Onda de desinformação sobre decisão do STF quanto ao uso da maconha invade redes religiosas

* Matéria atualizada em 03/07/2024 para acréscimo de informações

Políticos da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e líderes religiosos usaram as redes sociais para disseminar a falsa informação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) havia descriminalizado o uso da maconha. O que motivou as publicações foi a decisão da Corte, na última terça-feira, 25 de junho, pela inconstitucionalidade do Artigo 28, da Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, que criminaliza o porte de maconha para uso pessoal. Por oito votos a três, os ministros decidiram pela descriminalização . 

“A maconha foi legalizada? Não. Ainda continua sendo crime o tráfico da cannabis. No entanto, a maioria formada é para que usuários não sejam mais fichados criminalmente ao serem pegos usando a planta”, explica a deputada federal pelo PSOL/SP Erika Hilton, em seu perfil no X, antigo Twitter

O senador evangélico Flávio Bolsonaro foi um dos que divulgaram falsidades sobre a decisão. Em sua conta, também no X, o político evangélico disse que a corte estava “praticamente liberando o tráfico de drogas. “Hoje o STF descriminalizou a maconha”, afirmou o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. 

Imagem: reprodução de publicação do senador Flávio Bolsonaro em sua conta no X

O senador espírita Eduardo Girão (Novo-CE) foi além. Em seu perfil no X, o político disse que a corte “formou maioria a favor de todas as drogas”. 

Imagem: reprodução de publicação do senador Eduardo Girão em sua conta no X

A deputada federal católica Bia Kicis também fez questão de emitir opinião sobre o assunto. Para ela, o STF desrespeita o Congresso Nacional com essa decisão. Mesmo não tendo registrado no texto da publicação, na imagem que acompanha sua postagem está escrito: “Supremo atropela o Congresso e libera Maconha”, o que não é verdade.  

Imagem: reprodução de publicação da deputada Bia Kicis em sua conta no X

Uma liderança que não se absteve de dar sua opinião foi o pastor presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. Em  vídeo publicado em seu canal no YouTube  o pastor acusou o STF de legislar e descriminalizar a maconha. “Povo abençoado do Brasil em mais uma invasão de competência do Supremo Tribunal Federal eles legislam e descriminalizam a maconha, algo que não pertence a eles e sim ao poder legislativo, liberando a maconha para uso recreativos. Os traficantes agradecem”, disse o pastor na gravação.

Malafaia publicou o mesmo conteúdo no X  (ex-Twitter), no Instagram e demais redes digitais nas quais tem conta. Além de desinformar sobre o Supremo estar usurpando a competência do Poder Legislativo, o líder cristão mente sobre haver a “liberação da maconha para uso recreativo”.  Tal afirmação não procede, pois o STF determinou que usuários com até 40g da erva não sejam processados criminalmente pelo porte, entretanto, usar maconha continua classificado como comportamento ilícito.

Bereia checou as publicações.

Imagem: reprodução/YouTube

Entenda o caso

Na última terça-feira, 25 de junho, o STF decidiu, por oito votos a três, descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Com a decisão, usar   maconha continua classificado como comportamento ilícito – permanece proibido fumar a droga em público, mas as punições definidas contra os usuários passam a ter natureza administrativa, e não criminal. Dessa forma, deixam de valer a possibilidade de registro de reincidência penal e de cumprimento de prestação de serviços comunitários. Também foi determinado um critério para diferenciar usuários de traficantes: para caracterizar o tráfico foi estabelecido porte de 40g ou seis plantas fêmeas,  até que o Congresso Nacional legisle sobre o critério. A quantidade foi definida em 26 de junho. 

“O plenário do STF, por unanimidade, considera que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o consumo, evitar o tráfico e tratar os dependentes”, afirmou o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso ao anunciar o resultado por maioria pela descriminalização. O ministro disse ainda, que o julgamento sobre porte de maconha não foi escolha do Supremo. Ele explicou que se tratou de decisão sobre recurso apresentado à Corte contra a condenação por porte com pouca quantidade e que era necessário estabelecer critérios para diferenciar traficantes e usuários para processos na Justiça. A decisão é válida apenas para a maconha. O porte de outras drogas de consumo pessoal continua sendo crime.

Barroso se refere ao Recurso Extraordinário (RE 635659) movido pela Defensoria Pública de São Paulo, que pede a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, de 2006. A lei manda punir o porte de maconha e outras drogas proibidas, “para consumo pessoal”, com medidas socioeducativas e prestação de serviços à comunidade. O mesmo vale para quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância, também para uso pessoal. 

A Defensoria de São Paulo entrou com o recurso  e questionou a decisão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema, em São Paulo, que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. O recurso teve por base na proteção do artigo 5º, X,  da Constituição Federal que torna inviolável a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, visando a decretação da inconstitucionalidade à pena a ele aplicada.

