Líderes políticos propagam conteúdo enganoso e falso sobre queimadas na Amazônia e em São Paulo

Publicações com informações imprecisas sobre as queimadas que atingem diversas regiões do país, incluindo a Amazônia Legal e o Estado de São Paulo, circulam nas redes digitais. Postagens de líderes políticos e religiosos questionam, sem evidências, a atuação do governo federal no controle dos incêndios e atribuem responsabilidade pelos focos de fogo a grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam aumento de 78% no número de queimadas em relação a 2023, com mais de 109 mil focos registrados até 26 de agosto.

Situação atual das queimadas no Brasil

De acordo com o Inpe, até 26 de agosto passado, o Brasil tinha registrado 109.943 focos de queimadas em 2024. Esse valor representa 178,11% do ano de 2023, um aumento de 78,13%. 

Os estados mais atingidos foram Mato Grosso com 21.694, Pará com 14.794 e Amazonas com 12.696. Somente em agosto, esses três estados registraram 27.838 focos de incêndio, o que corresponde a aproximadamente 25% do total registrado no país em 2024. 

O Estado de São Paulo também enfrenta uma situação crítica. Entre os dias 23 e 25 de agosto, quase 30 cidades paulistas estavam em alerta devido às queimadas. Segundo o governo estadual, os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e obrigaram mais de 800 pessoas a abandonar suas residências.

Imagem: Reprodução: Brasil de Fato

Segundo o Inpe, a Amazônia e o Cerrado são os biomas mais afetados pelas queimadas em 2024. Até julho, a Amazônia Legal registrou o maior número de focos de fogo em 19 anos, representando 47,4% do total de ocorrências no país. O Cerrado, por sua vez, correspondeu a 31,9% dos focos registrados.

O uso do fogo na agricultura, uma prática antiga, contribui significativamente para os incêndios na região. Embora seja um método rápido e barato de preparar o solo, o engenheiro-agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Raimundo Nonato Brabo Alves, adverte que esta técnica, quando realizada sem os devidos cuidados, tornou-se um problema ambiental, não sendo mais considerada sustentável pois contribui para o aquecimento global.

Porém, investigações recentes sobre incêndios em São Paulo sugerem ações criminosas coordenadas. Análises do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) revelaram um aumento dramático de focos de calor em um único dia, com 81,29% concentrados em áreas agropecuárias. A simultaneidade dos focos é considerada pelos especialistas indício de interferência humana, levando à prisão de cinco pessoas até 27 de agosto. Os incêndios consumiram mais de 20 mil hectares e deslocaram mais de 800 pessoas, reforçando as suspeitas de atividade criminosa.

Repercussão nas redes de religiosos 

Nas redes digitais, informações imprecisas sobre as queimadas no país estão sendo publicadas por parlamentares e líderes religiosos. O deputado federal presbiteriano José Medeiros (PL-MT) utilizou seu perfil no X para sugerir, sem provas, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seria responsável pelos focos de incêndio.

Imagem: Reprodução: X

Em 26 de agosto, o MST publicou uma série de postagens em seu perfil oficial no X para afirmar que a notícia sobre sua responsabilidade pelas queimadas no interior de São Paulo, especificamente na região de Ribeirão Preto, é falsa. 

O movimento afirmou que as queimadas são reflexo dos problemas do modelo de agronegócio, que envolve concentração de terras, uso excessivo de agrotóxicos e degradação ambiental. Ademais, reafirma seu compromisso com uma Reforma Agrária Popular focada na agroecologia, com o objetivo de converter latifúndios improdutivos e áreas impactadas por crimes ambientais em terras para trabalhadores sem terra.

Imagem: Reprodução: X

O deputado federal cristão evangélico Helio Lopes (PL-RJ) também utilizou seu perfil no X para questionar a atuação do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em relação às queimadas. Em 26 de agosto, o parlamentar fez duas publicações sobre o tema.

Na primeira postagem, Lopes compartilhou uma notícia do Correio Braziliense sobre a declaração de Marina Silva a respeito da origem da fumaça no Distrito Federal. O deputado sugeriu, em tom crítico, que a pauta ambiental foi utilizada apenas como discurso eleitoreiro.

Imagem: Reprodução: X

Em uma segunda publicação no mesmo dia, o parlamentar compartilhou uma manchete da Revista Oeste que reproduz um editorial do jornal O Estado de São Paulo, publicado em 26 de agosto, que questiona a capacidade do governo Lula de lidar com as queimadas na Amazônia. 

O editorial do Estadão, opinião dos proprietários do veículo, compartilhado pelo deputado, reflete uma tendência observada nos posicionamentos do jornal em 2023. Segundo levantamento realizado pelo Ranking dos Políticos, dos 152 editoriais do Estado de São Paulo analisados naquele ano, 75,6% foram críticos ao governo Lula.

Imagem: Reprodução: X

Em 26 de agosto, a deputada federal católica Carla Zambelli (PL) usou o caso das queimadas na publicação de seu perfil no X  para criticar o governo federal.

Ela afirmou que o governo Lula deveria aprender com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a melhorar as ações de combate a esses incêndios e punição dos responsáveis.

Imagem: Reprodução: X

O vídeo é um trecho do noticiário Edição do Meio Dia, da GloboNews, de 25 de agosto, no qual o governador de São Paulo, no exercício de suas responsabilidades, afirma que as forças de segurança pública estão mobilizadas para investigar os incêndios no estado. Ele enfatizou que os responsáveis pelos crimes relacionados aos focos de incêndio serão punidos e levados à justiça.

