Barreto (PR), para conceder título de cidadania matogrossense ao pastor.

O texto aponta ainda que o líder religioso se estabeleceu como pescador profissional em Rondonópolis, em 1981, função que exerceu até 1999. Segundo a ALMT, Célio Rosa é natural de Ivolândia (GO).

Imagem: reprodução portal da ALMT

Conforme contou na entrevista ao POD Acreditar, antes de se dedicar às pregações, ele era um pescador de origem humilde, sem eletrodomésticos em casa e analfabeto. Um dos milagres a que faz referência teria acontecido com ele mesmo, aos sete meses de idade, quando a mãe o teria deixado aos cuidados de um irmão ainda mais novo:

 “Eu morri, literalmente. Eu engasguei e quando minha mãe chegou em casa eu estava morto (…) eu não tinha respiração”, relatou.   

Ao longo da entrevista, Célio Rosa conta outros milagres por ele realizados, como a cura do câncer. “Na Suíça (…) eu chegava para a pessoa [com câncer] e falava ‘em nome de Jesus, joga esse câncer aqui dentro’, e a pessoa vomitava o câncer ali dentro”.

Imagem: reprodução YouTube

O pastor também conta sobre um caso de ressurreição. Na ocasião, Célio Rosa teria conhecido uma mulher grávida que perdeu o filho antes do nascimento e passaria pelos procedimentos médicos para retirada do feto, morto havia quatro dias. Antes que a mulher desse entrada no hospital, Rosa teria feito a criança voltar à vida, mesmo após atestados médicos de morte.

A lista de milagres operados por intermédio do pastor Célio Rosa, segundo ele,  é longa. Além da cura da obesidade, da cura do câncer e da ressurreição, o pastor relata casos como o de um cego que teria voltado a enxergar, um paralítico que teria voltado a andar e a cura de uma lesão óssea em uma idosa.

No Instagram, o pastor publica conteúdos de pregações e milagres que teria realizado. A origem pobre contrasta com os discursos de prosperidade, frequentes em seus discursos atuais. Em 27 de abril, o pastor publicou um vídeo em que promove sua imagem em um telão na Times Square, um dos principais centros comerciais de Nova York, nos Estados Unidos.

Imagem: reprodução Instagram

Repercussão da declaração pela imprensa

A matéria publicada pelo Metrópole, com o título “Pastor diz que fez mulher obesa emagrecer “na hora” com oração. Vídeo”, noticia a viralização do discurso do pastor, identifica o líder religioso, reproduz as falas de Célio Rosa e ressalta que o pastor não apresentou provas de suas afirmações. 

Com uma chamada apelativa, o jornal O Globo fez associação do feito declarado pelo pastor com o remédio Ozempic. O medicamento injetável foi desenvolvido para diabetes, mas também é utilizado por algumas pessoas que desejam perder peso para inibição de apetite, apesar de não haver indicação médica oficial para tal uso. Nos últimos meses o remédio foi razão de alguns debates públicos no Brasil. O texto segue o mesmo caminho do Metrópole, mas aproveitou o assunto para tratar do tema da obesidade, com a apresentação de alguns dados. 

Imagem: reprodução O Globo

Já  a publicação do jornal DCM (Diário do Centro do Mundo), traz um título que não atribui a oração milagrosa diretamente ao pastor. Apesar de explicar a origem da informação e identificar o líder religioso, apresenta os casos citados pelo pastor como um único caso, e direciona o leitor para a publicação do trecho de vídeo feita pelo Metrópoles no antigo Twitter. 

Críticas à cobertura enviesada 

Bereia ouviu profissionais de saúde para compreender os efeitos deste tipo de informação sobre o público.  A psicóloga Márcia Guinâncio explica que ao apresentar apenas o trecho com a fala do pastor sobre milagres, os veículos de imprensa ignoraram o valor da oração para o cristão. Segundo ela, a oração possibilita a conexão com o sagrado e a espiritualidade. “A matéria gera desinformação para o próprio cristão, ao sustentar a cura milagrosa da obesidade e, ao mesmo tempo, alimenta uma visão distorcida sobre evangélicos, sua fé e o valor da oração como forma de aproximação com Deus”, afirma Guinâncio. 