Bereia verifica, portanto, que os ministros do STF não liberaram a maconha, tampouco legalizaram outros entorpecentes, conforme alegou o senador Girão. Inclusive, outras condutas envolvendo a erva, que não o uso pessoal, podem ser configuradas como tráfico. Por exemplo, se uma pessoa for flagrada com maconha, ainda que em quantidade inferior a 40 gramas, e haja elementos de que ela estava vendendo a droga, poderá ser presa e responder pelo crime de tráfico.

De acordo com o pesquisador e assessor do Instituto de estudos da religião (ISER) Erivelto Melchiades, ouvido pelo Bereia, a decisão do STF não deve produzir efeitos imediatos e esperados de desencarceramento nas unidades prisionais, onde se encontram pessoas presas por conta da lei de drogas, porém outros dois efeitos poderão ser notados de imediato. “Pessoas que possuem em seus registros anotações criminais por porte de drogas devem ter seus registros limpos. Isto, de certa forma, tem um impacto significativo, já que grande parte das empresas verifica se há indícios de registros criminais, o que por si só impacta na empregabilidade da população mais vulnerável”, analisa o pesquisador. 

O assessor do ISER também vê um ponto negativo nessa questão. Para ele pode ocorrer uma espécie de “vingança” por parte da força policial, pois ainda que se estabeleceu a quantidade de 40g para definição de quem é usuário, fica a cargo da autoridade definir este critério para a diferenciação. “Como a palavra do policial tem a boa fé (súmula 70, do TJRJ), como se dará a prova da quantidade no momento da abordagem, sabendo-se que existem diversos casos em que houve o flagrante forjado para incriminar usuários? Isto ocorre principalmente nas favelas e periferias! Como será feita a pesagem da droga? Será que a mão do policial não vai pesar mais em determinados territórios, sabendo-se que este roteiro é mais corriqueiro nas regiões periféricas do que nas zonas nobres?”, questiona Melchiades.

Mal-estar com o Congresso

Outra informação que circula nas redes digitais e tem gerado confusão na interpretação das ações do STF é a acusação de que a corte está criando uma lei, legislando, o que é atribuição do Congresso Nacional. Entretanto, a decisão foi de caráter judicial, no contexto de um processo. Os ministros foram provocados a julgar dentro do recurso interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, dentro de suas competências previstas na Constituição. Não aprovaram uma nova lei. 

De acordo com o presidente do STF, a discussão no Tribunal foi sobre o tratamento jurídico a ser dado ao porte de maconha para consumo pessoal e o estabelecimento de um critério para diferenciar traficantes de usuários, pois a Lei de Drogas  não estabeleceu parâmetros. “Não é o Supremo que escolhe decidir essa matéria, os recursos é que chegam aqui. As pessoas são presas e entram com habeas corpus aqui, e o Supremo não tinha como se furtar a essa discussão”, disse.

O presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), por sua vez, discorda da decisão do STF. Para ele, a decisão invade a competência técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a competência legislativa do Congresso Nacional sobre o tema, além de gerar uma lacuna jurídica no Brasil. 

“Ou seja, a substância entorpecente na mão de quem a tem para fazer o consumo é um insignificante jurídico sem nenhuma consequência a partir dessa decisão do STF. E essa mesma quantidade dessa mesma substância entorpecente na mão de alguém que vai repassar a um terceiro é um crime hediondo de tráfico ilícito de entorpecentes. Há uma discrepância nisso”, avalia Pacheco que é autor da proposta de emenda à Constituição  45/2023, a chamada PEC das drogas, que  insere no art. 5º da Constituição a determinação de que é crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. A PEC foi aprovada no Senado, em 16 de abril de 2024, e tramita na Câmara dos Deputados. 

O deputado evangélico Sóstenes Cavalcante é um dos críticos da decisão do STF e considera o ato uma usurpação das competências do legislativo. 

Em sua conta no X, a deputada federal Erika Hilton discorda de Cavalcante e de Damares Alves. Ela explicou, de forma didática, a decisão do Supremo e as divergências levantadas pela extrema direita. “O STF está legislando no lugar do Congresso? NÃO. Ele cumpriu a sua função de analisar a validade do Art. 28 da Lei de Drogas, e, a maioria dos Ministros entendeu que é inconstitucional. a Lei não definir critérios objetivos para distinguir quem é usuário e quem é traficante, e penalizar os usuários criminalmente”, diz ela e continua. “Ao não definir um critério que leve em conta, por exemplo, a quantidade de maconha, a definição de quem é usuário e traficante fica por conta dos policiais e dos juízes: se é preto, pobre e periférico, então é traficante. Se é rico e branco, é usuário”, ressalta a parlamentar. 

