Pregadores de internet enquanto influenciadores digitais da fé:  uma pesquisa de doutorado em Estudos da Mídia

Os meus interesses em pesquisar “mídia e religião” advém de dois caminhos pelos  quais transitei durante minha trajetória acadêmica: paixão e estranhamento. Paixão, por  realmente gostar do que pesquiso, e estranhamento, por buscar compreender aquilo que  me causa desconforto enquanto um praticante religioso. Confesso que “mídia e religião”,  para mim, não se resumem apenas a um tema de pesquisa, mas também é uma área de  produção de sentidos da minha própria história de vida pessoal, profissional e religiosa. 

E foi durante o processo de preparação para o ingresso no doutorado em Estudos  da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em 2019, que meu  estranhamento aterrissou na atuação e produção midiatizada dos influenciadores digitais  da fé a partir da plataforma do YouTube. Ao perceber muitas pessoas compartilhando nas  mídias sociais os recortes de vídeos de Deive Leonardo e ao perguntar quem era este que  estava sendo tão compartilhado, logo ouvi a resposta: “Trata-se de um influenciador  digital”. À primeira vista, parecia um pregador idêntico aos pregadores que eu estava  acostumado a ver na igreja, mas continuei a problematizar: “De fato, ele tem milhões de  seguidores, mas por que ele é considerado um influenciador digital?”. 

Eu sabia que era preciso aprofundar o meu olhar para e no fenômeno da pregação midiática e midiatizada, de modo a não cair na superficialidade das nomenclaturas, dentre elas a “de internet”. A partir disso, comecei a pensar nos pregadores de internet, não como uma pessoa que não fosse uma pregadora de fato, mas como uma nova categoria em ascensão no mercado de pregações evangélicas (Côrtes, 2014). 

Os pregadores evangélicos começaram a ocupar a internet como mais um ambiente de atuação, pregando da mesma forma que pregavam nas ruas, nas praças e nos templos. A esses pregadores, eu os chamo de “pregadores na internet”. Enquanto o  pregador tradicional sempre foi um importante agente religioso com bastante influência  em seu campo específico, os pregadores de internet consolidam suas influências desde a  ambiência digital e conseguem atrair a atenção de pessoas além do campo religioso  tradicional. Isso ficou bastante evidente no contexto da pandemia de covid-19, onde a  atuação dos pregadores havia se expandido para além de suas dimensões religiosas.  Portanto, o pregador de internet se torna um influenciador digital da fé, porque seu lugar de influência, através de suas respectivas pregações, se constitui a partir do ambiente  digital.  

Foi exatamente neste lugar analítico (pregadores na internet x pregadores de  internet) que ancorei minha tese enquanto resultado de uma pesquisa de doutoramento orientada pela Profª. Dra. Luciana Miranda Costa (UFRN) e coorientada pelo Prof. Dr.  Luís Mauro Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero).  

Na pesquisa, objetivei contribuir com os estudos de mídia e religião, oferecendo  uma perspectiva comunicacional midiática que, em vez de enfatizar o uso das plataformas  digitais por parte dos pregadores, privilegiou a compreensão da dimensão de produção de  conteúdo midiático-religioso de Deive Leonardo e do pastor Antônio Júnior. 

Foi a partir da análise dos dados empíricos, mapeando as processualidades midiatizadas dos pregadores de internet, que cheguei à conclusão de que a midiatização  da religião possibilita processos de profissionalização da pregação, resultando na  influência digital da fé evangélica. Destaco que não tive interesse em discutir questões  teológicas da pregação. O que, de fato, me interessou foi a análise da profissionalização  midiatizada de um fenômeno religioso de pregação de internet. 

A tese contempla quatro objetivos que estão distribuídos entre os capítulos, a saber:

1. A identificação da escalada de profissionalização dos pregadores-itinerantes  (categoria de pregadores que não se define a partir de um lugar fixo na atuação de  suas pregações) aos pregadores de internet; 

2. a contextualização do fenômeno da pregação de internet potencializada pelos  processos de midiatização, resultando em influência digital da fé; 

3. o aprofundamento das categorias de pregadores na internet e pregadores de  internet, identificando aproximações e distanciamentos entre eles; 

4. e o estudo de caso das processualidades midiatizadas presentes na produção de  conteúdo de Deive Leonardo e do pastor Antônio Júnior em seus respectivos  canais no YouTube. 

