Candidata à Presidência da OAB-RJ faz campanha alarmista com líderes da Assembleia de Deus – Ministério Madureira

Notícia sobre uma palestra da candidata à presidência da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)-RJ Ana Tereza Basílio, em um encontro de líderes da igreja evangélica Assembleia de Deus Madureira, publicada em coluna do site Metrópoles, ocupou espaço em perfis de mídias sociais e de veículos de notícias, como a revista Fórum.

Imagem: Reprodução site Metrópoles

Imagem: Reprodução do site Fórum

Na matéria intitulada “Candidata à OAB-RJ critica taxação de templos em igreja evangélica”, o site Metrópoles informa que a candidata, que é a atual vice-presidente da entidade, falou no encontro com os religiosos, sobre  “Isenção Tributária para as Igrejas”.  O veículo reporta que no evento, ocorrido em 2 de julho, o líder do Ministério Madureira das Assembleias de Deus, também advogado e presidente da Comissão de Juristas Evangélicos e Cristãos da OAB Nacional, bispo Abner Ferreira, pediu votos para  Ana Tereza Basílio, que concorre à eleição para a presidência da Ordem fluminense, que acontece em novembro.  

O Metrópoles relatou as falas de Basílio e do bispo Ferreira. A nota ressalta ainda que a vice-presidente da OAB-RJ se filiou no ano passado à Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc) que, segundo o veículo, é formada em grande parte por aliados de Jair Bolsonaro no mundo jurídico. 

O texto da nota destaca o pronunciamento do bispo Abner Ferreira na reunião: “Eu queria fazer um apelo aos amigos, principalmente às autoridades que estão aqui para não esquecer o nome da doutora Ana Basílio nas suas bases. Todo município tem a sua seccional. Não só recomendo, como estarei  somando forças com o trabalho”.

Na repercussão da matéria do Metrópoles, a revista Fórum optou pelo título “Será o apocalipse? Evangélicos e conservadores querem dominar a OAB-RJ”. O texto é aberto com a avaliação “O que parecia ser uma assombração somente no campo da política brasileira alcançou os domínios da OAB-RJ, o uso eleitoral das igrejas evangélicas chegou na disputa pela presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio de Janeiro”. A matéria da Fórum também destaca a fala do bispo Abner Ferreira, que pediu votos para Ana Basílio, classificando o encontro como “um comício”. 

Com apuração mais ampla, a matéria da Fórum ouviu um pastor evangélico e juristas. O pastor e teólogo Zé Barbosa Jr, colunista da Fórum, rebateu a forma como a advogada tratou o tema. “A advogada em questão parece desconhecer que a maioria das obras de caridade das igrejas são feitas por ofertas destinadas exclusivamente para isso e, em sua maioria, executada através do voluntariado. Tributar ou não tributar as igrejas pouco afetaria o trabalho beneficente das instituições religiosas”, apontou Barbosa.

Entre os outros especialistas que falaram à Fórum está o jurista e professor de Direito Lenio Streck, que questionou a fala da candidata à presidência da OAB-RJ. “Imunidade tributária é matéria constitucional. O problema é fazer a interpretação correta. Hoje a imunidade já se alastrou até mesmo ao aluguel e ao carro dos pregadores. A imunidade começou com uma coceirinha e virou uma gangrena de recursos públicos. Ademais, ela ficou inserida numa autêntica confusão entre política e religião, o que representa um atraso”.

Bereia verificou a informação sobre o evento e comparou as abordagens das duas mídias sobre o fato.

Isenções fiscais para os templos

Bereia apurou que a atual vice-presidente da OAB-RJ e candidata à presidência da seccional fluminense da Ordem Ana Tereza Basílio divulgou a palestra para lideranças assembleianas, com trecho da gravação em vídeo, em seu perfil no Instagram.  No extrato divulgado, ela afirma que “seria um grande embaraço para as obras de caridade, para os relevantes trabalhos da igreja, que ela tivesse ônus tributários”. 

Ana Basílio, que também é sócia fundadora da Basílio Advogados, declarou ainda que estava no evento apenas na condição de vice-presidente da OAB-RJ para  defender a Constituição, que no “artigo 150, inciso VI, alínea b, estabelece a isenção tributária para entidades e templos religiosos”. Ela destacou que apesar da isenção estar prevista na Constituição, há “denúncias de que alguns municípios (no RJ) têm descumprido a lei e cobrado IPTU de maneira irregular”.

Imagem: Reprodução do Instagram

De fato, a isenção fiscal de igrejas e entidades religiosas está prevista na Constituição no artigo 150, da Constituição Federal de 1988. O texto garante que qualquer entidade de cunho religioso seja imune a impostos cobrados por estados, municípios e União. Uma das justificativas para a isenção das cobranças é a proteção da liberdade religiosa, já que o direito à imunidade tributária é igual para todas as entidades, independentemente da religião. 

Entre os tributos isentos estão o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto de Renda (IR), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) – desde que os veículos estejam em nome da igreja.