A senadora evangélica Damares Alves também teceu duras críticas ao Supremo. “O STF mais uma vez tensiona com o Congresso Nacional e usurpa do Parlamento a função legislativa. Temas tão sensíveis como a liberação das drogas jamais deveria ser decidido por quem não é representante eleito pelo povo”, lamentou a senadora.  

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Bereia checou e verificou que o conteúdo publicado nas redes digitais dos políticos religiosos é FALSO. 

Não é verdade que o Supremo Tribunal Federal liberou a maconha, tampouco outras drogas. A decisão da corte é à favor do usuário que deve ser submetido a intervenção na área da saúde, e muitas vezes é encarcerado como se traficante fosse. Entretanto, os ministros deixaram claro em seus votos que  mantêm as bases da lei que determina que o consumo de drogas ilícitas é uma coisa ruim e que o papel do Estado é combater o consumo, evitar o tráfico e tratar os dependentes. 

Mais uma vez os parlamentares identificados como  religiosos  espalham falsidades pela internet e causam confusão e pânico entre os menos avisados que consomem as informações falsas sem checar, pois confiam na palavra de agentes públicos. 

Referências de checagem:

Folha de São Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/06/stf-deve-definir-nesta-quarta-26-quantidade-de-maconha-que-diferencia-traficante-de-usuario.shtml – Acesso em: 26 de junho de 2024.

Perfil no X – Deputada Federal Erika Hilton

https://x.com/ErikakHilton/status/1805673224472084687?t=9jQi_RsTKA8vXzXUBI-5VA&s=19 – Acesso em: 26 de junho de 2024.

https://x.com/ErikakHilton/status/1805731028784288076?t=G9BYXtmAByx6jbkOpxt3Jg&s=19 – Acesso em: 26 de junho de 2024.

Aos Fatos

https://www.aosfatos.org/noticias/falso-stf-liberou-maconha-brasil/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

Correio Braziliense 

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/06/6885271-decisao-do-stf-sobre-maconha-gera-onda-de-desinformacao-entenda-o-que-muda.html – Acesso em: 26 de junho de 2024

STF

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-forma-maioria-para-descriminalizar-porte-de-maconha-para-consumo-pessoal/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-define-40-gramas-de-maconha-como-criterio-para-diferenciar-usuario-de-traficante/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/presidente-do-stf-diz-que-julgamento-sobre-porte-de-maconha-nao-foi-escolha-do-supremo/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4034145 – Acesso em: 26 de junho de 2024

Jota

https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-forma-maioria-para-descriminalizar-o-porte-de-maconha-25062024#:~:text=Logo%20no%20come%C3%A7o%20da%20sess%C3%A3o,criminalizado%E2%80%9D%2C%20disse%20o%20ministro – Acesso em: 26 de junho de 2024

Uol

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/06/25/maconha-foi-liberada-entenda-decisao-do-stf-sobre-descriminalizacao.htm – Acesso em: 26 de junho de 2024

Conjur

https://www.conjur.com.br/2024-jun-25/supremo-forma-maioria-para-descriminalizar-porte-da-maconha-para-consumo-proprio/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

G1

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/06/26/porte-de-maconha-para-uso-pessoal-entenda-como-ficou-apos-a-conclusao-do-julgamento-no-stf.ghtml – Acesso em: 26 de junho de 2024

Congresso em Foco

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/justica/stf-retoma-as-14h-julgamento-sobre-descriminalizacao-do-porte-de-maconha/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

Agência Senado

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/03/04/drogas-girao-critica-stf-e-diz-que-barroso-tem-conflito-de-interesse – Acesso em: 26 de junho de 2024

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/04/16/senado-aprova-pec-sobre-drogas-que-segue-para-a-camara – Acesso em: 26 de junho de 2024

Jus Brasil

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/re-635659-a-descriminalizacao-do-porte-de-drogas/358561903 – Acesso em: 26 de junho de 2024

Alerj

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constfed.nsf/fc6218b1b94b8701032568f50066f926/54a5143aa246be25032565610056c224?OpenDocument#:~:text=X%20%2D%20s%C3%A3o%20inviol%C3%A1veis%20a%20intimidade,Crimes%20contra%20a%20honra%3A%20arts. – Acesso em: 26 de junho de 2024

EBC

https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-06/supremo-fixa-40g-de-maconha-para-diferenciar-usuario-de-traficante – Acesso em: 26 de junho de 2024

CNN

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pacheco-stf-senado-maconha/ – Acesso em: 26 de junho de 2024

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Foto de capa: Pixabay

Sites e políticos religiosos enganam sobre governo federal defender maconha e aborto

No fim do mês de julho, sites de notícias gospel e políticos religiosos compartilharam nas mídias digitais conteúdos relacionados a uma resolução em que o atual governo defenderia a legalização do aborto e da maconha, assim como a transição de gênero aos 14 anos. Bereia recebeu pedido de checagem dos conteúdos. 

