Deputado faz alarde sobre resolução referente ao aborto não definida por Conselho

Uma publicação do deputado federal evangélico Messias Donato (Republicanos), postada em 7 de novembro em seu perfil do Instagram, afirma que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) estuda permitir a realização de aborto em fetos de até nove meses de gestação. O parlamentar comenta ser “inaceitável que um Conselho Nacional que supostamente defenda a infância venha apregoar o ass@ss1nato de bebês ainda não-nascidos”.

Imagem: Reprodução/Instagram

Além de conter a logomarca do deputado, a imagem também exibe a identidade visual do jornal Gazeta do Povo, que publicou a notícia citada por Messias Donato. De acordo com o veículo, uma proposta de resolução do Conanda prevê que, em casos de estupro, menores de idade tenham acesso ao aborto independente da idade gestacional ou do peso do feto. 

O jornal alega ter recebido acesso exclusivo à minuta da proposta, e destaca que ela dispensa a apresentação de registro de boletim de ocorrência da violência sexual, ou autorização judicial para a interrupção da gestação. Bereia checou a veracidade desta informação. 

O que é o Conanda e qual é o seu papel

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) foi criado pela Lei 8242/1991. O órgão é formado por um colegiado permanente, de caráter deliberativo e composição paritária, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Conselho integra a estrutura básica do Ministério dos Direitos Humanos.

Como representação da sociedade civil, o Conanda delibera sobre as diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes, além de cooperar para a definição das políticas para estes cidadãos. 

Entre as atribuições do Conanda, estão: fiscalizar as ações de promoção dos direitos da infância e adolescência realizadas por organismos governamentais e não-governamentais; definir diretrizes para a atuação dos Conselhos Estaduais, Distritais e municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares; operar na manutenção de bancos de dados com informações sobre a infância e a adolescência; observar a elaboração e a execução do orçamento da União, com acompanhamento se os recursos necessários para as políticas de promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil estão assegurados; administrar o Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente (FNCA).

O site oficial do Conanda publica as resoluções aprovadas pelo Conselho, mas não disponibiliza as propostas que ainda não foram votadas. Bereia entrou em contato com o Conanda com perguntas sobre a existência do texto mencionado pela Gazeta do Povo e solicitar acesso ao seu conteúdo,  mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. 

Bereia entrou em contato com a Gazeta do Povo sobre a publicação referida em que trata do teor da resolução. Segundo a Equipe de Interatividades, “a resolução foi feita pela presidente do Conanda, e conseguimos com exclusividade com uma fonte”, resposta assinada pela editoria responsável pela matéria. 

De acordo com a Gazeta do Povo, o órgão confirmou à reportagem que estuda, em diálogo com outras instituições e especialistas, a elaboração de uma resolução para garantir o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de estupro. O Conanda afirmou, ainda, não ser possível tratar o mérito de detalhes que ainda estão sendo discutidos e não foram consolidados no texto final.

“Uma das principais missões legais do Conselho é dispor sobre o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violências sexual. O Conanda tem se debruçado ao longo dos anos a respeito das falhas e da ausência de serviços que garantam o atendimento de crianças vítimas de estupro”, diz a nota enviada ao jornal.

Quem é o deputado Messias Donato

Manoel Messias Donato Bezerra é deputado federal pelo Partido Republicanos (ES). O  parlamentar nasceu no estado da Bahia, mas foi eleito pelo Espírito Santo. Donato iniciou a carreira política, em 2008, tendo passado pelos partidos Progressistas (PP) e Trabalhista do Brasil (PT do B). Evangélico e alinhando as pautas da extrema direita, o parlamentar é atuante nas mídias digitais, e defende bandeiras como a do combate ao aborto, a flexibilização do acesso às armas de fogo, a defesa da infância, liberdade e os “valores cristãos” . 

Messias Donato é autor do Projeto de Lei (PL) 5371/2023, que aumenta as penas dos crimes de aborto, e insere o delito na lista de crimes contra a vida do Código Penal. É coautor do PL 5939/2023,  que tem como objetivo vedar a progressão de regime em casos de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. 