Imagem: Reprodução: X

Do lado governista, o deputado federal católico Airton Faleiro (PT-PA) também publicou nas mídias digitais sobre os incêndios que atingem São Paulo, combinando informações confirmadas e alegações não comprovadas. A afirmação de que a Polícia Federal abriu investigações sobre os focos de queimadas é correta. De fato, a PF instaurou dois inquéritos para apurar possíveis ações criminosas relacionadas aos incêndios no estado.

Faleiro também compara a situação atual ao “Dia do Fogo”, evento em que foram registrados  diversos incêndios criminosos, orquestrada por empresários, fazendeiros e produtores rurais, ocorrido no Pará em 2019. Essa comparação ecoa uma declaração similar da ministra Marina Silva, ao comentar sobre as suspeitas de ações criminosas coordenadas.

O parlamentar ainda sugere motivações políticas para os incêndios atuais, mencionando ‘figuras da extrema-direita’, como o pastor líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia. O deputado se refere a um vídeo que circula nas redes em que o pastor fala que “o Brasil vai pegar fogo”. No entanto, esta alegação carece de evidências concretas, uma vez que o  vídeo em questão,  diz respeito à convocação para uma manifestação planejada para o feriado do Dia da Independência, 7 de setembro. Não há elementos factuais que indiquem uma conexão direta da convocação com as queimadas. 

De quem é a responsabilidade?

Bereia verificou que a responsabilidade pela proteção e preservação do meio ambiente no Brasil é compartilhada por todos os níveis de administração pública: municipal, estadual e federal. De acordo com o Art. 225 da Constituição Federal de 1988, todos têm direito a um meio ambiente saudável e equilibrado, e é dever do governo e da sociedade protegê-lo para o bem de todos agora e no futuro. Segundo a doutora em Gestão Sustentável/Ambiental, Márcia Dieguez e o doutor em Políticas Públicas Marcelo Varella, a Constituição de 1988 criou a função ambiental para obrigar o Estado e a sociedade a preservar o meio ambiente. “O Art. 225, como meio de assegurar a efetividade do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, exige prestações materiais e atuação legislativa que envolvem os três entes federativos, no âmbito de suas respectivas competências”.

De acordo com o Art. 2, da Lei nº 6.938, a Política Nacional do Meio Ambiente visa garantir a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental necessária para a vida, promovendo o desenvolvimento socioeconômico, a segurança nacional e a dignidade humana. O Artigo 23 da Constituição estabelece que a responsabilidade pela gestão ambiental é compartilhada entre a União, os Estados e o Distrito Federal. Cada estado e município no Brasil tem seus próprios órgãos ambientais, que criam políticas, resoluções, licenciam e fiscalizam questões ambientais. Estes órgãos podem criar leis e normas mais rigorosas do que as federais, desde que estejam dentro da Constituição.

Os estados escolhem a estrutura de gestão ambiental mais adequada, como departamentos, fundações ou secretarias, enquanto os municípios seguem os padrões estabelecidos em nível federal e estadual. Assim, todos os níveis de governo devem trabalhar para reduzir os danos ambientais.

No nível estadual, a responsabilidade inclui coordenar com os municípios e implementar políticas para combater crimes ambientais e proteger os recursos naturais. Nessa esfera, os estados contam com corpos de bombeiros e polícias especializadas. No nível federal, ministérios como o Ministério do Meio Ambiente e a Polícia Federal lidam com políticas nacionais e investigam crimes ambientais de maior escala. Além disso, a proteção do meio ambiente é responsabilidade não apenas do governo, mas também de indivíduos e das empresas.

A Lei 6.938/81 criou também o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) para coordenar a proteção ambiental no Brasil. O Sisnama é composto por:

  1. Órgão Superior: O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que auxilia o Presidente na formulação das diretrizes ambientais.
  2. Órgão Central: A Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), vinculada ao Ministério do Interior, responsável por promover e avaliar a Política Nacional do Meio Ambiente.
  3. Órgãos Setoriais: Agências e fundações federais associadas à preservação ambiental e ao uso dos recursos naturais.
  4. Órgãos Seccionais: Órgãos estaduais que executam programas, projetos e fiscalização ambiental.
  5. Órgãos Locais: Órgãos municipais que controlam e fiscalizam atividades ambientais em suas áreas.

Além disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)  do governo federal, tem formado, ao longo dos anos, brigadistas florestais para ajudar na atuação durante o período seco. O Programa Brigadas Federais protege diretamente cerca de 14 milhões de hectares de Terras Indígenas e 153 mil hectares de territórios quilombolas, enquanto o Prevfogo cuida de aproximadamente 19,1 milhões de hectares em Unidades de Conservação em todo o Brasil. As Brigadas Indígenas desempenham um papel crucial na prevenção e combate a incêndios florestais na Amazônia, combinando conhecimentos tradicionais indígenas com técnicas modernas de manejo do fogo, conforme o acordo entre a Funai e o Ibama.

Desde 2013, o acordo prevê a seleção, capacitação e contratação de brigadistas indígenas, além do fornecimento de equipamentos e veículos. Em 2014, foram estabelecidas 30 brigadas com 519 brigadistas, e em 2015 o número de brigadistas aumentou para 608, expandindo a área coberta para 17,126 milhões de hectares. 

Atualmente, há 39 brigadas em operação. A Associação dos Brigadistas Akwe Xerente, uma das mais ativas, desenvolve um viveiro para reflorestamento e plantio de árvores frutíferas e teve papel importante no combate ao incêndio da Serra do Lajeado em 2017.

Ações públicas em curso

A diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador Agnes Soares detalhou medidas em andamento para reduzir os impactos causados pelo aumento dos focos de incêndio. Ela destacou que, desde 26 de julho, o Ministério da Saúde criou a Sala de Situação Nacional de Emergências Climáticas em Saúde, um mecanismo para coordenar a resposta a emergências climáticas como queimadas, enchentes e secas. 

