Sites religiosos desinformam sobre protestos pró-Palestina em universidades

Os protestos de estudantes que começaram em universidades americanas e se espalham por outras instituições ao redor do mundo, inclusive no Brasil, têm gerado uma onda de notícias enganosas que se alastram tanto nos Estados Unidos quanto em solo brasileiro. Sites evangélicos como Pleno.News, Gazeta do Povo e Gospel Mais classificam os protestos como antissemitas e denunciam suposta ameaça aos judeus que frequentam as universidades em questão. 

O portal evangélico Pleno.News publicou, em 8 de maio, matéria apontando o acampamento de estudantes da USP como “anti-Israel”, já o Gospel Mais repercutiu as falas do Pr. Jack Graham, da Igreja Batista Prestonwood, na cidade de Plano, no Texas (EUA). O pastor acredita que os protestos contra os ataques israelenses fazem parte de uma “batalha espiritual” contra o povo de Deus e que “Satanás odeia o que Deus ama”. Os veículos criticam a ação dos universitários e classificam como uma ameaça aos judeus que estudam ou trabalham nessas instituições. 

De igual modo, o jornal Gazeta do Povo publicou, em 4 de maio, editorial que critica duramente os universitários, alegando um suposto “ódio aos judeus”. No mesmo texto, há relatos de ataque a judeus, exaltação ao terrorismo e crimes de ódios, entretanto sem detalhes que comprovem a denúncia. 

Imagem: Reprodução/Pleno.News

Imagem: Reprodução/Gospel Mais

Imagem: Reprodução/Gazeta do Povo

A disseminação de que os movimentos pró-Palestina são antissemitas é uma construção traduzida no posicionamento de parte de líderes políticos e religiosos brasileiros, que mostram como existe uma visão sionista de parcela da comunidade cristã brasileira, algo que se estruturou nos útlimos anos, conforme Bereia já abordou. Figuras públicas como a deputada federal Carla Zambelli e o Influenciador Guilherme Kitler repercutem e reforçam esses posicionamentos, ao apoiarem as medidas tomadas pelo governo estadunidense em relação aos protestos e declarar a existência de ritos islâmicos entre os estudantes.

Imagem: Reprodução Instagram

Imagem: Reprodução/Instagram

Desde o início do conflito, a Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla em inglês) tem sido fonte sobre aumento do número de denúncias de supostos casos de antissemitismo em todo o mundo. O material apresentado pela organização em janeiro aponta que os casos de antissemitismo aumentaram quase 400% nos EUA, contudo os dados apresentados são usados como forma de reprimir os protestos e movimentos pró-Palestina, no que é um modus operandi da ADL. 

Cristãos que se manifestaram pró-Palestina e contra o sionismo

Em contrapartida a essa parcela da população, nos Estados Unidos e ao redor do globo, que acredita que os movimentos em favor da Palestina são antissemitas e anti-sionistas, como mostram os textos publicados nos sites supracitados e as publicações nas mídias sociais, outras instituições religiosas defendem e apoiam os movimentos. As instituições americanas United Methodist Church (UMC), United Church of Christ, Conference of Bishops of the Evangelical Lutheran Church in America (ELCA) e Presbyterian Church (U.S.A.)’s Office of Public Witness não só declararam apoio aos movimentos, mas criticaram o governo israelense e exigiram dos Estados Unidos o desinvestimento na guerra, um cessar fogo e auxílio para as pessoas que estão em condições precárias na Palestina. 

Algumas das ações realizadas pelas organizações citadas repercutiram na mídia. O Escritório de Testemunhas da Igreja Presbiteriana enviou, em conjunto com outras cem instituições, uma carta ao presidente Biden na qual pedem que o governo aprove o restabelecimento do financiamento à Agência de Assistência e Obras das Nações Unidas, organização que realiza serviços sociais para refugiados palestinos. Membros da Igreja Metodista Unida se uniram aos estudantes em protesto pela Palestina e bispos da Igreja Evangélica Luterana na América enviaram ao presidente estadunidense uma carta em que pedem pelo cessar fogo em Gaza.

Imagem: Reprodução United Methodist Church (UMC)

Imagem: reprodução Presbyterian Church (U.S.A.)’s Office of Public Witness

Imagem: Reprodução Conference of Bishops of the Evangelical Lutheran Church in America (ELCA)

Bereia ouviu o professor e atual coordenador do departamento de história e estudos ecumênicos do Princeton Theological Seminary (Seminário Teológico de Princeton), em Nova Jersey, Dr. Raimundo César Barreto, Jr. que tem apoiado os estudantes acampados na Universidade de Princeton nos protestos. “O acampamento de solidariedade à Palestina está acontecendo na universidade, mas conta com a participação de estudantes do seminário. Dentre os estudantes que foram injustamente banidos do campus (de Princeton), dois eram do seminário. Um chegou a ser preso”, conta o professor que participa de um grupo de docentes que apoia as manifestações. 

“Professores também têm se organizado nas diversas universidades para apoiar os estudantes. (Aqui), um grupo de Professores pela Justiça na Palestina (do qual eu e mais dois colegas do seminário também fazemos parte) foi formado. Este grupo vem se reunindo regularmente e participando dos eventos em apoio aos estudantes”, relata Dr. Barreto.

“O movimento é completamente liderado e organizado por estudantes, de caráter não violento, na tradição de outros movimentos anti-guerra e mesmo do movimento pelos direitos civis dos anos 60”, afirma o professor. Ele ressalta ainda que apesar do caráter pacífico das manifestações, a resposta da universidade foi violenta desde o início, com a polícia do campus impedindo a colocação de tendas no acampamento e prendendo dois estudantes nos primeiros 15 minutos do acampamento. 

Barreto acrescenta que “Desde os protestos contra a Guerra no Vietnã, passando pelas manifestações contra o apartheid na África do Sul, a indiferença e dureza encontrada na administração do atual presidente da universidade Christopher L. Eisgruber levou um grupo de estudantes a iniciar uma greve de fome, na tentativa de provocar um diálogo. Apesar da comoção na comunidade, Eisgruber continua resistindo ao diálogo”, lamenta.  

Relação Israel-EUA é motor dos protestos

Para o professor do Princeton Theological Seminary, a resposta de Israel aos ataques do Hamas no dia 7 de outubro foram desproporcionais, ultrapassando em muito o que possa ser considerado um legítimo direito de defesa do Estado de Israel. “Em menos de dois meses de ação militar em Gaza, quase 16.000 palestinos, muitos dos quais crianças e até bebês recém-nascidos tinham sido mortos, 41.000 feridos e a destruição completa de 60% das casas na Faixa de Gaza”. Além disso, continua Barreto, “toda a população de Gaza foi afetada pela falta de água, energia elétrica, e acesso à ajuda humanitária. Tal resposta, não por acaso, foi compreendida como uma política genocida. Estes números foram quase triplicados nos últimos meses”. 

O pastor explica ainda que o apoio financeiro e político dos EUA ao governo israelense tem sido questionado pelos universitários. “Foi esta cumplicidade dos EUA com o massacre da população palestina em Gaza que reativou um movimento já existente no país e em muitas universidades. Os estudantes pedem não apenas o cessar-fogo imediato em Gaza, mas o desinvestimento de suas universidades, ou de qualquer companhia que apoie ou financie (se beneficie) os atos genocidas do Estado de Israel, além de transparência nos investimentos”, alega.  Segundo o professor, algumas universidades e seminários, inclusive o Union Theological Seminary, em Nova Iorque, têm respondido a estas demandas de forma positiva, adotando um compromisso com o desinvestimento. “As universidades de Princeton, Columbia, Harvard e Emory, entre outras, no entanto, adotaram uma resposta dura, com uso da força policial para intimidar os estudantes ou desmantelar os acampamentos, se negando a sequer se sentar com os estudantes para negociar suas demandas”.