A crise das instituições tradicionais, a dinâmica de midiatização da sociedade e a consolidação da cultura da conexão digital se transformaram em contextos fundamentais para a ascensão dos pregadores de internet. Há em curso uma nova racionalidade religiosa em nossos dias, moldada por processualidades midiatizadas, a partir da própria operacionalização da mensagem, que deixou de ser transmitida via meios de comunicação, como acontecia no século XX, para ser a constituição de um novo modo de praticar a fé. 

Se interessou em ler a tese? Acesse qualquer um dos links:  https://repositorio.ufrn.br/items/6b39ded5-6e21-4a4d-81e4-0d76262d6dce ou  https://drive.google.com/file/d/1vY4DmmTitlhGY6VVCmPRRhc8IFRgdewG/view?us p=sharing

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Referência:
CÔRTES, Mariana. O mercado pentecostal de pregações e testemunhos: formas de
gestão do sofrimento. Religião & Sociedade, [S.L.], v. 34, n. 2, p. 184-209, dez. 2014.
FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1984-04382014000200010.

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Imagem de Capa: reprodução/ Youtube

Relatório da CPI da Pandemia aponta autoridades e influenciadores de perfil religioso na rede de desinformação

Após quase seis meses de trabalho, a CPI da Pandemia, que apura responsabilidades referentes à atuação de autoridades e cidadãos brasileiros no trato com a pandemia do coronavírus, aproxima-se do fim. E seu relatório final cita  diversas autoridades e influenciadores digitais de perfil religioso como atuantes na propagação de notícias falsas e desinformação a respeito do tema. O relatório ainda passará pelos integrantes da comissão, podendo sofrer emendas ou alterações.

Segundo consta no relatório, a disseminação de notícias falsas era operada por vários núcleos, que contavam com a participação de diversos atores de identidade religiosa. São eles:

Núcleo Central:

Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL-SP), evangélico batista

Carlos Bolsonaro, vereador (Republicanos-RJ), evangélico batista

Núcleo Formulador:

Filipe Martins, assessor internacional da Presidência da República, cristão

Núcleo Político:

Bia Kicis, deputada federal (PSL-DF), católica

Onyx Lorenzoni, ministro da cidadania, evangélico luterano

– Carlos Jordy, deputado federal (PSL-RJ), católico

Núcleo de Produção e Disseminação – Influenciadores:

Bernardo Kuster, influenciador digital, católico

– Allan dos Santos, católico; Oswaldo Eustáquio, evangélico;  e Barbara Zambaldi Stefani, católica, que há pouco tempo tiveram seus canais bloqueados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob a alegação de propagarem desinformação. Ontem Allan teve prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O relatório e suas consequências

Conforme descrito pelo Nexo Jornal, “o relatório final de uma CPI é o documento que reúne as provas colhidas ao longo das investigações conduzidas pela comissão parlamentar, indicando possíveis crimes que, na visão dos autores do texto, foram cometidos pelas pessoas investigadas. (…) Esse pedido de punição costuma ser chamado por parlamentares e imprensa de “indiciamento”. Isso porque uma CPI cumpre por vias parlamentares o papel que normalmente é exercido pela polícia. Ou seja, a comissão não acusa formalmente, não julga nem pune, apenas investiga”.

A partir da aprovação do texto final pela CPI, o relatório é encaminhado ao Ministério Público, que pode propor a responsabilização civil e criminal dos investigados, além de acionar outros órgãos para encaminhamento de outras providências.

