Imprensa e políticos da bancada evangélica no Congresso repercutem decisão da justiça catarinense que obriga pais a vacinar suas filhas

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve, no dia 28 de junho, decisão da 2ª Vara Cível da Comarca de São Bento do Sul, que determinou que um casal providencie, no prazo de 60 dias, a imunização de suas duas filhas de acordo com o esquema vacinal proposto pelo Ministério da Saúde. De acordo com a decisão, se os pais não acatarem a determinação, deverão pagar multa diária, entre R$ 100 e R$ 10 mil, em favor do Fundo de Infância e Adolescência daquele município. A ação foi ajuizada pelo Ministério Público catarinense. A não realização da vacinação das crianças somente seria aceita por meio da apresentação de atestado médico que comprovasse a contraindicação.

A decisão gerou reação crítica de parlamentares cristãos nas mídias sociais que negam a eficácia da vacinação, principalmente, da vacina contra a covid-19. Tal postura é recente no país,  fruto da desinformação que invadiu os espaços digitais ligados à extrema direita. Bereia já checou e refutou os argumentos que são apresentados como supostos motivos para não vacinar crianças e adolescentes

Imagem: reprodução do perfil do senador Cleitinho (REPUBLICANOS-MG)

Imagens: reprodução do perfil do senador Jorge Seif Junior (PL – SC) 

A deputada federal Júlia Zanatta usou a repercussão do caso para publicitar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL 486/2023), de sua autoria, que susta a Nota Técnica do Ministério da Saúde que incorpora as vacinas contra a covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação Infantil, para crianças de seis meses a cinco anos de idade. 

Imagens: reprodução do perfil da deputada federal Júlia Zanatta (PL – SC) 

Apesar dos parlamentares afirmarem que a determinação serve para forçar a aplicação da vacina contra a covid-19 nas crianças, o processo corre em segredo de justiça e, por isso, o Judiciário não pode informar  sobre a idade dos menores, nem quais vacinas devem ser administradas obrigatoriamente.

O site Pleno.News também repercutiu a decisão do TJSC. 

Imagem: Reprodução do site Pleno.news

Já o jornal Gazeta do Povo publicou uma entrevista em que o deputado Osmar Terra critica a obrigatoriedade da vacinação e que classifica a decisão do TJSC como absurda. 

Imagem: Reprodução do site Gazeta do Povo

Entenda o caso

Em 28 de junho, o site do Poder Judiciário de Santa Catarina divulgou notícia que confirma que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) manteve a decisão, tomada na 2ª Vara Cível na comarca de São Bento do Sul,que determina que um casal deve realizar a vacinação de suas duas filhas, no prazo de 60 dias, de acordo com o esquema vacinal do Ministério da Saúde.

A notícia destaca que o não cumprimento da determinação acarreta o pagamento de multa diária entre R$ 100 e R$ 10 mil em favor do Fundo de Infância e Adolescência do município. A não vacinação das crianças só será aceita perante apresentação de atestado médico que comprove a contra indicação. A decisão foi tomada devido às infrações administrativas às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O site também aponta que a mãe recorreu da decisão e alegou que toma as devidas providências para a saúde das filhas. Ela defendeu que está sendo obrigada a realizar a vacinação sem segurança para tal e assim colocaria em risco a integridade física das filhas. Em contrapartida, o juiz declarou que, segundo o artigo 227 da Constituição da República, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança o direito à vida, à saúde, à dignidade e ao respeito. A decisão também aborda a importância da vacinação e das vidas que poderiam ter sido poupadas graças às vacinas durante a pandemia de covid-19.

Vacinação infantil e o impacto da determinação

A partir do artigo 227 da Constituição Federal, é possível afirmar que crianças e adolescentes deixam de ser considerados meros objetos de tutela e devem ser considerados sujeitos de direitos, de forma que a ação estatal e familiar deve garantir a realização de todos os seus direitos. Além disso, o primeiro inciso do artigo 14, do Estatuto da Criança e do Adolescente, define que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Contudo, a obrigatoriedade da vacinação infantil pela legislação é questionada com frequência no período recente, especialmente após a descredibilização das vacinas durante a pandemia de covid-19. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos críticos da eficácia das vacinas, anunciou, em 2021, que não vacinaria a filha contra a  covid-19, à época, com 11 anos. 

Sobre a distinção que ocorre entre casos como o do ex-presidente e o que acarretou a decisão do TJSC, a enfermeira pediátrica Juliana Campos, disse, em entrevista ao Bereia, que a decisão judicial, em geral, é resultado de uma série de negligências que a criança pode estar sofrendo.