Não-violência e multi-etnicidade

O pastor brasileiro radicado nos EUA afirma que tem testemunhado diariamente o compromisso dos estudantes com a ação não-violenta. “Mesmo quando são provocados por grupos de israelitas sionistas que têm sido muito agressivos no contra-protesto, querendo provocar confrontos, ou mesmo diante da violência e provocação por parte de seguranças e policiais. A imprensa tem se calado sobre a participação de muitos estudantes judeus no movimento e do convívio harmonioso entre islâmicos, judeus, cristãos e sem religião nos acampamentos, que inclui o máximo respeito aos atos de devoção de cada grupo”, garante.  

Barreto finaliza exaltando os estudantes que são de origem diversa como Oriente Médio, Índia, México, afro-americana, entre outras “É um despertar para uma injustiça sistêmica que se tornou inaceitável. Um movimento demandando um basta à cumplicidade dos EUA, que sustentam esta violência sistêmica com doações anuais de bilhões de dólares, e das universidades que investem em companhias que têm sangue em suas mãos. Mesmo os estudantes que foram presos, fichados na polícia, criminalizados, não tem se deixado intimidar, demonstrando uma determinação de continuar na luta, mesmo numa situação de tremenda desvantagem”.

Como tudo começou?

No dia 7 de outubro de 2023 o mundo presenciou o ataque que causaria o início do atual conflito. Classificado por diversas autoridades públicas como um ataque terrorista, realizado pelo partido político palestino Hamas (Movimento de Resistência Política). Entretanto, o grupo não é reconhecido como terrorista pela Organização das Nações Unidas). O acontecimento marcou o início de uma guerra na qual Israel está respondendo com uso de força considerada desproporcional pelas autoridades públicas. Bereia checou estes dados. 

O Hamas, por sua vez, alega que os ataques se restringiram a alvos militares. em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o Chefe do Departamento Político em Gaza e membro do Comitê Político do Hamas Basem Naim disse que os alvos do grupo eram complexos militares e soldados. “Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou.  

Naim garante que cerca de 70% dos palestinos ainda apoiam a resistência, apesar da agressão e da destruição. “A popularidade do Hamas aumentou depois de 7 de outubro. O Hamas é parte do tecido social e político palestino”, explicou o líder que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012”. 

Desde o início do conflito, o ataque de Israel na Faixa de Gaza foi tão intenso a ponto da guerra ser considerada a mais mortal da história da Palestina desde 2015. Esse posicionamento ofensivo atrelado ao apoio financeiro que Israel recebe por parte dos Estados Unidos foi criticado por autoridades políticas e sociais, inclusive por membros do governo estadunidense, o que culminou para o início dos protestos pró-Palestina em universidades estadunidenses, além do  posicionamento de organizações religiosas a favor do movimento. 

O que está acontecendo nos protestos pró-Palestina nas universidades?

Nos Estados Unidos as tensões se agravaram após a reitora da Universidade de Columbia, Nemat Minouche Shafik, reprimir os protestos que se iniciavam no dia 18 de abril. Após a fala da reitora, os protestos se espalharam por diversos outros campi nos EUA, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na Universidade do Texas, na Universidade de Michigan e na Universidade da Califórnia. Os manifestantes exigem que as universidades cortem laços com Israel.

Após a repercussão das manifestações, o presidente estadunidense, Joe Biden, afirmou que a liberdade de expressão e o direito de protestar são válidos, mas condenou a violência e o vandalismo, além de afirmar que os movimentos seriam antissemitas. Contudo os protestos seguem, o número de manifestantes presos já ultrapassa 2 mil e o apoio a eles cresce ao redor do mundo: nos últimos dias foram observados protestos no Reino Unido, França, Índia, Canadá e Brasil. 

No Brasil estudantes organizados pelo Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino ocuparam os prédios de História e Geografia da Universidade Estadual de São Paulo (USP). Os manifestantes exigem que a universidade corte relações com as universidades israelenses parceiras, além de mobilizarem um abaixo-assinado para que outras universidades do país realizem as mesmas reivindicações.

Imagem: Reprodução/G1

Contraponto

Apesar do apelo midiático que define os movimentos como antissemitas, estudiosos afirmam que não existem manifestações de ódio entre os estudantes. O professor de História Europeia e Estudos Alemães na Universidade Brown nos EUA Omer Bartov contou em entrevista ao jornal Democracy Now que esteve presente nas manifestações na Universidade da Pensilvânia. 

Bartov, que é israelense, diz ter observado jovens estadunidenses, judeus e árabes pedindo por justiça em um clima agradável, sem violência ou discursos de ódio. “Não houve absolutamente nenhum som – nenhum sinal de qualquer violência, de qualquer anti-semitismo. Havia estudantes judeus lá. Havia estudantes árabes lá. Havia todos os tipos de jovens lá. E a atmosfera era muito boa”, conta o professor. “os numerosos governos sob o comando de Benjamin Netanyahu têm promovido esta agenda argumentando que qualquer crítica às políticas israelitas, às políticas de ocupação israelitas, como antissemita”

Omer Bartov aponta ainda que ouviu entrevistas de estudantes judeus que dizem se sentir ameaçados, mas ele coloca em discussão como não há questões ameaçadoras no ato dos estudantes se oporem à ocupação e opressão causada por Israel. De acordo com o professor, estes estudantes sentem medo, porque aprenderam a se sentir assim diante da bandeira palestina ou de símbolos que representam os muçulmanos. 

“Tenho ouvido algumas entrevistas com estudantes judeus que se sentem ameaçados, parece-me que muitos deles se sentem ameaçados porque veem uma bandeira palestina, porque ouvem pessoas clamando pela intifada. ‘Intifada’ significa ‘sacudir’, sacudir para se livrar da ocupação. Mas não há nada de ameaçador em opor-se à ocupação e à opressão. Isso não é antissemitismo, da mesma forma ser anti-sionista não é ser antissemita”.

Imagem: Reprodução/Democracy Now

Durante a entrevista o professor aborda um pouco sobre o direito que os estudantes têm de se manifestar enquanto cidadãos. Os protestos pelo fim do ataque de Israel ecoam os movimentos que marcaram a história dos EUA nos anos 1960, quando os estudantes estadunidenses se uniram pelo fim da Guerra do Vietnã. Apesar das diferenças entre os dois conflitos, os manifestantes se unem em prol do fim da violência e do fim do financiamento das guerras pelo governo estadunidense.

Imagem: Reprodução/BBC

Bereia ouviu o teólogo pela PUC-Rio, pesquisador, especialista em teologia negra e ativista de direitos humanos Ronilso Pacheco. Para ele, não há nenhuma ação dos manifestantes no intuito de impedir que alunos judeus acessem a universidade. “Eu falo do lugar de quem estudou na Universidade de Colúmbia, de quem mantém vínculos com amigos, com pessoas e professores que estão em Colúmbia e que está acompanhando os protestos de perto. Não tem, nem nunca teve na verdade, esse tipo de ação”, afirma o pesquisador que é mestre em Religião e Sociedade no Union Theological Seminary (Columbia University) em NY e autor de “Ocupa, Resistir, Subverter” (2016) e “Teologia Negra: O sopro antirracista do Espírito” (2019).

Pacheco explica, ainda, que desde o início grupos conservadores de judeus e protestantes estadunidense usaram o suposto antissemitismo para deslegitimar o movimento dos estudantes. “Isso é um debate desde o início. Uma espécie de estratégia de movimentos conservadores tentando emplacar a ideia de que estudantes judeus estão sendo impedidos de professar o seu judaísmo ou de acessar os campos ou de assistir aulas”, lamenta o teólogo que é diretor de programas do Instituto de Estudos da Religião (ISER). 

“Muitos estudantes judeus, anti-sionistas ou mesmo sionistas de esquerda estão ao lado dos estudantes no protesto em defesa da Palestina e contra a resposta cruel e completamente desequilibrada e desigual de Israel. Muitos estudantes do Jewish Theological Seminary, um seminário teológico-judaico, estavam no campus da Columbia nos protestos”, continua Pacheco. 

O pastor ressalta que os críticos do movimento dos universitários tentam transformar as críticas ao sionismo e ao governo de Benjamin Netanyahu, premier israelense, ao ódio à judeus. “Eles pegaram essas falas e essas críticas pontuais como uma forma de intimidação dos estudantes judeus e casos absolutamente isolados de uma outra crítica mais exacerbada virou uma generalização de que isso era uma filosofia do movimento, e não era”. 