O tom alarmista da vice-presidente da OAB-RJ destaca que municípios fluminenses têm cobrado Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) de forma irregular, contudo, não apresentou detalhes ou provas sobre essas denúncias. Em contrapartida, ações governamentais que ampliam as vantagens fiscais para entidades religiosas têm crescido nos últimos anos.

Em 2019, na cidade do Rio de Janeiro,  o então prefeito, hoje deputado federal, Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, isentou 426 templos no Rio da taxa de IPTU. 

No plano nacional, em fevereiro de 2022,  foi aprovada no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição 116/2022, que amplia a isenção tributária para imóveis alugados por entidades religiosas. Na prática, a emenda deixa claro na Constituição que qualquer instituição religiosa, mesmo que alugue o imóvel onde realiza as cerimônias, estará isenta do pagamento do IPTU. Sendo assim, imóveis alugados por igrejas ficam isentos do imposto. Segundo os parlamentares proponentes, apesar da Constituição já garantir a imunidade tributária aos imóveis usados para fins religiosos, havia vários casos em que o benefício era negado, especialmente se o local fosse alugado.

Em fevereiro deste ano, uma Comissão Especial na Câmara Federal (que acelera a tramitação de propostas, encaminhando-as direto ao plenário, caso aprovadas), decidiu pela ampliação da imunidade tributária para templos de qualquer culto. A PEC 5/2023, proposta por um grupo de parlamentares liderado pelo deputado Marcelo Crivella, foi aprovada na Comissão, e proíbe a cobrança de tributos sobre bens ou serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços de todas as religiões. 

O entendimento é que as igrejas poderiam ficar isentas de pagar imposto até na energia elétrica usada e na compra de materiais de construção para templos, por exemplo. A regra também se aplica a instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos ligadas às instituições religiosas. O impacto estimado da ampliação da imunidade, de acordo com o relator deputado Fernando Máximo (União-RO), é de R$ 1 bilhão por ano. O texto poderá ser encaminhado ao plenário da Câmara para votação. 

Na contramão das decisões anteriores, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3050/2021, de autoria do ex-deputado Nereu Crispim (PSD/RS), que submete templos de qualquer culto às regras vigentes para as pessoas jurídicas, que determinam o pagamento de três contribuições para o financiamento da Seguridade Social (CSLL, Cofins e PIS/Pasep). A medida revogaria, assim, o tratamento tributário diferenciado hoje destinado às igrejas. “É possível verificar que algumas igrejas vão além do propósito espiritual e funcionam como empresas, concorrendo em condições desiguais. Este projeto de lei vem para tributá-las com tratamento semelhante ao das demais pessoas jurídicas”, afirmou o autor à agência Câmara em fevereiro de 2022. Entretanto, a matéria segue o trâmite das comissões regulares e está parada aguardando designação do relator na Comissão de Finanças e Tributação (CFT), desde maio de 2022. 

Sobre o perfil político conservador na OAB-RJ

A estratégia de campanha eleitoral para a presidência da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no RJ, com líderes de uma das maiores igrejas do Estado e com tema apelativo ao perfil dos participantes, reflete o perfil construído pela direção da OAB-RJ no último mandato.

O Metrópoles já havia publicado desde o início do ano outras colunas escritas por Guilherme Amado que apontam, por exemplo, a tendência política conservadora da vice-presidente da OAB-RJ. Como principal ponto está sua associação à Abrajuc, em agosto de 2023.

A Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc), criada em 21 de agosto de 2021, é formada por advogados, juristas e juízes e se apresenta como “pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, apartidária” segundo nota oficial publicada em seu Instagram. 

Imagem: Reprodução do Instagram

Com integrantes com perfil mais alinhado à política de direita e de extrema direita, já realizou eventos com a presença do senador Flávio Bolsonaro (PL) e do ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro (PL) e atual ministro do Supremo Tribunal Federal  André Mendonça. 

A adesão de Ana Basílio à Abrajuc, abordada pela imprensa, passou a evidenciar o quadro mais conservador na Ordem Fluminense. A última convenção anual da entidade, em 15 de março, contou com a participação de Ana Tereza Basílio.

Imagem: Reprodução do Instagram

A filiação de Basílio à Associação tem sido interpretada como forma de impulsionar sua candidatura à presidência da Ordem. As eleições acontecem em novembro e a vice-presidente tem o apoio do atual presidente, Luciano Bandeira. 

Em entrevista à revista Fórum a ex-conselheira da entidade Nadine Borges demonstrou espanto com a aproximação de Ana Basílio a religiosos. “O uso da estrutura da OAB-RJ pela atual direção é um risco para a advocacia fluminense. A entidade deve servir para melhoria das condições de trabalho da classe e não para um balcão de negócios voltado para a promoção pessoal de meia dúzia que domina o mercado e atua como puxadinho do Poder Judiciário. Usar as religiões como ferramenta eleitoreira é uma prática que atenta contra a democracia e os princípios da ordem dos advogados do Brasil.”