“O monitoramento visa identificar as populações mais vulneráveis e orientar as secretarias estaduais e municipais de saúde, que relatam periodicamente a situação e ajudam no preparo e na mitigação dos efeitos conhecidos, como a inalação de fumaça” , informou a diretora. 

O governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, está apoiando o combate e monitoramento das áreas atingidas pelas queimadas com seis aeronaves, incluindo um avião KC-390 com sistema para lançamento de água. Além disso, o Ministério da Defesa mobilizou 600 militares para auxiliar nos esforços. 

A ministra do Meio Ambiente Marina Silva ressaltou que ações criminosas serão punidas com rigor e que é preciso parar de atear fogo, mesmo com todos os recursos disponíveis, dado o período de alta temperatura, baixa umidade e ventos fortes.

Segundo a ministra, a situação de fumaça na capital federal é atribuída a dois fatores: incêndios nas proximidades de Brasília e fumaça proveniente de outras regiões. Equipes técnicas estão avaliando as correntes de ar para identificar a origem exata da fumaça. 

A ministra ressaltou que a preparação iniciada em 2023 foi fundamental para o enfrentamento da situação atual. Ela também destacou que a redução do desmatamento na Amazônia, de 50% em 2023 e 45% em 2024, evitou um cenário ainda mais crítico para o país.

De acordo com dados do sistema Deter-B do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a taxa consolidada de desmatamento na Amazônia caiu 45,7% entre agosto de 2023 e julho de 2024, somando 4.315 km², em comparação com 7.952 km² no período anterior. Essa redução representa a maior queda proporcional histórica já registrada.

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Bereia observa que a série de postagens feitas por líderes políticos nas redes apresenta informações  falsas e enganosas sobre a atuação do governo no combate aos incêndios. A disseminação de alegações falsas, como a responsabilização do MST pelos incêndios e críticas infundadas à gestão do governo federal e da ministra do Meio Ambiente, contribui para uma percepção negativa e distorcida das ações governamentais e dos deveres das diferentes instâncias da administração pública. O uso do vídeo do pastor Silas Malafaia para acusar apoiadores da extrema direita de terem incentivado os incêndios também se caracteriza como especulação e fonte de engano.

Bereia reforça aos leitores sobre a importância de verificar a veracidade das informações antes de compartilhá-las. Recomenda-se consultar fontes oficiais e confiáveis, como o site do Inpe e os canais oficiais dos órgãos governamentais responsáveis pelo meio ambiente. Além disso, é fundamental questionar conteúdos que pareçam sensacionalistas ou que atribuam culpa a opositores sem evidências explícitas. Ao se deparar com informações duvidosas sobre queimadas ou outros temas ambientais, busque a confirmação em agências de checagem de fatos e evite compartilhar conteúdos não verificados.

Referências de checagem: 

INPE.
https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/situacao-atual/situacao_atual/. Acesso: 27  ago  2024.

G1. https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/08/26/mais-da-metade-dos-estados-no-pais-enfrentam-a-pior-periodo-de-seca-em-80-anos-diz-cemaden.ghtml. Acesso: 27  ago  2024.

Agência Gov. https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202408/ministerio-da-saude-reforca-acoes-de-combate-a-incendios-no-pais. Acesso: 27 ago  2024.

MST. https://mst.org.br/2024/08/26/resposta-as-fake-news-mst-nao-e-responsavel-pelas-queimadas-em-sao-paulo. Acesso: 27 ago  2024.

X. https://x.com/MST_Oficial/status/1828168714434281638?t=rD9Monz8oEfsGbKLxeM4tw&s=19. Acesso: 27 ago  2024.

Deputado federal Helio Lopes. https://heliolopes.com.br/biografia/. Acesso: 27 ago  2024.

Agência Gov. https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202408/desmatamento-na-amazonia-tem-reducao-de-45-7. Acesso: 27 ago 2024.

Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/08/6927529-marina-diz-que-fumaca-no-df-vem-de-incendios-na-amazonia-pantanal-e-bolivia.html. Acesso: 27 ago 2024.

Estadão. https://www.estadao.com.br/opiniao/amazonia-em-chamas/. Acesso: 27 ago 2024.

A imprensa e o Governo Lula.
https://drive.google.com/file/d/1omlN50xmuXamOu1IsXmLuCkESJMgT0rr/view. Acesso: 27 ago 2024.

Lupa. https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2024/08/26/prisoes-investigacao-e-acao-dos-governos-o-que-se-sabe-sobre-os-incendios-que-atingem-sao-paulo. Acesso: 27 ago 2024.

CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/tarcisio-de-freitas-a-cnn-48-cidades-de-sp-estao-em-alerta-para-queimadas/. Acesso: 28 ago 2024.

Youtube. https://g1.globo.com/globonews/jornal-globonews/video/tarcisio-de-freitas-fala-sobre-incendios-em-sp-12852287.ghtml. Acesso: 28 ago 2024.

A Pública. https://apublica.org/nota/com-fake-news-deputados-ruralistas-associam-queimadas-a-mst-e-governo-federal/. Acesso: 29 ago 2024.

https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2024/08/26/video-distorce-posts-de-bolsonaristas-para-associa-los-a-queimadas.htm. Acesso: 29 ago 2024.

G1. https://g1.globo.com/politica/noticia/2024/08/26/relembre-o-que-foi-o-dia-do-fogo-citado-por-marina-ao-comentar-incendios-atipicos.ghtml Acesso: 29 ago 2024.

Embrapa. https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/50056747/embrapa-promove-agricultura-que-dispensa-uso-do-fogo-na-amazonia#:~:text=O%20uso%20do%20fogo%20na,do%20solo%20antes%20do%20plantio. Acesso: 30 ago 2024.