Donato apresentou também o PL 2210/2023, que proíbe ações que interfiram na formação de gênero das crianças e dos adolescentes, “vedando tratamentos, terapias, procedimentos ou qualquer outra ação que interfira na sua formação de gênero.”

Além disso, o parlamentar tem atuado na Câmara contra  pautas da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR), com a solicitação da suspensão da discussão de projetos  como o PL 2476/2023, que determina o Protocolo Nacional Antirracista, ordenando aos estabelecimentos de grande circulação de pessoas em todo o território nacional a implementação de medidas de prevenção, conscientização e acolhimento de vítimas em situações de racismo. 

Outro projeto contra o qual Messias Donato tem atuado é  o PL 2819/2020,  que dispõe sobre medidas que garantam a equidade na atenção integral à saúde da população negra em casos de epidemias ou pandemias, surtos provocados por doenças contagiosas ou durante a decretação de Estado de Calamidade Pública.

Há também ações do deputado do Republicanos do Espírito Santo contra pautas que deliberam sobre questões ambientais, como o PL 10678/2018,  que propõe a consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas e quilombolas necessária para a emissão de licença ambiental para atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais poluidores, que causem degradação ambiental.

Aborto no Brasil: usos e abusos do tema

O Código Penal brasileiro não considera o aborto como crime em apenas três situações: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto. Não há menções à idade da gestante ou ao tempo gestacional na legislação ou em decisões do STF.

Bereia checou matérias relacionadas ao tema do aborto e mostrou como esse tema tem sido instrumentalizado por parlamentares da extrema direita que promovem desinformação e consequentemente, incompreensão sobre o assunto. 

A publicação de Messias Donato é produzida na mesma direção, com pânico moral ao afirmar que o Conanda estaria em articulação para permitir aborto de feto gestado por meninas até os nove meses da gravidez. 

A ambiguidade da publicação atua para confundir leitores, por meio de um alerta para a pauta, que já tem diretrizes legais definidas, que salvaguardam crianças, adolescentes e mulheres. Apesar de as normas do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina estabelecerem um limite de 22 semanas para a interrupção da gravidez, são orientações sem poder de lei e não podem ser colocadas acima do que diz o Código Penal ou a Constituição. 

A questão do aborto está no debate por diferentes viéses. No entanto, no que diz respeito às deliberações, o Conanda enquanto órgão integrante da estrutura básica do Ministério dos Direitos Humanos (MDHC), não determina normas jurídicas, mas opera no sistema de garantia de direitos. Sendo assim, o Conanda não determina sobre a questão do aborto, mas atua na manutenção e fiscalização dos direitos estabelecidos em relação a ele e a outras pautas relacionadas à vida de crianças e adolescentes.

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Bereia considera imprecisa a publicação do deputado federal Messias Donato. Além de se basear em proposta de resolução do Conanda, sobre a qual não se tem acesso, a matéria do jornal Gazeta do Povo oferece um título – “Conanda estuda permitir aborto em crianças até 9 meses de gestação” – que induz o leitor ao erro. A matéria ignora as atribuições do Conanda e leva leitores a crerem que o órgão tem o poder de definir procedimentos quanto ao aborto, o que só cabe ao Congresso Nacional ou, em casos específicos, ao Supremo Tribunal Federal. 

Além disso, a matéria utilizada pelo deputado não informa o fato de que crianças e adolescentes podem passar pelo procedimento nos casos previstos por lei, uma vez que o Código Penal não restringe o acesso ao aborto pela idade da gestante ou pelo tempo de gestação.