Desde o início do ano, outros acontecimentos, além da palestra de Basílio, chamaram a atenção para o alinhamento mais conservador na OAB. Em março deste ano, o tesoureiro e presidente da Comissão de Prerrogativas na OAB-RJ Marcello Oliveira, e o secretário-Geral da Ordem Álvaro Quintão, renunciaram aos cargos em protesto à atual administração da entidade. A decisão foi motivada pela reprovação pública, feita pelo presidente Luciano Bandeira, à Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, que planejava solicitar a reabertura de inquéritos relacionados ao delegado Rivaldo Barbosa, preso sob suspeita de envolvimento no caso Marielle. 

Em março, Marcello Oliveira expressou que não aceitaria ser repreendido por exercer suas funções em defesa dos interesses da advocacia, especialmente quando se trata de exigir transparência nas investigações policiais e criticar práticas que considera prejudiciais ao sistema judiciário. “Não vamos aceitar ser repreendidos pelo presidente, a mando da candidata recém-lançada Ana Tereza Basílio, por exercer nossas funções, quando exigimos a reabertura dos inquéritos e criticamos a política do cafezinho com o TJRJ, em um momento em que a advocacia está sendo massacrada, penando com um mercado concentrado e uma Justiça cara e excludente”, disse o ex Tesoureiro ao portal Metrópoles. O presidente da OAB-RJ Luciano Bandeira, por sua vez, afirmou que os fatos “estão sendo distorcidos” e que “estão querendo fazer confusão devido à proximidade do processo eleitoral no final do ano”.

Em junho deste ano, Marcello Oliveira anunciou a candidatura à presidência da OAB-RJ, com o apoio do político do Estado Marcelo Freixo, hoje presidente da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), 

A advogada Amanda Magalhães deixou a presidência da OAB Jovem e reforçou as críticas de Oliveira. Em sua conta no Instagram, Amanda Magalhães disse que deixou o cargo “sem [receber] nenhum reconhecimento e sequer um simples obrigado”, e alertou que ”determinados projetos de poder criaram uma verdadeira OAB paralela (e até uma OAB jovem paralela) e denotam o que está por vir”.

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Bereia verificou que é verdadeiro o conteúdo publicado pelo site Metrópoles, repercutido pela revista Fórum, sobre a reunião com líderes da Assembleia de Deus – Ministério Madureira para campanha eleitoral à Presidência da OAB-RJ da atual vice-presidente da entidade Ana Basilio, com base em discurso alarmista sobre cobrança de impostos para igrejas. De fato, a advogada fez uma palestra na sede da Assembleia de Deus Madureira e foi alçada à candidata do Bispo Abner Ferreira que pediu votos aos líderes fluminenses das igrejas filiadas ao ministério no estado,  que têm direito A participar do pleito  

Apesar do tom sensacionalista da chamada da matéria da Fórum, que reforça a ideia enganosa, também alarmista, da existência de uma (genérica) “ameaça evangélica” ao Brasil, sem ressaltar que um grupo específico foi alvo da reunião, o texto apresenta apuração mais densa do que o do site Metrópoles. A Fórum oferece aos leitores e leitoras palavras de especialistas contra o alarmismo enganoso da palestra da vice-presidente da OAB-RJ em campanha à Presidência do órgão, no que diz respeito a impostos, como Bereia apurou, e sobre o uso reprovável de espaços religiosos para campanhas políticas. 

Bereia alerta leitores e leitoras para as campanhas eleitorais para quaisquer cargos, em especial as que visam às eleições municipais de 2024, que fazem uso de conteúdo enganoso alarmista, para convencer, por meio da imposição de pânico relacionado a temas que afetam os eleitores. 

É importante também atentar para material informativo que faz uso de sensacionalismo, com generalização equivocada a respeito de grupos religiosos, que atribui a um todo inexistente uma ação ou postura, o que desinforma e é fonte de intolerância.

Referências de checagem:

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/flavio-e-ramagem-serao-as-estrelas-de-evento-juridico-conservador. Acesso em: 23 de julho de 2024.

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/vice-da-oab-rj-se-filia-a-associacao-de-juristas-bolsonaristas. Acesso em: 23 de julho de 2024.

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/candidata-a-oab-do-rj-critica-taxacao-de-templos-em-igreja-evangelica. Acesso em: 23 de julho de 2024.

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/diretores-da-oabrj-preparam-pedido-de-renuncia. Acesso em: 23 de julho de 2024.

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/apos-racha-na-oab-rj-pelo-caso-marielle-diretor-lanca-candidatura. Acesso em: 23 de julho de 2024.

Revista Fórum. https://revistaforum.com.br/brasil/sudeste/2024/7/22/sera-apocalipse-evangelicos-conservadores-querem-dominar-oab-rj-162545.html Acesso em: 23 de julho de 2024

CNN.

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/membros-de-comissao-da-oab-rj-anunciam-renuncia-coletiva-apos-tentativa-de-reabrir-investigacoes-policiais/. Acesso em: 23 de julho de 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pec-da-imunidade-tributaria-a-igrejas-deve-sofrer-ajuste-apos-pedido-da-fazenda/ Acesso em: 29 de julho de 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/por-que-as-igrejas-nao-pagam-impostos-no-brasil-e-como-funciona-em-outros-paises/ Acesso em: 29 de julho de 2024. 

