Na tentativa de comparar dados sobre o desemprego no Brasil para criticar o atual governo, a senadora evangélica Damares Alves (Republicanos/DF) publicou uma montagem que utiliza reportagens da Rede CNN e do portal de notícias G1, da Rede Globo, junto com as fotos de Lula e Bolsonaro. As matérias anunciam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Bereia consultou os dados da pesquisa do IBGE, mencionados por Damares Alves em sua comparação. É correto, de acordo com o instituto, que no período de julho-agosto-setembro do ano passado, a taxa de desemprego no Brasil foi de 8,7%. Já no período de dezembro-janeiro-fevereiro deste ano a taxa foi, de fato, de 8,6%.
Porém, a variação percentual nesses trimestres não é informada na publicação da senadora, o que pode levar seguidores ao erro. No trimestre outubro-novembro-dezembro, ainda no governo Bolsonaro, por exemplo, a taxa chegou no menor valor, 7,9%. O número aumentou logo no trimestre seguinte, novembro-dezembro-janeiro para 8,4%.
Quando considerados apenas os dois períodos citados nas manchetes dos jornais (8,7% – 8,6%) por Damares Alves, a taxa se mantém estável.
Como comparar as taxas de desemprego
Uma comparação correta entre as taxas de desemprego é a que leva em conta o trimestre anterior (no caso, novembro-dezembro-janeiro, no final do mandato do governo Bolsonaro, que teve 8.4%), o que demonstra uma alta em dezembro-janeiro-fevereiro de 2023, nos primeiros meses do governo Lula de 0,2%.
Outra comparação corrente e correta deve se dar entre o trimestre atual e o mesmo trimestre do ano anterior, 2022. Nesse caso, verifica-se dezembro-janeiro-fevereiro de 2023 com 8,6% frente a dezembro-janeiro-fevereiro de 2022 com 11,2%, durante o governo Bolsonaro, o que representa uma baixa nestes primeiros meses do governo Lula, equivalente a 2,6%.
Bereia considera que a montagem publicada pela senadora é enganosa, pois utiliza dados verdadeiros do IBGE, mas produz comparação descabida entre trimestres avulsos, além de omitir informações relevantes ao leitor: (1) não faz as comparações corretas, com dados do trimestre anterior e do mesmo trimestre do ano anterior; (2) não considera fatores sazonais, como o aquecimento do comércio durante as festas de final de ano, por exemplo, com trabalho temporário, que decresce nos meses seguintes.
O retorno à normalidade é o tema comum que tem aparecido entre os jornalistas, após a eleição de Lula e a posterior saída de Jair Bolsonaro da presidência. Obviamente, não há normalidade alguma retornando ou deveríamos repensar o que seria esse verdadeiro normal. Bem, se pensarmos em Collor, e temos todos os motivos de sobra para contestar sua idoneidade, seu mandato foi interrompido com um impedimento e, 22 anos depois, o Supremo Tribunal Federal inocentou o ex-presidente. Agora, no possível retorno à normalidade, Dilma foi “absolvida” e repete a mesma história que Collor – a despeito da diferença óbvia entre os dois políticos. Contudo, o que nossa história demonstra é que o normal é presidentes não terminarem seus mandatos: o primeiro, Deodoro da Fonseca renunciou; Washington Luís foi deposto; Vargas se matou; Café filho sofreu impeachment por pressão dos militares; Jânio renunciou. em uma atitude golpista que não deu certo, João Goulart foi deposto pelos militares. E aí entramos na nossa nova democracia onde os julgamentos de Collor e Dilma estão ainda vivos na nossa mente.
