Bereia foi tema de trabalho apresentado em congresso de ciências da comunicação sobre desinformação

O Bereia foi tema de trabalho apresentado no 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). O artigo, produzido pela pesquisadora e editora-geral do Coletivo Magali do Nascimento Cunha e pela também pesquisadora Priscila Vieira-Souza, abordou o fenômeno da circulação de desinformação entre grupos religiosos cristãos no Brasil na perspectiva de enfrentamento dessa realidade.

A análise teórica apresentada pelas autoras buscou explicar o lugar da disseminação das fake news entre grupos religiosos cristãos e também conceituou desinformação, situando-a como fenômeno social. Além disso, o trabalho avaliou o conteúdo de 92 matérias publicadas classificadas como verificação entre dezembro de 2019 a setembro de 2020. A esse exame se somaram análises com categorias ampliadas dos onze textos publicados durante o mês de setembro do último ano da investigação.

Entre as conclusões, as autoras apontaram que há forte tendência de que conteúdos desinformativos que circulam no ambiente religioso são do tipo fabricado/falso. Tal classificação, segundo os critérios do Coletivo Bereia, indica que o fato apresentado pelo conteúdo veiculado é completamente construído, sem correspondência com a realidade.

Clique aqui para ler a íntegra do artigo, intitulado “O enfrentamento da desinformação entre grupos religiosos: um estudo sobre a atuação do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias”.

***

Foto de capa: Imagem de armennano por Pixabay

Editora de Bereia analisa fake news e eleições municipais em congresso de comunicação

Você relacionaria fake news com estratégias de campanha eleitoral de candidatos com identidade religiosa? Esse foi o esforço empreendido por Magali do Nascimento Cunha, pesquisadora e editora-geral do Coletivo Bereia, em trabalho apresentado durante a 46ª edição do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom).

A análise, que focou as eleições municipais de 2020,  se baseou em dados quantitativos e qualitativos resultantes de pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (ISER). Os discursos contidos em materiais de campanha foram examinados, com a identificação dos principais conteúdos falsos e enganosos que circularam nos pronunciamentos de tais candidatos.

Magali Cunha concluiu que três núcleos temáticos de concentração de desinformação e fake news foram predominantes: ideologia de gênero, pânico em torno da educação e cristofobia.

Clique aqui e confira na íntegra o artigo, intitulado “Fake news como estratégia de campanha de candidatos com identidade religiosa: um olhar sobre as eleições municipais de 2020”.

***

Foto de capa: Element5 Digital/Pexels

Dicionário Brasileiro de Comunicação & Religiões é lançado

O lançamento do Dicionário Brasileiro de Comunicação & Religiões aconteceu durante live realizada pelo Grupo de Pesquisa Comunicação e Religiões da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Estiveram presentes os organizadores do dicionário, professora Magali do Nascimento Cunha (coordenadora do GT e editora-geral do Bereia) e o professor Allan Novaes, que apresentaram a obra, seus objetivos e contaram um pouco sobre o processo de preparação do novo dicionário que teve início em agosto de 2018. Participou da live toda a equipe de pesquisadores e professores que fizeram parte da organização da obra que também será apresentada durante o Congresso Nacional da Intercom, a ser realizado nos dias 5 a 19 de setembro deste ano.

O Dicionário Brasileiro de Comunicação & Religiões é composto por mais de 60 verbetes analíticos introdutórios sobre diversos elementos das religiões no Brasil, panoramas comunicacionais do país e suas interfaces. Em sua fala durante a live, o mediador afirmou que o novo dicionário “é o coroamento de toda uma trajetória, de um trabalho árduo de várias mãos que trabalharam juntas na produção deste dicionário. Como é importante a gente poder oferecer para a comunidade científica e para a sociedade em geral, um produto de tanta qualidade. Um material que torna-se referência para todos em diversos níveis”.

“Temos um trabalho primoroso de produção de um dicionário que traz não só uma produção escrita, mas também uma curadoria científica dos termos de tudo que foi elaborado”, concluiu o vice-coordenador do GT, prof. Ricardo Alvarenga, informando também que houve uma revisão de consultores do material produzido, o que também garante que o dicionário oferece um conteúdo bastante importante e significativo, e “esta visibilidade é de fato uma oportunidade de fazer chegar a tantos outros que estão pesquisando este tema em nosso país”, disse o professor.