“Quando chega a ser determinação judicial, provavelmente a criança já vem vivenciando situações de negligência do responsável legal. São crianças que adoecem com mais frequência, que têm números de internações mais elevados e concomitantemente sofrem outras negligências envolvidas relacionadas ao estilo de vida. São casos muito críticos, dentro da unidade de saúde e realidades mais comuns do que imaginamos. As crianças adoecem porque não estão com o esquema vacinal completo e, assim, são mais propensas a desenvolver diversas doenças que são evitáveis pelas vacinas oferecidas pelo próprio governo”, ela afirma.

O que dizem os especialistas?

O advogado especialista em Direito Constitucional Antonio Carlos de Freitas Júnior falou, em entrevista ao site jurídico JusBrasil, que a mera recomendação de vacinação pela autoridade sanitária já a torna obrigatória para as crianças por força normativa do ECA. “A omissão dos pais na vacinação por si só deflagra o sistema de proteção do estatuto, que pode acarretar em diversas sanções aos pais”, afirmou o advogado ao site. Ele ressalta ainda que, criminalmente, os pais poderão, ainda, ser responsabilizados nos termos do artigo 132 do CP: “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, com detenção, de três meses a um ano”. O advogado avalia que “em caso de morte ou de lesão corporal os pais podem responder pela modalidade culposa de tais crimes podendo ser aplicado ou não o perdão judicial a depender do caso concreto”..

Na mesma linha de pensamento de Freitas Júnior, o advogado, especialista em Direito e Processo Penal Leonardo Pantaleão entende que os pais são responsáveis por eventual omissão penalmente relevante e que, em razão dela, cause danos à saúde ou à vida de seus filhos menores.l: “nesse sentido, a simples não vacinação das crianças, já os coloca como potencialmente incursos nas penas do artigo 132 do Código Penal”, afirma.

O jurista acrescenta. “Caso, em razão da não imunização, a criança seja contaminada e apresente complicações de saúde, os pais ou representantes omissos responderão criminalmente pelo resultado produzido em decorrência da omissão, ou seja, lesão corporal ou, no pior cenário, pelo resultado da morte”, reforçou.

No mesmo sentido, Julina Campos destaca que a vacinação é um direito que deve ser garantido às crianças e que está explícito na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do adolescente, como citado anteriormente. A enfermeira destaca ainda a importância da vacinação: “entende-se que a vacina é uma forma de prevenção de várias doenças e existem estudos que comprovam isso. O aumento da não vacinação por sua vez vem de movimentos de grupos anti vacina e que não tem nenhuma fundamentação científica para tal”.

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Bereia checou as informações divulgadas nas mídias gospel e avalia que não houve exageros ou inverdades nas publicações. De fato, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina determinou que os pais vacinem suas filhas em 60 dias, caso contrário, estão sujeitos a multa diária de 100 a 10 mil reais. A única ressalva é que, por correr em segredo de justiça, não há informação sobre as idades dos menores e sobre a qual vacina ou vacinas o processo se refere.

Bereia alerta leitores e leitoras quanto ao uso político de parlamentares negacionistas do direito à imunização e da obrigatoriedade dela como recurso de saúde pública que visa à coletividade, especialmente em períodos eleitorais, como 2024.

Referências

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https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-12/pais-sao-obrigados-vacinar-criancas-o-que-diz-lei. Acesso em: 02 de julho de 2024.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina. https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/casal-deve-vacinar-filhas-conforme-esquema-vacinal-do-ministerio-da-saude-confirma-tj-?redirect=/ Acesso em: 02 de julho de 2024.

Constituição Federal. http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/escolaqueprotege_art227.pdf Acesso em: 02 de julho de 2024.

Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/07/justica-de-santa-catarina-determina-prazo-para-casal-vacinar-filhas.shtml#:~:text=O Acesso em: 02 de julho de 2024.

Metrópoles. https://www.metropoles.com/brasil/zanatta-critica-decisao-judicial-que-obriga-casal-a-vacinar-filhos Acesso em: 02 de julho de 2024.

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Defensoria do Rio Grande do Sul

https://www.defensoria.rs.def.br/saiba-quais-as-consequencias-legais-caso-pais-maes-ou-responsaveis-legais-nao-vacinem-as-criancas-contra-a-covid-19

https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-com-ciencia/noticias/2024/janeiro/e-falsa-a-informacao-de-que-o-brasil-e-o-unico-pais-que-vacina-criancas-contra-a-covid-19 Acesso em: 03 de julho de 2024.
Migalhas. https://www.migalhas.com.br/depeso/369030/ha-arbitrariedade-na-obrigatoriedade-da-vacinacao-infantil Acesso em: 03 de julho de 2024.

Imagem da Capa: Paulo Pinto/Agência Brasil