Judaísmo e Islamismo

Outro ponto destacado por Pacheco é a suposta conversão dos estudantes ao islamismo como uma forma de lavagem cerebral do movimento. “Não tem nenhum processo de conversão ao islamismo. Eles fizeram um recorte de ocasiões em que estudantes muçulmanos, estavam no seu momento de oração. Não tem nenhuma prova, que houve conversão ao islamismo no campus. O que houve foram as orações dos estudantes muçulmanos, que é uma imagem forte e que é muito simbólica. Afinal de contas, você está falando de uma agressão contra a Palestina”, frisa o pesquisador. 

“(O que acontece em Gaza, hoje) É uma investida direta com relação ao território da Palestina e contra o povo. Estratégias que desconsideram completamente a sociedade civil palestina. Todo o movimento é no sentido de que Israel recue da sua estratégia mal pensada, que tem colocado em risco a vida de milhões, milhares de palestinos, como uma forma de pressionar o Hamas. É Israel que dialoga com o Hamas, não são os protestos”, analisa o pastor.

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Bereia conclui que as publicações que declaram as manifestações estudantis pró-Palestina como antissemitas são enganosas pois induzem o público a construir uma visão negativa e parcial sobre o posicionamento dos estudantes e todas as organizações que defendem o fim da opressão e ocupação realizada por Israel em Gaza.

Enquanto matérias publicadas em veículos religiosos e reproduzido por figuras públicas nas mídias sociais afirmam que o posicionamento pró-Palestina é antissemita, há organizações religiosas que reconhecem nos movimentos a importância de defender as pessoas que estão sendo oprimidas e em situações precárias na Palestina, como observado nas matérias publicadas pelas próprias organizações. Além disso, estudiosos e membros de instituições religiosas que presenciaram os últimos acontecimentos defendem a legitimidade e o caráter pacífico das manifestações.

Referências de checagem:

BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cqeplqy3e3eo – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgl3jnpz7dyo – Acesso em 8 de maio de 2024.

G1
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/10/09/conflito-entre-israel-e-hamas-e-o-mais-mortal-em-territorio-israelense-desde-2008-na-palestina-desde-2015.ghtml – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/05/07/estudantes-da-usp-se-juntam-a-onda-mundial-de-protestos-e-montam-acampamento-pro-palestina.ghtml – Acesso em 8 de maio de 2024.


Agência Brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/internacional/audio/2024-02/israel-x-hamas-4-meses-de-guerra-quase-29-mil-mortos-e-nenhum-acordo – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/universidades-dos-eua-tem-protestos-pro-palestina-autoridades-reagem – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/reitora-de-universidade-dos-eua-sofre-pressao-por-reprimir-protesto – Acesso em 8 de maio de 2024.

The Guardian
https://www.theguardian.com/us-news/2024/apr/27/bernie-sanders-benjamin-netanyahu-israel-gaza-war
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adl.org
https://www.adl.org/resources/blog/global-antisemitic-incidents-wake-hamas-war-israel – Acesso em 8 de maio de 2024.

CNN Brasil
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/das-manifestacoes-pro-palestina-as-reacoes-judaicas-entenda-os-protestos-em-universidades-dos-eua/ – Acesso em 8 de maio de 2024.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/onde-protestos-universitarios-pro-palestina-estao-acontecendo-ao-redor-do-mundo/#:~:text=A – Acesso em 8 de maio de 2024.

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https://www.newsweek.com/christian-church-under-pressure-divest-israel-1895303 Acesso em 7 de maio de 2024.

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https://www.presbyterianmission.org/story/the-pcusas-office-of-public-witness-signs-letter-urging-funding-restoration-to-unrwa/  – Acesso em 7 de maio de 2024.

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https://www.unitedmethodistbishops.org/newsdetail/united-methodist-bishops-call-for-ceasefire-in-gaza-18303396 – Acesso em 7 de maio de 2024.


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ELCA Conference of Bishops calls for cease-fire in Gaza / stands in solidarity with migrants. https://www.elca.org/News-and-Events/8219 Acesso em 7 de maio de 2024.

UCC.ORG https://www.ucc.org/ucc-officers-issue-statement-amid-ongoing-unrest-on-college-campuses/ – Acesso em 7 de maio de 2024.


The New York Times. https://www.nytimes.com/2024/01/28/us/politics/black-pastors-biden-gaza-israel.html?unlocked_article_code=1.ok0.LRap.jtX1qjhT_tCB&smid=wa-share – Acesso em 7 de maio de 2024.

YouTube.
https://www.youtube.com/watch?v=9aTAnFDZSr8 – Acesso em 7 de maio de 2024.

‘Estudantes protestam como contra Guerra do Vietnã’: a crise nas universidades dos EUA por conflito em Gaza. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3gl0w34gx1o – Acesso em 10 de maio de 2024.

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Foto de capa: AI-Monitor

Conflito armado Israel x Palestina: Brasil na berlinda da desinformação – Parte 2

* Matéria atualizada em 18/04/2024 às 17:52 e 07/06/2024 para ajustes de texto

O conflito na Faixa de Gaza chegou ao sexto mês. Desde o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro, o governo israelense revidou com, o que o governo do Brasil considera, um massacre da população palestina. Bereia publicou em 19 de março a primeira parte desta reportagem, na qual abordou a corrente de desinformação que surgiu a partir da fala do presidente Luís Inácio Lula da Silva, durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado. O presidente brasileiro se pronunciou sobre o conflito e comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o que gerou uma série de críticas e comoção nas redes. 

Bereia também abordou, na primeira parte desta matéria, a escalada da violência na região e como Israel vem perdendo o apoio da comunidade internacional diante das atrocidades praticadas sobre a população palestina. Leia a matéria completa

Nesta segunda parte, Bereia apresenta a origem histórica deste conflito, a motivação do apoio de cristãos evangélicos a Israel e atualizações sobre a guerra contra a Palestina que completou seis meses. 

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 25 de março passado, pela primeira vez desde o 7 de outubro de 2023, um pedido de cessar-fogo em Gaza. A resolução recebeu o apoio de 14 dos 15 membros do órgão, o único a se abster foi os Estados Unidos. O texto estabelece uma cessação de hostilidades durante o Ramadã, período sagrado para os muçulmanos, que começou em 11 de março e terminou em 9 de abril. Apesar da aprovação histórica, e da pressão internacional, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que não acatará a ordem da ONU e ainda planeja um ataque terrestre à cidade de Rafah. “Não estamos dispostos a cessar-fogo”, declarou. 

Apesar da abstenção, o gesto do governo estadunidense causou uma rusga entre o presidente Joe Biden e Benjamin Netanyahu. Assim que o resultado no Conselho de Segurança foi anunciado, o governo israelense suspendeu a visita planejada de uma delegação do país aos EUA. O grupo iria discutir uma alternativa à invasão planejada por Israel à Rafah. O premiê israelense acusou a Casa Branca de abandonar sua “posição de princípio”. Entretanto, o governo de Biden correu para explicar que não havia mudanças na posição dos EUA de apoio a Israel.

“A única certeza em Gaza é a incerteza”
O grupo Hamas, por sua vez, pediu desculpas à população de Gaza pelo sofrimento causado pela guerra, entretanto, reiterou a intenção de prosseguir com o conflito que, segundo o comunicado, deve conduzir à “vitória e à liberdade” dos palestinos. O anúncio foi feito, no dia 31 de março, pelo canal oficial do grupo no Telegram.

Imagem: reprodução da Agência Brasil

Um dos principais líderes do grupo islâmico Hamas. Chefe do Departamento Político em Gaza e membro do Comitê Político Basem Naim disse, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, que o premiê israelense é o culpado pela dificuldade de chegar a um cessar-fogo. “O principal obstáculo para chegarmos a um acordo é Benjamin Netanyahu e seu grupo de direita. Netanyahu não planeja alcançar um cessar-fogo, pois sabe que, no dia seguinte à trégua, haverá comitês de investigação e ele poderá ir para a prisão. A carreira política dele acabaria imediatamente”, garante o médico formado na Alemanha e com pós-doutorado em cirurgia. 