O que se quer dizer com isso? Ao que parece, o normal é haver presidentes que caem por pressão militar ou por golpismo qualquer – com alguma exceção que toda regra permite. Porém, é preciso compreender que força “normal” é essa que derruba presidentes. Dilma e Collor caíram pelo que foram inocentados. O que demonstra que o impeachment nada mais é do que uma vontade política, a despeito da participação da justiça e da acusação de crime de responsabilidade. Todo o rito ganha a aparência de legalidade, mesmo não o sendo. Diferente da frase de Júlio César, que dizia que “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, o rito do impeachment não precisa ser honesto, mas tem que parecer honesto. Mesmo em sua aparência, não se quer dizer que ele realmente seja visivelmente honesto, mas sim que não se possa questionar sua honestidade, ainda que sua desonestidade “salte aos olhos”. Há a pessoa honesta que aparenta honestidade e há o desonesto que alega honestidade para si, mas que ninguém consegue acusar de desonestidade, mesmo que todos saibam que assim o é. Desta forma o rito do impeachment deve parecer. Com que segurança se pode afirmar isso?
Bom, agora temos um ex-presidente que completou seu mandato e isso o coloca em uma condição que apenas alguns conseguiram, nessa República. Mas em que situação? Temos um pedido de impedimento contra Bolsonaro que o acusa de 23 crimes de responsabilidade; A CPI da COVID o acusa de 10 crimes de responsabilidade. Na reunião que o presidente teve com embaixadores, juristas apontam outros crimes de responsabilidade. E o que aconteceu com tanta possibilidade de crimes? Nada. Bolsonaro seguiu cumprindo seu mandato e, inclusive, com toda a liberdade para deslegitimar a democracia e não entregar a faixa de presidente para Lula, tendo, inclusive, deixado seu vice-presidente terminar o mandato, sem sequer ter renunciado.
O que essa situação diz sobre o processo de impeachment? Que sem vontade política, sem interesse de alguém, ou alguns, um presidente pode destruir a nação. E, também, que se houvesse vontade política, destruiriam a nação para derrubar um presidente. Bolsonaro rebaixou não apenas o cargo da presidência, mas também a própria nação. Por outro lado, Lula nem havia assumido e o mercado ressuscitou, após quatro anos de silêncio. Esse é o jogo normal que mercado e oposição estavam acostumados a jogar e, para eles, tudo voltou à normalidade, com a volta de Lula. Não. Não gostam de Lula e não torcem por um governo bom. Não se trata disso. Trata-se de conseguirem jogar um jogo. É imperativo que o governo Lula seja o melhor governo que ele já exerceu. É importante que ele não falhe e é seguro que há muitos desejando essa falha. Há muitos de olho em um crime de responsabilidade, um gasto excessivo e a qualquer “pedalada” que justifique o que Collor e Dilma viveram.
**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.
O site evangélico Pleno News publicou, em 29 de setembro de 2022, pesquisa de intenção de votos realizada pelo Instituto Equilíbrio Brasil. Nos dados oferecidos na matéria “Bolsonaro lidera em pesquisa mais ampla que Ipec e Datafolha”, Jair Bolsonaro teria 44% da preferência do eleitorado, contra 39% de Lula.
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Equilíbrio Brasil: metodologia contestada
Pleno News destaca que o levantamento realizado é mais amplo do que aquelas que têm sido apresentadas por institutos credenciados como o Ipec (formado por ex-executivos do Ibope) e o Datafolha. A matéria diz que o instituto Equilíbrio Brasil, ouviu 11.500 pessoas em 1.286 cidades, entre os dias 20 e 22 de setembro, com margem de erro de três pontos percentuais.
O desconhecido Equilíbrio Brasil se coloca ao lado de outro, o controverso Brasmarket, até então o único instituto de pesquisa do país a apresentar Jair Bolsonaro na liderança da corrida presidencial. Brasmarket e seus métodos foram alvo de checagem do Bereia.
De acordo com o Art. 33 da Lei nº 9.504/1997as entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, a registrar na Justiça Eleitoral, para cada pesquisa, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações:
I – quem contratou a pesquisa;
II – valor e origem dos recursos despendidos no trabalho;
III – metodologia e período de realização da pesquisa;
IV – plano amostral e ponderação quanto a sexo, idade, grau de instrução, nível econômico e área física de realização do trabalho a ser executado, intervalo de confiança e margem de erro;
V – sistema interno de controle e verificação, conferência e fiscalização da coleta de dados e do trabalho de campo;
VI – questionário completo aplicado ou a ser aplicado;
VII – nome de quem pagou pela realização do trabalho e cópia da respectiva nota fiscal.