O texto sobre o assunto publicado no portal gospel Pleno News tem como título “Nova resolução do governo Lula defende aborto e maconha” e é complementado pelo subtítulo “O documento do CNS [Conselho Nacional de Saúde] também fala em autorizar mudança de gênero a partir dos 14 anos”. O site Gospel Prime deu à matéria o mesmo título, mas alterou o subtítulo, “Durante campanha petista havia mentido que era contra a prática”.

Imagem: reprodução do site Pleno.News

Um dos políticos religiosos que tratou do tema em seu perfil no Instagram foi o deputado distrital (equivalente a estadual, mas do Distrito Federal) Pastor Daniel de Castro (PP). Na publicação, Castro afirma que “Tudo o que avisamos durante a campanha eleitoral está vindo à tona!” e a ilustra com uma imagem do presidente da República Luís Inácio Lula da Silva (PT) com a ministra da Saúde Nísia Trindade em um aperto de mãos. Nela há a afirmativa de que a ministra teria assinado uma “resolução a favor da legalização do aborto e da maconha”.

Imagem: reprodução do Instagram

Difusão de pânico moral como estratégia 

Após a publicação da Resolução n° 715 do CNS, sites e políticos religiosos repercutiram trechos do documento, atribuindo ao governo federal a defesa do aborto, da legalização da maconha e da garantia de direitos sexuais. As críticas concentram-se, principalmente, nos temas relacionados à chamada pauta de costumes.

Sites religiosos destacaram trechos do documento em que se encontram considerações sobre a saúde das populações LGBTIA+, evidenciando aspectos como a redução da idade de início para tratamentos hormonais para 14 anos. Além disso, repercutiram, trechos que tratam do combate às desigualdades estruturais por meio de políticas sociais que considerem transferência de renda, legalização do aborto e legalização da maconha no Brasil.

O site religioso Gospel Prime chegou a afirmar que o presidente Lula mentiu, durante a campanha eleitoral, ao afirmar que era, pessoalmente, contra o aborto. Assim como outros portais fizeram, o site atribui a Lula, em caráter pessoal, as diretrizes emanadas da Resolução nº 715 emitida pelo Conselho Nacional de Saúde.

Outro aspecto do documento veiculado por mídias religiosas em tom crítico, diz respeito à política de vacinação. Percebe-se, na redação final do texto publicado pelo site gospel Pleno News, que houve menção ao texto tratar do acesso facilitado a vacinas e ações que visem à ampliação da cobertura vacinal de modo geral.

Reação parlamentar e nota de repúdio de juristas evangélicos

A Revista Oeste, identificada com o “pensamento liberal-conservador”, informou que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) protocolou, na Câmara dos Deputados, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para sustar a Resolução nº 715 do CNS. O PDL 197/2023 afirma que a resolução do CNS trata de temas “extremamente controversos” e fundamenta-se “a partir de um nítido viés político”.

Em 1º de agosto, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) divulgou uma nota de repúdio à resolução. No texto, a entidade afirmou que “em seu compromisso em defesa dos direitos fundamentais, manifesta seu repúdio às orientações estratégicas publicadas pelo Conselho Nacional de Saúde através da Resolução nº 715/2023” e pontuou uma “ideologização da saúde”.

Propósito da Resolução 

A Resolução nº 715 foi publicada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão colegiado do Sistema Único de Saúde (SUS) que fiscaliza e monitora as políticas públicas de saúde, desde 1937. Independente do governo, o Conselho leva as demandas da população ao poder público, e tem função deliberativa. 

A instância é formada por 48 conselheiros titulares, e respectivos primeiros e segundos suplentes, que representam diferentes segmentos da sociedade. Os membros do CNS são escolhidos por eleições a cada três anos, que elegem entre si um representante para a presidência do órgão. Empresas da área da saúde, prestadores de serviço, comunidade científica, usuários, trabalhadores e gestores do SUS e instituições não-governamentais são exemplos de entidades representadas no Conselho. 

O texto foi tornado público em 20 de julho passado, após a realização da 17ª Conferência Nacional de Saúde, no início do mesmo mês. O documento define orientações estratégicas para o Plano Plurianual (PPA) e para o Plano Nacional de Saúde (PNS), ao estabelecer prioridades para a atuação dos serviços públicos de saúde.

Em seu preâmbulo, o documento faz referência aos objetivos da conferência, entre os quais se encontram os de reafirmar a universalidade e integralidade da saúde como direito humano, com a definição de políticas que reduzem as desigualdades sociais e territoriais, conforme previsão na Constituição Federal.

Desta forma, entre as orientações emanadas da conferência estão, além de questões ligadas ao correto financiamento dos serviços públicos de saúde e considerações sobre os diversos aspectos da chamada Atenção Básica (AB) em saúde, apontamentos sobre questões específicas que concernem ao atual quadro da saúde pública no Brasil.