Jusbrasil. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/voce-sabia-que-sua-igreja-pode-estar-pagando-iptu-indevido-a-partir-de-2023 Acesso em: 29 de julho de 2024. 

EBC. https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2024-02/comissao-aprova-imunidade-tributaria-para-entidades-religiosas Acesso em: 29 de julho de 2024

G1

https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/02/27/entenda-em-seis-perguntas-e-respostas-a-pec-que-autoriza-igrejas-a-pagar-menos-impostos.ghtml Acesso em: 29 de julho de 2024

https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/02/17/congresso-promulga-emenda-que-isenta-igrejas-e-templos-do-pagamento-de-iptu-em-imovel-alugado.ghtml Acesso em: 29 de julho de 2024

Câmara dos Deputados.

https://www.camara.leg.br/noticias/1038542-comissao-aprova-ampliacao-de-imunidade-tributaria-para-igrejas. Acesso em: 23 de julho de 2024.

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2351506 Acesso em: 29 de julho de 2024

https://www.camara.leg.br/noticias/852003-congresso-promulga-emenda-que-isenta-de-iptu-imoveis-alugados-por-templos-religiosos/ Acesso em: 29 de julho de 2024

https://www.camara.leg.br/noticias/846862-PROPOSTA-REVOGA-ATUAL-TRATAMENTO-TRIBUTARIO-PARA-TEMPLOS-RELIGIOSOS Acesso em: 29 de julho de 2024

Senado Federal. https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/02/17/congresso-inclui-na-constituicao-isencao-do-iptu-para-templos-religiosos Acesso em: 29 de julho de 2024

JOTA. https://www.jota.info/tributos/por-que-as-igrejas-nao-pagam-impostos-no-brasil-imunidade-tributaria-10052022 Acesso em: 29 de julho de 2024

UOL. https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/05/17/gestao-crivella-isenta-426-templos-de-iptu-no-rio-mas-nao-revela-quais-sao.htm. Acesso em: 29 de julho de 2024.

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Foto de capa: Sang Hyun Cho/Pixabay

Balanço Janeiro 2024: suspensão de ato que ampliou isenção fiscal a líderes religiosos causa desinformação

O ano começou com polêmicas e informações desencontradas que causaram rebuliços nas redes digitais. Uma dessas celeumas foi a questão envolvendo a suspensão, pela Receita Federal, do Ato Declaratório Interpretativo (ADI) RFB nº 1, de 29 de julho de 2022. Editado pelo secretário da Receita Federal, do governo de Jair Bolsonaro, Julio César Vieira Gomes, o Ato dispôs sobre a não incidência de contribuição previdenciária sobre as “prebendas” – valores pagos por instituições religiosas a padres, pastores, líderes religiosos, em razão do seu ofício. 

Deputados e líderes cristãos publicaram em suas contas no X, antigo Twitter, mensagens sobre o tema, manifestando indignação e revolta com a imprensa e com o atual governo federal pela ação, classificada como desrespeito a pastores, ataque e perseguição. 

Imagem: Reprodução do perfil do Pr. Silas Malafaia no X

Imagem: Reprodução do perfil do deputado Pr. Sóstenes Cavalcante no X

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE) também se manifestou. Em seu perfil no Instagram, a entidade divulgou uma nota de esclarecimento, com a acusação sobre “isenção a ministros religiosos” ser “fake news”. A FPE declara que o ADI editado no governo Bolsonaro tinha como objetivo esclarecer dúvidas que a Receita Federal tinha sobre questões previdenciárias dos sacerdotes. Segundo o texto, ao não pagar o valor referente à previdência social das prebendas, deixa-se de descontar do “salário” bruto de seu líder, o que beneficia também a pessoa física.  Além disso, a nota alega risco de líderes religiosos se tornarem alvo de auditores fiscais: “Revogar um ato interpretativo deixa os ministros de qualquer culto à mercê da interpretação particular e do humor dos auditores da Fazenda”. O texto acusa o governo de aplicar “velha tática para promover caos”.

No mesmo dia, as Frentes Parlamentares Evangélicas da Câmara Federal e do Senado Federal distribuíram à imprensa uma “Nota de Repúdio” conjunta na qual acusam a “revogação” do ADI de 2022 como um “ataque explícito” do governo federal ao “segmento religioso”.

Esta posição foi repercutida pelos senadores Magno Malta (PL-ES) e Damares Alves (PL-DF):

Imagem: Reprodução do perfil do Senador Magno Malta no X

Imagem: reprodução do perfil da Senadora Damares Alves no X

Veículos digitais e perfis religiosos também reproduziram a noção de a medida da Receita Federal representar uma perseguição do atual governo a igrejas evangélicas, e obtiveram muitos compartilhamentos de suas publicações.