Equilíbrio Brasil ou Multi Mercado LTDA: financiamento criticado
Numa pesquisa mais detalhada no site do Tribunal Superior Eleitoral, verificamos que o próprio instituto foi o “contratante” da pesquisa. e mesmo com elevado número de entrevistas feitas por telefone, 11.500 contatos, o levantamento custou R$ 28.000,00.
Esta modalidade de financiamento, o “autofinanciamento” de pesquisas eleitorais, mesmo permitida por lei, levanta suspeitas, pois permite que institutos não divulguem a origem dinheiro que pagou as sondagens e a divulgação da nota fiscal não é obrigatória. Todas as pesquisas realizadas por Equilíbrio Brasil foram “autofinanciadas”.
Equilíbrio Brasil X Datafolha
Tomando-se um dos institutos citados pelo Pleno News em comparação, o levantamento do Instituto Datafolha realizou 6.800 entrevistas presenciais e o valor da foi de R$ 473.780,00. Quase dez vezes o custo da pesquisa do Instituto Equilíbrio Brasil (Multi Mercado LTDA)
Seguindo a tendência dos principais institutos do país, o Datafolha mostra o ex-presidente na liderança. Lula oscilou de 45% para 47% das intenções de voto na disputa pela Presidência da República e ampliou a liderança sobre o segundo colocado, Jair Bolsonaro, que se manteve com a preferência por 33% dos eleitores brasileiros.
Este resultado se aproxima dos números do agregador de pesquisas do jornal Estado de São Paulo que leva em conta pesquisas sobre a corrida presidencial divulgadas nos últimos seis meses e tem atualização diária. O cálculo considera as linhas de tendência de cada candidato (se estão estáveis, subindo ou caindo) e atribui pesos diferentes às pesquisas segundo sua “idade” (a data de realização) e metodologia (na média, os resultados são mais precisos quando os eleitores são entrevistados de forma presencial, em vez de por telefone).
Bereia conclui que a pesquisa divulgada pelo portal Pleno News não pode ter seus dados corroborados, por isso a matéria desinforma por ser imprecisa. A metodologia utilizada no levantamento é contestada e o financiamento, mesmo não sendo ilegal, levanta dúvidas quanto à isenção dos dados.
Um trabalho que envolve mais de 11 mil contatos com eleitores, mesmo por telefone, apresentaria um custo muito elevado. Já os institutos desqualificados pela matéria Pleno News, Ipec e Datafolha oferecem todas as informações exigidas para o credenciamento de uma pesquisa e têm os levantamentos registrados no TSE, como exigido por lei, além de executivos respeitados e histórico confiável de pesquisas eleitorais.
Dezenas de sites e mídias digitais evangélicas divulgaram uma controversa pesquisa eleitoral realizada pelo Instituto Brasmarket sobre intenção de votos para a Presidência da República. A pesquisa é polêmica pois vai de encontro a todos os demais levantados dos principais institutos de pesquisa do país.
De acordo com os dados apresentados pelo Brasmarket, o presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria liderando a corrida eleitoral com 44,9% (37% no levantamento anterior), enquanto Lula teria 31% (27%, no levantamento anterior). Além disso, quando o corte é por religião, os cristãos católicos e evangélicos rejeitaram em sua maioria o ex-presidente Lula (PT). A pesquisa foi registrada no TSE com o número BR-00580/2022.
Além das pesquisas eleitorais para presidente, três delas contratadas pela Associação de Supermercados do Rio de Janeiro, as demais foram custeadas pelo próprio Brasmarket. O Instituto realizou outras pesquisas este ano: para o governo de Goiás, contratado pela ASSOCIAÇÃO GOIANA DO NELORE, governo de Tocantins, custeada pela própria empresa, para o governo do Rio Grande do Norte, contratada pela CPF/CNPJ: 25450212000100 – BG MÍDIAS E ASSESSORIA DIGITAIS EIRELI, para o governo de Mato Grosso do Sul, contratada pela CPF/CNPJ: 03976495000187 – RADIO CAPITAL DO SOM LTDA / Origem do Recurso: (Recursos próprios). As pesquisas para os governos estaduais foram acompanhadas de pesquisa levantamento de intenção de voto para Presidente da República apenas naquele estado.