Referências de checagem:

Notícias Uol

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2023/12/23/quem-e-messias-donato-deputado-que-recebeu-tapa-na-cara-do-vice-presidente-do-pt.htm Acesso em 12 NOV 24

Câmara dos Deputados

https://www.camara.leg.br/deputados/220530 Acesso em 12 NOV 24

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2264841&filename=Tramitacao-PL%202210/2023 Acesso em 12 NOV 24

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2401578 Acesso em 12 NOV 24

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2411900 Acesso em 12 NOV 24

https://www.camara.leg.br/noticias/1071458-PROJETO-DE-LEI-PREVE-PENA-DE-HOMICIDIO-SIMPLES-PARA-ABORTO-APOS-22-SEMANAS-DE-GESTACAO. Acesso em 18 NOV 24

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2358735#:~:text=PL%202210%2F2023%20Inteiro%20teor,Projeto%20de%20Lei&text=Acrescenta%20par%C3%A1grafo%20%C3%BAnico%20ao%20art,das%20crian%C3%A7as%20e%20dos%20adolescentes. Acesso em 12 NOV 24

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2389107 Acesso em 12 NOV 24

https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cme/membros Acesso em 12 NOV 24

Partido Republicanos

https://republicanos10.org.br/quem_e_quem/messias-donato/?app=Avant_Empresa_3abfbe32310a3ce3711b848c3f3290e9&tipo_1=sim&tipo_2=nao&tipo_3=nao&tipo_4=nao&tipo_5=nao&preferencia_marcada=Salvar+minhas+escolhas&key_avant_valid_preference=387a579052529ca4dfbac317c0d38bc5 Acesso em 12 NOV 24

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania

https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente-conanda/conanda#:~:text=Criado%20em%201991%20pela%20Lei,e%20do%20Adolescente%20(ECA). Acesso em 12 NOV 24

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

https://www.gov.br/participamaisbrasil/conanda Acesso em 12 NOV 24

Planalto – Presidência da República

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8242.htm Acesso em 12 NOV 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/congresso-americano-nao-enviou-carta-com-cobrancas-a-ministro-do-stf-do-brasil/ Acesso em 14 NOV 24

https://coletivobereia.com.br/politicos-e-sites-religiosos-desinformam-sobre-resolucao-a-respeito-de-atuacao-religiosa-em-presidios/ Acesso em 14 NOV 24

https://coletivobereia.com.br/deputados-e-midias-gospel-espalham-falsidades-sobre-projeto-de-lei-que-retira-direitos-sobre-aborto-no-brasil/ Acesso em 14 NOV 24 

Correio Braziliense

https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/06/5017436-menina-de-11-anos-gravida-apos-ser-estuprada-consegue-faz-aborto-legal.html Acesso em 18 NOV 24

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-06/manifestantes-vao-as-ruas-contra-projeto-que-equipara-aborto-homicidio-0 Acesso em 18 NOV 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/deputados-e-midias-gospel-espalham-falsidades-sobre-projeto-de-lei-que-retira-direitos-sobre-aborto-no-brasil/ Acesso em 18 NOV 24

https://coletivobereia.com.br/sites-e-politicos-religiosos-enganam-sobre-governo-federal-defender-maconha-e-aborto/ Acesso em 18 NOV 24

Código Penal

https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10624811/artigo-128-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 Acesso em 21 NOV 2024.

Foto de capa: Câmara dos Deputados

Políticos e sites religiosos desinformam sobre resolução a respeito de atuação religiosa em presídios

O site Pleno.News publicou, em 2 de maio, matéria sobre a nova resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que supostamente proibiria o evangelismo nos presídios brasileiros, alegando o veto ao proselitismo religioso, ou seja, a prática de conversão ou persuasão religiosa ou de crença. 

A matéria citada destaca que o evangelismo passou a ser proibido dentro das penitenciárias do país e declara que nenhum detento poderá ser obrigado a aderir a determinada linha religiosa como requisito para transferência, admissão ou permanência na cadeia. O texto do site descontextualiza o que afirma o documento oficial de que não se trata de uma resolução do governo Lula (PT), e sim do CNPCP.

Fonte: Reprodução/Pleno.News

Parte dos parlamentares evangélicos no Congresso Nacional reagiu negativamente ao documento e acusou o governo de perseguição religiosa e de afrontar a liberdade das igrejas. O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) reproduziu em seu perfil no X uma imagem remetendo à matéria de Pleno.News. Já o deputado Messias Donato (PP-ES), também no X, publicou texto classificando a Resolução como indício de perseguição religiosa.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução do X (Twitter)

O influenciador Guilherme Kilter também repercutiu a resolução como proibição de evangelismo nos presídios por parte do Governo Lula. O site Gospel Prime foi outro veículo que publicou matéria com conteúdo semelhante.