G1.
https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2024/08/27/focos-de-incendio-sp-analise-ipam-mesmo-horario.ghtml. Acesso: 30 ago 2024.

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/meio-ambiente/audio/2020-06/ibama-contrata-brigadistas-para-combater-incendios. Acesso em 30 de agosto de 2024.

GOV. https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2020/ibama-contrata-1-481-brigadistas-para-combater-incendios-na-seca-41-brigadas-devem-atuar-em-terras-indigenas. Acesso em 30 de agosto de 2024.

GOV. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em 30 de agosto de 2024.

GOV. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp140.htm. Acesso em 30 de agosto de 2024.

Câmara dos Deputados. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1980-1987/lei-6938-31-agosto-1981-366135-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 30 de agosto de 2024.

SATC. https://unisatc.com.br/quais-sao-os-orgaos-ambientais-e-suas-funcoes/. Acesso em 30 de agosto de 2024.

O meio ambiente na constituição de 1988. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176554/000843895.pdf?sequence=3&isAllowed=y#:~:text=225%20da%20Constituição%2C%20encontra-se,Política%20Nacional%20de%20Educação%20Ambiental. Acesso em 30 de agosto de 2024.

Supremo Tribunal Federal. https://portal.stf.jus.br/constituicao-supremo/artigo.asp?abrirBase=CF&abrirArtigo=225#. Acesso em 30 de agosto de 2024.

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Foto de capa: Wikimedia Commons

Site circula desinformação sobre ataque islâmico na Indonésia

O site Conexão Política publicou matéria, em 03 de dezembro de 2020, com o título “Cristãos do Exército da Salvação são mortos e decapitados; seis capelas queimadas na Indonésia”.

O vídeo usado como fonte para a reportagem do Conexão Política é de autoria do blogueiro e youtuber canadense Abdullah Sameer, publicado em seu canal no YouTube em 28 de novembro de 2020, baseado em matéria original da Agência France Presse (AFP). Sameer professou o islamismo durante muitos anos até abandonar a fé e decidir compartilhar suas posições contrárias ao islamismo, como ele mesmo afirma em seu blog.

Vídeo de Abdullah Sameer utilizado como fonte pelo Conexão Política

No vídeo, Sameer relata o ocorrido na vila de Lemban Tongoa, localizada na ilha de Sulawesi, ao leste da Indonésia, em 28 de novembro, conforme reportado pela AFP. Sameer aponta que seis casas foram incendiadas, sendo que uma delas seria utilizada como capela para orações. A BBC também reproduziu essa informação em matéria do dia 01 de dezembro. Já o Conexão Política, afirma na matéria que publicou, que “foram seis capelas incendiadas no ataque”.

Contradições

A contradição está no fato de que não há prova de que as casas incendiadas, eram de fato, capelas. As autoridades locais não as reconheceram como capelas. A afirmação partiu de um pronunciamento do Exército da Salvação, que assumiu que a casa incendiada era um local de culto e que os cristãos mortos atuavam no Exército da Salvação.

Conforme a própria reportagem do Conexão Política, o inspetor de polícia de Sulawesi Rakhman Baso, “disse que ‘nenhuma igreja foi queimada’ – os edifícios que foram queimados não foram oficialmente reconhecidos como igrejas oficiais”. Entretanto, no texto original produzido pela AFP, a fonte é o chefe da polícia de Sigi Regency Yoga Priyahutama, e Rakhman Baso não é citado.

Segundo a matéria do Conexão Política, quem afirma que as casas eram utilizadas como capelas pelo Exército da Salvação é o , presidente do “Sínodo Cristão Protestante, o reverendo Gumar Gultom”.

O Conexão Política também traz a afirmação de que Gumar Gultom condenou os ataques e admitiu que as vítimas eram membros do Sínodo Cristão Protestante, organização de igrejas protestantes na Indonésia. A fala do reverendo (tampouco a sua ligação com as vítimas do ataque) não está presente no vídeo de Abdullah Sameer, nem no texto da AFP. A fala do pastor aparece em texto da Asian News, site de notícias católico, publicado em 28 de novembro. O texto da BBC, embora não cite o pastor Gumar Gultom, também traz trechos da nota emitida pelo Exército da Salvação e pelo Sínodo Cristão Protestante.

A matéria da AFP não oferece conteúdo referente às vítimas serem do Exército da Salvação ou membros do Sínodo Cristão Protestante, e está ancorada no relato das autoridades locais, que afirmam que apenas uma das casas incendiadas era utilizada como capela. Também nada cita sobre as vítimas assassinadas serem membros de uma mesma família, conforme trouxe a Asian News Católica, e o Conexão Política reproduziu.

O vídeo de Abdulla Sameer, apesar de também não citar ligação do ataque ao Sínodo Cristão Protestante, nem ao Exército da Salvação, apresenta uma análise do caso a partir da qual especula sobre o grupo terrorista apontado como principal suspeito pelo atentado, indicando suas possíveis motivações e comentado sobre o que chama de “Ideologia Terrorista”, que colocaria em risco os cidadãos não muçulmanos.

O grupo terrorista Mujahideen

A única informação que não foi passível de contradições entre os textos e o vídeo publicados sobre o ataque foi a autoria do atentado, atribuída ao East Indonesia Mujahideen ou Mujahidin Indonesian Timur (MIT) . “Chegamos à conclusão de que eles [os atacantes] eram do MIT depois de mostrarem fotografias dos seus membros aos familiares das vítimas” que testemunharam a emboscada, disse o chefe da polícia de Sigi Regency, Yoga Priyahutama.