Construção coletiva

Magali Cunha saudou os espectadores da live lembrando que muitos presentes no evento colaboraram com a preparação do dicionário, que “ foi construído coletivamente junto com pessoas de todas as regiões do país”. A professora afirmou ainda que o novo dicionário “é um retrato do que é hoje a pesquisa em comunicação. Não trouxemos apenas uma coleção de verbetes juntando palavras que achamos importantes, mas as palavras nasceram de um processo de muita reflexão  e só apareceram depois de dois anos de diálogo”.

O Grupo de Trabalho realizou três seminários temáticos para discutir os eixos focais de comunicação e religiões no Brasil. Magali Cunha disse que depois destes seminários o GT foi “afunilando as questões, trazendo para eixos e daí decidimos quais seriam os temas que apareceriam em cada eixo, a partir de muita reflexão”.

Outra decisão importante, de acordo com a coordenadora do GT, foi a de não trabalhar com estudos de mídias, como era a proposta original de um dicionário de mídias e religião. “Muito mais do que mídias, nós tempos processos de comunicação. Então tivemos este ato corajoso de ampliar e tratar a temática da comunicação”, disse Magali.  E o GT tomou outras decisões consideradas importantes também. Decidiu trabalhar com religião no plural, religiões, pela própria diversidade/pluralidade que está incutido neste conceito. “Por isso colocamos religião no plural, religiões, não só religiões, mas religiosidades, espiritualidades, experiências múltiplas em torno do que a gente chama de religião e discussões riquíssimas que apareceram”, informou.

O Grupo também buscou olhar o que se pesquisa desta interface de Comunicação e religiões no Brasil, e segundo Magali, o também autor do dicionário, prof. Jorge Miklos aceitou o desafio de “nos liderar em olhar o ponto de teses e dissertações da Capes para identificarmos junto também com o que tem sido discutido na Intercom e nos grupos de trabalho da Associação dos Programas de Pós graduação em Comunicação para fazer um levantamento das temáticas”. O GT observou então, na área de Comunicação um crescimento significativo de pesquisas e uma dispersão muito grande de temas, que chamou de atomização de pesquisas e um número significativo de pesquisadores, e entenderam que teriam que se deter em alguns elementos para se concentrarem, conforme explicou a professora Magali.

Desafios

O GT Comunicação e Religiões constatou que o fenômeno das religiões na comunicação acaba meio subordinado a um dicionário que tende a ser uma publicação baseada não em temas da moda, mas numa permanência de temas. “Então este foi um desafio que esse olhar sobre as pesquisas já colocou para o nosso dicionário: não ficarmos com temas de moda, mas com temas permanentes”, disse a coordenadora.

Outro desafio para o GT foi uma prevalência de estudos do catolicismo romano seguido em temáticas referentes aos evangélicos e especificamente do pentecostalismo. “Um desafio que a gente sempre vinha colocando no grupo de ampliarmos para as religiões e não ficar focando somente em um grupo religioso. Tudo isso colocou pra gente esse desafio de trazermos um dicionário que tratasse com responsabilidade essas dimensões críticas da pesquisa de Comunicação e Religiões que os colegas trouxeram; explicitar a afinidade epistemológica destes dois termos: Comunicação e Religiões, que fosse explicitado de maneira muito responsável neste dicionário; é Comunicação ‘e’… Daí a perspectiva interdisplinar que foi trazida. Temos autores dessas múltiplas áreas: comunicação, ciências da religião, teologia, história, letras, ‘e’ – tratados de forma muito responsável e com profundidade e substância”, explicou a coordenadora do GT.

Os eixos temáticos

Depois de debruçar sobre essa temática e desafios, o GT decidiu trabalhar com quatro eixos temáticos a partir dos eixos do dicionário: Instituições, movimentos religiosos e poder; Linguagens e práticas religiosas; Processos e produtos midiáticos; e Teorias da comunicação e religiões. De acordo com a professora Magali, o GT também construiu 15 conceitos chaves, que não viraram verbetes porque entendeu que eles referenciam várias discussões dos verbetes que estão representados no dicionário.

“Nós acreditamos que é uma obra inédita no Brasil, que vai se tornar referência não só para pesquisadores, mas para profissionais da Comunicação, pessoas que trabalham nas mais diversas frentes da Comunicação e que podem ter este material, esta obra como uma referência para orientar e iluminar as suas reflexões, seus estudos”, concluiu a coordenadora do GT responsável pela elaboração do Dicionário Brasileiro de Comunicação & Religiões.

