Vereador e portal de notícias enganam sobre proposta de leitura obrigatória da Bíblia em escolas

O uso da Bíblia em escolas tem sido um tema recorrente em época de eleições municipais. As polêmicas que esse tema suscita são usadas como ferramenta de engajamento em mídias digitais e de aceno de políticos às suas bases eleitorais. O caso mais recente foi o de um vereador de Cuiabá (MT), que foi repercutido no portal Metrópoles, no RD News, parceiro do primeiro em Mato Grosso, e no G1 do estado

O vereador em questão, Rodrigo Arruda e Sá (PSDB), publicou um vídeo em que pede apoio da população para aprovar o projeto de lei que inclui a leitura bíblica como recurso paradidático em salas de aula do município. O parlamentar é evangélico (Comunidade das Nações em Cuiabá) e costuma publicar conteúdo sobre fé em seu perfil do Instagram.

Imagem: Reprodução Metrópoles

Imagem: Reprodução RD News

Projeto de Lei contradiz discurso de vereador e da notícia divulgada

Ao longo do vídeo publicado no Instagram, o vereador usa termos muito comuns ao discurso ultraconservador na política como “resgate da família”, “hino nacional na escola”, “valores da família”. Ao se referir à Bíblia, comete um deslize ao dizer que o livro sagrado dos cristãos Bíblia foi escrito “décadas atrás”. 

Porém,  o projeto não é exatamente o que o vereador apresenta no vídeo e é repercutido pelo portal de notícias Metrópoles. Sá diz: “Aqui nós vamos colocar um projeto de lei que é obrigatório o estudo da Bíblia, a leitura bíblica nas escolas municipais e particulares de Cuiabá”. Porém, o texto do Projeto de Lei não inclui a noção de obrigatoriedade.

O Projeto de Lei mencionado pelo vereador é o 142/2024, que foi apresentado em 10 de julho de 2024, e já foi despachado às Comissões da Câmara Municipal de Cuiabá. O texto do projeto menciona que “a leitura de textos bíblico poderá ocorrer nas escolas” (grifo nosso) e só cita a palavra “obrigatoriedade” no Art. 2º, para se referir à negação dela, em que diz: “Será sempre garantida a liberdade de opção religiosa e filosófica, sendo vedada a obrigatoriedade de participação em qualquer atividade”.

Imagem: reprodução do projeto de lei. Fonte: Câmara Municipal de Cuiabá

Na própria legenda da publicação no Instagram o texto é mais ameno:  diz que o projeto de lei permite a leitura de textos bíblicos (destaque nosso) e menciona que “A participação será totalmente opcional, respeitando a liberdade religiosa e filosófica de cada um.”

Imagem: Reprodução Instagram

Nos comentários da publicação essa inconsistência continua, pois Sá interage com os comentários positivos e chama seus apoiadores para compartilhar a respeito do projeto para “ajudar a aprovar”, de forma a convocá-los para se engajar e aumentar a visibilidade do vereador nessa época pré-eleição.

Imagem: Reprodução Instagram

Observa-se na interação um discurso confuso por parte do vereador: ora dá a entender, com linguagem incisiva, que o projeto é pela obrigatoriedade do uso da Bíblia nas escolas, e pede pelo apoio de sua base, como que para participar de uma disputa; ora ameniza o discurso, deixando claro que a participação dos alunos seria facultativa e que preza pela liberdade religiosa.

Metrópoles e RD News não apuram o conteúdo e apenas divulgam a proposta, em breve nota, com o termo “leitura obrigatória”. G1-MT tem apuração, usa os termos como constam no PL – “poderá ser utilizada” – e ouviu um cientista político que avalia que a proposta não poderá ser aprovada por conta da laicidade do Estado.

Casos sobre a Bíblia e leis municipais e estaduais

O uso da Bíblia no espaço público para suscitar polêmicas já foi tema de apurações anteriores de Bereia. Em maio deste ano, por exemplo, houve o caso do prefeito de Sorocaba que produziu vídeos enganosos e afirmou  que o Tribunal de Justiça de São Paulo havia proibido a Bíblia nas bibliotecas da cidade por perseguição aos cristãos.  O ocorrido, diferentemente do alarde do prefeito, foi que a decisão da Corte apenas julgou inconstitucional obrigatoriedade do livro sagrado nas bibliotecas, dada a constitucional laicidade do Estado, ou seja, o Estado brasileiro não é confessional, por isso, instituições públicas no Brasil não podem professar e propagar preceitos ou símbolos de uma determinada religião, mas atuar para que todas tenham direito a suas práticas de fé. Casos semelhantes aconteceram, também em 2024, em São José do Rio Preto (SP) e, em 2021, no estado do Amazonas, este com decisão do STF

Além disso, Bereia também já verificou desinformação na forma como portais religiosos repercutiram a utilização da Bíblia em projeto de lei para redução de pena no Maranhão. Em 2020, também, foi publicada por Bereia uma checagem sobre diversos casos de desinformação a respeito de leitura bíblica nas escolas, de forma semelhante ao caso atual de Cuiabá. 

Bereia levantou que pelo menos dez PLs muito semelhantes à proposição do vereador Rodrigo de Arruda e Sá, foram apresentados em municípios dos estados do Amazonas, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal. Todos visam incluir a leitura bíblica como “recurso paradidático” nas escolas, dos quais sete foram propostos ou aprovados em 2024, ano de disputa eleitoral. Possivelmente, estes PLs terão o mesmo destino dos demais e serão declarados inconstitucionais.

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Bereia classifica como enganosa a notícia do portal Metrópoles e do RD News, de que a leitura da Bíblia em escolas de Cuiabá poderá se tornar obrigatória por força do Projeto de Lei 142/2024. O discurso do vereador Rodrigo Arruda e Sá, divulgado em vídeo, contradiz o texto de sua autoria, que não prevê obrigatoriedade e torna facultativa a participação dos alunos em atividades que venham a usar o texto religioso como recurso paradidático, caso aprovada a proposta.

A retórica do parlamentar comunica diretamente com o público religioso e ultraconservador, afeito a discursos sobre a defesa de “valores da família” e da presença de símbolos da fé cristã na política. Dessa forma, ao proferir o engano de que a proposta tornará a leitura bíblica obrigatória é um aceno à sua base eleitoral em um ano de campanha eleitoral municipal.