A coordenadora adjunta da Comissão de Relatoria da 17ª Conferência Priscilla Viegas afirma que o conjunto de orientações previstas na Resolução nº 715 baseou-se em 245 diretrizes aprovadas na Conferência. “É um conjunto de proposições que têm a perspectiva de incidir no PPA e no PNS, trazidos de forma ampla para que tragam as prioridades, sem invisibilizar a diversidade e pluralidade refletidas na Conferência”, afirmou Viegas ao portal do Conselho Nacional de Saúde.

Alegações da Resolução

Estão relacionadas na Resolução nº 715  59 orientações a partir das diretrizes aprovadas na 17ª Conferência Nacional de SaúdeA orientação de número 44 propõe a atualização da Política Nacional de Saúde Integral LGBT para LGBTIA+, com definições das linhas de cuidado em cada um dos ciclos de vida, de forma que abranja a diversidade da comunidade, não apenas em orientação sexual e identidade de gênero, mas também a pluralidade de corpos, raças, etnias, classe, e pessoas em restrição de liberdade e situação de rua.

Além disso, a mesma orientação sugere a “revisão da cartilha de pessoas trans, da caderneta de gestante, pré-natal, com foco não binário; com a garantia de acesso e acompanhamento da hormonioterapia em populações de pessoas travestis e transgêneras, pesquisas, atualização dos protocolos e redução da idade de início de hormonização para 14 anos”.

Já a orientação 49, defende a ampliação de políticas sociais e de transferência de renda, como a legalização do aborto e da maconha, e da intersetorialidade nas ações de saúde para combater desigualdades estruturais e históricas da sociedade brasileira.

A Conferência Nacional de Saúde

Estabelecida pela Lei nº 8.142/1990, a Conferência Nacional de Saúde ocorre a cada quatro anos, com o objetivo de avaliar a situação da saúde no país e propor diretrizes e orientações gerais para a formulação de políticas públicas, em caráter não obrigatório. Organizada pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Conferência cria espaço de diálogo entre a sociedade e o governo, de modo que há participação de diversos segmentos sociais ao longo das etapas realizadas. Segundo informações do CNS, estima-se que 2 milhões de pessoas estiveram envolvidas na 17ª Conferência. Pela própria lei que cria a Conferência, os usuários do SUS são representados de forma paritária em relação a outros segmentos.

As primeiras etapas da Conferência foram iniciadas ainda em 2022, com a realização de conferências municipais que envolveram a participação de usuários do SUS, trabalhadores, gestores da saúde e prestadores de serviço. Além das etapas locais, municipais e estaduais, a 17ª Conferência abrigou a realização de conferências livres, que abordaram temas como ‘gestão interfederativa e participativa’, ‘informação, saúde digital e controle social’, ‘atenção especializada’, entre outros.

Com a realização da etapa nacional, no início de julho, conselheiros nacionais da Saúde deliberaram unanimemente pela aprovação da Resolução nº 715, que definiu orientações estratégicas para as políticas públicas de saúde. O documento sintetiza as diretrizes da 17ª Conferência em 59 orientações, que abordam pontos como a defesa do direito universal à saúde, o papel do Brasil na agenda internacional de saúde e diversos aspectos ligados à saúde pública no país.

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Bereia classifica o conteúdo como enganoso, dada a estratégia de sensacionalismo para atrair atenção. Apesar dos conteúdos publicados por sites e políticos religiosos tratarem de dados reais contidos na Resolução nº 715 do Conselho Nacional de Saúde, também apresentam teor distorcido ao difundir as orientações e o próprio documento como uma determinação, não só do atual governo, mas da pessoa do presidente Luis Inácio Lula da Silva.

O modo como os títulos, as imagens e as informações foram estruturadas estimula julgamentos negativos sobre assuntos como a legalização do aborto, da maconha e a garantia de direitos da comunidade LGBTIA+, que vão contra a pauta de costumes defendidos por políticos e lideres religiosos. Para busca de apoio a estas pautas e argumentos de oposição ao atual governo, os sites e políticos citados nesta matéria recorrem ao pânico moral com informações distorcidas. Desta forma, o conteúdo evidencia o esforço empregado para desinformar e, portanto, carece de substância.

Ao contrário do que grande parte das publicações alega, a Resolução nº 715, emanada da 17ª Conferência Nacional de Saúde, não consiste em um posicionamento de governo, nem configura previsão legal a ser cumprida pelas instituições da Saúde. Trata-se, na verdade, de um conjunto de propostas elaboradas democraticamente, com a participação de diversos setores da sociedade. 

Referências da checagem:

Planalto. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm Acesso em: 2 ago 2023

Câmara dos Deputados. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2302814&filename=PDL%20197/2023 Acesso em: 2 ago 2023

Ministério da Saúde.