O Mujahideen é um grupo extremista criado em 2010 que apoia ações do Estado Islâmico e é responsável por diversos ataques em Sulawesi e em outras ilhas da Indonésia, mas estava inativo desde 2016. Conforme o Conselho de Segurança das Nações Unidas o “Mujahidin Indonesian Timur (MIT) foi listado em 29 de setembro de 2015 nos termos dos parágrafos 2 e 4 da resolução 2161 (2014) como estando associado à Al-Qaeda por ‘participar no financiamento, planejamento, facilitação, preparação ou perpetração de atos ou atividades por, em conjunto com, sob o nome de, em nome de, ou em apoio do’ Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIL), listado como Al-Qaida no Iraque (QDe.115)”.

O site Conexão Política já publicou outros conteúdos enganosos sobre perseguição a cristãos na Ásia. Bereia já realizou verificações de alguns deles.

Título retirado do site do Conexão Política, de mesma autoria do texto sobre o ataque na Indonésia

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O Bereia classifica a notícia veiculada pelo site Conexão Política sobre ataque a cristãos na Indonésia como imprecisa. Foi verificado, conforme publicações da AFP, da BBC e de sites de notícias religiosos, como a Asian News Católica, que há contradições sobre o parentesco das vítimas, sobre se o atentado foi de fato a capelas ou somente a casas de cristãos locais. Por fim, a matéria está ancorada em material opinativo de um blogueiro ex-islâmico sem pesquisa de dados, importante para um jornalismo comprometido com a informação.

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Referências

“Jihadis Attack and Behead Christians in Indonesia”, https://www.youtube.com/watch?v=kS1RwOHCPeY&bpctr=1607176350. Acesso em: 02 Dez. 2020.

“Is linked militants kill four christians in indonesia police”, https://www.barrons.com/news/is-linked-militants-kill-four-christians-in-indonesia-police-01606559404?tesla=y. Acesso em: 03 Dez. 2020.

“East Indonesia Mujahideen”, https://www.trackingterrorism.org/group/mujahidin-indonesia-timur-mit. Acesso em: 04 Dez. 2020

“Exército da Salvação”, https://www.exercitodesalvacao.org.br/. Acesso em: 04 Dez. 2020

“Mujahidin Indonesian Timur (MIT) – Conselho de Segurança das Nações Unidas”, https://www.un.org/securitycouncil/sanctions/1267/aq_sanctions_list/summaries/entity/mujahidin-indonesian-timur-%28mit%29. Acesso em: 04 dez. 2020.

“Sobre Abdullah Sammer- Site”, https://abdullahsameer.com/about/. Acesso em: 03 Dez. 2020.

“Família cristã morta e decapitada em Sulawesi Central; fogo ateou seis capelas”, http://www.asianews.it/news-en/Christian-family-killed-and-beheaded-in-Central-Sulawesi%3B-fire-set-to-six-chapels-51718.html. Acesso em: 03 dez. 2020.

Incêndio de Igrejas no Chile não é caso de perseguição a cristãos

* Matéria atualizada em 23 de outubro de 2020, às 00h07, para acréscimo de informações

Uma imagem de igrejas em chamas no Chile viralizou nas mídias sociais nos últimos dias. A notícia foi reproduzida em portais religiosos como Pleno News com manchete “Duas igrejas são incendiadas em protestos esquerdistas no Chile” e Gospel Prime “Em imagens tristes, cúpula de igreja desaba no Chile e vândalos comemoram”.

Em um tuíte, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha (Belo Horizonte) Lucinho Barreto afirmou que 70 igrejas foram atacadas no Chile.

Todas as abordagens ressaltaram os temas da “cristofobia”, atrelando os atos vândalos a uma perseguição ao Cristianismo, e de serem ações “esquerdistas”.

Chile realizará plebiscito para decidir sobre nova constituição

Desde 18 de outubro, o Chile vive uma onda de manifestações que marca o aniversário de umano da explosão social de 2019 (Estallido Social en Chile), as maiores desde a ditadura de Pinochet. Os protestos na época começaram com reivindicações contra o aumento do preço de passagem do metrô e ampliaram para pautas ligadas aos direitos sociais, como água, saúde e educação, em oposição às políticas neoliberais. Os manifestantes sofreram com a extrema violência por parte dos Carabineros (Polícia Militar do país) e do Exército. 

Os protestos desta semana foram menores do que os de 2019, mas, segundo, a polícia atingiram a marca de 25 mil manifestantes que clamavam por reformas sociais. O ato antecede um momento importante da história do Chile, pois no dia 25 de outubro o país passará por um plebiscito para votar se deve haver mudanças na Constituição. A legislação atual foi herdada da ditadura de Pinochet, com grande inspiração neoliberal, e não garante direitos essenciais como saúde, educação e previdência. O país não tem um sistema público de saúde como SUS, os valores de aposentadoria são muito baixos e muitos idosos passam necessidades, a educação básica pública é de má qualidade e a educação superior, mesmo em universidades públicas, é paga. A pandemia de covid-19 colaborou para ressaltar as desigualdades e as deficiências do Estado chileno no cuidado com seus cidadãos e cidadãs.

A realização do plebiscito foi uma conquista dos protestos do ano passado. Os chilenos poderão votar sobre duas questões, a primeira se aprovam ou não a construção de uma nova constituição e a segunda se preferem convenção constitucional, formada integralmente por representantes do povo, ou convenção constitucional mista, formada por representantes da população e também por parlamentares chilenos. A maioria dos manifestantes nos atos desse ano portavam bandeiras com a palavra “apruebo”, ou aprovo, reivindicando uma nova constituição e que sejam feitas mudanças em favor da população.