A existência de ao menos uma dezena de proposições nos mesmos termos do projeto de lei de Arruda e Sá demonstra como parlamentares de diferentes regiões do Brasil estão atentos aos temas que conquistam o eleitorado religioso conservador. Mesmo que algum PL seja declarado inconstitucional pelo Judiciário, essas mesmas propostas ainda tendem a ser usadas como capital político para alimentar discursos de perseguição religiosa contra cristãos, como identificado em outros casos verificados pelo Bereia.

É importante que leitores e leitoras estejam atentos ao uso de símbolos religiosos como campanha política neste ano eleitoral. Especial atenção deve ocorrer quando isto é feito de forma sabidamente inconstitucional, para fins de uso posterior em discursos de pânico moral, e busca de audiência por produtores de notícias.

Referências de checagem:

RD News https://www.rdnews.com.br/legislativo/vereador-pretende-tornar-obrigatoria-leitura-da-biblia-nas-escolas-de-cuiaba/195912. Acesso em 15 jul 2024

Metrópoles https://www.metropoles.com/brasil/vereador-pretende-tornar-obrigatoria-leitura-da-biblia-nas-escolas Acesso em 15 jul 2024.

G1 Mato Grosso https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2024/07/11/projeto-de-lei-propoe-leitura-da-biblia-em-escolas-publicas-e-particulares-de-cuiaba.ghtml Acesso em 15 jul 2024

Instagram 

https://www.instagram.com/p/C9QlXZWvwva/ Acesso 15 jul 2024

https://www.instagram.com/p/CwbJ718OxHy/ Acesso em 15 jul 2024

Câmara Municipal de Cuiabá https://legislativo.camaracuiaba.mt.gov.br/processo.aspx?id=443503&tipo=103&autor=8146 Acesso em 16 jul 2024

Bereia

https://coletivobereia.com.br/materias-sobre-projeto-de-lei-que-inclui-leitura-da-biblia-para-reducao-de-pena-sao-imprecisas/ Acesso em 18 jul 2024

https://coletivobereia.com.br/e-verdade-que-stf-derrubou-obrigacao-de-biblia-em-escolas-e-bibliotecas-no-amazonas/ Acesso em 18 jul 2024

https://coletivobereia.com.br/eleicoes-2024-panico-sobre-plano-nacional-de-educacao-e-ideia-de-perseguicao-a-cristaos-preparam-terreno-para-eleicoes/ Acesso em 18 jul 2024

https://coletivobereia.com.br/prefeito-de-sorocaba-produz-videos-enganosos-ao-afirmar-perseguicao-aos-cristaos/ Acesso em 18 jul 2024

Câmara Legislativa do Distrito Federal https://ple.cl.df.gov.br/#/visualizar-documento/116203 Acesso em 18 jul 2024

Câmara Municipal de Porto Alegre https://www.camarapoa.rs.gov.br/processos/138772 Acesso em 18 jul 2024

Câmara Municipal de Limeira http://consulta.limeira.sp.leg.br/Documentos/ListarArquivosPdf/341502 Acesso em 18 jul 2024

Câmara Municipal de Belo Horizonte 

https://www.cmbh.mg.gov.br/atividade-legislativa/pesquisar-proposicoes/projeto-de-lei/825/2024 Acesso em 18 jul 2024

Câmara Municipal de Fundão https://fundao.splonline.com.br/Sistema/Protocolo/Processo2/Digital.aspx?id=7028&arquivo=Arquivo/Documents/PL/PL62024-202402091439125105.pdf&identificador=37003000320038003A005000#P7028 Acesso em 18 jul 2024

Câmara Municipal Manaus https://static.poder360.com.br/2023/11/integra-pl-biblia-nas-escolas-camara-municipal-manaus.pdf Acesso em 18 jul 2024

Religião e Poder https://religiaoepoder.org.br/artigo/estado-laico/ Acesso em 19 jul 2024

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Foto de capa: StockSnap/Pixabay

Imprensa erra ao usar o termo “seita” na cobertura sobre a morte de artista de Parintins (AM)

* Matéria atualizada às 18:24 para ajuste de título

A partir do último 28 de maio, a morte da artista e empresária Djidja Cardoso tomou repercussão nacional. O caso enigmático ganhou espaço nas mídias e gerou comoção e curiosidade. Por causa de seu papel como “sinhazinha” do Boi Garantido, no Festival Folclórico de Parintins, Djidja era uma pessoa conhecida, e sua morte precoce, aos 32 anos, gerou visibilidade às práticas de cunho místico que sua família assimilou, que incluíam o consumo de drogas ilegais.

A principal suspeita é de que a morte da artista tenha relação com uma overdose de cetamina, droga usada como anestésico, analgésico e no tratamento da depressão, que também causa alucinações e dependência química. Seu uso recreativo é ilegal. A mãe de Djidja, Cleusimar Cardoso, seu irmão, Ademar Cardoso, e funcionários do salão de beleza da família foram detidos, suspeitos de participar de rituais místicos,  nos quais faziam uso indiscriminado da droga.

O grupo, que se denominava “Pai, Mãe, Vida”, realizava cultos em que os participantes utilizavam cetamina para, supostamente, alcançar um estado espiritual pleno. Também há suspeita de abuso sexual e cárcere privado envolvendo os rituais, que estão sendo investigadas pela polícia.

O nome “Pai, Mãe, Vida”, que estava presente no perfil do Instagram de todos os envolvidos da família de Djidja Cardoso, faz referência a uma prece encontrada no livro “As Cartas de Cristo“. 

Imagem: reprodução/Instagram

O livro em questão foi publicado pela Almenara Editorial, uma editora cujo propósito é “expandir a consciência do leitor nas direções em que o levem a sua jornada pessoal”, para que tais leitores “sejam sustentáculos para a transformação da Terra no atual processo de transição planetária”. Essa obra, de autoria anônima, tem diversos leitores e admiradores no Brasil. É possível encontrar no Facebook, por exemplo, grupos dedicados ao seu estudo, alguns com milhares de seguidores. 

Seguidores deste livro afirmam que a obra foi psicografada, ou seja, ditada pelo espírito do próprio Jesus para uma médium inglesa, que preferiu não ser identificada. A obra trata de ensinamentos para “expansão da consciência” e traz uma nova interpretação sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, não como uma divindade como no Cristianismo, mas como um ser humano iluminado. 