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/garantir-direitos-e-defender-o-sus-a-vida-e-a-democracia-sera-tema-da-17a-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/de-forma-inedita-ministerio-da-saude-organiza-etapas-preparatorias-para-a-17a-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/janeiro/17a-conferencia-nacional-de-saude-etapas-municipais-serao-realizadas-ate-marco Acesso em: 2 ago 2023

Conselho Nacional de Saúde.

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/3046-aberto-credenciamento-de-imprensa-para-a-17-conferencia-nacional-de-saude-2 Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/apresentacao-cns Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/3091-conselho-nacional-de-saude-publica-resolucao-com-prioridades-para-o-sus-a-partir-das-deliberacoes-da-17-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/resolucoes-cns/3092-resolucao-n-715-de-20-de-julho-de-2023 Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2697-etapas-municipais-da-17-conferencia-nacional-de-saude-comecam-a-ser-realizadas-em-novembro Acesso em: 2 ago 2023

https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2941-comecam-etapas-estaduais-rumo-a-17-conferencia-nacional-de-saude Acesso em: 2 ago 2023

Revista Oestehttps://revistaoeste.com/politica/deputado-pretende-sustar-resolucao-sobre-legalizacao-do-aborto-e-hormonio-para-adolescentes-trans/ Acesso em: 2 ago 2023

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Foto de capa: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Panfleto político-religioso promove desinformação entre igrejas

Bereia recebeu pedido de checagem de um panfleto com conteúdo político que circulou na Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) no município de Francisco Morato (SP). O texto, intitulado “Propostas que afrontam os valores cristãos”, foi distribuído aos fiéis e não traz menção à denominação religiosa ou assinatura.

O texto se propõe a enumerar “apenas alguns projetos” em tramitação no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais ou no Poder Judiciário, e que vão de encontro aos “valores cristãos”, tendo como alvos principais a família, a escola e a igreja. Na lista de projetos estão: 

  • “Ideologia de gênero”
  • Mudança de sexo em crianças e adolescentes
  • Lei anti-homofobia
  • Liberação da maconha
  • Famílias do século XXI
  • Programas religiosos na televisão
  • Limite sonoro nas igrejas

Bereia checou, ponto a ponto, os temas mencionados e o que se sabe sobre cada um.

Imagem: foto do panfleto distribuído, enviado por leitora

“Por exemplo, no Supremo Tribunal Federal, a ideologia de gênero nas escolas é tratada pela recente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5568. Ela modificou o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014, com o intuito de obrigar escolas públicas e particulares a tratarem crianças de acordo com o gênero ao qual se identificam.

Mas esse não é o único projeto absurdo. Imagine você que, após todo esse ensino que eles promovem na escola, a criança comece a achar que ela nasceu com o sexo errado e queira mudar, você como pai vai se colocar contra isso porque sabe que aquilo não é uma ideia do seu filho, mas algo que foi implantado nele”.

“Ideologia de gênero”

O panfleto menciona  “ideologia de gênero” e apresenta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.568, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), para argumentar que escolas serão obrigadas a respeitar o gênero com o qual cada criança se identifica. 

Ao contrário do que o texto afirma, não se trata de um “projeto” de ensino a ser promovido nas escolas. A ADI nº 5.568 foi ajuizada em 2017, na busca de que o STF reconhecesse o dever constitucional das escolas de coibir o bullying homofóbico e de respeitar a identidade de pessoas LGBT no ambiente escolar.

A justificativa para a ação está na Lei 13.005/2014 – Plano Nacional da Educação – que em seu art. 2º traz como diretriz a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação.

O panfleto omite que, ao final de novembro de 2020, após articulação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) com a Frente Parlamentar Evangélica, o STF retirou a ação da pauta. Desde então, não houve movimentação desta ADI.

Conforme Bereia já publicou, a  noção de “ideologia de gênero” tem sido utilizada como estratégia discursiva e arma política e foi um dos temas mais explorados nas eleições gerais de 2022. A ADI nº 5.568, em particular, já foi alvo de desinformação checada por Bereia, em que se verificou a presença de narrativas enganosas em mídias sociais e portais religiosos. 

Mudança de sexo em crianças e adolescentes

O texto que circulou na Iurd afirma que o Projeto de Lei (PL) nº 5.002/2013 busca autorizar crianças e adolescentes a realizarem mudança de sexo, mesmo sem autorização dos pais. Porém,o que o PL busca, na verdade, é reafirmar o direito ao reconhecimento da identidade de gênero de acordo com a vivência individual de cada pessoa. 

A Lei 6.015/1973, sobre registros públicos, já prevê que o nome das pessoas é definitivo, “admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”. O que o PL 5.002/2013 propõe é que também se admita a substituição do nome em casos de discordância com a identidade de gênero autopercebida.

Quanto às intervenções cirúrgicas de transsexualização, o PL as prevê para pessoas maiores de 18 anos e requer o consentimento informado da pessoa adulta, informação que o panfleto religioso omite. Para menores de 18 anos, a solicitação de intervenção cirúrgica deve ser efetuada através de seus representantes legais e com expressa anuência da criança ou adolescente. 