Imagem: reprodução do site Acre News

Imagem: reprodução do site Poder 360

Entenda o caso

A decisão de suspender o ADI,em 2024, partiu do atual secretário especial da Receita Federal Robinson Barreirinhas,e foi publicada no Diário Oficial da União, em 17/01/2024, seção 1, página 24.

Segundo o ministro da Fazenda Fernando Haddad, a Receita Federal precisava do parecer do Tribunal de Contas da União sobre a legalidade do Ato impetrado em 2022. “Só queríamos um entendimento do TCU sobre a validade do ato”, disse Haddad, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, no dia 22 de janeiro. O caso está “sob investigação do Ministério Público junto ao TCU” em razão de vícios possíveis. A suspensão se deu porque, segundo a Receita, há dúvidas e a discussão recai sobre quais valores recebidos pelos líderes religiosos são qualificados ou não como “prebendas”. 

O Ato Declaratório Executivo RFB Nº 1, de 2024, que suspendeu o ADI de 2022, se baseou em um processo do Tribunal de Contas da União sobre suspender a eficácia da regra. Entretanto, o TCU desmentiu a Receita e informou, por meio de nota oficial, que o processo que avalia a eficácia da isenção fiscal a líderes religiosos ainda está em análise e negou ter sido o responsável pela decisão do Fisco que determinou essa mudança. “O Tribunal de Contas da União esclarece que o assunto é objeto de análise no processo TC 018.933/2022-0, de relatoria do ministro Aroldo Cedraz, ainda sem decisão do TCU”.

Fernando Haddad também falou sobre o caso à revista Carta Capital, logo após uma reunião no Ministério da Fazenda, em Brasília (DF), no dia 19 de janeiro, com os deputados Silas Câmara (Republicanos-AM), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, e Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus. Segundo o ministro, ainda há dúvidas em torno da extensão de benefícios que podem ser indevidos. “O papel da Receita é buscar o entendimento do Tribunal e da Advocacia-Geral para cumprir a lei. Não podemos conviver com uma lei tributária que não dá clareza para o auditor. Então, não foi uma revogação, nem uma convalidação. Foi uma suspensão. Vamos entender o que a lei diz e vamos cumprir a lei”, assegura. 

Haddad explica ainda que a Receita busca entendimento sobre a extensão desse benefício. “Como houve ato não convalidado e há, por parte do TCU, questão que ainda não foi julgada, não podemos continuar convivendo com essa questão (de incerteza sobre interpretação). É para isso que a AGU [Advocacia-Geral da União] foi acionada. Estamos aqui para atender à lei. A AGU foi acionada para pôr fim à discussão. Houve muita politização indevida, estamos discutindo regra e vamos despolitizar isso”, frisa. 

Após o encontro com o ministro, o presidente Frente Parlamentar Evangélica, deputado Silas Câmara recuou em suas críticas. De acordo com matéria publicada no Estadão, os dois anunciaram a criação de um grupo de trabalho para discutir a isenção tributária sobre a remuneração de pastores para evitar a “politização indevida” sobre o tema. 

O histórico da isenção fiscal em questão

De acordo com o artigo publicado no site noticioso JOTA e escrito pelo advogado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo Eduardo Pannunzio, a não incidência de contribuição previdenciária sobre as prebendas está prevista na legislação brasileira há pelo menos 23 anos. “Foi em 2000, durante o governo FHC, que a Lei 10.170 incluiu um novo parágrafo, 13 ao art. 22 da Lei 8.212/1991 para deixar claro que os valores pagos a título de prebenda não caracterizam ‘remuneração’ e, portanto, não estão sujeitos à contribuição previdenciária”, explica Pannunzio . 

“Do ponto de vista jurídico, portanto, o ADI não representou nenhuma grande novidade. Ainda assim, gerou um fato político que teve significativa repercussão à época”, ressalta Pannunzio, lembrando que 2022 era um ano eleitoral e que tal encaminhamento poderia aproximar ainda mais o ex-presidente Jair Bolsonaro do eleitor evangélico. 

No mesmo artigo, o advogado afirma que o ADI foi suspenso, conforme proposto pelo Ministério Público ao Tribunal de Contas da União (TCU), porque estes desconhecem os motivos jurídicos que levaram à sua adoção (o ato não foi acompanhado da necessária Exposição de Motivos). Entretanto, a Lei 8.212, que garante o benefício, continua vigente. “Portanto, as prebendas, ainda que pagas de forma e montantes diferenciados, continuam não alcançadas pela contribuição previdenciária. A situação das organizações religiosas não foi agravada pela suspensão do ADI”. 

Perdas financeiras 

Outro dado importante levantado, pelo Blog do Otávio Guedes no G1, estima que o Brasil deixou de arrecadar R$300 milhões em tributos após o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ter editado o ato que ampliou a isenção de impostos pagos pelos líderes religiosos. O relatório, ao qual o blog do jornalista global teve acesso, mostra que existem, atualmente, 26 processos administrativos e um judicial questionando a tributação. O valor milionário consta em um relatório sigiloso feito por uma auditoria da Corte de Contas no mês de dezembro de acordo com o blog. A quantia considera valores com “exigibilidade suspensa” ou “parcelada” entre os anos de 2017 e 2023. 