“Quando as pessoas recebem desinformação, o direito à informação é negado”. Entrevista com Magali Cunha

Publicado originalmente na Agência Signis de Notícias

Chega a parecer incoerente que cristãos sejam propagadores de notícias falsas, visto que o próprio Jesus aponta a “verdade” como um dos caminhos para segui-lo. Na teoria esse argumento bastaria. No entanto, vemos crescer o número de pessoas de religiões cristãs que não apenas recebem informações sem fundamento, como também se tornam promotoras desses conteúdos.

Incomodado com essa realidade, um grupo de jornalistas e pesquisadores, “com a cara e a coragem”, entendeu que era hora de agir. E, em 2019, surge o Coletivo Bereia e seu trabalho de fact cheking, especializado em conteúdos de caráter religioso.  

Quem está à frente dessa iniciativa é Magali Cunha, com sua larga experiência no jornalismo e pesquisa em comunicação. Além de editora-geral do Bereia, é doutora em Ciências da Comunicação, coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e Religião da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), membro da Associação Internacional em Mídia, Religião e Cultura e da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC).

Nesta entrevista, Magali conta um pouco da sua caminhada na profissão, a proposta e desafios do Coletivo, num momento em que a própria religião é instrumentalizada de forma estratégica para alcançar objetivos políticos e econômicos.      

Como foi sua trajetória no jornalismo e sua experiência com checagem de notícias?

Minha trajetória é longa, eu me formei nos anos 1980, pela Universidade Federal Fluminense. O sonho do meu pai era que eu fizesse Direito porque, segundo ele, eu tinha que lutar pela verdade. Era o período da Ditadura Militar e meu pai era um sindicalista muito preocupado com a justiça, com a verdade. Eu disse a ele: “pai, eu vou lutar pela verdade e pela justiça mas por outros caminhos. Eu gosto muito de escrever e eu me vejo como jornalista”. Eu fui atrás dessa minha vocação, fiz o curso de jornalismo e depois fui convidada para trabalhar numa organização ecumênica de nome “Koinonia”, que naquela época se chamava Centro Ecumênico de Documentação e Formação. Eu tinha a tarefa de coordenar um pequeno jornal que se chamava “Aconteceu”, que reunia notícias relacionadas ao mundo religioso no Brasil, principalmente de católicos e evangélicos naquele momento. E a nossa tarefa era muito interessante: reescrever notícias que saíam nos jornais e que a gente identificava lacunas ou equívocos da cobertura sobre religião. Então, a gente reescrevia. Isso pra mim já foi uma escola saindo da universidade… Depois, eu fui fazer o mestrado e entrei no mundo acadêmico, me tornei professora, mas nunca deixei o jornalismo, sempre escrevendo, sempre atuando nesse campo.  

Como surgiu a ideia do Coletivo Bereia e qual a proposta? Essa iniciativa nasceu de uma pesquisa na universidade. Quem criou o Coletivo Bereia foram jornalistas e pesquisadores que, na época, trabalhávamos em pesquisa na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sobre disseminação de fake news entre grupos religiosos. Aconteceu que vendo o resultado dessa pesquisa, que foi muito significativo, uma parte desse grupo se questionou sobre uma tomada de atitude para enfrentar o problema da desinformação. Então, resolvemos criar um projeto com a cara e a coragem, sem dinheiro, sem nenhum recurso, só a nossa vontade e o expertise, aquilo que podíamos fazer como jornalistas e pesquisadores em religião, voltado para o grupo religioso. E tivemos o apoio de uma organização cristã chamada “Paz e Esperança Brasil” que nos ajudou com recursos para colocar o projeto no ar, através de um site com os conteúdos que a gente estava criando. Assim começou.  

Poderia nos explicar o significado do nome do Coletivo?

O nome “Bereia” foi escolhido por ser um nome que está na Bíblia, é de uma cidade grega. A história, segundo o texto bíblico, é que as pessoas que receberam a pregação dos primeiros apóstolos do cristianismo nessa cidade foram conferir nas escrituras se o que estavam ouvindo era verdade. Então, a gente já procurou um nome relacionado à religião já pensando que poderia causar uma identidade com o público-alvo, especialmente os cristãos, como é identificada a maioria da população brasileira.

 

Como se dá a metodologia de checagem das informações?