Imagem: reprodução do Instagram

Imagem: reprodução/Gospel Prime

O que diz a nova Resolução

A Resolução nº. 34, de 24 de abril de 2024, citada pela matéria do Pleno.News, e postada nas mídias digitais, estabelece as diretrizes e normas para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais do país, levando em conta a liberdade religiosa e a laicidade do Estado. Sem caráter de lei, tem como objetivo respeitar a diversidade de crenças e a liberdade de escolha dos detentos, e não indica nenhuma proibição direta ao evangelismo.

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) é um órgão colegiado formado por juristas, acadêmicos e representantes da sociedade civil criado em 1980 e com atribuições previstas pelo artigo 64 da Lei de Execução Penal – LEP (Lei nº 7.210, 11 de julho de 1984). Embora ele esteja atrelado ao Ministério da Justiça, a atribuição de responsabilidade pela discussão e eventual publicação de resoluções pelo chefe do Poder Executivo não procede. Isso ocorre porque a composição e a definição legal do Conselho impedem a interferência do governo federal nas decisões, conforme foi determinado desde a sua implantação. 

Ainda assim, o Ministério da Justiça emitiu nota esclarecendo que a Resolução nº35 visa a garantir a laicidade do Estado e proteger os direitos dos presos, evitando abusos e manipulações. No entanto, líderes evangélicos alegam que ela dificulta o trabalho de ressocialização e recuperação dos detentos por meio da fé. 

Resolução não proíbe evangelização

A Resolução reafirma as cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 5º, inciso VI,  dispõe sobre a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. O artigo 19, inciso I, também reforça a separação do Estado e da religião. Vale lembrar ainda que a resolução estabelece que os agentes religiosos devem ser credenciados e seguir normas de conduta e segurança. 

O documento do CNPCP não proíbe a evangelização nos presídios, e afirma que  “será assegurado o direito de professar qualquer religião ou crença, bem como, o exercício da liberdade de consciência aos ateus e agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas”. Além disso, “será garantido à pessoa privada de liberdade o direito de mudar de religião, consciência ou filosofia a qualquer tempo, sem prejuízo da sua situação de privação de liberdade”.

É importante reforçar que a Resolução  tem o objetivo de garantir todas as práticas religiosas, sem a interferência do Estado, e a autorização para entrada, em estabelecimentos penais, de materiais de cunho religioso para estudo e aperfeiçoamento. De acordo com o documento, a religião não pode ser forçada a ninguém, e nem a participação em cultos deve ser objeto de punição ou benesse. Além disso, oferece a fiéis de outras crenças a garantia do seu direito de culto. 

O presidente do CNPCP, Douglas de Melo, destacou que, ao contrário do que está sendo propagado e divulgado, a resolução não representa perseguição religiosa e reitera seu compromisso com a Constituição Federal e com diretrizes internacionais relativas ao tema. “Aliás, pelo contrário, pois ao longo dos debates realizados no processo de construção do documento, o CNPCP sempre se mostrou atento à necessidade de evidenciar a importância das garantias de liberdade de consciência e de crença e de livre exercício, em igualdade de condições, dos cultos religiosos. Nós reprovamos qualquer tipo de comportamento que coloque esse direito em risco”, declarou.  

A realidade prisional e das capelanias

Bereia ouviu Samuel Lourenço Filho, egresso do sistema prisional e que se converteu ao Cristianismo durante cumprimento de pena. Hoje formado em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele expressou sua incompreensão sobre a alegada perseguição a evangélicos nos presídios. A seu ver, “não há nada na resolução que crie margem para o uso do termo”. Também desconhece “há pelo menos uns 18 anos, alguma medida que aponte para algum traço de perseguição.”. 