O panfleto diz que crianças e adolescentes podem realizar mudança de sexo mesmo sem a aprovação dos pais, o que é uma leitura distorcida do projeto de lei. De acordo com o texto do projeto, quando não for possível obter o consentimento dos representantes legais, os menores de idade poderão contar com a assistência da Defensoria Pública. Ou seja, nesse caso há a intervenção, obrigatória, de um órgão do Estado para conduzir o caso, o que não significa, necessariamente, que haverá autorização para a intervenção.

Consta no portal da Câmara dos Deputados que o projeto foi arquivado pela Mesa Diretora em janeiro de 2019, informação que o panfleto religioso também oculta.

Lei anti-homofobia

Segundo o texto que circulou em Franciso Morato, o Projeto de Lei nº 122/2006 busca cercear o direito de expressão, impedindo até mesmo que pais e mães se manifestem em sentido contrário à mudança de sexo em crianças e adolescentes. A informação divulgada é falsa.

Apresentado em 2006, o projeto buscou criminalizar a homofobia, ou seja, a discriminação motivada exclusivamente na orientação sexual ou na identidade de gênero. A ideia era acrescentar à Lei 7.716 – que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor – os crimes contra gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. 

Trata-se de um projeto que tramitou durante 14 anos no Congresso Nacional, mas que, sem ter alcançado consenso para evoluir, foi  arquivado em 2015 – informação que não consta  no panfleto.

Em 2019, o STF criminalizou a homofobia como forma de racismo, em decisão que não guarda relação com o projeto de lei. Conforme matéria no portal do STF, os ministros da Corte fizeram ressalvas sobre a liberdade de expressão em templos religiosos. Assim, a mera opinião contrária a relações homossexuais não tipifica crime, sendo criminalizada a incitação ou indução da discriminação.

A desinformação sobre a criminalização da homofobia já foi alvo de checagem por Bereia, em que se constatou narrativa enganosa sobre a tipificação do crime e sobre as ressalvas à liberdade de expressão em templos religiosos.

Liberação da maconha

O panfleto religioso diz que o Projeto de Lei 7.270/2014 “abre portas não apenas para a maconha, mas para todos os outros tipos de drogas e males que destroem famílias”. Porém,o que o projeto de lei busca, de fato, é regular a industrialização e comercialização de cannabis (planta que pode produzir substâncias psicoativas, popularmente associada ao termo “maconha”, como exposto pela Fundação Oswaldo Cruz), dispor sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e criar o Conselho Nacional de Assessoria, Pesquisa e Avaliação para as Políticas sobre Drogas.

Entre outras disposições, o PL obriga o registro, a padronização, a classificação, a inspeção e a fiscalização da produção e do comércio de cannabis. Apenas o plantio, o cultivo e a colheita destinados a consumo individual ou domiciliar ficam isentos dessas obrigações, somente até seis plantas maduras e seis plantas imaturas por indivíduo. 

O projeto esclarece que não há intenção de “liberar” o comércio da maconha, mas regulá-lo, ressaltando que há, atualmente, um cenário em que o comércio dessa e de outras substâncias proibidas por lei está, na prática, liberado. O documento também aponta que milhares de pessoas morrem graças ao cenário atual da política de drogas, com pessoas armadas exercendo a violência ou, quando presas, submetidas a condições desumanas, enquanto o circuito das drogas continua funcionando.

Famílias do século XXI

Em outro trecho, o panfleto que circulou da Iurd de Francisco Morato menciona o PL nº 3.369/2015, conhecido como “Estatuto das Famílias do Século XXI”, e sustenta que tal projeto permitiria o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo e até entre pessoas da mesma família. Trata-se de informação falsa.

O projeto apresentado em 2015, pelo atual deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) não trata de relações sexuais, mas da definição de família para fins legais. Segundo o texto do PL nº 3.369, família seria toda forma de união entre duas ou mais pessoas que se constitua com o intuito de ser uma família e que se baseie no amor e na socioafetividade.

O projeto ressalta que a família assim constituída independe de consanguinidade, gênero, orientação sexual, nacionalidade, credo, raça e inclui filhos e pessoas que sejam consideradas como tal.

O panfleto, sob análise, induz seus leitores a acreditar que há uma permissão a relações incestuosas no projeto de lei, o que não condiz com a realidade. A tramitação do PL pode ser acompanhada neste link.

Programas religiosos na televisão

Outra afirmação presente no panfleto com conteúdo político-religioso é a de que o Projeto de Lei nº 299/1999 limita o tempo de programas religiosos na televisão a, no máximo, uma hora de duração. Porém,o mencionado projeto não guarda qualquer relação com o tema apresentado pelo folheto.