Para o líder palestino que ocupou o posto de ministro da Saúde entre 2007 e 2012, o grupo está disposto a negociar o fim da guerra, entretanto o lado israelense não quer chegar a um acordo. “Apelamos por um cessar-fogo completo e sustentável, pela retirada total das forças israelenses da Faixa de Gaza e pelo retorno das pessoas que foram expulsas de suas casas e vilarejos depois de 7 de outubro. Também pedimos uma grande operação de socorro e de reconstrução da Faixa de Gaza. Ao mesmo tempo, o engajamento em um acordo tácito para a troca de prisioneiros”, disse Naim ao jornal brasiliense.  

Perguntado sobre as denúncias de violência sexual cometida por integrantes do Hamas, o político palestino negou veementemente as acusações. “Nós negamos qualquer agressão sexual a qualquer mulher. (…) Esta foi uma operação militar e nossos alvos eram complexos militares e soldados. Nós evitamos civis, mulheres, crianças e homens. Ao mesmo tempo, temos dito que estamos prontos para receber qualquer comitê de investigação da ONU ou internacional, a fim de apurar o que ocorreu em 7 de outubro”, assegurou. 

Por que os cristãos evangélicos apoiam Israel incondicionalmente?

Segundo o professor de Teologia e doutorando em Filosofia, pela PUC-SP, Wallace Góis, os evangélicos têm uma visão escatológica do papel de Israel na história da humanidade e o consideram como o “Relógio de Deus no mundo”. “Para eles, você tem que ficar de olho no que acontece em Israel para entender o que está acontecendo no plano divino. Então os eventos que envolvem Israel, qualquer avanço político, ameaça militar ou instabilidade, vai ser interpretado à luz de alguma passagem bíblica que tenha mais ou menos a ver com essa situação e vai ser colocado como um sinal do fim dos tempos, como a volta de Cristo”, explica o professor em entrevista ao Bereia.

“Eles dizem que Israel é a continuidade da história do povo de Deus, apoiam porque Israel é e sempre foi o povo perseguido das escrituras, o guardião da Palavra de Deus, e as coisas que acontecem em Israel têm uma direta conexão com aquilo que ajuda a formar a cosmovisão cristã sobre a realidade”, afirma Góis se referindo ao que pensam os evangélicos brasileiros. 

Para o professor, que integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e em Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região, há uma espiritualização exacerbada em tudo que se refere a Israel. “Tem toda uma aura mística que envolve o imaginário cristão evangélico sobre Israel e coloca o país como se fosse um lugar mágico, um lugar sagrado em que tudo que se toca e se vê é referência do Divino”. 

Além disso, o professor ressalta que o turismo religioso reforça a ideia de que a nação é o ideal de civilidade para todas as outras. “Há uma propaganda de Israel como um país civilizado, ético, abençoado por Deus e aberto à liberdade religiosa, mas é uma grande encenação, porque a liberdade religiosa é restrita. Principalmente, para os muçulmanos, as comunidades cristãs na Palestina também estão definhando, estão sofrendo com restrições”, relata.

Góis compara a ação do governo israelense ao Império Romano da época de Jesus. “Israel se tornou um grande império opressor e a população palestina se vê perseguida pelos ideais imperialistas, pela opressão, pela sanha de poder, pela sede por territórios. As melhores áreas da Palestina estão sendo ocupadas pela extensão territorial israelense, as riquezas naturais estão sendo exploradas por Israel. Então, qualquer chance que a Palestina teria de se estabelecer, de construir uma história de demonstração da ‘benção de Deus’ foi previamente sequestrada por Israel e tudo isso vai sendo associado à imagem de que Deus está na verdade ao lado de Israel”, lamenta. 

O teólogo denuncia ainda que os direitos palestinos estão sendo minados para que Israel possa ser vitoriosa. “O próprio Monte do Templo, onde muitos evangélicos dizem que será reconstruído o Templo de Jerusalém, existem mesquitas no local e, por isso, para os cristãos há uma certa ojeriza, uma certa ideia de usurpação do lugar sagrado pela religião islâmica, sobre o Judaísmo, uma tentativa de suplantar o Deus verdadeiro. Então, são detalhes e mais detalhes da geografia da organização social dos pontos turísticos que são utilizados na hora de tecer esses argumentos em favor de Israel”.

A antropóloga e professora da Universidade de Brasília Jacqueline Teixeira também analisou a situação. Em entrevista à BBC Brasil, ela disse que o bolsonarismo trouxe uma novidade para o apoio que cristãos evangélicos sempre deram à Israel: o discurso bélico-religioso, ou seja, a ideia de que uma disputa entre o bem e o mal justificaria o uso da violência. “Tem me chamado a atenção a tentativa de construção de uma justificação ética para os bombardeios, para as políticas de violência e de guerra que Israel tem lançado sobre o povo palestino. Uma naturalização da violência ou da guerra”, explica.

Teixeira acredita ainda que a naturalização entre religiosos de medidas como restrição de comida e água para os palestinos, seria resultado de uma “circulação mais preeminente de imagens do bolsonarismo no contexto das igrejas”, que permitiu uma “naturalização um pouco maior da desumanização” dos palestinos.

Jerusalém e as três religiões

De acordo com a antropóloga, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Dra. Francirosy Campos Barbosa Ferreira, ouvida pelo Bereia, é importante ressaltar que aquela região é sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos que dividem o espaço de Jerusalém. “O que a gente tem visto acontecer é uma captura, algo que costumamos chamar de leituras fundamentalistas da Bíblia. Os livros sagrados passam por leituras diversas, desde as mais rígidas, ipsis litteris, até as reformistas ou com interpretações diferenciadas. Então, acho que essa é uma das questões, é a ideia da Terra Prometida, associada com outras questões do judaísmo”, aponta a pesquisadora. 

A antropóloga da USP relembra o caso das senhoras cristãs que, em uma manifestação a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro, disseram que Israel é um país cristão, assunto já abordado por Bereia, na primeira reportagem desta série. “É a distopia que a nossa sociedade chegou. Não é de estranhar que uma pessoa cristã diga, de repente, que judeus também são cristãos. Infelizmente, em nossa sociedade hoje, o nível de conhecimento religioso, e isso eu falo de qualquer religião, é muito pífio, é insignificante, não tem profundidade, não tem um contexto histórico. É uma espiritualidade vazia”, analisa. 

Para Campos, a ultradireita soube se apropriar dessa narrativa e cooptar pessoas com esse conhecimento dúbio sobre o cristianismo. “Assim começaram a criar outras figuras, outros seres, outras formas de interpretação. Então, acho que a extrema direita bolsonarista, junto com interpretações fundamentalistas, podemos até dizer equivocadas da Bíblia, acabam distorcendo todo esse campo religioso, e fazendo mau uso dele”. 

Ela ressalta ainda, que precisamos lembrar que antes da criação do Estado de Israel em 1948, as três religiões viviam em harmonia na região. “Antes da ocupação da Palestina, da expulsão dos palestinos, a gente tem um histórico de uma convivência respeitosa entre cristãos, muçulmanos e judeus, isso em várias partes do mundo, seja na Síria, no Egito, enfim, a gente tem um histórico de boa convivência. havia festas religiosas e as pessoas se respeitavam mutuamente. Essa é uma forma de uso da religião, de uma instrumentalização religiosa muito equivocada, infelizmente, que gera todo esse conflito”.

Origem do conflito na região

Para compreender o atual cenário na região é necessário voltar no tempo. Governada, destruída, povoada e repovoada por diversos povos, dinastias e impérios, a Palestina foi conquistada pelo Império Otomano no século 16. A região que havia sido conquistada por Alexandre, o Grande, pelo Império Romano e pelo general Amr Ibn Al-As, vivenciou várias expressões de fé e viveu períodos de declínio e prosperidade ao longo dos séculos.

A Palestina fez parte do Império Otomano até 1917, quando passou a ser controlada pelo Reino Unido. Os britânicos se comprometeram a apoiar a formação de um reino árabe unificado.