Segundo informações do jornal chileno La Nación, duas igrejas foram vandalizadas durante os protestos do último domingo, 18 de outubro. Uma delas foi a capela San Francisco de Borja, conhecida como igreja dos Carabineiros, que foi renomeada, remodelada e assumida pela capelania militar durante o governo da junta militar, em 1973. O templo foi saqueado, teve objetos queimados em barricadas e dependências incendiadas, mas os bombeiros conseguiram impedir a propagação das chamas. 

Já a Paróquia Asunción, construída há 144 anos, foi completamente incendiada e teve a torre principal consumida pelas chamas, como mostram vídeos e imagens que repercutiram nas mídias sociais. 

Ainda não há certezas sobre as motivações e autoria dos incêndios. 

Um militar da Marinha chilena foi detido por participar do incêndio da igreja dos Carabineiros. Em nota, a Marinha afirmou que o oficial agiu sozinho, não estava infiltrado nem realizava serviço de inteligência. A instituição afirma que “se for comprovada a participação deste membro da Instituição, tomará as medidas disciplinares correspondentes”. O marinheiro foi liberado, com a obrigação de fazer assinaturas bimestrais na delegacia. 

Um jornal local investigou a participação de um policial infiltrado nas manifestações. Segundo provas obtidas pelo veículo, o carabineiro participava de diversos grupos de manifestantes no WhatsApp e incentivava o uso de violência por parte dos ativistas. Em um dos áudios, ele defendia “queimar todos os policiais”.

O sanitarista chileno e pesquisador na Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila) Juan Bacigalupo, ouvido pelo Coletivo Bereia, vê com suspeitas a promoção  dos incêndios, principalmente por não terem encontrado filmagens dos atos ou de culpados, levando-se em consideração que a igreja dos Carabineiros conta com intensa presença policial no entorno. “Estão tentando criminalizar o movimento social porque o povo chileno ainda é muito cristão”, avalia. 

Bereia colheu o depoimento da cristã evangélica Silvana Frontier, integrante da diretoria da organização Paz y Esperanza Chile, que atribui o caso à antipatia de grupos isolados, especialmente anarquistas, em relação a instituições religiosas. “Há muito tempo existe um grupo de anarquistas que vai contra tudo o que é uma instituição: Estado, Igreja e qualquer outra. Várias vezes houve ataques contra igrejas, tanto católicas quanto evangélicas: roubos, destruição e incêndio criminoso. Desta vez, o fogo foi muito maior”, explica. A cristã chilena não acredita, no entanto, que se trate de perseguição aos cristãos ou cristofobia. 

Uma declaração sobre os atos graves de violência contra os plebiscitos, assinada pela Associação Chilena de Diálogo Interreligioso para o Desenvolvimento Humano (ADIR), Comunidade Teológica Evangélica do Chile (CTE), Grupo de Estudos Multidisciplinares sobre Religião e Advocacia Pública (GEMRIP), Serviço Evangélico para o Desenvolvimento (SEPADE),  Amerindia Chile, Igreja Evangélica Luterana do Chile, Coalizão Ecumênica para o Cuidado da Criação e Rede Ecumênica de Direitos Humanos e Estado Laico (REDHEL), afirma o seguinte:

Rejeitamos e condenamos qualquer ato de intimidação exercido contra comunidades de fé para desencorajar a participação no processo plebiscito. Denunciamos que os recentes ataques contra igrejas católicas cristãs representam uma grave violação da liberdade de religião e expressão, mas da mesma forma rejeitamos a instrumentalização desses eventos para enfraquecer o processo constituinte, instalar medo e legitimar posições específicas, por meio da vitimização de grupos específicos. (…) Exigimos que o Estado cumpra sua função protetora de cidadania. Consideramos extremamente alarmante a violência desencadeada e a ineficácia do aparelho de Estado para proteger a integridade da sociedade e o exercício saudável da liberdade de expressão.

Igreja incendiada foi local de tortura na ditadura?

Não há suspeitos da autoria do incêndio da Paróquia Asunción. Circula nas mídias sociais a informação de que a igreja teria sido local de torturas durante a ditadura, e essa seria a motivação do incêndio por parte dos manifestantes.

Bereia verificou que, de fato, a casa paroquial da paróquia Asunción, localizada no mesmo terreno do templo, serviu como um centro de tortura durante o regime militar de Pinochet, de acordo com o investigador Dr. José Santos Herceg no documentário “Lugares desaparecidos – rastros dos centros de tortura e extermínio em Santiago”. Segundo o projeto Memória Viva, que investigou os crimes da ditadura militar no Chile, o endereço da casa paroquial, identificado como Vicuña Mackenna No 69, foi também uma base de computação central do Centro Nacional de Informações (CNI) comandada pelo General Odlanier Mena, que reunia arquivos de vítimas perseguidas pelo regime e comandava operações de inteligência para destruir oponentes. Não há, entretanto, confirmação de que a ligação com a ditadura seja a motivação dos manifestantes para causar incêndio, uma vez que não foram identificados suspeitos. 

O contexto histórico dos ataques e das igrejas no Chile

Em entrevista ao Coletivo Bereia, o bispo Vicário Apostólico de Aysén, no Chile, Luiz Infanti De La Mora, afirmou que essa explosão  social é “resultado de longos anos de abusos de poder e corrupção, que produziram crescentes desigualdades, injustiças e empobrecimento em grandes setores da sociedade”.  

As manifestações ocuparam todas as cidades chilenas e duraram até março de 2020, quando teve início o isolamento social devido ao coronavírus. O bispo considera a explosão como uma expressão de indignação e rejeição, que estava contida, em relação a qualquer instituição, sob o lema “Deixem ir todos” (políticos, governo, empresários, juízes, bispos, ministros etc).