Embora o livro “As Cartas de Cristo” tenha sido encontrado na casa da família Cardoso e ela tenha se apropriado da crença na prece “Pai, Mãe, Vida”, não existe uma relação direta entre o conteúdo desse livro e o uso de psicotrópicos em rituais, nem dos outros seguidores desses ensinamentos, com as práticas ilegais adotadas.

A cobertura da imprensa sobre o caso utilizou fartamente o termo “seita” para se referir à família de Djidja e às pessoas próximas envolvidas nessas práticas.

Imagem: reprodução/G1

Imagem: reprodução/Site Metrópoles

Imagem: reprodução/CNN Brasil

Bereia apurou se caso tem relação com uma seita religiosa, ou se o termo “seita” tem sido usado de forma generalizada e incorreta pela imprensa.

Grupo religioso ou seita? Do que se trata?

Para o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, “seita é um termo de conotação quase sempre pejorativa”. Neto, que é coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, atuando nas áreas de Bioética, Igreja, Sociedade e Cultura e Doutrina Social da Igreja, uma seita é definida por um grupo de pessoas que partilham um conjunto de crenças religiosas ou filosóficas, diferentes daquelas que praticam os grupos hegemônicos. Em síntese, uma seita é uma crença ou uma religião que ocupa posição subalterna em uma sociedade. 

Uma seita é sempre uma dissidência, uma nova forma de interpretar e enxergar a realidade. Assim, lançam mão de diferentes artifícios para recrutar e manter os adeptos – como a persuasão -, utilizam uma literatura para basear o grupo intelectualmente e podem até mesmo fazer uso de substâncias alucinógenas.

A American Psychological Association (APA) define uma seita como um “grupo religioso ou quase religioso caracterizado por crenças incomuns ou atípicas, isolamento do mundo exterior e uma estrutura autoritária”.

Para o pesquisador associado do Instituto de Estudos da Religião (ISER) Clemir Fernandes, ouvido por Bereia, o termo seita é inadequado no caso do grupo familiar “Pai, Mãe, Vida”. Para Fernandes, a reunião 

“… de três pessoas de uma mesma família com uso dessas drogas, como descritas nas matérias jornalísticas  e que se apropriavam de alguma linguagem religiosa não configura uma seita. Pois seita, sociologicamente, é um grupo que se segmentou de um grupo maior e toma um caminho diferente, às vezes até mais radical.” 

No caso em questão, não há indícios de uma dissidência de uma religião maior, e também se trata de um número pequeno de pessoas, com vinculação a uma mesma família. Para o pesquisador, “[esse caso] nem é um grupo religioso também, porque três pessoas de uma mesma família não configuram [um ajuntamento de motivação religiosa], embora tivesse uma ou outra pessoa de fora da família ali naquele conjunto.”

Cobertura desinformativa da imprensa 

O pesquisador Clemir Fernandes faz um alerta sobre o uso indiscriminado desses termos (seita e grupo religioso), por parte da imprensa. Para Fernandes, um caso como esse levanta questões de outros campos, dentro da própria relação familiar. Mesmo que haja, sim, o uso de linguagem religiosa e até menção a um livro religioso, não é possível classificar esse grupo como seita ou usar a nomenclatura “grupo religioso”.

Um dos capítulos do Relatório sobre Intolerância e Violência Religiosa no Brasil (2011 – 2015): Resultados Preliminares, produzido pelo Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, do governo Dilma Rousseff, mostra que a imprensa oferece conteúdo defasado, equivocado e preconceituoso no tratamento de temas relacionados à religião e acaba promovendo intolerância. 

O relatório reporta como jornais e portais de notícias relatam os casos de intolerância e violência religiosa que ocorrem no país, demonstrando como a maioria dos casos são mal tratados pelas mídias brasileiras, por desconhecimento, falta de apuração devida e condução a partir de conceitos prévios sobre as religiosidades. O texto indica que, em relação a linha editorial das mídias, dependendo da sensibilidade dada às ocorrências do campo da religião, violência e intolerância religiosa podem ser reprimidas, contempladas ou ainda narradas de modo tendencioso nas pautas.

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Bereia classifica o uso dos termos “seita” e “grupo religioso”, na cobertura da imprensa, no caso da morte de Djidja Cardoso, como impreciso. As circunstâncias envolvidas não dizem respeito, conceitualmente, a uma seita ou a um grupo religioso. Pela dimensão pequena da práticas místicas que estão atreladas ao caso, que dizem respeito apenas ao círculo familiar e a pessoas próximas (funcionários de um salão de beleza), elas  não podem ser consideradas práticas de uma seita, mesmo que se utilizem de linguagem religiosa para embasar os atos classificados como ilícitos. Desta forma, esses termos, erroneamente utilizados nas matérias jornalísticas, ganham caráter sensacionalista, não informam e atuam para reforçar preconceitos e intolerância religiosa.

Referências de checagem:

Portal G1

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/06/10/salvamento-da-djidja-familiares-criaram-grupo-no-whatsapp-para-discutir-como-tirar-ex-sinhazinha-de-crise.ghtml Acesso em 11 JUN 24

https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2024/06/02/caso-djidja-seita-criada-por-familia-envolvia-figuras-biblicas-uso-de-drogas-e-alucinacoes-diz-investigacao.ghtml  Acesso em 11 JUN 24

https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/06/03/o-que-ja-se-sabe-e-o-que-falta-saber-sobre-morte-da-ex-sinhazinha-djidja-cardoso.ghtml Acesso em 11 JUN 24

https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/06/11/abuso-de-cetamina-seita-familiar-e-prisoes-veja-ponto-a-ponto-do-caso-djidja-ex-sinhazinha-do-boi-garantido-achada-morta-em-manaus.ghtml Acesso em 11 JUN 24

https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/05/31/mae-e-irmao-de-ex-sinhazinha-lideravam-grupo-que-forcava-uso-de-droga-em-rituais-diz-policia.ghtml Acesso em 11 JUN 24

https://g1.globo.com/saude/noticia/2024/05/31/cetamina-entenda-o-que-e-a-droga-usada-em-ritual-mantido-por-presos-apos-morte-de-djidja-cardoso.ghtml Acesso em 11 JUN 24

UOL Notícias

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/06/09/familia-de-djidja-usava-cha-alucinogeno-e-remedio-para-cavalos-diz-policia.htm Acesso em 11 JUN 24

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/06/03/caso-didja-o-que-e-a-seita-pai-mae-vida-que-envolve-drogas-e-estupros.htm Acesso em 11 JUN 24