Durante a Primeira Guerra Mundial britânicos e turcos chegaram a um acordo sobre o futuro da Palestina e da maioria dos territórios árabes na Ásia antes pertencentes ao Império Otomano. 

No entanto, durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, as potências europeias vencedoras da Primeira Guerra impediram a criação do reino árabe unificado. Elas estabeleceram uma série de mandatos para que pudessem controlar e repartir toda a região. Assim, a região passou a integrar o Mandato Britânico da Palestina, autorizado pela Liga das Nações e se estendeu de 1920 até 1948.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido decidiu transferir a decisão sobre a Palestina para a recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU aprovou, em 1947, a Resolução 181, que dividiu a Palestina da seguinte forma: 55% do território para os judeus, Jerusalém sob controle internacional e o restante para os árabes (incluindo a Faixa de Gaza). Ao entrar em vigor em maio de 1948, a resolução pôs fim ao Mandato Britânico da Palestina e Israel declarou sua independência.

Horas após a declaração de independência do Estado de Israel, os exércitos do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram Israel. Os enfrentamentos iniciaram quase que imediatamente, levando ao conflito árabe-israelense. Ao fim da guerra, cerca de 6 mil israelenses e entre 10 mil e 12 mil árabes foram mortos e estima-se que de 700 mil a 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras e entre 400 e 500 vilas palestinas foram destruídas. Os refugiados palestinos se deslocaram e acabaram se assentando na Faixa de Gaza. 

A crise econômica causada pela Guerra da Independência e a necessidade de sustentar uma população em rápido crescimento exigiram austeridade no país e ajuda financeira do exterior. A assistência prestada pelo Estados Unidos, os empréstimos de bancos americanos, as contribuições de judeus da Diáspora e reparações alemãs após a guerra foram usados para construir casas, mecanizar a agricultura, estabelecer uma frota mercante e uma companhia aérea nacional, além de favorecerem a exploração mineral, o desenvolvimento industrial e a expansão de rodovias, telecomunicações e redes elétricas.

Após o armistício, Gaza foi ocupada e administrada pelo Egito até a Guerra dos Seis Dias, em 1967 – um conflito entre a coalizão árabe formada pela Jordânia, Iraque e pela antiga República Árabe Unida, que reunia o Egito e a Síria.

Após seis dias de batalha, as antigas linhas de cessar-fogo foram substituídas por outras como Judeia, Samaria, Gaza, Península do Sinai e Colinas de Golã, sob controle israelense. A passagem para Israel através do Estreito de Tiran foi assegurada e Jerusalém, que estava dividida desde 1949 entre Israel e Jordânia, foi reunificada sob autoridade israelense. Desde o fim do conflito Israel ocupa a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Esta ocupação desencadeou uma série de conflitos que chegaram até os dias atuais.

Evolução do território palestino – 1920 aos dias atuais

Imagens: reprodução da BBC Brasil

Pertencente à Palestina, localizado em uma estreita faixa de terra na costa oeste de Israel e fazendo fronteira com o Egito, a Faixa de Gaza é um território marcado pela pobreza e superpopulação, com 2 milhões de habitantes morando em um território de 360 km².

Foi na Faixa de Gaza que teve início uma série de conflitos armados, incluindo algumas das guerras que influenciaram a história recente da região. Entregue aos palestinos em 2005, a Faixa de Gaza passou a ser governada pelo partido Hamas, em 2007, enquanto a região da Cisjordânia ficou sob o governo da Autoridade Nacional Palestina (PNP), mas sob ocupação militar israelense. 

A primeira intifada (levante) dos palestinos contra os israelenses na Faixa de Gaza ocorreu em 1987. No mesmo ano foi criado o partido islâmico Hamas, que se estenderia posteriormente a outros territórios ocupados.

Os Acordos de Oslo entre israelenses e palestinos, em 1993, criaram a Autoridade Nacional Palestina (ANP) e concederam autonomia limitada à Faixa de Gaza e partes da Cisjordânia ocupada. Após uma segunda intifada, mais violenta que a primeira, Israel retirou suas tropas e cerca de 7 mil colonos da Faixa de Gaza, em 2005.

No ano seguinte o Hamas venceu as eleições palestinas. Este resultado gerou uma violenta luta de poder em 2007 entre o Hamas e o partido Fatah, liderado pelo líder da ANP, Mahmoud Abbas. O grupo militante saiu vitorioso na Faixa de Gaza. Desde então, o Hamas mantém o poder na região, tendo sobrevivido a três guerras e a um bloqueio de 16 anos. O braço armado do partido, mais radical, faz oposição ostensiva a Israel.

Em comunicado no dia 22 de janeiro passado, o Hamas destacou essas origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro. A liderança do partido recordou que a luta palestina foi iniciada há 105 anos, incluindo os 30 anos de colonialismo britânico e os 75 anos de ocupação sionista, e pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino”.

Netanyahu isolado

O Primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tem sofrido vários reveses, por conta de sua condução do conflito em Gaza, considerada equivocada e desastrosa por analistas de todo o mundo. Para permanecer no poder, o líder israelense tem levado o país a se embrenhar cada vez mais fundo em conflitos regionais secundários. 

Em 31 de março passado, um ataque de Israel ao hospital Al-Aqsa, em Gaza,deixou quatro mortos e 17 feridos. O cerco ao hospital palestino já durava duas semanas. De acordo com o governo israelenese, o alvo do exército era o centro de comando da jihad islâmica que, segundo o mesmo, atuava no local. Os militares anunciaram o fim das operações no local, após a invasão que deixou a maior parte do importante complexo médico em ruínas e inoperante. O Ministério da Saúde de Gaza informou que dezenas de corpos foram encontrados, e moradores locais disseram que áreas próximas foram devastadas.

Em 01 de abril, Israel bombardeou e destruiu o consulado iraniano em Damasco, na Síria, e matou Mohammed Reza Zahedi, comandante da Guarda Revolucionária, a força de elite que protege o regime iraniano, além de outros alvos militares e civis. O motivo estaria ligado ao conflito em Gaza. De acordo com o governo israelense, o Irã é o principal financiador do Hamas e de outros grupos extremistas islamitas. 

O líder supremo do Irã aiatolá Ali Khamenei lamentou a morte do general Zahedi e fez ameaças a Israel. “O regime sionista será punido pelas mãos de nossos bravos homens. Faremos com que ele se arrependa desse crime e de outros que cometeu”, declarou o líder iraniano. 

No mesmo dia, mais um ataque israelense deixou líderes de todo o mundo em alerta. Desta vez, um drone israelense atingiu o carro onde funcionários da World Central Kitchen, ONG do chef espanhol José Andrés, estavam. O ataque vitimou sete voluntários. A organização não governamental havia acabado de levar uma carga de alimentos ao território palestino, horas antes do bombardeio. A entidade é uma das principais fornecedoras de alimentos à Faixa de Gaza desde o início da guerra. O premiê admitiu a culpa de Israel e disse que incidentes como este “’Acontecem em guerras’. “Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza. Acontece em guerras, e estamos verificando até o fim, estamos em contato com os governos, e tudo faremos para que isso não aconteça novamente”, declarou Netanyahu. 
Segundo a ONG, entre os mortos há três cidadãos do Reino Unido, um da Austrália, um dos Estados Unidos, um da Polônia, e um palestino. A World Central Kitchen é uma das mais atuantes em Gaza. Os dois veículos que transportavam as vítimas e que foram atingidos tinham o logotipo e o nome da ONG desenhados no teto e circulavam sozinhos em uma via de uma área sem conflitos. “Este não é apenas um ataque contra a World Central Kitchen, é um ataque a organizações humanitárias que se apresentam nas situações mais terríveis, em que os alimentos são usados ​​como arma de guerra. Isso é imperdoável”, disse o CEO da ONG, Erin Gore.

Nem mesmo o governo americano, aliado de Israel, tem poupado críticas e conseguido fechar os olhos para o que acontece em Gaza. O presidente americano Joe Biden disse estar “Indignado” com o ataque de Israel ao veículo de transporte da ONG World Central Kitchen e cobrou uma investigação “rápida” e que “traga responsabilidade”. Biden está em ano eleitoral e passou a ser acusado por sua própria base de ser cúmplice pelas mortes de palestinos. 