Hoje, nós temos uma equipe formada por 23 pessoas. Desse grupo 22 são voluntárias, inclusive eu. Nós temos uma pessoa que recebe uma bolsa e, entre outras atividades, nos ajuda a colocar os conteúdos online. Para os voluntários, nós pedimos uma dedicação de 4 horas por semana e nós nos organizamos em equipes, de segunda à sexta-feira. Essas equipes fazem o trabalho de monitoramento de sites e perfis de mídias sociais e, além disso, estão atentas a discursos de personalidades de destaque político e a eventos sociais que envolvem a temática religiosa, como foi o caso do discurso do Presidente Jair Bolsonaro, durante a reunião da ONU, em setembro deste ano, e dos atos do dia 7 de setembro, no Brasil. O nosso prazo é muito curto para tamanha demanda. Por exemplo, a pesquisa de WhatsApp da UFRJ mostrou que desinformação das mídias digitais circulam por 48 horas. Então, se a gente quer concorrer com a desinformação, se a gente quer mostrar o outro lado, a gente tem um prazo muito curto que é de 24 a 52 horas para produzir uma matéria e, mesmo considerando a questão do voluntariado nessas equipes, a gente tem procurado cumprir esses prazos. Fundamentalmente é feita uma pesquisa do tema que é a contextualização. Todo trabalho de verificação precisa ser contextualizado. Que tema é esse, do que ele trata, como ele surgiu e, a partir daí, explicar esse tema nas suas nuances todas. Nesse processo, a gente recorre à entrevista com especialistas, pesquisas e fontes das mais diversas. Feito isso, é dado um parecer a este conteúdo: verdadeiro, falso, enganoso, impreciso ou inconclusivo.

 

Que fatores contribuem para a propagação de notícias falsas?

A propagação de conteúdo falso não é uma novidade. Isso é coisa humana. Desde que mundo é mundo as pessoas usam de falsidades, de engano para poder conseguir algum benefício próprio ou para poder interferir em alguma causa, algum objetivo. Então, isso é coisa antiga. E nas mídias, principalmente no jornalismo, a gente vai identificar vários exemplos, vários momentos em que o jornalismo se rendeu aos conteúdos falsos por questões políticas ou interesses econômicos de donos das mídias – porque a gente sabe que as mídias tem donos, tem perspectivas políticas e econômicas que muitas vezes comprometem o jornalismo. Mas a gente vai ver essa explosão do tema mais recentemente. Em 2016, a palavra do ano do dicionário Oxford foi “pós-verdade” e que está relacionada a este tema da desinformação justamente por conta dessa explosão das mídias digitais, das possibilidades que as pessoas têm hoje de serem produtoras de conteúdo, muito mais do que receptoras. Então, o público hoje, as pessoas que têm acesso às mídias digitais – e, é um acesso muito amplo, de diferentes camadas sociais, diferentes formações humanas – tornaram possível essa proliferação e essa participação intensa, tanto na produção quanto no recebimento também.  

Que característica torna esses conteúdos atrativos e aceitáveis? Quais são os principais assuntos abordados pelo Bereia?

A temática é a principal característica. Por exemplo, “política” é um tema chave. A religião na política hoje tem uma relação muito estreita. As pessoas querem saber o que os políticos estão fazendo relacionado à religião. Seja no Executivo, seja no Legislativo e também no Judiciário onde, recentemente, o tema da religião tem avançado. Temas relativos à moralidade também são muito compartilhados. Temas que tenham a ver com a sexualidade humana, idem. Por exemplo, uma das maiores fake news dos últimos tempos é a chamada “ideologia de gênero”. Esse termo é falso e enganoso também e sempre estamos trabalhando com ele. Outro assunto é a perseguição religiosa. Hoje se fala muito de cristãos que são perseguidos fora do Brasil, especialmente no Oriente Médio e nos países denominados “comunistas”. E, de 2020 para cá, conteúdo relacionado à Covid-19 foi campeão de verificações, inclusive, causando contaminação e morte. Desinformação mata, fake news mata e a gente observou isso com o uso da religião muito forte nessa temática.

 

Você citou a política como uma das temáticas mais presentes para a construção desses conteúdos desinformativos. A partir de que momento ela passa a ser usada de forma estratégica por grupos e pessoas?