Portal Terra

https://www.terra.com.br/diversao/caso-djidja-ex-namorado-e-coach-sao-presos-por-envolvimento-em-seita-da-ketamina,f155dff219dec3f4965c72254f5cc0aallwe57op.html Acesso em 11 JUN 24

https://www.terra.com.br/diversao/novas-revelacoes-do-caso-djidja-familia-criou-seita-para-incentivar-uso-de-drogas-e-policia-investiga-possivel-estupro,c0cf2963064d94dba0e5e13c9eb3fc39c4srg8rp.html Acesso em 11 JUN 24

O Antagonista

https://oantagonista.com.br/brasil/seita-religiosa-e-drogas-morte-de-djidja-cardoso-revela-esquema-sombrio/  Acesso em 11 JUN 24

CNN Brasil

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/caso-djidja-cardoso-familia-de-ex-sinhazinha-liderava-seita-que-promovia-uso-de-ketamina-diz-policia/ Acesso em 11 JUN 24

Metro World News

https://www.metroworldnews.com.br/foco/2024/06/07/pai-mae-vida-entenda-a-seita-relacionada-com-o-caso-de-djidja-cardoso/ Acesso em 11 JUN 24

BBC Brasil

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cedgzq7exx4o Acesso em 11 JUN 24

https://www.bbc.com/portuguese/articles/crgewpyxvyvo  Acesso em 11 JUN 24

American Psychological Association 

https://www.apa.org/  Acesso em 11 JUN 24

Almenara Editorial

https://www.almenaraeditorial.com.br/ Acesso em 13 JUN 24

Cartas de Cristo
https://www.somostodosum.com.br/blog-autoconhecimento/as-cartas-de-cristo-carta–parte–como-meditar-a-prece-11030.html Acesso em 12 JUN 24

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania

https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/cnrdr/pdfs/relatorio-de-intolerancia-e-violencia-religiosa-rivir-2015/view Acesso em 14 JUN 24

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Foto de capa: reprodução mídias sociais

Casos de abuso infantil por líderes religiosos ganham destaque nas mídias

Durante o mês de maio, diversas iniciativas aderem à campanha do “Maio Laranja“, de conscientização e combate ao abuso e à exploração sexual infantil no Brasil. Neste maio de 2024, polêmicas em torno da temática do abuso infantil praticado por líderes religiosos ganharam destaque nas mídias digitais, e provocaram indignação e questionamentos sobre a verdadeira extensão desse problema. 

No início do mês, viralizou nas redes o caso do pastor da Igreja Batista da Lagoinha, Lucinho Barreto. Um vídeo gravado durante um culto, com a presença exclusiva de homens, mostra uma fala do pastor, com a afirmação de que ele já  deu um beijo na boca da filha criança, quando ela “estava distraída”. Além disso, Barreto disse que a tratou por “mulherão” e “ai se eu te pego” e afirmou: “Quando eu encontrar seu namorado, eu vou falar assim: você é o segundo, eu já beijei”. 

Imagem: reprodução/G1

Após a repercussão deste primeiro vídeo com o pastor Lucinho Barreto, um outro, gravado há 11 anos, voltou a circular nas mídias sociais. Nas imagens, o pastor da Igreja Batista da Lagoinha diz que beija a boca do próprio filho para “prevenir que ele queira beijar outros homens”: “Você é gay? Então vai ser gay, sabe com quem? Comigo. Nós dois somos homens, vou beijar sua boca”. Lucinho Barreto afirma, no mesmo vídeo, que o filho não foi posto no mundo “para ser cobaia do capeta”, em referência à possibilidade de o filho ser gay. “Eu e meu filhinho David, de 8 anos, a gente beija na boca até hoje. Esse menino vai querer beijar na boca de quem, se ele já beijou?”

Imagem: reprodução/IstoÉ

Embora esses vídeos tenham gerado grande polêmica e comentários de revolta nas mídias digitais, chamam a atenção as risadas do público no local da gravação, que parece reagir normal e positivamente a essas falas do pastor. Tais posturas  apontam para dois problemas graves: a falta de segurança das crianças dentro das próprias famílias, e a normalização de uma cultura de abuso dentro de ambientes religiosos.

Casos de abusos infantis por líderes religiosos não são incomuns. A visibilidade crescente desses casos pode ser atribuída, em parte, ao aumento da conscientização pública e das denúncias, e ao poder das redes sociais em disseminar informações rapidamente. Apenas nos últimos meses, foram noticiados casos da prisão e/ou condenação de pastores que abusaram sexualmente de crianças e adolescentes em Minas Gerais, Amazonas, Mato Grosso, Santa Catarina e Tocantins. Os casos se assemelham em alguns aspectos: esses líderes religiosos se aproveitaram de situações de vulnerabilidade das vítimas e de sua posição de poder religioso. 

A partir destas constatações, os questionamentos que orientaram esta checagem do Bereia foram: por que em alguns casos, como esses noticiados, os abusos são entendidos como crimes, e repudiados, e em outros, como do pastor Lucinho Barreto, são normalizados e recebidos pelo público das igrejas até com um tom de humor? Quais mentalidades e práticas os contextos religiosos, neste caso especificamente evangélicos, devem abandonar ou abraçar para que as igrejas sejam e promovam ambientes seguros para as crianças e adolescentes?

Abuso infantil no Brasil:  76,5% dos casos acontecem em casa

O anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022 produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apresenta dados alarmantes sobre o abuso infantil no país: ao contrário do que expõem algumas obras de ficção, a maioria dos estupros e casos de abuso sexual é cometida por pessoas próximas à família, geralmente no momento em que a mãe não está presente.

De 2020 para 2021, observa-se um aumento no número de registros de estupro, que passou de 14.744 para 14.921. Já no que tange ao estupro de vulnerável, este número sobe de 43.427 para 45.994, sendo que, destes, 35.735, ou seja, 61,3%, foram cometidos contra meninas menores de 13 anos (um total de 35.735 vítimas).

As meninas são maioria nesta estatística, mas os meninos também são vítimas. No primeiro caso, o número de registros aumenta conforme a menina cresce, já no caso dos meninos, o número de registros aumenta até os seis anos (com pico entre quatro e seis) e depois começa um processo de queda.