Em sua interpretação, a enfermeira, mestre em educação e doutora em Ciências da Saúde Janize Maia, as matérias foram produzidas de “forma sarcástica, sem uma preocupação com a qualidade da informação passada e o que estava sendo propagado, justamente por não acreditarem no que estavam divulgando, ou seja, foram parciais demonstrando a sua incredulidade no conteúdo”. 

Maia destacou ainda que da forma como as notícias foram veiculadas, o impacto tem sido significativamente negativo sobre as pessoas com problemas de saúde, e expõe, inclusive, as pessoas que se denominam evangélicas e que vivem uma espiritualidade sadia.

Imagem: reprodução Metrópoles

Já o pastor batista Irenio Chaves, identificou “uma certa dose de ironia” na abordagem dos textos noticiosos. “É difícil vencer a obesidade. A busca de soluções fáceis tem sido procurada por várias pessoas, com dietas mágicas, emagrecimento sem esforço e até procedimentos estéticos. O lado da ironia é que o milagre religioso seria mais uma dessas fórmulas mágicas e fantasiosas”, explica Chaves.

No entanto, o pastor alerta que é preciso ter um olhar crítico sobre a atuação de religiosos que vendem a imagem de poder, de unção e de capacidade espiritual por conta dos milagres anunciados. “Num país em que a população padece com a dificuldade de acesso aos recursos de saúde pública, ainda mais num tempo em que há um crescente movimento para se negar a ciência, essa atitude transforma a religião num verdadeiro mercado de milagres”, reforça.

Márcia Guinâncio aponta também para o fato que não contextualizar ou problematizar questões ligadas à obesidade nestes tipos de conteúdo, reforça diversos preconceitos. “Conceitos como obesidade e excesso de peso nos remete à preocupação com aquilo que entendemos como ‘ter saúde’, que pode se modificar em virtude de constantes pesquisas, e com o que em cada tempo histórico se estabelece como o corpo desejado. Não corresponder ao estabelecido, ao padrão, impulsiona preconceitos, que afetam a autoestima das pessoas, que não se enquadram no modelo ‘ideal’ de corpo”.

Bereia alerta para que leitores e leitoras invistam no consumo de conteúdos que apresentem apuração suficiente para contextualizar sobre as circunstâncias em que os fatos ocorreram. Nenhuma das matérias publicadas ofereceu detalhes sobre as declarações, versões ou mesmo crença do pastor e das fiéis. Possíveis testemunhas,demais pessoas envolvidas nos casos e especialistas sobre religião e saúde não foram ouvidas para o propósito de informar. As publicações foram feitas em momento na qual lideranças evangélicas estiveram em evidência no noticiário político, conjuntura que se faz propícia para compartilhamentos em redes digitais sobre o segmento religioso, e gerar visibilidade para os portais de notícias. 

Referências de checagem:

O Globo

https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/06/20/ozempic-cristao-pastor-viraliza-ao-dizer-que-mulher-perdeu-23kg-apos-oracao-tiveram-que-segurar-a-saia-dela-para-nao-cair.ghtml Acesso em: 23 jun 2024

X – Metrópoles

https://x.com/Metropoles/status/1804027719610515504 Acesso em: 23 jun 2024

Instagram

https://www.instagram.com/celiorosaopescador/ Acesso em: 23 jun 2024

https://www.instagram.com/opescadorsaldaterra/ Acesso em: 23 jun 2024

Diário do Centro do Mundo

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/video-mulher-orou-e-por-isso-perdeu-23kg-garante-pastor/ Acesso em: 23 jun 2024

YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=RqzRqu-__yY&ab_channel=PODAcreditar Acesso em: 23 jun 2024

TikTok

https://www.tiktok.com/@opescadorsaldaterra/video/7377845037905759494?lang=pt-BR Acesso em: 24 jun 2024

Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso

https://www.al.mt.gov.br/midia/texto/pastor-da-igreja-sal-da-terra-sera-homenageado-na-al/visualizar Acesso em: 26 jun 2024

Portal de notícias produz conteúdo enganoso e alimenta pânico moral sobre garantia de direitos a transexuais no SUS

Circula em espaços digitais religiosos, conteúdo publicado pelo portal de notícias Metrópoles  com a informação de que o governo federal havia mudado a classificação de gênero “para operar pênis e vagina no SUS”. O texto, publicado em 20 de maio, assinado pelo colunista Paulo Cappelli, se refere às mudanças na classificação de gênero aprovadas pelo Ministério da Saúde, que possibilitam o acesso de pessoas transexuais a mais de 200 procedimentos de saúde na tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). 