A Conferência Episcopal do Chile emitiu declaração sobre o ocorrido. O texto, assinado pelo presidente, o bispo de castrense do Chile Santiago Silva Retamales, e pelo secretário-geral, o arcebispo de Porto Montt Fernando Ramos Pérez, expressa solidariedade com aqueles que foram vítimas de atos de violência que, contrasta com as expressões de quem se manifestou pacificamente. Na declaração, eles afirmam que:

A grande maioria do Chile anseia por justiça e medidas eficazes que ajudem a superar as lacunas de desigualdade; eles não querem mais corrupção ou abuso, eles esperam um tratamento digno, respeitoso e justo. Acreditamos que esta maioria não apoia ou justifica ações violentas que causam dor a indivíduos e famílias, prejudicando comunidades que não conseguem viver em paz em suas casas ou no trabalho, amedrontadas por aqueles que não buscam construir nada, mas antes destruir tudo.

A chilena doutora em Teologia Sandra Arenas, ouvida pelo Coletivo Bereia, reitera que o contexto do incêndio nas igrejas é decorrente de uma histórica crise sociopolítica no país. “É uma acumulação de inquietação social devido às desigualdades sociais no Chile, que tem muitas arestas”, explica. Sandra Arenas afirma que, no geral, são manifestações pacíficas, mas existem focos de violência que são difíceis de atribuir a determinados setores da sociedade. Para a pesquisadora, não está explícita a autoria dos ataques. “Há civis e, aparentemente, alguns infiltrados uniformizados também, mas está sendo investigado”, pontua. 

“As manifestações (ocorridas desde outubro de 2019) não tiveram lideranças visíveis, nem políticas nem sociais, foram espontâneas”, salienta o bispo Infanti. Ele também reforça que a grande maioria dos manifestantes são pacíficos, mas há grupos violentos. Inclusive, ele destaca que o número de carabineiros mortos, feridos e detidos também foi alto. “Os violentos foram identificados mais como anarquistas e traficantes de drogas, que deram mostras de ter mais poder do que as forças do Estado”, explica o bispo.

Sobre a possibilidade de haver perseguição a cristãos no Chile, ela afirma que existem segmentos da sociedade que reagem à crise provocada pelos abusos de poder e pela consciência dos abusos sexuais em um contexto eclesial. “Há uma crise de credibilidade e confiança nas instituições (em geral), também nas instituições religiosas”, afirma. No entanto, para a teóloga, a violência não se justifica em nenhum caso. “A agitação social levou as pessoas às ruas e a se organizarem territorialmente. A violência injustificada foi usada contra civis pelas forças da ordem (carabineros)”, analisa, e acrescenta que “uma das demandas sociais levantadas é que a instituição dos carabineros passe por uma reforma”. 

A também chilena Rocío Cortés-Rodríguez, que realiza pós-doutorado em Teologia na Universidade de Notre Dame (EUA) e é pesquisadora do Centro UC de Estudos da Religião da PUC do Chile, em depoimento ao Bereia, partilha da opinião de Sandra Arenas ao reiterar que um grupo minoritário queima templos católicos, em meio a uma manifestação pacífica. Ela atribui os ataques ao descontentamento social geral no qual a Igreja Católica simboliza uma instituição de poder. “As igrejas são também um símbolo do Cristianismo trazido pelos espanhóis há séculos atrás, são também símbolos da época colonial e, por isso, tenho notado que muitos desses grupos buscam trazer à tona o que lembra os tempos da Espanha no país”, declara. 

O bispo Infanti conta que a Plaza Itália, em Santiago,  foi “rebatizada” de Plaza da Dignidade. O espaço é um ponto central de encontro das manifestações. No dia 18 de outubro deste ano cerca de 30 mil pessoas reuniram no local. Entre os manifestantes, estavam os “barra bravas” (torcedores de times de futebol) que se enfrentaram violentamente, e grupos violentos, especialmente anarquistas, que também queimaram e destruíram  os dois templos perto da Plaza Itália. 

Também houve danos a negócios, supermercados, templos, exceto as estações de metrô porque  todas as estações foram fechadas, em Santiago ou em outras cidades do Chile (La Serena, Antofagasta, Melipilla, Valparaíso, Concepción, Temuco etc.). “Toda esta violência foi condenada pelo governo e por todas as forças sociais, culturais, religiosas e quase todas as forças políticas”, assegura o bispo Luiz Infanti.

Segundo Rocío, há um desejo, por parte de algumas pessoas, de reivindicar o lugar dos povos originários. “E isso é muito bom, pois estamos em dívida com eles. Mas, infelizmente, essa reivindicação opera em oposição ao crioulo/espanhol, que embora represente os processos de colonização e evangelização vividos no continente, é hoje uma parte importante da nossa cultura, idiossincrasia e religião”, explica Rocío Cortés-Rodríguez. 

Ataques e acusações de perseguição religiosa aos cristãos

Rocío aponta que, em um país que se torna cada vez mais secular, talvez haja uma certa hostilidade à religião e, em particular, ao cristão católico, por se tratar de uma das denominações cristãs ainda mais predominantes no país. “Porém, ouso dizer, não vai além da hostilidade social. Lembremos também que a Igreja Católica chilena vive uma profunda crise interna e externa em consequência dos casos de abuso sexual conhecidos há alguns anos, o que contribui para este ambiente hostil na sociedade para com católicos”, avalia a pesquisadora, que descarta a possibilidade de perseguição religiosa.

Rocío destaca, ainda, que líderes religiosos das comunidades judaica e muçulmana do Chile expressaram, publicamente, solidariedade com a Igreja Católica, rejeitando os atos de violência, com destaque para os ocorridos nas igrejas do Centro de Santiago.