Quanto à característica de quem comete este tipo de crime, continua a mesma: homem (95,4%) e conhecido da vítima (82,5%), sendo que 40,8% eram pais ou padrastos; 37,2% irmãos, primos ou outro parente; 8,7% avós. e 76,5% dos estupros acontecem dentro de casa.

Esses dados revelam que pais e padrastos constituem uma parte significativa dos abusadores e indicam que a própria família é, sim, um ambiente em que essas violências ocorrem. 

Além disso, embora não haja dados específicos de pesquisa sobre os abusos ocorridos dentro de igrejas, em contextos eclesiásticos ou por pessoas de autoridade religiosa, é importante destacar a informação de que, na maior parte dos casos, o abusador é um conhecido da vítima e que frequenta sua casa. Quando se trata de pastores ou líderes religiosos, muitas famílias tendem a baixar a guarda devido ao lastro de confiança depositado nas figuras que se apresentam como mensageiros de Deus e do sagrado. Entretanto, muitos abusadores se aproveitam justamente dessa confiança para realizar os crimes. 

O sentimento de posse e o poder religioso 

O abuso infantil é um tema de extrema gravidade, e quando os envolvidos são líderes religiosos, ganha uma dimensão ainda mais desafiadora. A confiança depositada em figuras religiosas torna esses casos particularmente chocantes e prejudiciais, pois afetam não apenas as vítimas diretas, mas também a comunidade religiosa como um todo. 

A teóloga e pedagoga Valéria Vilhena, fundadora da iniciativa Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG), ouvida por Bereia, destaca que os espaços religiosos são alguns dos principais perpetuadores de lógicas que facilitam esse tipo de abuso. Para a pesquisadora, a representação masculina, poderosa, hierárquica de Deus, presente no Cristianismo, contribui para a percepção de autoridade irrestrita e inquestionável dos homens e para o silenciamento das vítimas. 

De acordo com Valéria Vilhena, “o maior problema das meninas e das mulheres são as violências, e essas violências são perpetradas também pelos homens religiosos, que se dizem de Deus, e perpetuadas por uma interpretação teológica em que se mantém uma hierarquização e desigualdade baseada no sexismo, tendo esse tipo de Deus [autoritário] no topo”.

Ainda segundo a teóloga, “no patriarcado misógino que se sustenta também nas igrejas, os homens se sentem com poder de dono perante as mulheres. Esse poder adquire novas camadas quando o homem em questão, além de líder religioso, também é o pai das vítimas”.

Bereia ouviu também a professora e pesquisadora em Ciências da Religião Sandra Duarte, sobre o caso do pastor Lucinho Barreto. Ela questiona: “Não seria importante perguntar sobre a relação direta entre paternidade e sentimento de posse? Isso é uma questão de gênero”, isto é,  independe de ele ser um pastor. 

Porém, para a pesquisadora, que atua principalmente com os temas relacionados à Sociologia, Religião, Gênero e Política, também é importante perguntar sobre a relação de dominação que se institui a partir da percepção do líder religioso como porta-voz do sagrado. Também questiona como ele se utiliza disso para abusar de suas vítimas, inclusive utilizando-se de argumentos religiosos para legitimar essa prática. Quando é líder religioso e pai, as condições legitimadoras são ainda mais fortes, o que muitas vezes impede que a criança perceba que está sendo vítima de abuso.

Um dos efeitos decorrentes dessas práticas é o silêncio sobre o abuso sofrido. De acordo com Sandra Duarte, muitas pessoas se dão conta de que foram abusadas na infância somente quando já adultas. Parecia “normal” o pai/pastor fazer o que fazia, afinal, ele é pai e pastor, duas condições que, culturalmente, aprendemos a respeitar como propiciadoras de cuidado e proteção. 

Mesmo em situações em que a vítima reconhece a violência sofrida e faz alguma denúncia, ela pode enfrentar silenciamento e até culpabilização.

Culpabilização da vítima 

Outro caso que viralizou e gerou polêmica neste mês de maio foi o do pastor da igreja Tabernáculo da Fé, de Goiânia (GO), Jonas Felício Pimentel. Em um vídeo que circulou nas mídias digitais, o líder religioso afirmou que, em algumas situações, a criança também é culpada e tem participação nos abusos cometidos contra ela, porque “deu lugar”. 

Imagem: reprodução/G1

No contexto religioso, seguindo o senso comum que circula socialmente, é comum a ideia de que as vítimas têm uma parcela de culpa nos crimes de abuso, que provocaram de alguma forma os abusadores, ou ainda que têm a responsabilidade de “consertar” ou “ajudar” aqueles que cometeram esse crime contra elas. Essa lógica é percebida não apenas nos casos de abuso sexual infantil, mas também em casos de violência doméstica, como destaca Valéria Vilhena, em sua pesquisa “Pela voz das mulheres”

A pesquisadora demonstra que, o contexto religioso, em muitos casos, propaga doutrinas que valorizam as mulheres especificamente por sua capacidade de cuidar e se sacrificar pelos outros. Ela observou, tanto em práticas pastorais quanto em discursos das próprias mulheres, uma tendência de a mulher se perceber com uma parcela de culpa, ou enfatizar apenas o seu próprio sacrifício como algo virtuoso.

Essa responsabilização das vítimas também aparece quando, após uma denúncia de um abuso dentro do contexto da igreja, a liderança da comunidade religiosa prefere acobertar o caso e considera a denúncia pública como um ataque à reputação ou à imagem do abusador. Quando o abusador em questão é algum líder religioso, que de alguma forma representa a instituição, é ainda mais comum que sua liderança tente “resolver internamente”, sem expor o abusador ou envolver o poder público para as devidas consequências.

Essa é uma realidade principalmente em casos de abusos mais “sutis”, que não são caracterizados como estupro, propriamente e, são entendidos na igreja como, no máximo, apenas um deslize ou “pecado” do abusador e não vistos como crime.

A influenciadora e escritora evangélica Fernanda Witwytzky abordou esses casos em uma publicação recente em sua conta no Instagram. O texto alerta: 

“Se acontecer com você, alguém próximo, ou com seu filho um caso de abuso sexual, e você for parte de uma IGREJA, o primeiro lugar que você deve ir é a uma DELEGACIA, não ao conselho da igreja. Isto é um CRIME e precisa ser respondido perante os homens. O conselho de uma igreja pode de alguma forma apoiar a família que sofreu o abuso? Pode. Mas você deve ir à DELEGACIA primeiro. Existem igrejas que disciplinam o abusador, afastam ele do ministério e NÃO LEVAM ISSO PARA A POLÍCIA. É como dar aval ao abusador para fazer novamente. Afinal, a igreja está acobertando. Além de MUITO triste, isso é CRIME!” (ênfases da autora). 