A matéria destaca que “exames e cirurgias na vagina, por exemplo, agora poderão ser realizados também em pessoas do sexo masculino. O mesmo vale para exames e cirurgias no pênis, que poderão ser feitos em pessoas do sexo feminino”. 

Imagem: Reprodução do site Metrópoles

Outros sites foram pelo mesmo caminho editorial adotado pelo portal brasiliense e publicaram manchetes semelhantes. 

Imagem: Reprodução do site do jornal O Liberal 

Imagem: Reprodução do site Poder 360

Imagem: Reprodução do site da Revista Oeste

Repercussão

No mesmo dia, políticos e influenciadores vinculados à extrema direita publicaram em suas redes sociais a reprodução do site Metrópoles e criticaram o governo pela decisão. Os senadores evangélicos Flávio Bolsonaro e Magno Malta acusaram o presidente Luís Inácio Lula da Silva de tentar destruir as famílias. “Para Lula, o importante mesmo é desconstruir a família brasileira, atacar sua liberdade”, escreveu Flávio Bolsonaro na publicação. O deputado federal Nikolas Ferreira, por sua vez, ressaltou a falta de coerência do governo ao fazer essa mudança “em um período tão crítico do SUS”.  

Já a suplente de deputada estadual do PL/SP, empresária e influenciadora, Juciane Cunha , demonstra desconhecer que o SUS já realiza cirurgias de redesignação sexual, conhecida como cirurgia de mudança de sexo, desde 2010 em mulheres trans e, desde 2019, em homens trans. Ela acusa o governo de ter promovido esse tipo de cirurgia a partir de agora. “Com tantas coisas acontecendo nesse país, com o sistema único de saúde falido, o governo Lula resolve se preocupar com mais essa: se a pessoa vai operar para ela tirar o pênis, ou se ela vai continuar”, disse Cunha, com demonstração de ignorância do que trata, de fato, a mudança implementada pelo governo. 

Imagem: Reprodução do perfil no Instagram do deputado Flávio Bolsonaro

Imagem: Reprodução do perfil do senador Magno Malta

Imagem: Reprodução do perfil da empresária e influenciadora Juciane Cunha

Imagem: Reprodução do perfil do deputado federal Nikolas Ferreira

A mudança aprovada pelo Ministério da Saúde, em 14 de maio, também foi noticiada em outros veículos de comunicação como a CNN e o G1. Estes também apontam para a relação do Partido dos Trabalhadores (PT) com o tema, mas diferente dos sites e dos perfis vinculados ao extremismo de direita, explicam a importância da medida e não a vinculam ao governo Lula.

Imagem: Reprodução do site da CNN

O que, de fato, mudou?

A Portaria nº 1.693, publicada no Diário Oficial da União, em 14 de maio passado, foi proposta pela Secretaria de Atenção Especializada à Saúde, do Ministério da Saúde (SAES/MS). A medida prevê a mudança de 269 procedimentos da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde (SUS) que passam a ser disponíveis e acessíveis a todas as pessoas independente do sexo. Com a Portaria, homens e mulheres vão poder fazer vários tratamentos e exames que antes tinham restrição de gênero.

A alteração, concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, , foi feita no contexto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº787/DF, protocolada na Corte pelo PT, com o objetivo de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público. Ao propor a ADPF, o PT que se baseia em episódios nos quais pessoas transexuais tiveram dificuldade de acesso aos serviços de saúde, após retificarem a informação quanto ao sexo em seus documentos civis. 