Carmen Castillo Felber, da equipe da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE ou IFES, sigla em inglês) para América Latina, sinaliza ao Coletivo Bereia que não há perseguição ao Cristianismo no Chile, nos moldes do que ocorre em países islâmicos, por exemplo. Entretanto, ela alerta que existe “uma certa perseguição da mídia com informações que geram notícias contra os cristãos”. Ela cita os relatos no início da pandemia de covid-19, de espaços geridos por igrejas evangélicas que estavam recebendo pessoas desabrigadas e não para celebrar cultos, ao contrário do que se noticiava.  

Na opinião de Felber, as duas igrejas atacadas foram “autorizadas a serem queimadas”. “É estranho que uma delas fosse uma igreja que pertence à polícia; por que foi tão negligenciada? Por que os manifestantes foram autorizados a chegar lá?” Para Carmen, os ataques foram uma contrapropaganda para a opção de aprovação do plebiscito do dia 25 de outubro, que vai definir se haverá mudanças na Constituição do Chile, que permanece a mesma da ditadura de Pinochet. Segundo ela, muitos católicos que estavam pensando em votar pela “aprovação” as mudanças constitucionais, hoje podem optar por um voto de punição, e fazê-lo pela rejeição a essa possibilidade histórica  de assegurar direitos sociais, hoje negligenciados, com base na própria constituição do país. 

O bispo Luiz Infanti, ouvido por Bereia, também confirma que não há perseguição religiosa aos cristãos no Chile. No entanto, as mídias sociais têm uma mensagem permanente de questionamento à Igreja sobre a questão dos abusos e silenciamento total dos trabalhos pastorais sociais e solidários. “Há uma invisibilidade das pessoas da igreja (até o Papa Francisco), mas dando amplo espaço para Trump, Bolsonaro e propaganda consumista. Isso tem intencionalidades e cria mentalidades”, alerta o bispo. 

O religioso acredita que o plebiscito deve resultar no apoio à elaboração de uma nova constituição. Mas também pondera que existem forças poderosas que rejeitam esta possibilidade, incluindo alguns setores das comunidades evangélicas, que a manifestaram publicamente.

“Como Igreja Católica, temos apelado insistentemente à participação nas eleições (sem defender uma ou outra opção), apelamos a uma maior justiça e rejeição da violência e das causas que a provocam”, defende o bispo Infanti. “A violência ao longo do ano, certamente terá influência em setores que rejeitam uma nova carta institucional. Os resultados da votação são incertos. Essa incerteza também se deve ao fato se o isolamento social vai influenciar na participação social”, complementa.

O discurso da cristofobia

Imagens e vídeos das igrejas em chamas foram reproduzida por autoridades brasileiras como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), o Ministro das Comunicações Fábio Faria e o deputado e pastor Marco Feliciano (PSC-SP). Todos alegam em suas postagens que o incêndio é um caso de “cristofobia”.

Para o teólogo e cientista social chileno Nicolas Panotto, entrevistado por Bereia, não existe cristofobia no Chile. “Olhando para os eventos da queima de igrejas, acho que seria insensato não reconhecer que esses atos respondem a uma atitude estereotipada contra a religião e implicam um ato de violação da liberdade religiosa. Mas a partir daí supor um tipo de ação sistemática, não é correto”, avalia. 

Em coluna no Aerópago do Coletivo Bereia, a professora e cientista social Brenda Carranza comenta sobre a estratégia preocupante do discurso sobre cristofobia, que ela considera perigoso. “Ele justifica ameaçar, atacar e criminalizar aqueles que são alvo de sua perseguição em nome de uma inversão criada por esses grupos que reverberam o termo. Dito de outra forma: cristofobia é um álibi para perseguir a quem se disse perseguido. Álibi que historicamente sempre foi nefasto para a sociedade e a religião, basta lembrar a Inquisição e ler a História”, afirma. 

***

Bereia conclui que as informações que circulam no Brasil, em sites gospel e em mídias sociais de lideranças cristãs, sobre a queima de igrejas no Chile são enganosas. As postagens apresentam fatos ocorridos de forma distorcida, e com omissão de informações, para levar leitores/as a pensarem que são casos de perseguição a cristãos naquele país. Verificou-se que apenas a Paróquia Asunción foi incendiada completamente, uma vez que a Igreja dos Carabineros (da Polícia Militar) foi saqueada e barricadas foram feitas, mas o fogo não se alastrou. Já declaração do pastor da Igreja Batista da Lagoinha Lucinho Barreto sobre 70 igrejas queimadas no país é falsa.

Ressalta-se também que, mesmo entre chilenos, não há certezas sobre as intenções e autorias dos ataques, suspeitando-se tanto de insatisfação dos manifestantes com a instituição Igreja Católica quanto de sabotagem dos movimentos sociais por parte da força militar. É fato que um militar da Marinha foi preso depois de identificado envolvimento com o incêndio à Igreja dos Carabineiros. Confirma-se, também, que a casa paroquial da Paróquia Asunción foi utilizada como local de tortura durante a ditadura militar de Pinochet, embora não haja confirmação de que esse foi o motivo dos ataques. 

O contexto das manifestações é o plebiscito que acontecerá no próximo dia 25 e ampla parcela da população chilena reivindica uma nova Constituição com garantia de direitos que têm sido negados.

Bereia conclui, ainda que, de acordo com a avaliação de diversos especialistas, é falso afirmar que existe “cristofobia” (rejeição e perseguição sistemática ao Cristianismo) no Chile, um país majoritariamente cristão. O que se pode classificar, com os episódios evidenciados, são situações de intolerância religiosa experimentadas ao extremo (com violência)  

Referências

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