Ainda de acordo com o blog, a auditoria do TCU também recomendou a abertura de uma sindicância contra o ex-secretário da Receita Federa lJulio César Vieira Gomes, que editou o ADI. O relatório aponta que o ex-secretário concedeu benefícios fiscais “sem observar as formalidades legais e regulamentares” e que ele pode ter cometido uma “infração disciplinar e potencial ato de improbidade administrativa”. 

Para quem não se lembra, Vieira Gomes é o mesmo personagem que pressionou seus colegas da Receita para liberar as joias enviadas pela Arábia Saudita ao ex-presidente Bolsonaro. A entrada dos itens no Brasil foi barrada por servidores do Fisco em outubro de 2021, como revelou o jornal Estadão. O secretário foi exonerado no fim de maio de 2023.

Há perseguição a igrejas e suas lideranças com esta medida do atual governo?

Bereia tem realizado várias checagens de publicações, em espaços digitais religiosos, que alegam supostas ações de perseguição sistemática de lideranças políticas, partidos e movimentos da esquerda política a cristãos, particularmente evangélicos, muitas sob a classificação de “cristofobia”. A equipe do Bereia levantou que este tema, casado com o da ameaça de “fechamento de igrejas”, apareceu com mais  intensidade nas mídias sociais a partir de agosto de 2021, quando pesquisas eleitorais passaram a mostrar a força da campanha do Partido dos Trabalhadores (PT) e maior rejeição a Jair Bolsonaro. Cresceu, então, o número de publicações verificadas pelo Bereia que enfatizam a ameaça de fechamento de igrejas com a possível vitória das esquerdas, mais supostas tentativas de silenciamento de lideranças religiosas e de diretores de escola e professores cristãos opostos a pautas referentes à diversidade sexual e à pluralidade religiosa.   

A perseguição a cristãos no Brasil, sob o rótulo de “cristofobia”, tem apelo porque é um discurso que responde à ideia do cristão perseguido como prova de fidelidade ao Evangelho. Porém, o termo “cristofobia” não se aplica, por conta da predominância cristã no país, onde há plena liberdade de prática da fé para este grupo, conforme explica, em artigo para o Bereia, a pesquisadora das religiões Brenda Carranza. Manipula-se, neste caso, a noção de combate a inimigos para alimentar disputas no cenário religioso e político. 

Isto se configura uma estratégia de políticos e religiosos extremistas que pedem mais liberdade e usam desta expressão para garantirem voz contra os direitos daqueles que consideram “inimigos da fé”, em especial sexuais e reprodutivos e os de comunidades quilombolas e indígenas. Histórias relacionadas a situações ocorridas no exterior são amplamente utilizadas para reforçar a ameaça de que o que se passa fora pode ocorrer no Brasil.

Quando estabelecimentos religiosos precisam se submeter a legislação ou a políticas públicas aos quais certos segmentos resistem cumprir ou se opõem, a noção de perseguição tem se tornado um recurso retórico em contraposição. A equipe do Bereia avalia que parece ser este o caso em relação a encaminhamentos sobre pagamento de impostos, uma vez que a medida alcança todas as agremiações religiosas e a observação das publicações sobre tema indica que apenas uma parcela das lideranças evangélicas explicitou indignação com ela.

Nesta direção, o Sindifisco (Sindicato de Auditores Fiscais da Receita Federal) rebateu a nota da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, que havia insinuado que, com a nova regra, estes profissionais, quando mal humorados, tirariam a paz dos religiosos. A entidade tranquiliza a FPE e diz que os parlamentares não precisam se preocupar com a medida que suspendeu a isenção fiscal a pastores e líderes religiosos. 

Os auditores afirmaram em nota publicada no site da entidade representativa, que atuam de forma isenta e não têm sua atuação pautada por humores ou interpretações particulares. Além disso, alegam que o Ato Declaratório do governo Bolsonaro, que originou toda essa discussão,  invadiu competência do Congresso Nacional, que é quem detém o poder de conferir e limitar isenções tributárias no âmbito da União Federal. 

“A Receita Federal e os Auditores-Fiscais não podem decidir pela ampliação ou redução de isenções tributárias. Esta definição cabe aos deputados federais e aos senadores no exercício do poder a eles conferido pela Constituição Brasileira e pela legislação complementar. As razões pelas quais, à época da publicação do ADI 1 de 2022, o Sindifisco Nacional se manifestou contrário ao Ato Interpretativo, pois tramitou de forma ilegal e usurpou a função do Congresso Nacional de regulamentar o tema”, alega a entidade. 

Outro ponto verificado pelo Bereia é que o senador evangélico Magno Malta, ao verbalizar a sua indignação com o tema na publicação em seu perfil no X, citada nesta matéria, mostrou desconhecer o assunto tratado no Ato Declaratório suspenso pela Receita Federal. No texto divulgado ele confunde o ministro religioso, pessoa física, com a igreja, pessoa jurídica, o que faz propagar mais desentendimento sobre o tema. 