Matéria da Revista Veja de janeiro de 2022 apresenta uma suposta pesquisa realizada ainda em 2021 pelo Brasmarket que chegou ao conhecimento público sem o devido registro no TSE e rapidamente inundou as mídias digitais de direita. De acordo com a matéria, o Instituto está envolvido em diversas controvérsias e mistérios.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a quantitativa, por meio de entrevistas telefônicas, com aplicação de questionários estruturados e padronizados junto a amostra representativa da população pesquisada. Foram 2.400 entrevistados de 116 municípios.
A pesquisa realizada pelo Instituto Brasmarket chama atenção por ser o único levantamento que aponta o presidente Jair Bolsonaro como favorito e pelo resultado bem diferente dos apresentados pelos Institutos mais conhecidos e renomados do país: Datafolha e Ipec (formado por ex-executivos do Ibope).
O agregador de pesquisas eleitorais do Estadão usa dados dos levantamentos de 14 empresas, considerando suas peculiaridades metodológicas, para calcular a Média Estadão Dados e o cenário mais provável da disputa eleitoral. Lula aparece com 47% e Jair Bolsonaro fica com 33% na média de todos os levantamentos nos últimos seis meses.
O Datafolha não faz pesquisas sob encomenda para políticos ou partidos. Todos os levantamentos são realizados para divulgação e uso público de grandes veículos de comunicação. Quando um meio de comunicação contrata uma pesquisa eleitoral do instituto, uma de suas obrigações é tornar público o resultado desse levantamento.
De acordo com a seção de perguntas e respostas disponibilizada no site, a validade de uma pesquisa eleitoral feita por telefone, como a realizada pelo Instituto Brasmarket, fica comprometida pois “é inviável realizar pesquisas eleitorais telefônicas no Brasil que sejam representativas do total do eleitorado, já que apenas 40% dos brasileiros possuem linha telefônica fixa em casa. Por isso os institutos abordam os eleitores pessoalmente”.
A última pesquisa Datafolha para presidente foi divulgada em 22/09, dia anterior à divulgação da pesquisa do Instituto Brasmarket, com o número de identificação no TSE BR-04180/2022. O custo total da pesquisa foi de R$ 473.780,00. (o levantamento de Brasmarket custou R$ 32.000,00)
Contratantes: EMPRESA FOLHA DA MANHÃ e GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A/TV/REDE/CANAIS/G2C+GLOBO GLOBO.COM GLOBOPLAY.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a pesquisa do tipo quantitativo, por amostragem, com aplicação de questionário estruturado e abordagem pessoal em pontos de fluxo populacional. O conjunto do eleitorado brasileiro foi tomado como universo da pesquisa. 6.734 entrevistados em 285 municípios. (Brasmarket entrevistou 2.400 pessoas de 116 municípios).
Resultado pesquisa Datafolha.
Fonte: Datafolha
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De acordo com todas as informações levantadas, o Bereia considera que a pesquisa realizada por Brasmarket, que está sendo amplamente divulgada nas mídias digitais da extrema-direita, é enganosa.
O instituto começou efetivamente suas atividades há quatro meses, e suas pesquisas são as únicas em todo o país a apresentarem resultados divergentes, e mesmo com o registro no TSE, apresenta disparidades em relação às demais pesquisas, como o custo muito baixo dos levantamentos, metodologia e pouco detalhamento de seus resultados.
Desta maneira, esta pesquisa parece funcionar mais como uma ferramenta para batalhas discursivas na campanha política neste pleito 2022, a fim de confundir eleitores.