Essa publicação contou com comentários de diversas seguidoras da influenciadora evangélica que relataram casos pessoais de abusos em igrejas.

Dessa forma, os casos relatados pelo Bereia apontam para a importância do debate acerca do tema abuso infantil. Dentre as múltiplas violências sofridas por crianças e mulheres na sociedade em geral, os espaços religiosos têm sido vistos como um lugar onde a violência, seja de natureza física ou simbólica, está presente.

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Bereia confirma, portanto, ser verdadeira a percepção do aumento no número de casos de abuso de crianças em ambientes religiosos.  

Além disso, reforça a importância de denúncias, acolhimento das vítimas e de se criar um ambiente seguro, com estruturas de prevenção para que casos de abuso sexual infantil não aconteçam dentro das igrejas, de suas programações e das famílias que a frequentam.

Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes é crime! Denuncie. Disque 100.

Referências de checagem:

https://maiolaranja.org.br/ Acesso em: 4 JUN 2024

https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2024/05/08/pastor-e-preso-suspeito-de-estuprar-adolescentes-durante-acolhimento-psicologico-tocava-no-corpo-e-sussurrava-no-ouvido-diz-policia.ghtml Acesso em: 4 JUN 2024

https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/05/16/homens-sao-presos-por-abuso-sexual-de-criancas-em-manaus.ghtml Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.pjc.mt.gov.br/-/pastor-%C3%A9-preso-pela-pol%C3%ADcia-civil-em-juara-por-estupro-de-vulner%C3%A1vel%C2%A0 Acesso em: 4 JUN 2024

https://globoplay.globo.com/v/12252393/ Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.tjto.jus.br/comunicacao/noticias/pastor-e-condenado-a-9-anos-de-prisao-acusado-de-estuprar-menino-de-12-anos-dentro-da-casa-pastoral Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.instagram.com/p/C7XZaOnB2we/?img_index=1 Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.fg2010.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1280156603_ARQUIVO_ValeriaCristinaVilhena.pdf Acesso em: 4 JUN 2024

https://www.terra.com.br/noticias/brasil/pastor-diz-que-criancas-tem-culpa-de-serem-abusadas-e-gera-revolta-na-web-veja-video,f50aa319f147a7f3a14ad31c91e6c8826nao2nc6.html Acesso em: 4 JUN 2024

https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/05/02/veja-quem-e-o-pastor-que-diz-que-criancas-abusadas-tambem-sao-culpadas-pelo-crime.ghtml  Acesso em: 27 MAI 2024

 https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/14-anuario-2022-violencia-sexual-infantil-os-dados-estao-aqui-para-quem-quiser-ver.pdf Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.childhood.org.br/pesquisa-mapear/ Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/TiP_PT.pdf  Acesso em: 27 MAI 2024 

https://www.mulhersegura.org/preciso-de-ajuda/ligue-180-central-de-atendimento-a-mulher Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-violacao-de-direitos-humanos  Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh Acesso em: 27 MAI 2024 

https://www.facabonito.org/ Acesso em: 27 MAI 2024

 https://atendelibras.mdh.gov.br/acesso Acesso em: 27 MAI 2024

https://www.gov.br/mdh/pt-br/campanha/direitoshumanosparatodos/telegram Acesso em: 27 MAI 2024

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/06/pastor-que-disse-beijar-filha-ja-afirmou-ter-beijado-a-boca-do-filho.htm  Acesso em: 27 MAI 2024https://www.metropoles.com/colunas/fabia-oliveira/video-pastor-lucinho-assume-tambem-ter-beijado-a-boca-do-filho Acesso em: 27 MAI 2024

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Foto de capa: Pixabay

Site evangélico desinforma sobre caso dos convites de casamento para casal gay

O site evangélico Gospel Prime publicou, em 25 de abril, que o casal Thiago e Beatriz Jungerfeld Martins, proprietários da loja Jurgenfeld Ateliê e Fotografia, enfrentam ameaças online após recusarem, com base em seus princípios cristãos, um pedido de serviços para uma cerimônia de “união gay”.

Imagem: reprodução do site Gospel Mais

As ameaças, de acordo com Gospel Prime, incluem mensagens de “violência física e desejos macabros”, têm origem em “usuários que se identificam com a comunidade LGBT” e estariam sendo investigadas pela polícia para garantir a segurança do casal. 

Segundo a matéria do Gospel Prime, Thiago e Beatriz Jungerfeld Martins defendem sua postura como uma expressão de fé e não de discriminação. O site destaca a liberdade religiosa como um direito fundamental, o direito de cada cidadão ou empresa agir conforme suas crenças e ressalta a “perseguição enfrentada por cristãos em diversas partes do mundo”.

Bereia checou as informações publicadas por Gospel Prime. 

O caso dos convites de casamento

O caso descrito pelo site Gospel Prime veio à tona nas mídias sociais, quando o casal Henrique Nascimento e Wagner Cardoso, teve um pedido de convite de casamento negado pelo estabelecimento comercial Jurgenfeld Ateliê e Fotografia, com alegação de motivos religiosos que não aceitam união homoafetiva, registrou boletim de ocorrência, com a alegação de preconceito. . Henrique Nascimento publicou na plataforma X um trecho da troca de mensagens entre ele e o Ateliê no momento da recusa de atendimento. 

Imagem: perfil Henrique Nascimento do Facebook 

Imagem: Perfil Henrique Nascimento no X (antigo Twitter)

A repercussão desse caso trouxe grande visibilidade à empresa. Antes dele, o Ateliê Jurgenfeld contava com pouco mais de dois mil seguidores no Instagram, seguia 44 perfis, exibia 134 publicações e se apresentava como uma loja de artesanato com os dizeres: “Seu sonho merece um atendimento! do interior de SP à qualquer lugar.” [sic]

Imagem: reprodução do Instagram

Após a polêmica, o perfil passou a ter mais de 90 mil seguidores e a seguir apenas quatro perfis, as publicações antigas foram arquivadas e novas publicações de cunho religioso e a respeito dos convites negados foram feitas, com bloqueio de comentários. Além disso, o Ateliê passou a destacar sua confessionalidade religiosa no perfil, como “uma papelaria cristã de convites de casamento produzidos à mão”. 