Além dos indiciamentos, o relatório da CPI da Pandemia também propôs sugestões aos poderes Legislativo e Judiciário no sentido de combater a disseminação de desinformações:  

– Tipificação da conduta de produzir ou disseminar notícia falsa no âmbito do Direito Penal;

– Aperfeiçoamento da identificação de usuários e perfis de redes sociais na internet. Somente a partir da devida identificação do eventual infrator é que se pode responsabilizá-lo por seus atos e exigir a reparação dos danos causados;

– Aumento da responsabilidade dos provedores de aplicação de internet, uma vez que já se sabe que essas empresas dispõem de recursos tecnológicos para, no mínimo, restringir o alcance de conteúdos maliciosos;

– Limitar ou mesmo de eliminar os ganhos financeiros auferidos por meio das fake news, tal como já adotado de forma pontual em algumas decisões judiciais

No entanto, algumas propostas estão sendo criticadas por especialistas. Embora se reconheça o esforço de combater a prática da desinformação, o que se aponta é que da maneira que está colocada, a lei pode dar margem para arbitrariedades. Bia Barbosa, pesquisadora da organização Repórteres Sem Fronteiras e participante do Comitê Gestor da Internet, pontua:

“O relatório do senador Renan Calheiros para a CPI da Covid erra nas duas propostas que traz para combater a desinformação nas plataformas digitais. Primeiro, porque cria um crime com pena de dois anos para quem divulgar notícia  falsa, ameaçando todo mundo em vez de focar na indústria das fake news. Segundo, porque tenta definir “notícia falsa”, um conceito extremamente subjetivo e que abrirá margem para arbitrariedades da Justiça. O problema é tão grande que nem o  PL das Fake News  propôs uma definição para o termo, entendendo que o combate à prática passa por outros caminhos”.

A pesquisadora ainda aponta que as propostas alteram o Marco Civil da Internet sem debater com a sociedade, alterando regras sobre guarda e uso de dados pessoais e sobre liberdade de expressão nas redes sociais. “A CPI faria melhor se remetesse as propostas para o GT-Net, presidido na Câmara pela deputada Bruna Furlan, onde uma dezena de parlamentares está há um ano discutindo a fundo o tema do enfrentamento às fake news”.

Referências:

Relatório da CPI da Pandemia. https://legis.senado.leg.br/comissoes/mnas?codcol=2441&tp=4 Acesso em: 21/10/2021.

Bereia.

https://coletivobereia.com.br/?s=filipe+martins Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/?s=bia+kicis Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/?s=onyx+lorenzoni Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/?s=bernardo+kuster Acesso em: 21/10/2021.

https://coletivobereia.com.br/varios-canais-e-perfis-bloqueados-pela-justica-por-veicularem-fake-news-tem-identidade-religiosa/. Acesso em: 21/10/2021.

G1.

https://g1.globo.com/politica/cpi-da-covid/noticia/2021/10/19/cpi-identifica-organizacao-com-sete-nucleos-para-disseminar-fake-news-sobre-covid.ghtml Acesso em: 21/10/2021.

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/21/moraes-determina-prisao-preventiva-de-blogueiro-bolsonarista-e-pede-que-ministerio-inicie-extradicao.ghtml. Acesso em: 22/10/2021.

Nexo Jornal. 

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/10/19/O-que-voc%C3%AA-precisa-saber-sobre-a-fase-final-da-CPI-da-Covid Acesso em: 21/10/2021.

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/10/20/O-que-h%C3%A1-no-relat%C3%B3rio-testado-e-ajustado-pela-CPI-da-Covid. Acesso em: 21/10/2021.

Desinformante. https://desinformante.com.br/o-que-mais-diz-o-capitulo-sobre-fake-news-do-relatorio-da-cpi-da-pandemia/. Acesso em: 21/10/2021.

Twitter. https://twitter.com/BiaBarbosa2020/status/1450601932884688905?t=NU48HUFUJrtBQrQ_YXOz1g&s=19 Acesso em: 21/10/2021.

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Foto de capa: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Postagem que convoca bloqueio de fact-checkers é campanha contra verificação de conteúdo falso

O monitoramento do Coletivo Bereia encontrou uma mensagem que sugeriria fortemente que os disseminadores de fake news, haters (espalhadores de mensagens de ódio) e bots (programas com disparos de mensagens em massa contratadas) sentiram-se incomodados com o fortalecimento do trabalho das agências de checagem e atuação dos projetos e profissionais de verificação (fact-checkers). Repassada em vários grupos, a mensagem (sem autoria) ensinava a “bloquear” mensagens com checagens de fake news e informações falsas.