*Matéria atualizada em 15/09/2022 às 09:50 para complementação de informações
Um blog de notícias sem referências, com o nome “Folha da Política”, publicou, em 11 de setembro de 2022, matéria com suposta denúncia contra o pastor vinculado à Comunidade Cristã Reformada Ariovaldo Ramos, um dos líderes da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. A matéria com o extenso título “URGENTE: PASTOR esquerdista que lidera apoio evangélico a Lula recebeu R$ 6.000.000 Milhões de reais por ONG presidida por ele no governo do PT. A ONG tem também contratos com a PETROBRAS” , passou a circular em ambientes digitais religiosos depois que o pastor participou de um evento da campanha de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da República. O ato, que reuniu lideranças e fiéis de igrejas evangélicas, ocorreu na cidade de São Gonçalo. no último 9 de setembro. Ramos fez um pronunciamento no evento e proferiu a bênção final.
A matéria é, na verdade, uma reprodução de outra, com pequenas atualizações introdutórias referentes ao ato pró-Lula, em São Gonçalo, em 9 de setembro. O texto original é da Revista Sociedade Militar, com data de publicação de 16 de setembro de 2021, e título diferente:
O texto usa como fontes “líderes evangélicos”, como o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia que, segundo o veículo, “advertem quanto à ONG gerenciada por Ariovaldo e as vultosas verbas que recebeu do governo federal, dando a entender que ha (sic) interesse financeiro por trás desse apoio tão aguerrido”. São usados vídeos de Malafaia como base para a acusação.
A Revista da Sociedade Militar diz também ter tido “acesso a algumas notas de empenho e documentos que mostram que as acusações de Malafaia são bem fundamentadas”. A matéria cita a ONG Visão Mundial como instituição que seria liderada por Ariovaldo Ramos, e teria recebido do governo federal quantias qualificadas no texto como “gigantescas”. São apresentadas imagens de trechos de documentos baixados do Portal da Transparência do Governo Federal que indicam que o Executivo teria liberado verba, em 2017, para uma pesquisa que teria custado, segundo o texto “a exorbitante quantia de 2 milhões de reais [aos cofres públicos]”. O texto segue afirmando que “a ONG recebe recursos desde o ano de 2000, ainda no governo FHC, totalizando mais de 6 milhões de reais em valores recebidos do governo federal”.
A Revista da Sociedade Militar também aponta para outra matéria, com data de 18 de outubro de 2018, com a afirmação de que “o braço israelense da ONG Visão Mundial foi acusado de direcionar dinheiro de doações para o financiamento do terrorismo, por meio do Hamas”. A revista, na verdade, recuperou uma história superada em 2016, quando o governo de Israel, acusou a Visão Mundial Internacional que tem programas na Faixa de Gaza, de apoio ao partido Hamas, associando-a com a Visão Mundial no Brasil. A desinformação foi usada a propósito da campanha eleitoral do Brasil em 2018.
A Visão Mundial e o recebimento de recursos públicos
A World Vision [Visão Mundial] é uma organização evangélica fundada nos Estados Unidos, em 1950, para atuar em defesa dos direitos de crianças e adolescentes e pela proteção de populações vulneráveis em diversos lugares do mundo. Em sua apresentação por website, afirma ser a maior organização não-governamental cristã do mundo, com presença em mais de 100 países. Declara, ainda, trabalhar para auxiliar pessoas sem distinção de credo, etnia ou gênero.
A organização está presente no Brasil desde 1975, é filiada à Associação Brasileira de ONGs (ABONG). Atua com foco nas crianças e adolescentes em situação de maior vulnerabilidade, por meio de programas e projetos nas áreas de proteção à vida, educação, crises humanitárias e emergências, como catástrofes naturais e crises migratórias.