Imagem: reprodução do Instagram

Um dos vídeos publicados na conta do Ateliê no Instagram, apagado depois da repercussão do caso, foi reproduzido na página do canal do YouTube do site Metrópoles. Nele, o casal afirma que recorrentemente nega serviço a casais homossexuais e equipara as críticas à sua escolha de “trabalhar dessa forma” com a própria homofobia:

“Enfim, não quero entrar no mérito da questão, mas nós não fazemos casamentos homossexuais e nem eventos homossexuais. Há algum tempo, basicamente uns dois anos, nós temos negado muito serviço em relação a isso. E hoje, esses dias na verdade, mas hoje em específico foi a gota d’água. Nós dissemos que não iríamos realizar nenhum tipo de casamento homossexual, nós não fazemos esse serviço, e fomos, de certa forma, retaliados por um casal que não aceitou a nossa oposição, não aceitou a nossa opinião, e tem de fato feito alguns comentários aqui no nosso Instagram, tanto da fotografia quanto do ateliê. Enfim, tem feito alguns comentários aqui no nosso Instagram falando sobre isso, dizendo que homofobia é crime, dizendo do nosso posicionamento. Enfim, eu gostaria de compartilhar isso com vocês, as pessoas que nos acompanham. Eu sei que talvez esse vídeo aqui possa talvez ter pessoas que deixem de nos seguir. De verdade, nós não nos importamos com isso, nós não estamos preocupados com a nossa fama, com as pessoas que não são nossos fãs. Não é isso. Nossa intenção com a fotografia não é essa, nunca foi essa, e nem com os convites de casamento. Então nós nos posicionamos assim e nós agora estamos sendo tachados de homofóbicos. E uma reflexão minha, acho engraçado porque quem tacha as pessoas homofóbicas, dizem que as pessoas que são homofóbicas, entre aspas, têm que aceitar o seu posicionamento, mas ao mesmo tempo não percebem que o argumento que elas usam para validar aquilo que elas acreditam é o mesmo argumento que as acusa também, porque nós temos que aceitar aquilo que elas são, mas é, as pessoas não podem aceitar que nós escolhemos fazer dessa maneira e trabalhar dessa forma” (Fala de Thiago Martins em trecho do vídeo publicado pelo Metrópoles).

Em seguida, os donos da loja publicaram uma nota de repúdio, que também já foi retirada do Instagram, indicando que estão sofrendo “heterofobia”. Afirmam também que defendem a “família como ela é” baseada no texto bíblico de Gênesis, condenam a busca por “privilégios” pelo homossexuais e fazem críticas pontuais à Rede Globo e à cantora Anitta, associadas à “galera” politicamente  correta.:

Imagem: reprodução da Carta Capital

A única publicação sobre o caso dos convites que continua na página do Instagram do Ateliê é bem mais branda do que as duas publicadas anteriormente. Nela, o casal afirmou que apesar de não ter buscado essa “fama”, veem um propósito divino em tudo e se alegram em honrar a Cristo. 

Os donos da loja agradecem as mensagens de apoio recebidas, a solidariedade de vários advogados que se ofereceram para ajudar legalmente, e a Polícia Civil de Pederneiras, pela atenção ao caso. Eles também mencionam o apoio de deputados e senadores, destacando que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e outros parlamentares defenderam sua causa. Agradecem aos amigos que os apoiaram durante esse período turbulento e pedem desculpas por qualquer ódio dirigido a eles. 

Finalmente, afirmam perdoar aqueles que os ofenderam ou ameaçaram, e pedem a Jesus que lhes dê graça para manter um diálogo respeitoso e sabedoria para seguir em frente. Concluem citando Tiago 1:2-4, que fala sobre considerar as provações como motivo de alegria por produzirem perseverança.

Não foram encontradas, nas publicações, evidências das ameaças sofridas pelo casal, referentes a “violência física” e “desejos macabros”, como mencionado pela matéria do Gospel Prime. O Ateliê foi contactado pelo Instagram, mas até o fechamento desta matéria ainda não forneceu resposta. 

A matéria checada pelo Bereia menciona dois pontos dignos de esclarecimento: a questão jurídica da liberdade religiosa envolvida no caso e o assunto da suposta perseguição a cristãos no Brasil e no mundo. 

Liberdade religiosa X discriminação 

O Brasil é um dos países recordistas de casos de discriminação e violência contra pessoas homoafetivas. Segundo dados do Dossiê do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, publicado em 2023, foram 273 vítimas de crimes de identidade de gênero ou sexual no Brasil. Este número equivale a dois assassinatos de pessoas LGBTQIA+ a cada três dias em 2022. Os assassinatos atingem mais mulheres trans e travestis: foram 159 casos (58%), segundo o relatório. Homens gays aparecem com 97 óbitos (35% das ocorrências). A maioria das mortes resultam de circunstâncias violentas, com armas de fogo, esfaqueamento, espancamento e apedrejamento. 

Por conta deste quadro dramático, do desprezo do Poder Legislativo e de ações protocoladas por segmentos da sociedade civil no Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte decidiu, em 2019, equiparar a homofobia e a transfobia, por analogia, ao crime de racismo. A partir daí, a Lei 7.716/1989, que trata sobre crimes de discriminação ou preconceito de cor, passou a se aplicar também para questões envolvendo orientação sexual e expressão de gênero.

O artigo 5° da lei afirma que qualquer estabelecimento comercial aberto ao público não pode negar atendimento que se caracterize como discriminação. Portanto, o sistema jurídico brasileiro reconhece que qualquer conduta discriminatória em razão da orientação sexual e/ou identidade de gênero, incluindo a negação de atendimento e prestação de serviço por parte de uma empresa, é passível de punição.   

Nesse sentido, a Justiça entende que não há justificativa que não seja discriminatória para que um casal homossexual seja impedido de encomendar convites de casamento, principalmente com a afirmação expressa, por parte da própria empresa, de que a negação de atendimento se deu por causa da orientação sexual dos possíveis clientes. Segundo o advogado e jornalista André Eler ouvido pelo Bereia, “no contexto do Brasil não faz sentido dizer que uma alegação de consciência ou liberdade religiosa seja suficiente para que uma empresa negue um serviço com base em discriminação de orientação sexual”. 

