Site gospel engana sobre denúncia de ministra da França a respeito da fala de padre contra homossexualidade

* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:50 para correção de título

Segundo uma publicação do site evangélico Gospel Mais, o padre Matthieu Raffray enfrenta ameaças de processo por parte da ministra de Igualdade de Gênero e Diversidade do governo francês Aurore Bergé. A ministra teria ameçado o padre de processo depois de ele ter afirmado em vídeo, direcionado a seus mais de 60 mil seguidores no Instagram, que a homossexualidade é ‘uma fraqueza pecaminosa’, juntamente com outras transgressões. Gospel Mais afirma que o padre Raffray “despertou a ira” da ministra francesa.

Imagem: reprodução site Gospel Mais

 De acordo com o Gospel Mais, a ministra Bergé denunciou o padre Raffray à Delegação Interministerial para a luta contra o racismo, o anti-semitismo e o ódio LGBT (DILCRAH). A DILCRAH informou ter encaminhado a denúncia ao procurador da República e mencionou que a chamada “terapia de conversão”, incentivada por grupos religiosos,  é ilegal na França desde 2022.

 Gospel Mais ainda afirma, que apesar da “controvérsia e da perseguição governamental”, Raffray defende sua posição, e insiste que sua intenção “era encorajar a luta contra as tentações em geral, e não atacar especificamente a homossexualidade, enfatizando sua abordagem cuidadosa ao tema e sua não homofobia”.

 Na manhã do dia 4 de abril, o site O Antagonista noticiou que o padre Raffray estava sendo processado por homofobia. Horas após essa publicação inicial, o site evangélico Pleno.News também cobriu o caso, mas com uma abordagem diferente, com o relato de que o sacerdote havia sido denunciado por descrever a homossexualidade como “fraqueza”.

 No dia seguinte, 5 de abril, o site evangélico Gospel Mais entrou na discussão, destacando que as declarações do padre provocaram a ira de uma ministra, ao caracterizar a homossexualidade como uma “fraqueza pecaminosa”. Esta sequência de reportagens mostra a evolução da cobertura do evento e as diversas interpretações dadas ao incidente.

Imagem: reprodução do site O Antagonista

Imagem: reprodução Pleno News

Quem é o Padre Matthieu Raffray?

  Imagem: reprodução do X (antigo Twitter)

O padre da Igreja Católica Matthieu Raffray é doutor em história da filosofia e professor de filosofia na Universidade Pontifícia de Santo Tomás de Aquino, em Roma. É autor do livro “Le plus grand des combats” (“O Maior dos Combates”), anunciado com destaque em sua página na rede social digital X (antigo Twitter). 

O site oficial da publicação, da Editora Hétairie, apresenta o livro como um chamado à reflexão sobre a fé católica e um convite para jovens a redescobrir suas raízes e identidade na fé. Segundo essa apresentação, a obra é um “grito de guerra em torno de cristo” e Raffray aborda temas polêmicos como aborto,  divórcio e  eutanásia e demais desafios que a sociedade enfrenta atualmente. 

A Associação Renascimento Católico afirma que “sem ignorar o estado da nossa sociedade e os perigos que enfrentamos, o livro é um grito de guerra em torno de Cristo, um apelo à Esperança. Não foi em vão que milhares de jovens decidiram acordar, redescobrir as suas raízes, a sua identidade, a sua fé. Siga Cristo, levante-se: você nunca mais estará sozinho!

Matthieu Raffray faz parte do Instituto Bom Pastor, que foi criado ainda sob o pontificado do Papa Bento XVI. O IBP tem cerca de 45 sacerdotes, que atuam em cerca de vinte dioceses, na França (Bordéus, Chartres, Paris, Meaux, Le Mans, Marselha, etc.), na Polônia (Varsóvia, Częstochowa, Białystok), Colômbia (Bogotá), Brasil (Brasília, São Paulo, Belém, Curitiba), Itália (Roma, Nápoles) e Uganda (Kampala). Os seus sacerdotes exercem o apostolado em pequenas comunidades, no âmbito de paróquias pessoais ou territoriais. 

O Instituto do Bom Pastor, tem como objetivo a defesa e difusão da Tradição Católica em todas as suas formas: doutrinal, apostólica e litúrgica. Na linha conservadora defendida pelo grupo, os padres do IBP celebram a missa exclusivamente segundo o rito tradicional, ou seja, segundo a liturgia conhecida como “São Pio V”, de 1570, também conhecida como “Missal Tridentino”, celebrada em latim, formato anterior ao estabelecido pelo Concílio Vaticano II (1962-1965).

O vídeo de Raffray

Matthieu Raffray publicou o vídeo criticado pela ministra francesa para a Igualdade de Gênero, Diversidade e Igualdade de Oportunidade, Aurore Bergé, para os seus mais de 60 mil seguidores no Instagram, em 15 de março.