Sobre o documento do Conselho, Lourenço Filho, esclareceu que se trata simplesmente de uma recomendação. “Se todas as recomendações do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) fossem seguidas à risca, o cenário prisional seria mais humano e menos populoso. Portanto, não se deve interpretar a resolução de forma tão extremada”, destacou, afirmando “foi mal interpretada em sua  tentativa de aparar arestas”.  

Lourenço Filho afirmou que “quem atua na ponta, na capelania prisional, sabe muito bem que não há perseguição de governo, gestor penitenciário, policial penal, preso ou qualquer outro. A igreja na cadeia é extremamente livre”. Ele enfatizou que não cabe na recomendação a questão do dízimo: “Como dizem por aí, ‘se tem placa, tem história’. Mas eu desconheço qualquer atividade religiosa que subtrai valores da população prisional; ao contrário, ela ajuda e ajuda muito. A igreja é extremamente importante no âmbito da assistência religiosa e material”.

Outro ponto citado foi a importância do papel da igreja no sistema prisional, como “organismo vital no apoio religioso e material”. Ele abordou as críticas sobre o uso do tempo e conversão na prisão, considerando-as desajustes. “Os presos evangélicos organizam-se rapidamente para manter seus espaços de culto e criar um ambiente próprio. É uma questão de respeito mútuo, e a separação por crenças é comum. Se os evangélicos não tivessem seu espaço, a dinâmica prisional, que é complexa, não reconheceria o preso convertido como ‘pastor’. A separação contribui para a conversão, a mudança e a manutenção de uma rotina pacífica”, explicou ao Bereia

Lourenço Filho reconheceu a prática comum do dízimo entre os próprios detentos, usada para manter e melhorar a vida na prisão.  “Já participamos de coletas de dinheiro na cela, em forma de dízimos e ofertas. Isso é parte da nossa dinâmica para conservação e manutenção do ambiente prisional,” explicou. Ele também destaca o uso compartilhado de espaços como capelas ecumênicas. “As igrejas, especialmente as evangélicas, que realizam cultos diários, contribuem com materiais para a construção e manutenção desses locais, que são frequentemente cuidados pelos próprios presos”, explica Lourenço Filho.

Para concluir a entrevista ao Bereia, Lourenço Filho ressalta que a principal questão não é a imposição de crenças, mas a falta de políticas inclusivas para outras atividades religiosas. “Se violões são permitidos nos cultos, por que não atabaques em outras cerimônias? Isso reflete uma falha da administração, não do governo”, argumenta. Para ele, a igreja continua sendo a principal provedora de assistência religiosa nos presídios, um papel frequentemente mal interpretado, visto que a prisão é um espaço público. Ele critica a eficácia da recente recomendação, considerando-a parte de uma controvérsia desnecessária contra o governo. “Quem realmente visita as prisões não se preocupa com essas recomendações e sim com o bem-estar dos detentos”.

Liberdade de culto para todas as religiões  

Bereia entrevistou também Erivelto Melchiades da Silva, pesquisador da área de Direitos e Sistema de Justiça, egresso do sistema prisional e defensor dos direitos religiosos. Segundo ele, a liberdade de culto é restrita em sua maioria aos evangélicos, e o que acompanha com sua visão e experiência “é uma ‘certa’ perseguição a outras denominações religiosas, principalmente as de religiões de matriz africana e, se esta resolução for cumprida a risca, favorece a liberdade de culto e crença de quem está privado do seu direito de ir e vir”.

Silva recorda que, durante sua estadia no sistema carcerário, o “proselitismo religioso” em realidade operava de forma agressiva e opressiva contra as outras religiões.  As de matriz africana eram as mais combatidas, “demonizando, desrespeitando e oprimindo os adeptos, através dos cultos e trabalhos evangelísticos realizados nas galerias das unidades prisionais, além da não permissão a utilização do templo religioso por parte de outras denominações a não ser as evangélicas”, conclui o pesquisador Erivelto Melchiades da Silva ao Bereia.