Imagem: reprodução site CNN

Os EUA vetaram três resoluções desde o início da escalada dos conflitos, em 7 de outubro de 2023, após ataques do Hamas no sul de Israel. Os cinco membros permanentes do Conselho, China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos, têm o poder de vetar.
Apesar de dar sinais de mudança de atitude, o governo Biden continua enviando armamentos para Israel. Os Estados Unidos enviaram dezenas de armas para Israel, incluindo bombas e munições de precisão, desde os ataques do Hamas em 7 de outubro. Atualmente, há 600 operações ativas de transferência ou venda potencial de armamento no valor de mais de US$ 23 bilhões entre os dois países, segundo autoridades do Departamento de Estado americano, denuncia o jornal Valor Econômico.

Imagem: reprodução do Valor Econômico

Imagem: reprodução/BBC

Por causa do ataque ao carro da ONG norte-americana, o ministro Britânico para o Desenvolvimento e África Andrew Mitchell, convocou o embaixador de Israel para expor a “condenação inequívoca do governo ao terrível assassinato de sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen, incluindo três cidadãos britânicos”, disse ele num comunicado de imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Outra frente de batalha levantada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é contra a imprensa. O Parlamento israelense aprovou, também em 01 de abril, uma lei que permite o fechamento temporário em Israel de emissoras estrangeiras consideradas uma ameaça à segurança nacional do país. O alvo principal do premiê é a TV Al Jazeera, com sede no Catar. “A Al Jazeera prejudicou a segurança de Israel, participou ativamente do massacre de 7 de outubro e incitou contra os soldados das Forças de Defesa de Israel. O canal terrorista Al Jazeera não transmitirá mais de Israel”, declarou o líder israelense. 

Em nota, a Al Jazeera afirmou que Netanyahu faz uma campanha contra a rede. “Netanyahu não conseguiu encontrar nenhuma justificativa para dar ao mundo para seus ataques recorrentes contra a Al Jazeera e a liberdade de imprensa, exceto as mentiras e calúnias contra a rede e seus funcionários”, frisa o veículo. 
O desprezo pelo trabalho da imprensa é refletido em números. De acordo com a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), em cinco meses de guerra, ao menos 103 jornalistas foram foram mortos em Gaza, pelo exército israelense. Segundo um balanço da RSF essa é  uma das guerras mais letais para jornalistas. A organização acionou duas vezes o Tribunal Penal Internacional contra Israel. “Esses 103 jornalistas não são números, são 103 vozes que Israel silenciou. 103 testemunhos a menos sobre a catástrofe que se desenrola na Palestina. (…) Reiteramos o nosso apelo urgente para proteger os jornalistas em Gaza”, disse o Secretário-geral da RSF Christophe Deloire, em comunicado no site da ONG.

A Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), por sua vez, afirma que 99 jornalistas e profissionais de mídia palestinos, quatro israelenses e três libaneses foram mortos, um total de 106 profissionais de imprensa. Houve também relatos de 16 jornalistas feridos, quatro desaparecidos e 25 detidos enquanto cobriam a guerra em Gaza, com base num relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Em balanço realizado pela Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), desde o início do conflito 109 jornalistas e trabalhadores de meios de comunicação perderam suas vidas: 102 palestinos, 4 israelenses e três libaneses. Com estes dados, a Guerra em Gaza se configura como um dos conflitos mais mortais da história para os meios de comunicação e apresenta grave risco para a liberdade de imprensa.

Protestos internos

As ruas de importantes cidades de Israel têm sido tomadas por milhares de manifestantes pedindo a libertação dos reféns na Faixa de Gaza e a destituição de Benjamin Netanyahu. Eles exigem eleições antecipadas e um acordo imediato para libertar os cerca de 130 reféns israelenses ainda detidos pelo Hamas. A situação do premiê israelense torna-se cada vez mais insustentável e o futuro dele está atrelado à continuidade do conflito. 

Segundo dados do Serviço Prisional Israelense divulgados pela Human Rights Watch, as autoridades do país mantinham, até 1º de dezembro, 2.873 palestinos em detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, com base em informações secretas. Já a organização palestina de direitos humanos Addameer afirma que, até novembro de 2023, a população carcerária palestina em unidades carcerárias administradas por Israel tinha um total de 7.000 palestinos presos. A lista inclui 80 mulheres e 200 crianças menores de 18 anos.

Números da guerra

Após seis meses de conflito, os números do conflito em Gaza falam por si. Segundo levantamento da BBC Brasil, até o 175º dia de guerra, pelo menos, 32.623 pessoas tinham morrido e 75.092 tinham sido feridas, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), a maioria das vítimas é de mulheres e crianças. 

Ainda segundo a ONU, 85% da população no setor sitiado, onde vivem mais de 2,3 milhões de pessoas, foi forçada a deixar suas casas devido à destruição de infraestrutura e a falta de alimentos, água, combustível e eletricidade na região. “Prevê-se que metade da população da Faixa de Gaza (1,11 milhões de pessoas) enfrente condições catastróficas no que diz respeito à segurança alimentar”, afirmou um relatório elaborado pela ONG Integrated Food Security Phase Classification (IPC), que fornece à governos, à ONU e às agências de ajuda humanitária dados apolíticos sobre a fome no mundo. 

Imagem: reprodução/BBC

Mais de 196 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza desde outubro, de acordo com a Aid Worker Security Database, entidade financiada pelos EUA que registra incidentes de violência contra agentes humanitários. Além destes, há os jornalistas mortos já citados nesta matéria.

Do lado Israelense, cerca de 600 soldados morreram desde os ataques de 7 de outubro.  Nesse dia, 253 pessoas foram sequestradas. Acredita-se que cerca de 130 reféns ainda estejam detidos em Gaza, dos quais, pelo menos, 34 são considerados mortos, afirmam autoridades de Israel.

Referências de checagem:

Agência Brasil.

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-03/brasil-repudia-massacre-de-palestinos-famintos-situacao-intoleravel Acesso em 07 jun 2024

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-04/hamas-pede-desculpa-populacao-pelo-sofrimento-causado-pela-guerra Acesso em 07 jun 2024

https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-03/ataque-de-israel-hospital-em-gaza-faz-quatro-mortos-e-17-feridos Acesso em 07 jun 2024

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BBC Brasil.

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https://www.bbc.com/portuguese/articles/clkjxpvjxjgo#:~:text=Uma%20das%20bases%20teol%C3%B3gicas%20%C3%A9,hist%C3%B3ria%20sagrada%20do%20povo%20israelita Acesso em 07 jun 2024

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IFJ. https://www.ifj.org/es/sala-de-prensa/noticias/detalle/category/comunicados-de-prensa/article/apoyemos-la-libertad-de-prensa-en-gaza-exige-la-fip Acesso em 07 jun 2024

CNN Brasil.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/ira-promete-vinganca-contra-israel-apos-ataque-a-embaixada-na-siria/ Acesso em 07 jun 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/reino-unido-convoca-embaixador-israelense-apos-ataque-que-matou-trabalhadores-humanitarios/ Acesso em 07 jun 2024

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Correio Braziliense. https://www.correiobraziliense.com.br/mundo/2024/04/6833290-estar-ou-nao-no-governo-e-decisao-palestina-diz-lider-do-hamas.html Acesso em 07 jun 2024

ONU. https://news.un.org/pt/story/2024/03/1828597 Acesso em 07 jun 2024

Bereia. https://coletivobereia.com.br/conflito-armado-israel-x-palestina-brasil-na-berlinda-da-desinformacao/ Acesso em 07 jun 2024

G1.

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/03/25/conselho-de-seguranca-da-onu-aprova-resolucao-de-cessar-fogo-imediato-em-gaza.ghtml Acesso em 07 jun 2024

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/04/02/acontece-em-guerras-diz-netanyahu-sobre-ataque-que-matou-7-de-ong-de-chef-espanhol-na-faixa-de-gaza.ghtml Acesso em 07 jun 2024

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/04/01/netanyahu-israel-fechamento-al-jazeera.ghtml Acesso em 07 jun 2024

Repórteres Sem Fronteiras.

https://rsf.org/pt-br/103-jornalistas-mortos-em-150-dias-em-gaza-uma-trag%C3%A9dia-para-o-jornalismo-palestino#:~:text=Em%20cinco%20meses%2C%20ao%20menos,mais%20letais%20para%20os%20jornalistas. Acesso em 07 jun 2024

UOL.