Imagem: reprodução do Instagram

Em trecho da gravação,  Matthieu Raffray afirma: 

 “Todos nós temos fraquezas. Cada um tem suas fraquezas, aquele que é guloso, aquele que é colérico, aquele que é homossexual. Enfim, existem tendências à homossexualidade. Todos os pecados, todos os vícios que podem existir na humanidade e contra os quais podemos muito bem lutar. Mas o demônio vai por dentro, você sabe, você conhece esse discurso interior que diz, por exemplo, eu nunca vou conseguir, vou parar de lutar porque de qualquer forma, é muito difícil. Isso é a voz do demônio que nos faz criar ilusões, filmes interiores para nos fazer abandonar a luta e duvidar de Deus. Existem as fraquezas interiores e as tentações do demônio que jogam com nossas fraquezas”.

A ministra publicou na rede social digital X, em 20 de março,  que os comentários de Raffray sobre a homossexualidade eram “inaceitáveis” e que ela estava denunciando o sacerdote à Delegação Interministerial para a Luta contra o Racismo, o Antissemitismo e o Ódio Anti-LGBT (DILCRAH), para ser processado nos termos do Artigo 40 do Código Penal francês. “Não tolerarei qualquer forma de ódio, seja qual for”, declarou a ministra.

Imagem: reprodução do X

A DILCRAH, responsável pela concepção, coordenação e gestão da política do governo francês, no combate ao racismo, ao antissemitismo e aos crimes de ódio contra as pessoas LGBTs, respondeu à ministra Aurore Bergé poucos minutos depois: “A pedido de @auroraberge, o @dilcrah denunciou ao Ministério Público as declarações #homofóbicas feitas pelo Sr. Raffray em suas redes sociais. As chamadas terapias de conversão são ilegais desde 2022. Falar da homossexualidade como uma fraqueza é vergonhoso.”

Imagem: reprodução do X 

No mesmo dia, Raffray publicou que sua conta X ultrapassou 20 mil seguidores e “agradeceu”: 

“Acabei de perceber que esta conta ultrapassa os 20.000 seguidores! Obrigado a todos pelo apoio. Agradeço também aos histéricos de todos os tipos que tentam me desestabilizar com polêmicas absurdas: publicidade garantida 👍🏻Amigos ou inimigos: eu rezo por vocês”.

  Imagem: reprodução do X

À versão francesa da revista Família Cristã, Matthieu Raffray negou qualquer intenção discriminatória em suas palavras, e defendeu que não apelou à discriminação. Ele afirmou se considerar cuidadoso ao abordar temas delicados como a homossexualidade. Além disso, o padre definiu sua posição: “Os atos homossexuais são pecado, mas acho que as pessoas não sabem mais o que é pecado. Denunciar um pecado não significa denunciar quem o comete”. 

Raffray menciona um vídeo anterior, “Podemos ser católicos e homossexuais?”, onde recebe Gaëtan Poisson, um autor que aborda a interseção da homossexualidade com a fé, para enfatizar seu compromisso com o respeito às lutas individuais e à dignidade de todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual.

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É verdade que a ministra de Igualdade da França Aurore Bergé denunciou o padre Raffray à Delegação Interministerial para a Luta contra o Racismo, o Antissemitismo e o Ódio Anti-LGBT (DILCRAH),, sob acusação de discurso de ódio contra pessoas homoafetivas, porém, Bereia classifica a notícia sobre o caso publicada no site evangélico Gospel Mais como enganosa

A chamada “Padre desperta ira de ministra ao afirmar que homossexualidade é ‘fraqueza pecaminosa’” reduz e desqualifica a atuação da ministra no seu papel público de defesa dos direitos de gênero e da diversidade como uma explosão de “ira”. É notório que a escolha de palavras em reportagens pode influenciar significativamente a percepção do público sobre os fatos. 

A reportagem do Gospel Mais utiliza estrategicamente o termo ‘ira’ para caracterizar a resposta da ministra às declarações do padre, uma escolha de palavras que não apenas amplifica a percepção de uma reação emocional, mas também parece buscar desqualificar a sua atuação legítima como representante governamental. Tal abordagem desvia a atenção da obrigação legal da ministra de proteger os direitos de grupos sociais vulneráveis, como a comunidade LGBTQIAP+, que são prioritários em sua agenda de políticas públicas. 

Ao enquadrar a resposta da ministra como ‘ira’, o site sugere um desvio na conduta esperada de um agente do governo, desconsiderando a natureza de sua responsabilidade em responder a discursos que podem ser classificados como desqualificantes para um grupo social sob sua proteção. Essa escolha editorial reflete não apenas um posicionamento sobre a situação específica, mas também levanta questões importantes sobre a representação midiática de figuras públicas e suas responsabilidades legais e éticas no exercício de suas funções.

No contexto religioso, a palavra ‘ira’ carrega um peso considerável, frequentemente associada a uma reprovação divina intensa e justa contra o pecado. Ao optar por esse termo, o Gospel Mais  enfatiza a gravidade da posição da ministra em relação às declarações do padre, ainda que a própria ministra estivesse agindo sob o mandato de sua função.. 