Portanto, de acordo com esta orientação, por se tratar de uma relação jurídica em que uma empresa se nega a prestar serviços por causa da orientação sexual de uma pessoa,  a justificativa da liberdade de consciência religiosa não é válida nesse contexto. 

Perseguição dos cristãos pelo mundo

Quanto à afirmação de que este é um caso de perseguição religiosa, atribuída a aliados do casal homoafetivo, que reagiram à postura do casal dono da empresa, ela também é imprecisa e injustificada. Como já abordado  por Bereia, o termo “cristofobia”, entendido como uma perseguição a cristãos em países em que esse grupo religioso é majoritário, se trata de uma falácia que é instrumentalizada politicamente, com frequência. 

Nesse contexto, a ideia de que os cristãos estejam sofrendo perseguição ideológica, fomenta disputas no cenário religioso e político e é associada principalmente aos que se alinham a um conservadorismo no que se refere a pautas morais. Mesmo que os cristãos sejam a maioria no país e tenham plena liberdade de prática da fé, lutas antidiscriminação e iniciativas de inclusão de grupos historicamente marginalizados, que oferecem orientação distinta a de certas doutrinas e teologias, são interpretadas como noções e práticas contra o certos grupos religiosos, em especial, determinados cristãos. Com isso, são  utilizadas para criar uma noção de inimigo em comum.

Essa noção toma outros contornos quando associada, nos contextos religiosos, com a ideia de “batalha espiritual”, que entende a vida pública e a arena política como um espaço de disputa entre forças espirituais do bem e do mal. A ideia de batalha convoca os cristãos a se posicionarem a favor dos “princípios e valores cristãos”, entendidos geralmente como relacionados ao conservadorismo moral, e faz com que esse grupo se veja como atacado quando é confrontado em suas posturas discriminatórias.

Bereia já checou vários conteúdos  sobre o tema e mostrou  como o assunto da “perseguição aos cristãos” tem sido instrumentalizado por lideranças extremistas de direita, por meio de notícias de cunho duvidoso para criar pânico no público cristão. Este tema tem um histórico de ser utilizado em época de eleições para direcionar a preocupação das pessoas religiosas contra políticas progressistas, com disseminação de pânico moral sobre grupos de esquerda terem intenções de acabar com as igrejas do Brasil. Isto é falso pois carece de elementos factuais.

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Bereia classifica a matéria de Gospel Prime sobre os donos do Ateliê como imprecisa.

Os dados relativos ao caso em si são verdadeiros: houve a recusa por parte do Jurgenfeld Ateliê de prestar o serviço de confecção de convites de casamento ao casal Henrique Nascimento e Wagner Cardoso, expressamente por se tratarem de homossexuais, como comprovado nas próprias mídias digitais dos dois lados envolvidos.

Porém, não foi verificada a ocorrência de ameaças de violência física ao casal. Estas não foram tornadas públicas pelo casal, dono da empresa, que também não respondeu ao contato do Bereia.

Além disso, as afirmações da matéria sobre a dimensão jurídica desse caso, assim como sobre o contexto mais amplo de afirmação de perseguição  religiosa a cristãos, são falsas e se inserem em uma narrativa de desinformação ideológica, pauta extremista de direita.. 

A recusa do Jurgenfeld Ateliê de prestar serviços a um casal homossexual, com base em sua orientação sexual, coloca em evidência um conflito cada vez mais perceptível entre o direito à liberdade religiosa e o combate à discriminação no Brasil. A posição adotada pela empresa, embora respaldada por suas crenças religiosas, entra em confronto direto com a legislação brasileira, que equipara o preconceito sexual e de gênero  ao crime de racismo, com a proibição expressa a discriminação por orientação sexual em serviços públicos e privados. Isto significa que quem se vê impedido a prestar serviços a qualquer cidadão, no seu direito de consumidor, não deve atuar no ramo.

O caso também ressalta a utilização de narrativas de perseguição religiosa em contextos políticos e sociais, frequentemente empregadas para fortalecer posições conservadoras, de cunho extremista, especialmente em períodos eleitorais. A alegação de perseguição, muitas vezes desprovida de evidências concretas,  como demonstrado pela ausência de provas nesta direção, referentes às ameaças de violência alegadas, pode desviar a atenção do cerne da questão: a necessidade coexistir com  respeito e igualdade de direitos para todos, independentemente das diferenças, de vários tipos, entre cidadãos. 

Referências de checagem: 

Jurgenfeld Ateliê 

https://www.jurgenfeldatelie.com/

https://www.instagram.com/jurgenfeld.atelie/  Acesso em 30 ABR 24

Metrópoles (Declaração do casal) 

https://www.youtube.com/watch?v=pUD1afrfiPo Acesso em 30 ABR 24

Facebook

https://www.facebook.com/photo/?fbid=7612515832145892&set=a.443885815675632  Acesso em 30 ABR 24

Carta Capital: 

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/loja-de-sao-paulo-se-nega-a-atender-casal-homossexual-e-alega-principios-cristaos/ Acesso em 30 ABR 24

Procuradoria Geral do Estado de São Paulo

https://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista2/artigo5.htm#:~:text=A%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%2C%20no%20artigo,culto%20e%20as%20suas%20liturgias. Acesso em 01 MAI 24

Coletivo Bereia

https://coletivobereia.com.br/cristofobia-uma-estrategia-preocupante/Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/apos-perda-de-mandato-de-dallagnol-politicos-religiosos-propagam-narrativa-enganosa-de-perseguicao/ Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-video-de-participante-de-reuniao-do-pt-para-alimentar-desinformacao-sobre-perseguicao-a-igrejas-pelo-novo-governo/  Acesso em 01 MAI 24

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-video-de-participante-de-reuniao-do-pt-para-alimentar-desinformacao-sobre-perseguicao-a-igrejas-pelo-novo-governo/

https://coletivobereia.com.br/site-gospel-usa-nota-de-jornalista-para-explorar-tema-de-perseguicao-a-evangelicos/ Acesso em 01 MAI 24

Brasil de Fato

https://www.brasildefato.com.br/2020/11/13/cristofobia-projeto-de-poder-e-as-resistencias-da-luta-crista Acesso em 02 MAI 24

Senado Federal

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7916960&ts=1647262211806&disposition=inline Acesso em 03 MAI 24

Supremo Tribunal Federal

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 Acesso em 03 MAI 24

Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/dossie/mortes-lgbt-2022/ Acesso em 05 MAI 24

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Foto de capa: Karolina Grabowska/Pexels