Em nota pública, o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ esclarece a função da portaria e os motivos de sua criação. O Conselho Federal de Farmácia também noticiou a mudança e apontou que, na ADPF, o PT deu destaque para medidas restritivas tomadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que ferem os direitos das pessoas transexuais. “Neste sentido, consideramos a referida portaria um importante avanço na garantia dos direitos da comunidade transexual e travesti, ao assegurar o direito à saúde conforme previsto na Carta dos Princípios dos Usuários do SUS e na Constituição Federal. Pessoas transexuais e travestis têm direito a uma saúde de qualidade, universal e que atenda às suas necessidades”, disse, na nota, a presidente do Conselho Janaina Oliveira.

As mudanças permitem que pessoas transmasculinas – homens transexuais com útero, ovários e vagina -, travestis e mulheres transexuais – com testículos, próstata e pênis – tenham acesso a procedimentos como a redesignação sexual, tratamentos contra câncer, acompanhamento de gravidez, procedimentos de contracepção e esterilização. Antes da portaria, uma pessoa que tinha a identidade como feminina, não podia, por exemplo, passar por exames de próstata, ainda que tivesse mantido a região íntima. Da mesma forma, um homem trans que não tivesse feito a cirurgia de retirada do útero, poderia ter dificuldade para acessar tratamentos no órgão.

Apesar de o documento incluir cirurgias de redesignação sexual como a construção de vagina e amputação peniana, esses procedimentos são realizados pelo SUS desde 2008, mesmo que nem sempre possam ser efetuados devido à falta de recursos para atender a demanda.

Direitos de Pessoas Transexuais

Estima-se que no Brasil, quatro milhões de pessoas sejam transgêneras ou não binárias, conforme dados do Banco Mundial. De acordo com o Ministério da Saúde, inicialmente, o SUS incorporava usuários LGBTQIA+ apenas em políticas de  prevenção e tratamento à Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). A Portaria nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011, instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT). Já com a edição da Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013, a pasta redefiniu e ampliou a cobertura do SUS para essa população. 

“O regramento prevê a habilitação de estabelecimentos de saúde na modalidade ambulatorial e hospitalar, garantindo a integralidade do cuidado para as pessoas trans. Os serviços ambulatoriais devem oferecer acompanhamento clínico, pré e pós-operatório, além da hormonização, realizados por uma equipe multiprofissional”, explica a Coordenação-Geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde

A Organização Mundial de Saúde (OMS) oficializou, em 21 de maio de 2019, a retirada da classificação da transexualidade como transtorno mental da 11º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID), durante a 72º Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra.

Em 2022, no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), uma portaria do Ministério da Saúde (nº 4.700, de 29 de dezembro de 2022) alterou os critérios para a cirurgia de redesignação sexual e construção da neovagina. “Para passar pela intervenção há critérios, é preciso ter mais de 21 anos e ter passado pelo acompanhamento clínico e hormonal por dois anos, sendo que esse último é autorizado no SUS a partir dos 18 anos de idade”, ressalta a Coordenação-Geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde.

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Bereia verificou que o conteúdo do portal de notícias Metrópoles, utilizado por grupos religiosos em espaços digitais, é enganoso. Ele distorce informações verdadeiras  e promove o aumento do número de visualizações da página da coluna de Paulo Cappelli. É o chamado clickbait – tática usada na internet para gerar amplitude de tráfego online, por meio de conteúdos enganosos ou sensacionalistas. 

A estratégia usada pelo colunista gerou inúmeros compartilhamentos em perfis e sites da extrema direita que usam frequentemente o tema  sensível e causam comoção em seu público, com uso do pânico moral.

Como Bereia já publicou, segundo o pesquisador Richard Miskolci no artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, a construção de bases políticas conservadoras e de extrema direita, e a adesão a elas, têm sido conquistadas por meio do pânico moral, da retórica do medo, para gerar insegurança e promover afetos. 

Pânicos morais são fenômenos que emergem em situações nas quais sociedades reagem a determinadas circunstâncias e a identidades sociais que presumem representarem alguma forma de perigo. São a forma como a mídia, a opinião pública e os agentes de controle social reagem a determinados rompimentos de padrões normativos e, ao se sentirem ameaçados, tendem a concordar que “algo deveria ser feito” a respeito dessas circunstâncias e dessas identidades sociais ameaçadoras. O pânico moral fica plenamente caracterizado quando a preocupação aumenta em desproporção ao perigo real e geral.