  Por fim, a reportagem do Gospel Mais, ao utilizar o termo ‘pecaminoso’ em adição à palavra ‘fraqueza’ para descrever a homossexualidade, conforme citado pelo padre, não só amplia a carga negativa da declaração original, mas também insere um peso teológico significativo, profundamente enraizado nas crenças religiosas. Essa escolha editorial não apenas distorce a mensagem inicial do sacerdote, que se limitou a utilizar o termo ‘fraqueza’, causadora de ‘pecados’, mas também serve para intensificar a desaprovação moral dentro de um contexto religioso, o que pode  agravar a estigmatização da comunidade LGBTQIAP+. Nesse sentido, Bereia alerta leitores e leitoras para atentarem para estes casos em que o que é apresentado como notícia e deveria se ater ao relato de ocorrências, oferece, de fato,  uma interpretação opinativa.

Referências de checagem:

Instituto Bom Pastor

https://decouvrirlamessetraditionnelle.com/es/instituto-del-buen-pastor Acesso em 08 ABR 24

Christian Post

https://www.christianpost.com/news/france-may-prosecute-priest-who-called-homosexuality-a-weakness.html Acesso em 08 ABR 24

Le Journal Du Dimanche

https://www.lejdd.fr/societe/le-pretre-catholique-matthieu-raffray-dans-le-viseur-du-gouvernement-143347 Acesso em 08 ABR 24

Catalogue BNF – Internet Archive

https://web.archive.org/web/20220529154252/https://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/cb1782896 Acesso em 08 ABR 24

Instagram. 

https://www.instagram.com/fraiches/p/C4pp9I2Mor0/?img_index=1 Acesso em 08 ABR 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/deputada-catolica-repercute-afirmacao-do-papa-sobre-ideologia-de-genero-ameacar-a-humanidade/  Acesso em 09 ABR 24

Hetairie

https://www.hetairie.com/plusgrandcombat/ Acesso em 08 ABR 24

Renaissance Catholique

https://renaissancecatholique.fr/lassociation/ Acesso em 09 ABR 24

DILCRAH 

https://www.cheminsdememoire.gouv.fr/en/report-dilcrah Acesso em 09 ABR 24

Twitter. 

https://twitter.com/auroreberge/status/1770464915959976022 Acesso em 09 ABR 24

https://twitter.com/DILCRAH/status/1770470302272589857 Acesso em 09 ABR 24

Família Cristã https://www.famillechretienne.fr/42504/article/cest-la-morale-chretienne-qui-est-attaquee-labbe-raffray-poursuivi-par-le# Acesso em 09 ABR 24 

Youtube

https://www.youtube.com/watch?v=J_G1uYD9l4M Acesso em 09 ABR 24 

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Foto de capa: YouTube

Nos EUA, igreja alega que Conselho negou construção de escola por perseguição religiosa

Circula em sites religiosos a notícia de que o governo estadunidense teria desaprovado um projeto de construção de uma escola privada cristã, ligada à Igreja hispânica Vida Real. O fato teria ocorrido na cidade de Somerville, em Massachusetts (EUA), e de acordo com as publicações, o impedimento para a abertura do colégio teve como base perseguição religiosa e étnico-racial. Ainda segundo a informação em circulação, o motivo do veto se deu por conta das crenças da igreja em relação a assuntos como ciência, sexualidade e saúde mental.

Os Estados Unidos proíbem escolas religiosas?

Nos Estados Unidos, escolas privadas podem, sim, ter ligações com instituições religiosas. A regulação e secularização do ensino se detêm apenas ao ensino público. O programa educacional público prevê autonomia para que cada estado possa construir sua base comum curricular, desde que siga os princípios legais estabelecidos pela Constituição estadunidense. Dentre eles, encontra-se a Primeira Emenda, que trata da separação entre Estado e religião:

 O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos. [p.07]

Seguindo essa Emenda, o Estado não deve intervir diretamente sobre o estabelecimento, ou mesmo proibição, do exercício religioso. Assim, o governo fica impedido de determinar uma religião oficial ou realizar interferências nas religiões, desde que sejam “privadas”. Em 1940 a Suprema Corte norte-americana decretou que não apenas o Governo Federal, como os estaduais e municipais devem acatar a decisão de um ensino público secularizado. De acordo com a decisão, o texto bíblico poderia continuar sendo lido nas escolas, se feito dentro de motivações seculares, sem o propósito de evangelizar: Defende-se que o objetivo primário de uma instituição deve ser aquele que não promova nem inibe a religião, e não devendo promover “envolvimento excessivo do governo com a religião”.