De fato, como diz o senador em seu perfil no X, a isenção fiscal de igrejas e entidades religiosas está prevista na Constituição na Lei Nº 3.193, de 4 de julho de 1957, promulgada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek. No entanto, o ADI suspenso em janeiro passado  trata do imposto previdenciário, relacionado a proventos pagos a líderes religiosos como indivíduos, pessoa física, com CPF, e não da Igreja como instituição, com CNPJ. 

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Bereia considera enganosas as publicações de líderes religiosos sobre a suspensão da ADI nº 1/2022, pelo atual governo federal, checadas nesta matéria 

No que diz respeito afirmações do Pastor Silas Malafaia e da Nota de Esclarecimento da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional, apesar de usarem fatos para construírem suas teses, levam o leitor a acreditar que não houve mudanças com a aplicação do Ato Normativo impetrado durante o governo Bolsonaro. 

De acordo com auditoria que está sendo realizada pelo Tribunal de Contas da União, o ato gerou benefícios fiscais a uma classe específica e portanto deve ser analisado. Não é uma mera orientação, como querem levar a crer os líderes religiosos. Além disso, há uma estimativa de perda de R$300 milhões em tributos, que deixaram de ser arrecadados pelo país durante a vigência do ADI. Portanto, enquanto o TCU analisa o caso, não é possível afirmar que não houve perda ou ganho por qualquer das partes. 

No que diz respeito às acusações de perseguição e ataques a líderes cristãos e a igrejas por conta da medida da Receita Federal em janeiro passado, Bereia alerta  leitores e leitoras sobre a desinformação sobre perseguição a igrejas e cristãos no Brasil. Tal prática não existe e não é projeto de qualquer partido político ou líder religioso. A Constituição do Brasil assegura a liberdade de crença e de culto para todas as religiões. Atos de intolerância contra qualquer grupo religioso devem ser repudiados e denunciados. Afirmações em postagens em mídias sociais sobre a existência de ameaças a igrejas e “cristofobia” (perseguição sistemática) no país não são verdadeiras e são desenvolvidas para campanhas de convencimento e busca de apoio por meio do pânico.

Referências da checagem:

UOL – https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/01/20/tcu-calcula-que-r-300-mi-deixaram-de-ser-arrecadados-com-isencao-dada-por-bolsonaro-a-pastores.htm?cmpid=copiaecola Acesso em: 5 fev 2024

O Antagonista – https://oantagonista.com.br/brasil/fake-news-diz-frente-parlamentar-evangelica-sobre-isencao-a-pastores/#google_vignette  Acesso em: 5 fev 2024

Gazeta do Povo – https://www.gazetadopovo.com.br/republica/bancada-evangelica-diz-que-nunca-houve-isencao-fiscal-a-pastores-dada-por-bolsonaro/  Acesso em: 5 fev 2024

Metrópolis – https://www.metropoles.com/brasil/receita-suspende-isencao-fiscal-a-pastores-dada-por-bolsonaro Acesso em: 5 fev 2024

TCU – https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/nota-de-esclarecimento-8A81881E8C27E349018D197822256C31.htm  Acesso em: 5 fev 2024

EBC – https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2024-01/tcu-esclarece-que-nao-decidiu-sobre-isencao-lideres-religiosos Acesso em: 5 fev 2024

G1- https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2024/01/18/isencao-a-pagamento-de-pastores-tem-impacto-de-r-300-milhoes.ghtml Acesso em: 5 fev 2024

Poder 360 – https://www.poder360.com.br/congresso/frente-parlamentar-evangelica-fala-em-ataque-explicito-do-fisco/ Acesso em: 5 fev 2024

Jota – https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-provento-de-religiosos-passou-a-ser-tributado-29012024 Acesso em: 5 fev 2024

Carta Capital – https://www.cartacapital.com.br/economia/haddad-recebe-evangelicos-e-diz-que-buscara-entendimento-juridico-sobre-isencoes/ Acesso em: 5 fev 2024

Estadão – https://www.estadao.com.br/politica/silas-camara-frente-parlamentar-evangelica-muda-tom-anulacao-isencao-fiscal-pastores-ministro-fazenda-fernando-haddad-nprp/ Acesso em: 5 fev 2024

Montagem em vídeo sustenta pânico sobre perseguição a igrejas com base em entrevista de ex-presidente do PT

Na primeira semana do período pós-eleitoral passou a circular, especialmente pelo Twitter e pelo WhatsApp, um vídeo de dois minutos em que o ex-deputado federal e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) José Genoino, em entrevista, explicaria como partido irá “combater” e “confrontar” as igrejas.

Imagem: reprodução do canal “Católicos de Verdade” no YouTube

Imagem: reprodução do canal “Melodia News” no YouTube

O conteúdo foi transformado em matéria de sites de notícias ligados à extrema-direita política como o evangélico Pleno News e a revista Oeste, sob os títulos: “José Genoino promete retaliação contra igrejas no governo do PT” e “Genoino revela plano do PT para ‘confrontar’ igrejas evangélicas”. 

