É falso que ‘novo presidente’ da Petrobras tenha demitido 300 funcionários da companhia

*Verificado por Luciana Petersen e Juliana Dias, do Coletivo Bereia, em parceria com Correio, A Gazeta e UOL. Investigado por Estadão. Publicado originalmente no Comprova.

É falso que o general Joaquim Silva e Luna, novo indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o comando da Petrobras, tenha demitido mais de 300 funcionários do prédio central da companhia, como sugere vídeo viral no Facebook. O conteúdo mistura trechos de uma reportagem veiculada no Jornal Nacional e um áudio inverídico que circula no WhatsApp.

A matéria original não menciona demissões de funcionários da Petrobras e destaca que o nome de Silva e Luna ainda precisa ser “referendado” pelo conselho administrativo da estatal. O general ainda não assumiu o comando da petroleira, uma vez que sua indicação deve passar pela análise de órgãos internos da empresa. Ele não teria como, portanto, ter demitido ninguém. 

O vídeo verificado também apresenta um boato infundado de que 3,2 mil funcionários ligados ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (2003-2005), do PT, teriam criado empresas paralelas para revender o combustível da Petrobras a preços elevados no Brasil. Não há registros públicos ou notícias na imprensa profissional que sustentem essa alegação.

Em nota ao Comprova, a Petrobras negou que as afirmações contidas no post sejam verdadeiras. A empresa ainda desmentiu mensagens semelhantes segundo as quais o general Silva e Luna desocupou um andar inteiro do edifício da Petrobras e empregou a inteligência do Exército e a Polícia Federal na companhia. A PF disse em nota que a corporação não havia sido informada sobre esse tipo de operação. 

Além disso, o post confunde a localidade do edifício-sede da Petrobras, que fica no Rio de Janeiro, e não em Brasília. 

Como verificamos?

O Comprova entrou em contato por e-mail e telefone com a assessoria de imprensa da Petrobras, que nos informou que as alegações do vídeo eram falsas. A reportagem também conversou com a assessoria da Polícia Federal para esclarecer se de fato a corporação foi acionada para ocupar um andar do prédio da estatal. 

Buscamos por notas oficiais da Petrobras para entender o patamar do processo de indicação do general Silva e Luna ao comando da companhia. No site da empresa também acessamos conteúdos com explicações sobre a composição do preço dos combustíveis e acerca da possibilidade da prática de valores mais baixos em outros países.

A fim de confirmar a localização do edifício sede da Petrobras, o Comprova buscou pelo estabelecimento na ferramenta Google Maps e verificou que a central da empresa está no Rio de Janeiro. Também buscamos por notícias ou artigos que pudessem sustentar a acusação sobre o uso de empresas estrangeiras por funcionários da Petrobras, mas não encontramos qualquer registro que comprovasse o boato.

Verificação

O vídeo mostra inicialmente um trecho de uma reportagem ao vivo do Jornal Nacional. O repórter lê uma nota à imprensa do Ministério das Minas e Energia sobre a indicação do general Joaquim Silva e Luna ao comando da Petrobras, reproduzida pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais.

Na sequência, o clipe emenda um trecho em que o repórter descreve o currículo do militar, mas suprime uma parte anterior com a informação de que o nome de Silva e Luna ainda seria analisado por um conselho da empresa. Então entra a voz do autor do áudio falso que diz ter recebido informações de que “o negócio está fervendo em Brasília com o negócio da Petrobras”.

“Botaram o presidente novo, um general. Disse que até 11 horas da manhã, ele tinha demitido, do prédio central da Petrobras, 300 fucionários”, afirma a gravação. Indicado na sexta-feira, 18, porém, o general Joaquim Silva e Luna ainda não assumiu a presidência da companhia. 