Contudo, escolas privadas se encontram fora das regularidades da primeira emenda, por se tratarem de instituições privadas. Elas podem, mesmo hoje, ter relações com instituições religiosas. Exige-se, no entanto, que o plano educacional da escola seja submetido e aprovado por órgãos educacionais regionais, a fim de manter a qualidade do ensino. Como resultado de pesquisa associada ao Pew Research Center, o pesquisador Gregory A. Smith, em seu livro  “Fé + Liberdade: religião nos EUA,  aponta que:

As escolas públicas formavam um número cada vez maior de jovens americanos, mas os cidadãos continuavam livres para enviar seus filhos — normalmente os meninos — para escolas dirigidas por denominações religiosas. Os católicos frequentemente construíam escolas paroquiais. Outras religiões seguiram o exemplo, fundando escolas que refletiam seus valores. Hoje, muitas congregações oferecem instrução religiosa suplementar para os alunos que frequentam a escola pública. As igrejas oferecem “escola dominical” ou aulas de catecismo. As mesquitas e as sinagogas oferecem oportunidades semelhantes para os americanos muçulmanos e judeus. Várias universidades americanas respeitadas começaram como faculdades religiosas. Entre as mais antigas está a Universidade de Princeton, fundada em 1746.  [p.38]

A decisão do Supremo Tribunal, 1940, se dirige majoritariamente para as escolas públicas. Ainda de acordo com o livro “Fé + Liberdade: religião nos EUA”, instituições de educação particulares podem exercer sua liberdade religiosa desde que respeitem os princípios constitucionais, como a defesa da liberdade de expressão individual e o direito ao culto e ao credo. Isto é, “Os alunos, no entanto, podem orar voluntariamente, sozinhos ou em grupos, desde que não obriguem outros a participar da oração e que não perturbem a escola” [p.39].

Escola cristã teve autorização negada

No último 30 de março, o Conselho Escolar de Somerville, Massachusetts, recusou que a Igreja Real Life International (Vida Real), formada majoritariamente por imigrantes e descendentes hispânicos, abrisse uma escola particular na cidade, com o nome de Real Life Learning Center (RLLC). Em carta aberta, publicada pela RLLC, a Igreja aponta que:

Apesar do desejo expresso da Vida Real de abrir o RLLC o mais rápido possível, o Comitê repetidamente impediu os esforços da Vida Real de fornecer educação religiosa privada para sua comunidade há mais de cinco meses. Ainda mais preocupante, o Comitê expressou hostilidade em relação às crenças religiosas de Vida Real, e vários membros do Comitê afirmaram que o desejo do RLLC de criar um currículo consistente com suas crenças religiosas é motivo para negar sua inscrição em escolas particulares.[p.02]

De acordo com o documento, os motivos para a não concessão do direito ao exercício educacional se deu graças à visão religiosa da escola, sua relação com as ciências e a psiquê humana. 

No entanto, segundo o pronunciamento municipal, a recusa se deu devido aos seguintes fatores:

Não há acomodações para alunos matriculados em educação especial, ou alunos não apresentem progresso acadêmico/cognitivo. Não há detalhes sobre avaliações ou como a escola usará avaliações para melhorar os resultados dos alunos. Não há detalhes sobre as formas como os funcionários serão apoiados. Não está claro como o processo de inscrição será resultar em um conjunto diversificado de candidatos. Não está claro se as instalações são adequadas para alunos mais jovens, e não está claro como são as instalações quando os alunos estão lá. A posição da escola sobre a homossexualidade e o criacionismo torna difícil ver como um currículo completo de ciências e saúde é possível. A abordagem da escola para serviços e aconselhamento estudantil parece desvalorizar a psicologia baseada em evidências e sua ênfase em abordagens enraizadas na crença de que a doença mental é causada pelo pecado e pelos demônios é não científico e nocivo. A escola não apresentou provas relacionadas com a segurança da planta física e solvência financeira. No geral, a escola foi totalmente contrária aos valores da SPS e à ideia de educar toda a criança como sendo inclusiva. [tradução livre, p. 03 e 04]

A decisão do Conselho de negar a criação da instituição de ensino se deu, portanto, com base na problemática relação que a instituição religiosa tem com questões ligadas aos direitos humanos, como destaca a carta, em questões como saúde mental, sexualidade e acessibilidade. Pode-se compreender que tal recusa alinha-se aos Direitos Humanos universais, sobre a preservação da qualidade de vida dos possíveis alunos matriculados.

1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Bereia classifica a informação como enganosa. A notícia insinua que a decisão do  Conselho Educacional se deve a perseguição religiosa, quando, na verdade, como exposto na própria carta publicada pela RLLC, a escola a ser construída teria seus processos pedagógico e metodológico norteados por uma visão religiosa, sob a negação princípios seculares previstos na Constituição dos Estados Unidos. Cai-se aqui em uma questão pertinente, isto porque o Estado não deve, de acordo com a Constituição, interferir na questão do ethos religioso de uma comunidade. Porém, em igual medida, não pode autorizar uma instituição educacional que se oponha aos direitos universais da vida e integridade humana.  