Pesquisas científicas, como a de Richard Miskolci, indicam a circulação de intensa quantidade de material desinformativo, baseado em pânico moral e medo para disseminação de conteúdos que se revertem em apoio a grupos políticos de extrema direita, o que se pode identificar na forma como se explora politicamente o tema tratado nesta matéria.

A informação que deveria ter sido ressaltada, entretanto, é a que o noticiário em geral destacou: “Ministério da Saúde muda classificação de gênero em tratamentos para ampliar acesso a transexuais”, como na manchete do G1. O texto retrata a verdade sobre a portaria, conforme descrito ao longo desta matéria do Bereia. 

Bereia condena qualquer forma de diluir informações tão importantes para o direito de cidadãos e cidadãs LGBTQIA+ a uma ideia sensacionalista de que este público só está interessado em cirurgias de mudança de sexo, já realizadas no SUS desde 2008. A Portaria em questão garante o acesso a direitos que estavam sendo cerceados por uma questão de nomenclatura. Ao determinar que o acesso a esses procedimentos independe do gênero (mulher ou homem), o SUS garante o acesso à saúde a mais de 4 milhões de brasileiros e brasileiras.  

Referências de checagem:

Terra

https://www.terra.com.br/nos/saiba-quais-sao-os-direitos-das-pessoas-trans-no-brasi37f4b8022be88694e18c03be7c5048jk9w4cq.html – Acesso em: 31 de maio 2024.

https://www.terra.com.br/nos/paradasp/ministerio-da-saude-muda-classificacao-de-genero-em-mais-de-200-procedimentos-para-atender-populacao-trans,1ce4c229c10813fcf0f5385675f78eb41vsp4nzs.html – Acesso em: 31 de maio 2024.

https://www.terra.com.br/noticias/ministerio-da-saude-muda-classificacao-de-genero-para-ampliar-acesso-a-transexuais,573b878f69ebc351ec300b22e9864805yiars5sb.html  – Acesso em: 31 de maio 2024.

G1

https://g1.globo.com/saude/noticia/2024/05/21/ministerio-da-saude-muda-classificacao-de-genero-em-tratamentos-para-ampliar-acesso-a-transexuais.ghtml – Acesso em: 31 de maio 2024

Ministério da Saúde

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Instituto Brasileiro de Direito de Família 

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https://www.cartacapital.com.br/politica/ministerio-da-saude-muda-classificacao-sobre-genero-em-procedimentos-medicos-para-acolher-pessoas-trans/  – Acesso em: 31 de maio 2024

Câmara dos Deputados

https://www.camara.leg.br/noticias/941218-projeto-proibe-cirurgia-de-mudanca-de-sexo-em-menores-de-21-anos/ – Acesso em: 2 de junho 2024

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https://rockcontent.com/br/blog/clickbait/#:~:text=Clickbait%20%C3%A9%20uma%20t%C3%A1tica%20usada,por%20essa%20isca%20de%20cliques. – Acesso em: 2 de junho 2024 

CNN

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Conselho Federal da Farmácia. https://site.cff.org.br/noticia/Noticias-gerais/20/05/2024/saude-muda-a-classificacao-de-genero-em-operacoes-do-sus-para-facilitar-o-acesso-de-pessoas-trans – Acesso em: 28 de maio de 2024

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Revista AzMina. https://azmina.com.br/colunas/a-medicina-esta-preparada-para-atender-pessoas-trans/ – Acesso em: 28 de maio de 2024

https://azmina.com.br/reportagens/pessoas-trans-tambem-podem-ter-cancer-de-mama/ – Acesso em: 28 de maio de 2024

BEREIA
https://coletivobereia.com.br/deputado-distorce-dados-e-omite-informacoes-sobre-teleaborto-em-tuite/ – Acesso em: 3 de junho 2024

Artigo “Pânicos morais e controle social – reflexões sobre o casamento gay”, do pesquisador Richard Miskolci https://www.scielo.br/pdf/cpa/n28/06.pdf – Acesso em: 3 de junho 2024