Lula e perseguição aos cristãos: antiga estratégia de pânico moral 

Desde a redemocratização do país em 1989, circulam especulações de que o PT fecharia igrejas, principalmente evangélicas, ao chegar ao Executivo. Esses rumores acompanharam as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2018 e 2022), Dilma Rousseff (2010 e 2014) e  Fernando Haddad (2018). Mesmo com Lula (PT) e Dilma (PT) eleitos e reeleitos, esses boatos nunca cessaram, sendo  exponencialmente escalonados com o uso político-partidário das mídias digitais.  

Na última eleição,  circularam de vídeos e  publicações fora de contexto que insinuavam perseguição aos evangélicos, destruição das instituições da família tradicional heteronormativa e o fechamento de templos. Isso foi  amplamente utilizado para alimentar e monetizar as páginas de opositores, líderes religiosos e empresários  nas mídias digitais.

Veículos de imprensa e portais de  notícias se tornaram vetores de respaldo e apuração, possibilitando que tais tipos de manipulações dos fatos alcançassem diversos públicos. O caráter apelativo e distorcido da realidade, incitando ódio, rancor e medo,  tem sido bem explorado por setores religiosos, especialmente os ligados à extrema-direita brasileira.

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Bereia conclui que a matéria publicada pelo Pleno.News sobre resolução Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) proibindo a evangelização em presídios é enganosa. Ao contrário do que é afirmado pelo site e por políticos evangélicos e influenciadores, a decisão do Conselho não veta a evangelização, apenas reafirma a liberdade religiosa e a diversidade de cultos aos detentos do sistema penitenciário,  já garantidas pela Constituição de 1988. Também é incorreto atribuir a Resolução como ato da Presidência da República. O título distorce o conteúdo da matéria e apresenta fatos fora do contexto com o objetivo de causar comoção, se tornar mais atrativo para ser amplamente compartilhado,  e confundir o leitor. 

Referências de checagem:

BRASIL. Resolução no 34, de 24 de abril de 2024. Estabelece diretrizes para a assistência religiosa no sistema prisional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-34-de-24-de-abril-de-2024-556521006. Acesso em: 6 maio 2024.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2023]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 7 maio 2024.

BRASIL DE FATO. Lula vai fechar igrejas? Conheça as principais mentiras contra o candidato petista. Brasil de Fato, 1º de outubro de 2022. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/10/01/lula-vai-fechar-igrejas-conheca-as-principais-mentiras-contra-o-candidato-petista. Acesso em: 6 maio 2024.

CPAD NEWS. Resolução do governo proíbe conversão religiosa em presídios. CPAD News, [s. l.], 2024. Disponível em: https://www.cpadnews.com.br/resolucao-do-governo-proibe-conversao-religiosa-em-presidios/. Acesso em: 6 maio 2024.

GOV.BR. Resolução de Conselho de política penitenciária garante liberdade religiosa em presídios. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/resolucao-de-conselho-de-politica-penitenciaria-garante-liberdade-religiosa-em-presidios. Acesso em: 7 maio 2024.

G1. É #FAKE mensagem que diz que Lula declarou que irá fechar igrejas em 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/eleicoes/noticia/2022/10/07/e-fake-mensagem-que-diz-que-lula-declarou-que-ira-fechar-igrejas-em-2023.ghtml. Acesso em: 6 maio 2024.

O GLOBO. Bancada evangélica se revolta com resolução do governo Lula que proíbe proselitismo religioso em presídios. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/05/04/bancada-evangelica-se-revolta-com-resolucao-do-governo-lula-que-proibe-proselitismo-religioso-em-presidios.ghtml. Acesso em: 10 maio 2024.

POLITIZE. Liberdade religiosa: o que é e como funciona no Brasil. Politize, [s.d.]. Disponível em: https://www.politize.com.br/artigo-quinto/liberdade-religiosa/#:~:text=O%20artigo%205%C2%BA%2C%20em%20seu,culto%20e%20a%20suas%20liturgias. Acesso em: 7 maio 2024.

VEJA. Governo cria regras para liberdade de culto e apoio espiritual em presídio. Veja, [s. l.], 2024. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/governo-cria-regras-para-liberdade-de-culto-e-apoio-espiritual-em-presidio. Acesso em: 6 maio 2024.

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Foto de capa: Ron Loach/Pexels