Bereia alerta leitores e leitoras para o uso de material enganoso, no Brasil, com o tema de “perseguição a cristãos”, com o objetivo de criar pânico moral com o público religioso. Este recurso que vem sendo utilizado em campanhas eleitorais no país, como já demonstrado em outras matérias aqui publicadas.

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Referências de checagem:

U.S. Senate: Constitution of the United States. https://www.senate.gov/civics/constitution_item/constitution.htm. Acesso em: 08 abr 2022.

Universidade Estadual de Londrina – tradução da Constituição dos EUA. http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf. Acesso em: 08 abr 2022.

BBC. https://www.bbc.com/portuguese/geral-48336499. Acesso em: 4 abr 2022.

Novos Alunos. https://novosalunos.com.br/entenda-como-funciona-a-grade-curricular-americana-no-ensino-bilingue/ Acesso em: 4 abr 2022.

First liberty.

https://firstliberty.org/wp-content/uploads/2022/03/Somerville-School-Board-Demand-Letter_Redacted.pdf Acesso em: 4 abr 2022.

https://firstliberty.org/. Acesso em: 4 abr 2022.

Oyez. https://www.oyez.org/cases/1970/89#:~:text=The%20statute%20must%20have%20a,secular%20legislative%20purposes%20because%20they. Acesso em: 4 abr 2022.

Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/about/  Acesso em: 4 abr 2022.

Livro: Fé+ Liberdade: religião nos Estados Unidos. https://share.america.gov/wp-content/uploads/2020/01/Faith-Freedom_Religion-in-the-USA_Portuguese-Lo-Res.pdf. Acesso em: 4 abr 2022.

Gestão Escolar. https://gestaoescolar.org.br/conteudo/728/as-leis-brasileiras-e-o-ensino-religioso-na-escola-publica. Acesso em: 4 abr 2022.

UNICEF. https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos Acesso em: 4 abr 2022.

Igreja Vida Real. https://vidareal.net/ Acesso em: 4 abr 2022.

Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181796/000433550.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acesso em: 4 abr 2022.

Foto de capa: El País

Líder evangélico afirma que cristãos começaram a ser perseguidos no Brasil

*Matéria atualizada em 26 nov 2021 às 20:20

O pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia publicou em seu perfil no Twitter um vídeo sobre a notícia de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público da Bahia e um pastor de Ipiaú, cidade do sul do estado. Durante um culto, transmitido também pelo YouTube, esse pastor havia utilizado o termo pejorativo “homossexualismo”. O religioso ainda orientou que os fiéis não consumissem produtos de duas grandes empresas que haviam feito campanhas publicitárias no Dia do Orgulho Gay. O ato foi denunciado como homofobia e o TAC foi proposto. Nele, o pastor comprometeu-se a se retratar durante o culto e não utilizar mais o termo “homossexualismo”.

A partir do fato, o pastor Malafaia pontuou no vídeo que teria começado uma perseguição religiosa contra evangélicos e sustenta que a decisão do MP da Bahia fere o artigo 5o. da Constituição Federal, sendo uma afronta aos direitos individuais. Ele afirma que dessa forma pastores poderão ser presos pelo que falam dentro de suas igrejas. Malafaia também afirmou que a interpretação de que o termo “homossexualismo” é relacionado a doença seria  “o absurdo dos absurdos”.

Imagem: reprodução do Twitter

“Homossexualidade”, e não “homossexualismo”: quando e por que houve essa mudança

Em 1886, o psiquiatra alemão  Richard von Krafft-Ebing publicou a obra Psychopathia Sexualis. O Tratado de Krafft-Ebing constitui, naquele período, um texto unificador dos conhecimentos até então elaborados de maneira esparsa e assistemática no campo médico-psiquiátrico a respeito da sexualidade humana.

Para definir a normalidade em relação à qual determinados comportamentos sexuais seriam considerados desviantes, Krafft-Ebing  recorreu à noção biológica, portanto natural, de “preservação da espécie”. O prazer obtido da relação sexual seria natural na medida em que contribui para a reprodução. Portanto, todo erotismo praticado fora desse contexto deveria ser considerado como desviante.

O termo “homossexual” não foi utilizado até meados do século 19. As práticas homoeróticas sempre existiram, mas os sujeitos não eram rotulados como tais. O termo só foi utilizado em 1869, por Karl Maria Kertbeny, argumentando contra o código que criminalizava a homossexualidade. Já em 1886, Richard von Kraft-Ebing utilizou o termo “homossexual” para descrever o que ele considerava ser um desvio, uma doença.

A Organização Mundial de Saúde incluiu o “homossexualismo” na classificação internacional de doenças de 1977 (CID) como uma doença mental, mas, na revisão da lista de doenças, em 1990, a orientação sexual foi retirada. Desde então, o termo “homossexualismo” – com ISMO no final – passou a ser considerado pejorativo, já que o sufixo, que também tem outros significados, ficou marcado por remeter à classificação como doença. Já o termo “homossexualidade” refere-se à atração física e emocional por uma pessoa do mesmo sexo, uma orientação sexual. Estudos mais avançados fazem uso do termo “homoafetividade”, levando em conta a relação humana que está para além do ato sexual.

