Extremista norte-americano do QAnon é chamado de Xamã pela imprensa nacional e internacional
A justiça norte-americana determinou, em novembro passado, a pena de quatro anos de prisão para o extremista Jacob Chansley, que invadiu o Capitólio em 6 de janeiro. Ele foi apelidado pela imprensa estadunidense e brasileira de “o xamã do QAnon”, por ter cometido o ato vestido como um vking, com um chapéu com chifres, sem camisa e com o rosto pintado com as cores da bandeira americana.
Apesar do apelido, Jacob não é líder de qualquer seita ou religião que tenha o Xamanismo como doutrina. Ele é ator e defensor ferrenho das teorias da chamada QAnon, movimento de extrema direita que acredita em teorias da conspiração, como a que afirma que há um rastreador do governo dos Estados Unidos nas vacinas contra a covid-19.
De acordo com o site do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), o QAnon surgiu em fóruns de extrema-direita na deep web após a eleição de 2016 nos Estados Unidos, que levou Donald Trump à Presidência da República. O movimento se baseia em uma série de teorias da conspiração ligando políticos e personalidades à pedofilia e ao satanismo, mas também assume o perfil de um movimento social militarizado, incitando, inclusive, a violência em seus conteúdos. O departamento federal americano de investigação , FBI, chegou até mesmo a classificá-lo como ameaça terrorista doméstica.
O Bereia também tem uma série de matérias relacionadas ao movimento conspiratório QAnon.
O Xamanismo, por outro lado, é uma crença espiritual/religiosa que busca a força interior e o reencontro com os ensinamentos da natureza. Estudos descrevem o Xamanismo como uma prática ancestral que busca estabelecer uma ligação com o sagrado. Não é uma religião, pois não há livros canônicos nem uma mitologia específica. A crença é, na verdade, um conjunto de rituais muito antigos, como danças e músicas que atravessam séculos, uso de substâncias psicoativas encontradas em ervas e palavras usadas para evocar espíritos aliados.
O Xamã é o sacerdote dessa crença, ou seja, a pessoa responsável pela manifestação de poderes sobrenaturais da natureza. Para ser um sacerdote, não há distinção de sexo, há a exigência da hereditariedade (passando de pai para filho o título de xamã, mas para isso deve haver preparação assim como os demais). Além disso, há uma longa preparação para aquele que possui o sinal para se tornar xamã para que conheça profundamente as plantas medicinais e a natureza em sua totalidade e ninguém pode se autopromover xamã.
Diante da afirmação equivocada por grande parte da imprensa nacional e internacional, expondo-se o Xamã e o Xamanismo de forma pejorativa, Bereia ouviu o antropólogo e Doutor em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Emerson José Sena da Silveira, para entender melhor o porquê desse engano. Segundo o professor, a imprensa em geral não foi além de nomear o ativista do QAnon como Xamã, tendo, muitas vezes usado aspas, expressando um certo cuidado. “Não me pareceu que a imprensa tenha feito uma abordagem no sentido de preconceito severo. O que houve foi pré-conceito, ou seja, estereótipo do que seria o xamanismo, ou seja, a imprensa foi na direção do que o senso-comum popular associa a essa expressão religiosa. O uso da vestimenta evocando um animal importante nas culturas tribais e norte-americanas (búfalo) e a pintura facial, evocam imagens similares do que o senso-comum associa ao xamanismo. Outros jornais preferiram o termo ‘viking’, dentre outros, também por associação esquemática e baseado no senso-comum, sem nenhum rigor ou criticidade”, explica o antropólogo.
Ainda de acordo com o Dr. Emerson Sena, quando Jacob Chansley invadiu o Capitólio, em janeiro de 2021, usando toda aquela indumentária, parecendo um líder religioso indígena, não pretendia demonstrar desprezo por essa cultura. “Pareceu-me mais uma forma de tentar associar noções de nação e cultura norte-americana à ideia de que os agora verdadeiros nativos, ou os que assim se veem, possuem esta conformação ideológica: nacionalismo extremado, reacionarismo e libertarismo de direita (narcisismo e individualismo puros). Ou seja, eles se veem como os verdadeiros norte-americanos e desprezam o restante”, ressalta.
Para o pesquisador, o efeito dessa associação visual pode ter gerado impactos negativos para as religiões xamânicas, mas não foram fortes o suficiente para provocar ódio. “Isso por conta do ato tresloucado e da forma extremamente burlesca como Jacob Chansley se comportou. Ou seja, não foi levado a sério, por um lado, mas seus atos de desrespeito às instituições republicanas foram punidos. Cabe, no entanto, ampliar a visibilidade na imprensa a respeito das religiões xamânicas de forma a sair do senso-comum e mostrar outras possibilidades e riquezas religiosas dessa legítima forma de vivência religiosa”, conclui Silveira.
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Bereia classifica o apelido dado pela imprensa nacional e internacional ao ativista de extrema direita Jacob Chansley como enganoso, por levar o leitor a acreditar que o ator norte-americano é um líder espiritual e que o movimento QAnon é uma religião. Além disso, as matérias tratam as religiões xamânicas de forma rasa e estereotipada.
Referências de checagem:
CNN americana. https://edition.cnn.com/2021/01/07/us/insurrection-capitol-extremist-groups-invs/index.html Acesso em: 12 dez 2021.
Metrópoles https://www.metropoles.com/mundo/invasor-do-capitolio-xama-do-qanon-e-condenado-a-41-meses-de-prisao Acesso em: 12 dez 2021.
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP). https://coletivobereia.com.br/?s=QAnon Acesso em: 12 dez 2021.
Revista Super Interessante. https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-xamanismo-2 Acesso em: 12 dez 2021.
Mundo Educação. https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/xamanismo.htm Acesso em: 12 dez 2021.
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Foto de capa: El Pais Brasil