Trata-se, na verdade, de uma proposta de alteração do Código Penal (CP) que propõe que as penas de pessoas condenadas em regime aberto sejam cumpridas em casa de albergado ou prisão domiciliar, entre outras providências também ligadas ao CP.

Em 2022, a Justiça determinou que a Rádio e Televisão Record S/A e a Rádio e Televisão Bandeirantes diminuíssem o tempo televisivo de programas religiosos, conforme noticiado pelo portal UOL. A decisão, no entanto, se justificou pelo limite legal para comercialização de espaço televisivo para programas de qualquer natureza, estipulado em 25%, o que vinha sendo descumprido por essas emissoras.

Limite sonoro nas igrejas

Por fim, o panfleto religioso menciona um projeto de lei que seria benéfico aos “valores cristãos” e que ajudaria na “propagação do evangelho”. O PL 524/2015 estabelece limites para emissão sonora nas atividades em templos religiosos.

O projeto estipula um limite diurno de 85 decibéis em zonas industriais, 80 decibéis em zonas comerciais e 75 decibéis em zonas residenciais, com limite de 10 decibéis a menos para o período noturno (entre 22h e 6h).

Segundo o texto que circulou na Iurd, trata-se de um bom exemplo de projeto de lei, pois permitiria tranquilidade nas atividades religiosas, “sem correr o risco de tomar multas desnecessárias”.

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Bereia considera enganoso o conteúdo checado, com alguns fragmentos de substância verdadeira, mas apresentados para confundir. Em sua maior parte, o panfleto apresenta projetos de lei existentes e que tratam dos temas referidos, porém faltam detalhes importantes que permitam a total compreensão dos fatos. A omissão de informações, como no trecho que menciona a ADI nº 5.568, já retirada de pauta pelo Supremo Tribunal Federal, contribui para a construção de uma narrativa enganosa persistente no mundo religioso.

Além das omissões, em alguns trechos, há informações que não condizem com as fontes oficiais. Em outros, utiliza-se o exagero como estratégia discursiva para sustentar a tese de que há um projeto em curso contra valores cristãos. O fato de o panfleto não conter fonte ou autoria, uma das características comuns a materiais desinformativos como estratégia de propagação, permite a circulação entre diferentes grupos cristãos que se apropriam do conteúdo. A forma como o texto é apresentado instiga julgamentos negativos contra um ente não revelado, mantendo os interlocutores em constante estado de medo e mobilização política.

Referências de checagem:

Portal STF. https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=338927&ori=1 Acesso em: 4 abr 2023

Lei 13.005/2014. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm Acesso em: 4 abr 2023

Anajure. https://anajure.org.br/processos-sobre-teorias-de-genero-e-bullying-homofobico-sao-adiados-julgamentos-sobre-dia-de-guarda-religiosa-sao-reagendados-para-18-11/ Acesso em: 4 abr 2023

Portal STF. https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5148159 Acesso em: 4 abr 2023

Planalto.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em: 4 abr 2023

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm Acesso em: 4 abr 2023

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=565315 Acesso em: 4 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1059446&filename=PL%205002/2013 Acesso em: 4 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1237297&filename=PL%207270/2014 Acesso em: 4 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1402854&filename=PL%203369/2015 Acesso em: 6 abr 2023

http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD18MAR1999.pdf#page=240 Aceso em: 6 abr 2023

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1304807&filename=PL%20524/2015 Acesso em: 6 abr 2023

Senado Federal.

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3584077&ts=1630421107838&disposition=inline Acesso em: 4 abr 2023

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/01/07/projeto-que-criminaliza-homofobia-sera-arquivado Acesso em: 4 abr 2023

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-06/supremo-decide-criminalizar-homofobia-como-forma-de-racismo Acesso em: 4 abr 2023

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/06/13/stf-permite-criminalizacao-da-homofobia-e-da-transfobia.ghtml Acesso em: 4 abr 2023

Carta Capital. https://www.cartacapital.com.br/justica/justica-determina-que-record-e-band-diminuam-tempo-televisivo-para-igrejas/ Acesso em: 6 abr 2023

UOL.

https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2023/02/15/maconha-medicinal-x-recreativa-quais-as-diferencas.htm Acesso em: 10 abr 2023

https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/05/24/justica-condena-band-rio-e-record.htm Acesso em: 10 abr 2023

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-estrategia-discursiva-e-arma-politica/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/ideologia-de-genero-e-um-dos-temas-explorados-por-quem-produz-desinformacao-em-espacos-religiosos-nestas-eleicoes/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/acao-proposta-pelo-psol-nao-exige-que-ideologia-de-genero-seja-obrigatoria-nas-escolas/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-sobre-indiciado-de-pastor-por-homofobia/ Acesso em: 4 abr 2023

https://coletivobereia.com.br/universidades-publicas-nao-produzem-drogas-em-suas-dependencias/ Acesso em: 4 abr 2023