Entretanto, apesar desta resolução internacional, cada país e cultura trata a questão da homossexualidade de maneira diferente. O Brasil, por exemplo, por meio do Conselho Federal de Psicologia, deixou de considerar a opção sexual como doença ainda em 1985, antes mesmo da resolução da OMS. Por outro lado, a China tomou a atitude apenas em 2001.

De acordo com dados publicados no ano passado pela organização Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Trans e Intersexuais (ILGA), em 70 países a homossexualidade ainda é criminalizada.

O artigo 5o. da Constituição e a prisão de pastores

Silas Malafaia cita que a postura do Ministério Público seria uma afronta ao artigo 5o. da Constituição. No vídeo, ele se refere a dois incisos (parágrafos) específicos:

“O artigo 5o. é cláusula pétrea, ninguém pode mudar. Vamos ao inciso VI: inviolável, vou repetir, inviolável a liberdade de consciência e de crença, [sendo assegurado] o livre exercício dos cultos religiosos [e garantida, na forma da lei], a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Lugar do culto é inviolável”. E em seguida: “Inciso VIII: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa [ou de] convicção filosófica ou política”.

O pesquisador em Religião e Política João Luiz Moura, que é coordenador de projetos no Instituto Vladimir Herzog e pesquisador visitante no Instituto de Estudos da Religião (ISER), explicou ao Bereia que Malafaia cita os incisos corretamente, mas ignora o caput do artigo 5o., ou seja, o enunciado principal, que orienta os incisos:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”

“Claro que todos são livres para fazer o que querem, conquanto que isso não atinja exatamente a liberdade de todos e todas. Nesse caso concreto que a estamos discutindo aqui não é que o pastor está deixando de exercer a sua liberdade ao proferir um discurso religioso em torno de qualquer tema que seja.  É que o pastor está violando a liberdade de alguém ser o que é, nesse caso de alguém exercer a sua sexualidade”, explica João. “Então aqui nesse caso, e no Direito, o que prevalece é justamente o direito do indivíduo de exercer sua liberdade,  nesse caso sexual. O pastor não está deixando de exercer sua liberdade de crença religiosa”.

João Luiz Moura também sublinha que Malafaia faz um “jogo de linguagem” sobre pastores que poderiam ser presos. “Na verdade, qualquer pessoa pode ser presa se cometer discriminação sexual e racial, se violentar, agredir ou incitar ódio em questões de raça ou sexo”. O pesquisador ainda ressalta que o conteúdo do TAC entre o pastor e o Ministério Público não foi colocado a público. E que se o pastor não concordasse, ele poderia recorrer na Justiça, e o caso seria levado para instâncias superiores. 

Perseguição de evangélicos não ocorre no Brasil

Sobre a perseguição alegada pelo pastor Malafaia, é mais um eco da suposta “cristofobia” existente no país, mencionada inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro em discurso na Organização das Nações Unidas. A “cristofobia” tem sido usada para se referir a episódios de preconceito e discriminação contra evangélicos, embora não exista no país um sistema estruturado de perseguição violenta contra esse setor religioso.

O Brasil não aparece nas pesquisas sobre países que perseguem cristãos, e não podemos afirmar que exista perseguição aos cristãos aqui, pois cristãos não são presos, condenados, expulsos de suas casas ou perseguidos por sua fé. Eles têm plena liberdade de culto e de expressão.

Podemos considerar que dentro contexto político e religioso do Brasil, onde grande parte dos evangélicos ainda apoia o Presidente da República e setores conservadores da sociedade, religiosos ou não, são constantemente mobilizados pelos discursos do presidente e de seus apoiadores, em temas como “Ideologia de Gênero”, defesa da família ou perigo comunista, o termo cristofobia é mais um utilizado dentro da retórica conservadora para mobilizar seus apoiadores

Desta maneira, o uso do termo cristofobia por alguns setores evangélicos e políticos do Brasil seja uma maneira de “tentar equiparar” a perseguição e a discriminação violenta sofrida por LGBTs, negros e outras minorias. 

O professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) afirma que é “é evidente que cristãos são perseguidos em outros países, mas isso não acontece no Brasil, onde eles são a esmagadora maioria. Sem negar que existam casos concretos e isolados de preconceito, mas me parece que essa operação de falar em cristofobia é falaciosa. Ainda mais guardando analogia com outras fobias, que são estruturais, institucionais e culturais no Brasil, como racismo e LGBTfobia”. 

João Luiz Moura complementa: “Nós não vemos um monte de pastores sendo presos em todo o Brasil porque falam contra questões sexuais. Pelo contrário, dominicalmente pode-se ir à grande maioria das igrejas brasileiras e ver um pastor falando ‘teologicamente’, ‘biblicamente’ sobre questões sexuais e inclusive contra a comunidade LGBTQIA+ e não sendo denunciado nem condenado. Isso aconteceu de maneira isolada nessa cidade da Bahia e o pastor Malafaia toma isso como seu exemplo absoluto a fim de construir uma linguagem, uma narrativa, uma performance, de um fantasma que é a perseguição e a cristofobia no Brasil”.