A origem do vídeo

O vídeo com a entrevista de José Genoino é um extrato da participação do político no  programa Sabadão, do Diário do Centro do Mundo (DCM), transmitido pelo Youtube. O programa teve a duração de três horas e Genoino foi entrevistado pelo jornalista Kiko Nogueira e pela advogada Sara Vivacqua  por uma hora e 55 minutos de duração. A entrevista versou sobre uma avaliação do político do processo eleitoral concluído em 30 de outubro. 

Por volta dos 50 minutos de entrevista, Nogueira e Vivacqua questionaram José Genoino sobre o sentimento de ódio disseminado durante e depois das eleições contra o candidato Lula (PT), seu partido e as esquerdas. Para isso, fizeram uso de um vídeo que mostra um pastor batista falando do púlpito contra membros da igreja que votaram no PT e contra pessoas do Nordeste que ajudaram a derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL). A partir desse caso os entrevistadores perguntaram qual deve ser a política do novo governo em relação às igrejas orientadas pela extrema-direita e se haverá alguma postura diferenciada sobre impostos. A contextualização dos entrevistados tem a duração de três minutos e a resposta do ex-presidente do PT dura dois minutos.

Na resposta, Genoino não fala em nome do PT sobre qualquer plano do partido para retaliar ou confrontar igrejas no Brasil. O ex-parlamentar inicia com a afirmação de que é preciso tratar “institucionalmente, com muita habilidade” para não haver acusações de que se está perseguindo as igrejas. 

Para Genoino é preciso abordar o tema de maneira equilibrada e começar com a mudança do sistema tributário pois “não só as igrejas que não pagam imposto no Brasil, os meios de comunicação também (…), [com] as isenções, o papel, rádio”. A partir disto o ex-presidente do PT afirma: “é preciso fazer uma reforma agrária no ar para depois fazer na terra (…) e colocar num conjunto mais amplo porque senão vão dizer que a gente está perseguindo as igrejas, numa guerra santa (…) portanto temos que ter cuidado, o que vai exigir uma habilidade muito grande”.

Genoino considerou ainda que a medida que se vão criando melhorias nas condições de vida se vai formando uma “massa crítica a este fundamentalismo, estas figuras toscas, a estas figuras fundamentalistas”, referindo-se a líderes religiosos como o pastor batista do vídeo apresentado. Para o político, será preciso uma batalha no campo das ideias com muito cuidado para não ser vítimas do que “eles mesmos pregam que é o maniqueísmo”. Nesse sentido, ele afirma ser fundamental que se organize pela base, como foi no segundo turno das eleições, quando as igrejas tiveram “limitação política para atuar” porque foram organizados coletivos de religiosos que apoiaram Lula e foram realizados atos com religiosos em cidades. Genoino destacou ainda que há lideranças religiosas que atuam nos meios de comunicação e “prestam péssimo serviço com este tipo de coisa” (referindo-se ao vídeo exibido com o pastor batista), por isso será preciso “ver o melhor caminho para enfrentar”.

Montagem grosseira

O vídeo que circula nas redes para reacender o pânico da perseguição às igrejas, tema frequente de falsidades checadas pelo Bereia, tem a duração de dois minutos e é uma montagem do total de cinco minutos em que o tema foi tratado na entrevista. Os cortes grosseiros incluem trechos das questões dos entrevistadores sobre o relacionamento com as igrejas e outros da resposta de José Genoino, com a exclusão do contexto exposto com o vídeo do pastor batista de Piabetá (RJ). As falas foram selecionadas para dar o tom do suposto combate às igrejas.

O Pleno News chegou a usar um subtítulo na pequena matéria: “Ele fala em combater os evangélicos no campo das ideias e acabar com ‘figuras toscas fundamentalistas”.

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Bereia avalia como enganosas a montagem em vídeo com trechos da entrevista de José Genoino ao programa Sabadão do DCM e as matérias publicadas sobre ele.  Tais conteúdos compõem o acervo de material desinformativo criado com o objetivo de manter o pânico entre fiéis cristãos no tocante ao tema da perseguição a igrejas que permeou toda a campanha eleitoral de 2022.

Referências de checagem:

Pleno News. https://pleno.news/brasil/jose-genoino-promete-retaliacao-contra-igrejas-no-governo-do-pt.html?fbclid=IwAR2e8dfPE7bOwJUU37-uxwTmQYjQyN4uL5Tgh8g4MixafnlZyHn0UXyE0I8 Acesso em:  12 nov 2022

Revista Oeste. https://revistaoeste.com/politica/genoino-revela-plano-do-pt-para-confrontar-igrejas-evangelicas/?fbclid=IwAR0QK1mIkOc_NcIk09gnc30mwwvdwWrfBJGggvnqDiwFXLze_D5VuzW95nE Acesso em: 12 nov 2022

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=Dk7OfasAQ0w Acesso em:  14 nov 2022

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Imagem de capa: frame de vídeo no YouTube