Em nota oficial, a Visão Mundial afirma “que, diferente do que foi mencionado equivocadamente nos respectivos sites, Ariovaldo Ramos deixou o Conselho Diretor e todos os órgãos de governança da Visão Mundial em 2018, não tendo nenhuma ligação com a organização”. E que “Todo financiamento público recebido pela Organização se dá por meio de editais abertos, auditáveis e cujos contratos são disponibilizados no Portal da Transparência. No âmbito federal, esses contratos se estendem até o atual governo”. O diretor nacional da ONG, Thiago Crucciti, também se pronunciou: “Estão tentando sequestrar a Visão Mundial para um paralelo partidário, mas a instituição não entrará nessa questão”. Reforçou que a organização mantém bom relacionamento com governantes diversos, a despeito de suas ideologias. “Não temos vínculos políticos. As crianças e os adolescentes são nossa prioridade”, completou.
Bereia consultou o Portal da Transparência do Governo Federal e verificou o registro de 124 convênios e outros acordos firmados entre o governo federal e a Visão Mundial desde 1975. As parcerias foram firmadas desde a ditadura militar, com o governo de Ernesto Geisel e foram realizadas, ao todo, com dez mandatos no governo federal, por meio dos protocolos de convênio de relações governamentais com organizações da sociedade civil, regulamentados por lei. A referência é a Lei 13019, conhecida também como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil,que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. Não há, portanto, ilegalidade em parcerias de ONGs com o governo federal. Seja qual for o valor do financiamento dos projetos, há protocolos a serem seguidos.
A Visão Mundial conta também com outras parcerias com o poder público nos âmbitos municipais e estaduais, bem como com entidades privadas nacionais e internacionais, além de doações e voluntários. O teor dos projetos e das parcerias pode ser localizado também nas mídias sociais da organização, como Twitter,Instagram e Youtube.
Os documentos sobre parcerias com o governo federal caracterizados como denúncia, apresentados na matéria da Revista da Sociedade Militar, republicada pela Folha da Política, constam no Portal da Transparência do Governo Federal e não há indicativo de irregularidades. Bereia não encontrou também pareceres do Tribunal de Contas da União ou qualquer outra auditoria que indique ações ilegais referentes aos valores utilizados nos projetos.
A estrutura da Visão Mundial é composta por um grupo executivo de quatro diretores (Nacional, de Operações, de Marketing e de Advocacy e Relações Internacionais) e por um Conselho Diretor com presidência, duas tesourarias, duas secretarias e uma coordenadoria do conselho fiscal. Bereia obteve da organização a informação de que o pastor Ariovaldo Ramos presidiu o Conselho Diretor em quatro mandatos, de 4 de abril de 2002 a 19 de dezembro de 2018 (conforme atas nos. 57, 67, 105 e 113).
Bereia apurou por meio de bibliografia em governança que Conselhos Diretores de ONGs comumente têm caráter consultivo quanto às diretrizes da organização e não lidam com atividades executivas como editais e assinaturas de contratos.
A matéria republicada pela Folha da Política, que passou a circular nos últimos dias, altera o título para acusar Ariovaldo Ramos de ter recebido seis milhões de reais de contratos com o governo Dilma Rousseff, por meio da Visão Mundial. A afirmação não tem fundamento nos próprios documentos oficiais apresentados na matéria. Eles dizem respeito aos valores recebidos regularmente pelas parcerias institucionais e ali se mostram todos lícitos e com registro de situação “adimplente”, “concluído” e “arquivado”.
Ouvido pelo Bereia, o pastor Ariovaldo Ramos declarou que nunca recebeu tais recursos destinados a projetos da Visão Mundial.
Folha da Política e Revista da Sociedade Militar
Bereia verificou os blogs que veicularam a matéria com a suposta denúncia contra o pastor Ariovaldo Ramos, a Folha da Política e a Revista da Sociedade Militar.
A Folha da Política é um blog que se pretende informativo, de notícias, com o lema “Compromisso com a verdade”, com contas no Facebook, no Twitter, no Youtube e grupos no Telegram e no WhatsApp. Nenhum destes espaços, no entanto, oferece informações básicas sobre o veículo: a proposta, quem coordena, meios de contato. É, portanto, uma mídia anônima, que expõe matérias de caráter noticioso e um excessivo número de anúncios do Google de todo tipo: de medicamentos a cosméticos, de viagens a práticas fitness, de truques para solucionar dificuldades domésticas a “fotos picantes de casamento”.