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Bereia conclui que as informações divulgadas por Silas Malafaia no vídeo em sua conta do Twitter são falsas. Não há evidências de perseguição religiosa aos evangélicos no Brasil e ao citar os incisos do artigo 5o., o pastor ignora o caput do artigo. Além disso, o termo “homossexualismo” é associado a doença, ao contrário do que diz o pastor, conforme a mudança de abordagemda Organização Mundial de Saúde, a fim de evitar discriminação contra as pessoas e suas orientações sexuais diversas.  Pode-se concluir que a alegação de perseguição faz parte de estratégia para produzir pânico moral e mobilizar os evangélicos no alinhamento político com pautas da extrema-direita, incluindo o  governo federal.

Referências:

Tribuna da Bahia. https://www.trbn.com.br/materia/I49621/ap-s-acordo-com-mp-pastor-de-ipia-se-retrata-por-conte-do-homof-bico Acesso em: 26 nov 2021.

Scielo Brasil. https://www.scielo.br/j/rlpf/a/cnRtXwjGCBk9DHqbS6Lqf8g/?lang=pt Acesso em: 26 nov 2021.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48801567 Acesso em: 26 nov 2021.

Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constfed.nsf/fc6218b1b94b8701032568f50066f926/54a5143aa246be25032565610056c224?OpenDocument Acesso em: 26 nov 2021.

Pew Research Center. https://www.pewresearch.org/fact-tank/2021/09/30/key-findings-about-restrictions-on-religion-around-the-world-in-2019/ Acesso em: 26 nov 2021.

Bereia. https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/ Acesso em: 26 nov 2021.

BBC Brasil. https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54254309 Acesso em: 26 nov 2021.

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Imagem de capa: reprodução do Twitter

Vídeo de Colégio Batista em resposta ao Burger King repercute em Belo Horizonte

Desde o sábado 03 de junho de 2021, circula um vídeo nas mídias sociais do ex-vereador Fernando Borja, no qual o político defende que os direitos LGBTQIA+ não podem ditar o que é “pregado” e que “devemos colocar limites na militância gay”. Nele, o político também acusa os “comunistas” de quererem acabar com a liberdade religiosa e se opõe à ideia de trabalhar assuntos como educação sexual nas escolas, alega ser absurdo falar sobre bissexualidade, homossexualidade e poliamor, assim como declara que as conquistas alcançadas pela população LGBTQIA+ até hoje, se resumem a reprimir a fé das crianças. 

A criação do vídeo foi motivada pela publicação de uma reportagem da TV Globo, no telejornal MGTV, na qual informam que a Comissão de Diversidade Sexual da OAB/MG (Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais) passou a investigar um vídeo produzido pelo Colégio Batista Getsemâni, como um possível caso de LGBTfobia. 

No vídeo divulgado pelo colégio, alunos e alunas se posicionam contra a “ideologia de gênero”, afirmando “Meu Deus não errou”. O vídeo foi uma resposta a um comercial da rede Burguer King, veiculado pelo Dia do Orgulho LGBTQIA+ (28 de junho), em que crianças falam, com naturalidade, quanto ao que pensam sobre esta causa. O Colégio acusou a rede de sanduíches de fazer “confusão mental nas crianças”.

Até o fechamento desta matéria, a publicação realizada pelo ex-vereador já tinha sido assistida por 48.936 pessoas. 

Reprodução do Instagram

O vídeo em resposta ao comercial do Burger King

O vídeo produzido pelo Colégio Batista Getsêmani em Belo Horizonte e postado em suas redes sociais, causou polêmica entre a comunidade LGBTQIA+. Nele, crianças da escola falam que a sua resposta à ideologia de gênero é: “O nosso Deus nunca erra! Ele me fez menina; Ele me fez menino.”

A reportagem da Rede Globo Minas Gerais entrevistou o presidente da Comissão de Diversidades da OAB-MG Alexandre Bahia, que afirmou estar avaliando a possibilidade de uma ação civil pública contra a escola.

Segundo o diretor-geral do Colégio Batista Getsemani, pastor Jorge Linhares, a OAB não fez nenhum contato com a instituição. “Estamos aguardando com o nosso departamento jurídico preparado. Os comportamentos e as leis mudam de país para país”, disse o diretor.

Segundo o pastor, o vídeo feito pelo colégio quis “marcar a posição de que Deus não erra e dar uma resposta à empresa Burger King – local onde a escola leva seus alunos para festas de conclusão de cursos e outras – e não ser conivente com a propaganda que utiliza crianças para apoiar práticas homossexuais”. 

Ele explicou que o Colégio Batista Getsemani é uma escola com princípios cristãos fundada há 30 anos em Belo Horizonte. “Nós prezamos pela fé e prática da Bíblia, na qual aprendemos com Jesus ‘Deixai vir a mim as crianças e não as embaraceis’.”