Nesta terça-feira, 23, o Conselho de Administração da Petrobras autorizou a convocação de uma assembleia para substituir o atual diretor da empresa, Roberto Castello Branco. Em nota, a Petrobras afirma que a indicação de Silva e Luna ainda “será submetida ao processo de análise de gestão e integridade da companhia” e ao Comitê de Pessoas da empresa. O artigo lembra ainda que o mandato do conselho hoje presidido por Castello Branco perdura até o dia 20 de março de 2021. 

Não há evidências sobre ‘maracutaia’ de funcionários

O autor afirma que Bolsonaro teria descoberto uma rede de 3,2 mil funcionários “ligados” a José Dirceu responsáveis por uma “maracutaia” para aumentar o preço da gasolina. Segundo o boato enganoso, esses funcionários usam empresas estrangeiras para comprar o petróleo brasileiro no exterior e revender mais caro no Brasil. 

A assessoria da Petrobras disse ao Comprova que as “as informações das mensagens não procedem, não possuem qualquer fundamento”. Também não havia registros na imprensa ou em canais oficiais sobre esse suposto esquema até o fechamento desta reportagem. Os recentes reajustes no preço dos combustíveis se devem ao alinhamento da política de preços da empresa ao mercado internacional. 

Desde dezembro, o barril de petróleo acumula alta de 35%De acordo com a estatal, esse alinhamento é “fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras: distribuidores, importadores e outros refinadores, além da Petrobras.”.

A companhia ressalta ainda que a cotação do combustível vendido às refinarias representa apenas uma parcela do preço cobrado nas bombas de abastecimento. Como mostra figura publicada no site da empresa, a política da Petrobras incide em cerca de 34% do preço que chega ao consumidor. O restante reflete impostos federais e estaduais, assim como custos de distribuição e revenda. 

Combustível é mais barato no Paraguai?

A gravação alega ainda que o novo presidente da Petrobras teria revisado as notas fiscais de todos os produtos exportados para o Paraguai, Argentina e Uruguai. A mensagem exagera ao insinuar que a gasolina chegaria aos consumidores desses países pelo preço de R$ 1,62.

Uma reportagem do Estado de Minas, publicada em 2017, mostra que o litro do combustível chegou a ser comercializado no Paraguai por R$ 2,62. O site da filial paraguaia da Petrobras, porém, mostra que o preço recomendado da gasolina da empresa atualmente varia de 4700 a 7950 guaranis, o equivalente a R$ 3,87 e R$ 6,54 em conversão direta. Em 2019, a Petrobras licenciou o uso da sua marca pela empresa Nextar.

Apesar do tom alarmista do vídeo, a própria Petrobras explica que o valor do combustível da empresa praticado no Brasil pode ser maior do que em outros países. “O preço cobrado no Brasil pela gasolina que sai da refinaria equipara-se aos preços de outros países que possuem mercados de derivados abertos e competitivos. No entanto, há uma grande variação na lógica de formação de preços de bomba em cada país”, justifica.

De acordo com a companhia, além de diferenças nos preços de produtores, distribuidores e revendedores, o ambiente regulatório de cada nação, como impostos e subsídios, também impactam no preço dos produtos. 

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre Covid-19 e políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

O vídeo verificado foi publicado em 23 de fevereiro de 2020 por um perfil no Facebook e, até a publicação da reportagem, acumulava 99 mil compartilhamentos e 72 mil reações na plataforma. O conteúdo circula também nos formatos de imagem, texto e áudios nas redes sociais e, segundo verificações de outros veículos, é amplamente difundido no Whatsapp. 

Agência Lupa, o Aos Fatos e o site Boatos.org também desmentiram os boatos. 

O Comprova já fez verificações anteriores que miravam a Petrobras. Em 2019, desmentimos que um leilão entregaria metade do petróleo brasileiro a estrangeiros e mostramos que contratos do presidente da OAB com a empresa eram regulares.

Falso, para o Comprova, é conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

Esta verificação contou com apoio do programa de estágio em jornalismo firmado entre o Comprova e a FAAP.