A mensagem é uma tradução de outra, que circulou nos Estados Unidos (EUA) durante a tentativa de reeleição de Donald Trump – que incitou acusações e bloqueios de seus seguidores contra “fact checkers”  (checadores de fatos) – e os que aqui a repercutiram nem sequer traduziram a expressão “fact checkers”. 

Nos EUA e no Brasil, as agências de checagem começaram a ser acionadas pelas mídias de notícias e por plataformas de comunicação, para desmentir conteúdos falsos (amenamente chamados de “boatos”) fake news e demais formas de desinformação. O aplicativo Facebook, um dos mais criticados nas eleições do EUA em 2016 (inclusive com processo judicial), anunciou esse recurso em sua plataforma.

A tentativa de bloquear a divulgação das checagem de notícias, porém, é tão inútil quanto tentar bloquear o termo “covid” ou “BBB” nas mídias sociais. 

A mensagem, que tem circulado é esta:

Importante

COMO BLOQUEAR AS PESSOAS (FACT CHECKER) QUE MONITORAM SUAS PUBLICAÇÕES NO FACEBOOK.

Antes de mais nada coloquem no google:
 *Fact Checkers Facebook* e leiam quem são estas pessoas. No meu celular tinham quase 60 pessoas. Vejam os prints screen destas pessoas. 

PARA QUEM TEM CELULAR IOS OU ANDROID O PROCEDIMENTO É:

1) Clicar nas 3 barrinhas horizontal do facebook.
2) Clicar em Configurações e Privacidade.
3) Clicar em Configurações.
4) Rolar a tela para baixo ate chegar em Privacidade e clicar em Bloqueados. 
5) Clicar em Adicionar lista de bloqueados.
6) Digitar Fact Checker.
7) As pessoas que aparecerem são os verificadores das publicações do facebook (Fact Checker) e nominadamente pessoas de esquerda. 

Agora é só bloquear. 
Faça isto semanalmente.

Inutilidade pública e falso alerta

O Coletivo Bereia testou o procedimento sugerido e verificou que é inútil, pois o bloqueio de palavras (sejam elas “fact chekers”, “BBB” ou “covid”) não é eficaz para bloquear pessoas (seus perfis). Também é possível entender que muitos “fact-checkers” não se apresentam desta forma em seus perfis pessoais nas mídias sociais.

Além disso, uma análise do procedimento indicado verifica que os usuários que “bloquearem” estas palavras somente terão bloqueados alguns “grupos de Facebook” e empresas. Assim, a menos que você pretenda bloquear a hashtag “#FactCheckers” (com 93k de comentários) e muitas informações sobre a covid-19, a ferramenta é inútil.  Ou seja, é um serviço falso de alerta, ou uma “inutilidade pública”.

Finalmente, no teste realizado pelo Coletivo Bereia, durante três dias de uso intenso, não foi impossível abrir mensagens enviadas pelos grupos e nem houve bloqueio de mensagens denunciando conteúdo falso, restabelecendo a verdade sobre a covid-19 e outros. Pelo contrário, houve continuidade no recebimento de mensagens e alertas de fact-checkers ativos no Facebook. Inclusive prosseguiu o recebimento de alertas do próprio Facebook sobre o conteúdo enganoso ou perigoso de algumas mensagens.

Se esse “bloqueio” não funciona, por que esse tipo de mensagem circula?

O medo da vigilância ou a soma de todos os medos

Por trás, por dentro e por cima das mensagens que denunciam censura na ação de “Fact Checkers” estão grupos de pessoas que acreditam que há uma conspiração internacional, dominada pela China, pelo “Estado Profundo”, em uma associação insólita dos partidos comunistas e grandes capitalistas para controlar a opinião pública mundial.

A suspensão de Donald Trump das mídias sociais serviu de alerta para todos os políticos que fazem campanha utilizando contra-informação, desinformação e estratégias de mensagens em massa. Twitter, Facebook e Instagram anunciaram o bloqueio das contas do ex-presidente empresário da comunicação (que impede, além da comunicação, outras estratégias de monetização). Donald Trump (logo seguido por outros como o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PSL/SP) sugeriram a migração para outros nichos, além de incentivar o uso de plataformas alternativas

O plano ficou mais difícil, pois a gigante de tecnologia Amazon, decidiu “desmontar” a rede alternativa Parler, tirando os aplicativos do ar e silenciando os servidores. Em fevereiro de 2021, o presidente da Parler que tinha planos de formar uma “rede conservadora” foi demitido.