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2023/10/30/benjamin-netanyahu-cessar-fogo.htm Acesso em 07 jun 2024

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/03/25/32-mil-mortos-depois-conselho-de-seguranca-aprova-cessar-fogo-em-gaza.htm Acesso em 07 jun 2024

Valor Econômico.

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/03/07/como-os-eua-enviam-armas-a-israel-sem-tornar-publicas-algumas-remessas-de-apoio-militar.ghtml Acesso em 07 jun 2024

Metrópoles.

https://www.metropoles.com/mundo/israel-milhares-de-manifestantes-protestam-contra-governo-em-tel-aviv Acesso em 07 jun 2024

Conflito armado Israel x Palestina: Brasil na berlinda da desinformação

Desde 7 de outubro de 2023, o antigo e grave conflito entre Israel e Palestina ganhou nova versão. Depois de um ataque, classificado por várias autoridades públicas como terrorista, pelo braço armado do partido político palestino Hamas (“Movimento de Resistência Islâmica”) contra civis israelenses que participavam de um festival de música, Israel respondeu com força desproporcional, como também avaliam diversos agentes das relações internacionais. Ainda em 2023, em pouco mais de um mês de ações de resposta de Israel sobre a região palestina da Faixa de Gaza, sobre a qual exerce controle, já eram contabilizados 15 mil palestinos mortos e 35 mil feridos, com maioria de mulheres e crianças, frente a cerca de 1.500 israelenses que perderam a vida nas ações. 

Durante visita à Etiópia, em 18 de fevereiro passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se pronunciou sobre o conflito . Durante a fala, ele comparou a resposta de Israel aos ataques promovidos pelo Hamas, ao extermínio de milhões de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. 

A declaração foi feita em uma entrevista, enquanto participava da 37ª Cúpula da União Africana e de reuniões bilaterais com chefes de Estado, em Adis Abeba, na Etiópia. As reações contra e a favor do pronunciamento foram imediatas. O governo israelense logo se pronunciou em suas redes digitais e nas de seus representantes. Parlamentares brasileiros de oposição também fizeram duras críticas à declaração e logo a internet foi invadida com postagens indignadas sobre o tema. 

Entre críticos brasileiros observou-se excessos nas abordagens. Por exemplo, houve até quem defendesse Israel por ser um país cristão sob ataque e, por isso, o apoiava incondicionalmente, como aconteceu na manifestação organizada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro , em  25 de fevereiro. O que é falso, já que o país tem apenas 1,9% de cristãos, de acordo com o Escritório Central de Estatísticas de Israel (equivalente ao IBGE do país).  

Imagem: reprodução do Instagram

A declaração de Lula na Etiópia e as repercussões

Ao responder jornaistas, na entrevista coletiva na Etiópia o presidente Lula afirmou:, “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus”

Em muito pouco tempo, o noticiário político nas grandes mídias estava carregado de chamadas com a afirmação de que Lula havia comparado as ações de Israel com o Holocausto, o que provocou não apenas críticas mas comoção, como nos exemplos a seguir.

Imagem: reprodução do site BBC News Brasil

Imagem: reprodução do site CNN Brasil

Imagem: reprodução site Senado Federal

Imagem: reprodução de sites de Veja, O Globo, Folha de S. Paulo e Aos Fatos

Ainda que o  presidente não tenha citado diretamente o Holocausto (genocídio cometido pelos nazistas ao longo da Segunda Guerra Mundial, que vitimou aproximadamente seis milhões de pessoas entre judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, opositores políticos entre outros), mas, sim, as ações do governo alemão, por meio de Adolf Hitler que levaram a ele, a história contada pelos jornalistas no Brasil foi o que viralizou.

Autoridades israelenses, como o Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ministro das Relações Exteriores Israel Katz, se manifestaram publicamente pelo X, antigo Twitter, e usaram a palavra “holocausto” para criticar a fala do líder brasileiro. Netanyahu disse que as palavras de Lula são “vergonhosas e graves” e que banalizam o Holocausto.

Imagem: reprodução do X

Lula fez a afirmação na Etiópia, quando questionado sobre a decisão de alguns países de suspender repasses financeiros à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), após funcionários do órgão terem sido acusados pelo governo de Israel de envolvimento com o Hamas. Os funcionários foram afastados e a organização está passando por uma investigação, mas, até o fechamento desta matéria, nada havia sido comprovado, nenhum envolvimento da agência ou de seus funcionários. 

Criada em 1949, a UNRWA fornece assistência humanitária aos refugiados palestinos registrados na área de atuação da agência (Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano e Síria). As atividades humanitárias incluem serviços de educação, assistência médica, serviço social, infraestrutura, entre outros. Apenas em Gaza, a entidade conta com cerca de 13 mil funcionários, de acordo com checagem do Bereia

A UNRWA acusou Israel de deter e torturar alguns de seus funcionários, coagindo-os a fazer confissões falsas sobre a suposta ligação da agência com o Hamas. “Alguns dos nossos funcionários transmitiram às equipes da UNRWA que foram forçados a [fazer] confissões sob tortura e maus-tratos. Estas falsas confissões foram em resposta ao questionamento sobre as relações entre a agência e o Hamas e o envolvimento no ataque de 7 de outubro contra Israel”, disse a porta-voz da UNRWA Juliette Touma, em comunicado.

Países como Estados Unidos e Itália suspenderam o financiamento após a demissão, pela própria agência, dos funcionários. O montante total congelado chega a US$ 450 milhões (R$ 2,2 bilhões), o equivalente à metade dos fundos que a Unrwa recebeu em 2023.

No âmbito diplomático, a fala de Lula na Etiópia levou o governo israelense a convocar o embaixador brasileiro no país Frederico Meyer para um encontro com o chanceler israelense Israel Katz, no Museu do Holocausto, em Jerusalém. Em momento, considerado pela chancelaria brasileira e por analistas como constrangedor e inaceitável, ele ouviu testemunhos de familiares que foram perseguidos pelos nazistas, pronunciados em hebraico, língua que Meyer não domina. 

Reprodução do X com tradução automática do hebraico para o português pelo Google Translate

Na ocasião, Lula foi declarado “persona non grata” por Israel – medida utilizada para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo no país em questão. O anúncio também foi feito pelo ministro em seu perfil no X. O governo brasileiro em reação imediata às ações de Israel, consideradas inaceitáveis pela diplomacia,  chamou Meyer de volta para consulta. 

O impasse diplomático entre Brasil e Israel foi criado e movimentou as redes digitais de lideranças e políticos cristãos, além de personalidades de diferentes espectros políticos não só no Brasil como no exterior. 

Políticos de oposição ao governo federal enxergaram no caso, uma oportunidade de capitalizar apoios. A deputada federal Carla Zambelli imediatamente articulou e protocolou, em 22 de fevereiro, um pedido de impeachment contra Lula, com 139 assinaturas, fundamentalmente de parlamentares da direita (classificada como Centrão) e da extrema direita. O texto alega que o presidente infringiu o artigo 5º da Constituição Federal, que prevê como crime de responsabilidade “cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”

Uma avalanche de falsidades e enganos

Além das críticas, informações falsas sobre o tema também foram divulgadas nas redes, como uma charge racista que retrata Lula como macaco. A charge foi divulgada como tendo  sido publicada pelo jornal The New York Times, em ilustração de  reportagem sobre a fala polêmica do presidente. A imagem que segue compartilhada nas redes não consta em qualquer texto publicado pelo jornal dos EUA. 

Imagem: reprodução do Instagram

O desenho é de um caricaturista israelense que se apresenta no Instagram como J. Majburd e é responsável por outras publicações que alimentam redes de extrema direita.