Apesar disso, Jorge Linhares afirma que o ex-vereador Fernando Borja não fala em nome do colégio. 

O que dizem os documentos curriculares

O vídeo de Fernando Borja faz críticas à discussão sobre sexualidade no contexto escolar. Entre elas, o político afirma que “ao se falar de sexualidade nas escolas, também queiram incentivar a homosexualidade, bissexualidade e o poliamor.” Sobre isso, a professora de educação infantil e mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paula Myrrha, argumenta que “todos os documentos curriculares se voltam ao combate à homofobia e à transfobia. Não há nenhum documento curricular em âmbito nacional, estadual ou municipal que diga que as crianças devem se tornar homossexuais”.

Myrrha informa ainda que já existem muitas pesquisas mostrando que há benefícios em se trabalhar com crianças a diversidade de configurações familiares e o combate à LGBTfobia. 

“Não se trata de incentivar as crianças a se tornarem homossexuais. Até mesmo porque orientação sexual não é uma escolha. Nenhum documento curricular incentiva as crianças a se tornarem homossexuais, mas falam de respeito às comunidades LGBTQIA+”, explica a mestre em Educação. 

Myrrha, que também é cristã, declara que todos os documentos curriculares falam sobre liberdade religiosa, mas que essa liberdade não se abre ao direito de atacar grupos específicos.

Falta de entendimento

O advogado e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, professor convidado da Fundação Dom Cabral, Daniel Lança, diz que a Igreja não entendeu até agora o que significa respeitar os diferentes tipos de sexualidade. 

Contudo, Lança afirma que não sabe se uma ação civil pública, ou até criminal, contra a escola seria bem sucedida, apesar de ser possível encontrar uma base jurídica. “O que observamos é que nem o Poder Judiciário nem a comunidade LGBTQIA+ se manifestaram, neste caso específico, dizendo que a igreja não pode falar”, diz o advogado.

Com base nesta verificação, Bereia classifica o conteúdo do vídeo produzido pelo político mineiro Fernando Borja como enganoso e falso. O vídeo é opinativo e o ex-vereador tem o direito de expor publicamente sua opinião sobre quaisquer temas, no entanto, o Bereia alerta leitores e leitoras a se manterem atentos quanto a conteúdos embalados como informação, mas que estão recheados de opiniões falsas e enganosas, promovendo a intolerância a qual Fernando Borja acusa a emissora de TV de praticar. 

1 – É enganoso que a Rede Globo promova intolerância religiosa com a reportagem veiculada, pois as afirmações do vereador configuram uma distorção da mensagem, uma vez que não apresenta a reportagem na íntegra, desvirtua o sentido e desinforma sobre direitos fundamentais. 

2 – É falso que as escolas ensinem sobre sexualidade a fim de promover a homosexualidade, a bissexualidade e o poliamor, assim como é falsa a acusação de Borja à Prefeitura de Belo Horizonte, por ter “criado diretrizes para questionar a sexualidade de crianças de três anos na escola pública”. Nos documentos públicos das proposições curriculares municipais de Belo Horizonte, não há questionamento quanto à sexualidade de crianças ou quanto ao tipo de relacionamento que deveriam seguir quando adultas. 

4 – É falso que a única conquista da comunidade LGBTQIA+ até hoje foi reprimir a fé das crianças. Esta afirmação não corresponde à verdade, pois o movimento pelos direitos de gênero não tem por objetivo atingir a liberdade religiosa e a fé de quaisquer pessoas (o que seria crime de intolerância, segundo as leis do país). As conquistas LGBTQIA+, nos últimos 50 anos se localizam no campo de direitos como: realizar cirurgias de redesignação sexual pelo SUS (2008); a Lei Maria da Penha passou a incluir mulheres LGBTQIA+ (2006), a fim de coibir a violência doméstica contra lésbicas, trans e travestis; casais homossexuais agora podem adotar crianças (2010); foi aprovada a realização do casamento homoafetivo em cartórios (2013); uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero (2016); a alteração do nome e gênero no registro civil em cartórios (2018); a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ passa a ser crime (2019); e cai a suspensão da restrição para a doação de sangue por homosexuais (2020). 

5 – É falso que “comunistas queiram acabar com a liberdade religiosa”. Não há qualquer ação concreta neste sentido e se houvesse seria denunciada e condenada por lei. A Constituição Federal, inspirada no artigo 18º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, garante a liberdade de crença e de culto religioso, conforme o inciso 6º do art. 5º da Constituição Federal. Importa registrar que foi um deputado do Partido Comunista pelo estado de São Paulo, o escritor brasileiro Jorge Amado, quem escreveu a emenda constitucional 3218, que inseriu a liberdade de culto religioso pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1946. 
Sobre a desinformação denominada “ideologia de gênero” Bereia já publicou diferentes matérias, leia uma delas aqui.

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