As redes de disseminação de teorias das conspiração também entraram no radar das mídias sociais – especialmente aquelas ligadas ao grupo Q-Anon. Ativistas do grupo e políticos de extrema direita denunciaram que haveria uma “censura chinesa”, em reação às medidas contra Trump e Q-Anon .

Não há, porém, qualquer evidência de que a China – ou alguma empresa chinesa – esteja envolvida nos embates entre as plataformas de mídias sociais e os políticos ultraconservadores. Ao contrário, são os políticos “progressistas” – na Europa especialmente – que estão lutando para diminuir o poder, fragmentar ou estabelecer legislações que impeçam o aumento de poder e influência das chamadas “Big Techs” (empresas ligadas às telecomunicações, mídias sociais e internet).

Porém, a busca pelo “pote de ouro” no final do arco-íris continua. E para isso, os disseminadores de informações falsas, contratantes de bots e haters apostam em outra via. Um aplicativo da Rússia – o Telegram. 

Um bunker chamado Telegram

O Telegram Messenger foi lançado em 2013, na Rússia. Criado pelos irmãos Nikolai e Pavel Durov, o aplicativo é o principal concorrente do WhatsApp, com mais de 500 milhões de usuários ativos no mundo. O serviço oferece o envio e recebimento de mensagens de texto, áudio, imagem e vídeo, além de arquivos de diversos formatos. A plataforma grátis tem ganhado popularidade nos últimos anos e pode servir como alternativa para os mensageiros do Facebook (Messenger e WhatsApp). O serviço permite grupos de até 200 mil membros e disparo de mensagens em massa, o que o WhatsApp não mais autoriza, desde que o aplicativo passou a enfrentar acusações de ter sido usado nas campanhas por empresas de influenciadores. 

O Brasil passou a conhecer mais o Telegram quando do episódio das reportagens do The Intercept Brasil, em parceria com outros órgãos de imprensa, apelidadas de Vaza Jato. As reportagens mostraram como os integrantes da Operação Lava Jato, juntamente com o então juiz federal de Curitiba Sérgio Moro, usaram o aplicativo que consideraram mais seguro, para trocar informações sobre como forjar provas e outras estratégias ilegais para  incriminar pessoas, a partir do seu interesse político.

Muitas das “facilidades” do Telegram, são duramente criticadas por especialistas de segurança. Como o uso de “perfis fantasmas” que se autodestroem em seis meses (em nosso uso, detectamos 234 contas excluídas,  automaticamente nesse modelo); o uso de nicknames (em vez de números de telefone); e a possibilidade de apagar as mensagens originais “sem deixar rastro”.  Podem, além de ser utilizados por criminosos, facilitar o uso de disseminações de falsidades e enganos. 

O aplicativo russo oferece, ainda, a possibilidade de editar mensagens já enviadas pelo usuário (ou por outras pessoas), apagar mensagens sem rastro, utilizar ao mesmo tempo “várias contas e pastas de chat”, “grupos de até 200 mil participantes”, “ferramentas de edição de vídeo” e a cereja do bolo – “API e plataforma de bot para desenvolvedores”. Essa última ferramenta facilita o comando de disparo de mensagens em massa – inclusive pré-agendadas.

Uma pesquisa rápida no buscador global que o próprio Telegram traz demonstra que a ferramenta já se tornou um bunker para os exilados do WhatsApp, Twitter e Facebook. Olavo de Carvalho tem dois grupos (um com 6.819 integrantes e outro com 3.512). Jair M. Bolsonaro tem 451.212 contatos em seu Telegram e Flávio 55. 520. Há três grupos de “patriotas” pró-Bolsonaro, com 26.719, 23.572 e 2.573 (esse último mais ativo). Sobre a covid-19 há dois grupos, um com 226.789 “pessoas” e outro com 615.979. Mesmo que as assinaturas não correspondam a um único número de telefone, ou “pessoa física”, ainda assim estamos diante de uma migração em massa. 