Não há data de publicação nas 739 matérias arquivadas no blog. Bereia deduz que o espaço digital foi criado entre 2016, data de criação do canal do Youtube e 2017, quando aparecem os primeiros comentários (estes datados) na primeira matéria sobre política. Curiosamente, as seis primeiras matérias publicadas não trataram de política mas de curiosidades sobre superação de atletas, OVNIs e fantasmas. A primeira com abordagem política, a que obteve os primeiros comentários, teve o título “Apoiadora do MST, ex- candidata a Presidente Luciana Genro tem uma de suas fazendas invadida por sem-terras”, já caracterizando o conteúdo alinhado ao conservadorismo.
Quando se analisa a coleção de matérias oferecidas pela Folha da Política, ele é 100% voltado à política nacional de tendência conservadora, alinhado à direita. As mais recentes têm inserções favoráveis à campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores, e negativas em relação à de Lula, ao PT e apoiadores.
O blog tem todas as características de espaço digital veiculador de desinformação: traveste-se de veículo jornalístico, fazendo parecer que oferece notícias, e lança mão de jargões jornalísticos. No entanto, as matérias são mal construídas, com títulos muito extensos, uso de expressões em maiúsculas para chamar a atenção, adjetivação, opinião inserida no corpo do que deveria ser informativo e muitos erros de português.
Já a Revista da Sociedade Militar é publicada no mesmo formato de blog da Folha da Política, com características visuais muito similares. Diferentemente, tem uma seção “Sobre” no menu, em que se apresenta fundada em 2011, atualizada diariamente e “voltada principalmente para a publicação de notícias e discussão de assuntos relacionados à Segurança Pública, Militares, Política e Geopolítica”.
Constam no “Sobre” o nome da empresa que alimenta o conteúdo do blog, com CNPJ verificado pelo Bereia, nome do editor, com e-mails e número de celular para contato e endereço comercial no centro do Rio de Janeiro. O público alvo e os colaboradores, segundo a página, é formado por militares das Forças Armadas Brasileiras. No menu, porém, há material destinado a polícias e segurança pública.
A Revista da Sociedade Militar tem intensa inserção de publicidade, semelhante à da Folha da Política. É oferecido espaço a anunciantes com valores em dólares dos EUA.
O conteúdo da Revista da Sociedade Militar mistura artigos de opinião e material informativo, alguns contêm assuntos de interesse de militares, outros de abordagem política, com linguagem semelhante ao que é publicado na Folha da Política. É observado que várias matérias da revista são republicadas pela Folha da Política, como foi o caso do texto acusatório ao pastor Ariovaldo Ramos. Isto leva a inferir que as duas publicações estão conectadas. Os textos caracterizados como informativos têm elementos semelhantes: mal elaborados, títulos muito extensos,expressões em maiúsculas para chamar a atenção, adjetivação, opinião mesclada com informação e erros de português.
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Bereia classifica o conteúdo da matéria publicada pela Revista da Sociedade Militar em 2021, republicado e divulgado nos últimos dias pelo blog anônimo Folha da Política, como FALSO. Membros do Conselho Diretor da Visão Mundial não recebem recursos destinados a projetos da organização e o ex-presidente citado na matéria, pastor Ariovaldo Ramos, declara nunca ter recebido tais valores mencionados no texto.
Os veículos envolvidos com esta informação falsa travestida de notícia se caracterizam por publicarem material de campanha política. Neste caso específico, o incômodo com as atividades de cunho progressista da ONG Visão Mundial e do pastor Ariovaldo Ramos parece ter motivado a produção do texto de 2021. A matéria foi recuperada neste momento como reação à presença do pastor em ato a favor de Lula, em São Gonçalo (o que consta na introdução do que foi republicado), consequentemente, contra a reeleição de Jair Bolsonaro apoiada pelos veículos.
Bereia alerta leitores e leitoras para o recorrente uso de desinformação (calúnia) com a intenção de atacar opostos e destruir reputações, especialmente em períodos eleitorais.