A partir de 2016, o tema da desinformação ganhou novos contornos. E por quê? Porque 2016 é o ano do Brexit, da campanha pela saída da Grã Bretanha da União Europeia e houve muita desinformação para criar medo, fazer um terrorismo verbal e as pessoas votarem pela saída. Isso gerou, inclusive, uma série de processos na justiça. Também foi o ano da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que usou a mesma metodologia do Brexit para fazer a campanha eleitoral. Então, 2016 foi o ano em que esses temas começaram a ser discutidos porque, pela primeira vez na história, as mídias sociais apareceram com muita força para promover desinformação com interesse político. Diversos estudos passaram a ser desenvolvidos e a União Europeia tem um próprio sobre essa questão. E, partindo dessa pesquisa, foi criado um conceito de desinformação que a gente tem usado no Bereia. Ele define que desinformação é toda e qualquer informação deliberadamente produzida para interferir em interesses públicos ou para ganhos econômicos. Então, por exemplo, no caso da Covid a gente vai ver pessoas e empresas que ganharam muito dinheiro com cloroquina, com ivermectina, com tratamento precoce, empresas farmacêuticas, planos de saúde etc. Aqui no Brasil, a gente tem uma CPI das fake news nas eleições de 2018. Existem grupos que ganharam com isso.  

Nesse sentido, o que dizer dos órgãos reguladores? Acredito que é uma das grandes pautas de quem trabalha pela democratização da comunicação e da dignidade no trato com a informação. É preciso regulação, é preciso legislação porque as empresas de mídias sociais, as plataformas, as empresas jornalísticas se autorregulam e a gente precisa da sociedade civil participando desses processos. Mas o mais importante nisso é a legislação que garanta o direito à informação. Quando as pessoas recebem desinformação, é o direito à informação que está sendo negado. Então, é preciso acompanhar muito bem essas iniciativas, especialmente o andamento desse tema no Congresso.  

Se existem conteúdos desinformativos que partem justamente de veículos que são ditos “confiáveis”, um dos problemas não estaria na formação do profissional dessas instituições?

O Coletivo Bereia é um projeto que faz jornalismo especializado. E, há muito tempo nas escolas de jornalismo não há disciplinas que tratem da cobertura de religião. É uma certa defasagem. A gente encontra muitos erros de cobertura. Não é só a desinformação liberada, existem erros na reportagem porque não há muita formação. Se a pessoa não tem a iniciativa de buscar uma formação mais específica em religião, ela não vai conseguir cobrir adequadamente o tema. Agora, quando a gente fala dos espaços digitais, precisa muito pensar uma formação para compreender como as mídias operam. Não adianta só produzir para as mídias, não adianta só pesquisar. A gente precisa saber como elas operam. A velha história dos algoritmos, entender o que é isso, da monetização… Tudo isso implica em elementos que estão na forma de operar do universo digital. A gente tem a composição desses elementos todos nas mídias sociais… tudo isso a gente precisa entender. Não adianta saber fazer, saber ler, saber pesquisar se a gente não sabe como é que opera, o que está por trás. Isso é uma coisa muito importante. Outro ponto está na apuração. Muita coisa que sai em grandes mídias é por falta de apuração. O jornalista se conforma com o material, não procura especialista, não fez leituras para além do que acompanhou em sites, esquece dos livros, esquece dos artigos… É preciso ir fundo na apuração, conhecer as fontes, não dá para ficar só com o superficial  

O trabalho que o Bereia realiza é, em certa medida, de reparo dentro de uma cadeia de desinformação. É separar o joio do trigo, como diz o lema do Coletivo. Mas o que pode ser feito para essa erva daninha nem chegar a aparecer?

A gente tem um desafio. A gente entende que não adianta só publicar uma matéria dizendo que um conteúdo é falso ou enganoso e apresentar uma contextualização. É preciso fazer educação para a informação. Então, um trabalho que vai junto com a verificação que a gente faz é o trabalho educativo, formativo. Nosso projeto também oferece palestras, minicursos, apoia grupos religiosos que estão preocupados com esse tema, e a gente tem no nosso site uma seção chamada “Areópago”, que é um espaço de discussão ampla, em que a gente publica também artigos sobre o tema, pequenas instruções sobre como cada pessoa pode por si mesma fazer uma verificação de informação. Não é só o trabalho de fact cheking. O trabalho não se esgota numa matéria de verificação, na publicação jornalística de um conteúdo. O nosso trabalho também é o de educadores e educadoras, formadores para a informação digna e coerente.