A migração começou com o bloqueio de Trump e o silenciamento de perfis ativos na disseminação de desinformações (bem como nas ações judiciais, movidas em vários países contra WhatsApp e Facebook, por calúnia, difamação e desinformação política).  A mudança dos termos de contrato (adesão) ao Whatsapp – com a sincronização entre perfis do Facebook e verificações de autenticidade também apressaram alguns a migração de plataformas. 

Durov já fez duras críticas a grandes empresas de internet como Facebook e Google ao longo dos últimos anos. Entende que elas oferecem ferramentas para acalmar o público, mas não entregam resultados ao marketing. Ou seja, o magnata russo quer uma ferramenta que aumente as vendas e que permita o crescimento do público, além dos limites que Facebook (dona de WhatsApp e Instagram) e Google apresentam. 

Nesta briga por audiência virtual muitas armas são antigas – utilizar o medo, falar de vigilância e censura, disseminar “falsos bloqueios”. Governos e ativistas de cybercidadania, porém, ensinam que mais transparência e mais acesso aos protocolos das empresas são os únicos caminhos, quando se deseja que cada cidadão tenha a posse e o conhecimento de como são lidos, por onde transitam e onde ficam armazenados seus dados. E essa história está bem contada no livro e documentário “Manipulados”/ “Privacidade Hackeada”. 

Em resumo, qualquer que seja a mídia social, qualquer que seja a empresa de internet ou de comunicação, é sempre muito importante variar as fontes, checar por conta própria aquilo que você ouve, lê e vê. Cada pessoa que se preocupa com informação correta e justa pode ser um “Fact Checker”. 

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Foto de capa: Pixabay/Reprodução

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Referências

Facebook, https://www.facebook.com/help/search/?query=PRIVACIDADE. Acesso em: 08 mar. 2021.

Facebook, https://www.facebook.com/business/help/2593586717571940. Acesso em: 07 mar. 2021.

Facebook, https://www.facebook.com/hashtag/factcheckers. Acesso em: 07 mar. 2021.

Observatório da Imprensa, http://www.observatoriodaimprensa.com.br/checagem-de-informacoes/o-que-e-fact-checking/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Fact Checker Legal Support, https://factcheckerlegalsupport.org/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Fact Checker, https://www.factchecker.in/. Acesso em: 07 mar. 2021.

IFCN, https://ifcncodeofprinciples.poynter.org/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Facebook Journalism Project, https://www.facebook.com/journalismproject/programs/third-party-fact-checking. Acesso em: 07 mar. 2021.

CNN, https://edition.cnn.com/2020/10/29/tech/fact-checkers-facebook-trump/index.html. Acesso em: 07 mar. 2021.

DW, https://www.dw.com/pt-br/apoiadores-de-trump-migram-para-redes-sociais-de-nicho/a-56241234. Acesso em: 07 mar. 2021.

DW, https://www.dw.com/pt-br/twitter-bane-mais-de-70-mil-perfis-ligados-ao-qanon/a-56202310. Acesso em: 07 mar. 2021.

A Gazeta, https://www.agazeta.com.br/brasil/eduardo-bolsonaro-diz-apoiar-trump-e-fala-em-criacao-de-nova-rede-0121. Acesso em: 07 mar. 2021.

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Terra, https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/presidente-de-rede-social-parler-e-demitido,5c97594c8976ebc7612a0833c3f3ab8dl2bypsf7.html. Acesso em: 07 mar. 2021.

Tecnoblog, https://tecnoblog.net/404132/whatsapp-signal-ou-telegram/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Amazon, https://www.amazon.com.br/Manipulados-Cambridge-Analytica-privacidade-democracia/dp/8595086540. Acesso em: 07 mar. 2021.

Netflix, https://www.netflix.com/br-en/title/80117542. Acesso em: 07 mar. 2021.

Ciência Hoje, https://cienciahoje.org.br/artigo/perfis-manipulados/. Acesso em: 07 mar. 2021.

Veja, https://veja.abril.com.br/paginas-amarelas/brittany-kaiser-campanha-de-bolsonaro-usou-internet-para-desinformacao/. Acesso em: 07 mar. 2021.

UFSC, https://jornalismoehistoria.sites.ufsc.br/2020/10/30/a-internet-quebrou-a-democracia/. Acesso em: 07 mar. 2021.

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