Imagem: Uma das postagens do cartunista J. Majburd. Fonte: Instagram

Lideranças evangélicas ultraconservadoras  também se pronunciaram sobre o caso. Em vídeo publicado nas redes, o pastor Silas Malafaia chamou o presidente da República de mentiroso e chegou a negar a morte de mais de 20 mil palestinos no conflito iniciado em outubro do ano passado. Embora os números de mortos e feridos sejam fornecidos por autoridades de saúde de Gaza, controladas pelo Hamas, eles são considerados e divulgados pela ONU, checados por agências de notícias internacionais e por organizações humanitárias.

Imagem: reprodução do Instagram

De acordo com o assessor especial da Presidência da República e ex-chanceler Celso Amorim, a fala do presidente Lula teve efeitos positivos e pode até ajudar na solução do conflito. “A fala do Lula sacudiu o mundo e desencadeou um movimento de emoções que pode ajudar a resolver uma questão que a frieza dos interesses políticos foi incapaz de solucionar,  disse ele em entrevista à coluna da jornalista Mônica Bergamo, no jornal Folha de São Paulo.

Imagem: reprodução do Instagram

Grupos judaicos no Brasil estão divididos no tratamento do tema. A Confederação Israelita do Brasil (CONIB), que representa e coordena a comunidade judaica no país, repudiou a fala de Lula e pediu moderação do governo federal ao tratar do conflito. “O governo brasileiro vem adotando uma postura extrema e desequilibrada em relação ao trágico conflito no Oriente Médio, abandonando a tradição de equilíbrio e busca de diálogo da política externa brasileira. A CONIB pede mais uma vez moderação aos nossos dirigentes, para que a trágica violência naquela região não seja importada ao nosso país”, afirma a nota. Entretanto, assim como o governo israelense e parte da imprensa, a CONIB se equivocou ao dizer que Lula usou a palavra Holocausto.

Já outros grupos como o  Coletivo Vozes Judaicas por Libertação, integrado por cerca de 30 pessoas, entre professores, educadores, ativistas e empreendedores judeus, saiu em defesa do presidente Lula, com uma nota pública. “A contradição do povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática”, diz a nota. 

“Enquanto a ONU e diversas organizações internacionais falham em acabar com a ofensiva israelense, é de suma importância a posição e a coragem de líderes internacionais ao denunciarem o genocídio do povo palestino. É nesse contexto que reiteramos nosso apoio ao presidente Lula”, continua o texto. 

O que aconteceu em 7 de outubro?

Na manhã de sábado, 7 de outubro de 2023, milhares de israelenses e estrangeiros estavam em um local no deserto de Negev, no sul de Israel, para o festival de música, conhecido como Nova, que marca o feriado judaico de Sucot (Também conhecida como Festa dos Tabernáculos). Homens fortemente armados do Hamas lançaram centenas de foguetes, romperam a fronteira entre Gaza e Israel e seguiram em direção ao festival que havia durado toda a noite. Os radicais bloquearam quase todas as vias de fuga, encurralando a multidão, ao mesmo tempo que visavam abrigos onde as pessoas se escondiam, matando-as em massa e fazendo de alguns reféns. Segundo autoridades israelenses, 260 pessoas morreram no ataque, e outros foram levados reféns. O evento de música eletrônica, organizado pelo Universo Paralello, contava com três mil pessoas. 

“Os ataques foram um passo necessário e uma resposta normal a todas as conspirações israelenses contra o povo palestino”, disse o Hamas em um comunicado de 16 páginas em inglês e árabe, divulgado no dia seguinte ao ataque, no site oficial do grupo islâmico. 

Imagem: comunicado divulgado pelo Hamas em seu site oficial que no momento está fora do ar. Documentos disponibilizados em árabe e português no site Poder360.

Em 21 de janeiro, o Hamas divulgou mais um comunicado oficial, em inglês e árabe, admitindo que “talvez tenham ocorrido alguns erros durante a operação” devido ao colapso rápido da segurança israelense e do sistema militar, e ao caos nas áreas fronteiriças com Gaza. “Se, em algum caso, civis foram tomados como alvo, ocorreu acidentalmente e no transcurso do enfrentamento com as forças de ocupação”, afirmou o movimento islamita no documento. 

“Muitos israelenses morreram nas mãos do exército israelense e da polícia devido à sua confusão”, acrescentou. O movimento islâmico também exigiu o fim imediato da ação agressiva israelense em Gaza, dos crimes e da limpeza étnica contra toda a população do país e rejeitou todo projeto internacional ou israelense destinado a decidir o futuro da Faixa de Gaza. “Insistimos que o povo palestino tem a capacidade de decidir seu futuro e gerenciar seus assuntos internos”, assinalou.

O Hamas destacou ainda no documento as origens históricas do conflito, afirmando que “a batalha do povo palestino contra a ocupação e o colonialismo não começou em 7 de outubro, mas se iniciou há 105 anos e que pretende responsabilizar legalmente a ocupação israelense pelo sofrimento infligido ao povo palestino.

Como foi destacado pelo Hamas, a atual situação é apenas uma fase de um antigo conflito, que remonta ao período posterior à Segunda Guerra Mundial, e contabiliza muitas mortes e deslocamentos. 

Após o Holocausto, a comunidade internacional, a partir da recém-criada Organização das Nações Unidas, decidiu organizar um Estado para abrigar o povo judeu. Assim, foi constituído, em 1948, o Estado de Israel. Representantes internacionais também defendiam a criação do Estado Palestino, entretanto, a proposta ficou apenas no campo das discussões. 

Após a chegada do Hamas ao poder, em 2007, Israel e Egito impuseram um bloqueio terrestre, aéreo e marítimo sobre a Faixa de Gaza. E, apesar dos pedidos das Nações Unidas e dos grupos de direitos humanos, Israel mantém o bloqueio desde então, o que causou efeitos devastadores para os civis palestinos, que enfrentam severas restrições de movimentação.

Leia mais sobre a história do conflito na Faixa de Gaza na segunda parte desta reportagem que será publicada em breve. 

De vítima a vilão

O direito de defesa de Israel passou a ser questionado internacionalmente, especialmente pela ONU, com a intensificação dos ataques que atingem civis, escolas e hospitais com alto número de mortes, em especial de crianças. Avalia-se que Israel está cometendo crimes de guerra em Gaza, por conta das inúmeras perdas contabilizadas entre a população civil. 

Quase dois milhões de pessoas – a maior parte da população do território – deixaram suas casas na Faixa de Gaza desde o início da ofensiva militar, em 7 de outubro. Segundo autoridades das Nações Unidas, o território “se tornou simplesmente inabitável”. A escalada de violência do conflito passou a atingir hospitais, escolas e abrigos de refugiados em Gaza, ferindo e matando os civis mais vulneráveis, entre mulheres e crianças. 

O embaixador palestino na ONU Riyad Mansour denunciou Israel no Conselho de Segurança, acusando-os de buscar o “deslocamento forçado de nosso povo ao tornar Gaza inabitável”.

A filósofa estadunidense de origem judaica. Judith Butler classificou o ataque do Hamas a Israel como uma revolta e uma “resistência armada”. “Podemos ter pontos de vista diferentes sobre o Hamas como partido político, mas acho que é mais honesto e historicamente correto dizer que o levante de 07 de outubro foi um ato de resistência armada. Não um ato terrorista”, afirmou Butler. 

Mais conhecida no Brasil por seus estudos sobre gênero, Butler é referência também em questões de ética, poder e política. Para ela, não foi um ato antissemita, foi um ataque contra israelenses. “Eu não gostei desse ataque, eu fui a público dizer isso, e tive problemas por dizer isso, foi angustiante para mim, foi terrível. No entanto, eu seria muito tola se eu decidisse que a única violência na cena, foi a violência feita ao povo israelense. A violência contra palestinos acontece há décadas. Esta foi uma revolta que vem de um estado de subjugação, e contra um aparato estatal violento”. A declaração foi feita no espaço associativo do Relais de Panti, em Paris, na França. 

Imagem: reprodução do Instagram

De acordo com o professor de Teologia e doutorando em Filosofia pela PUCSP Wallace Góis o discurso do governo Israelense de vitimização causa um temor na população de seu país de que há um novo holocausto em andamento. “Muito se fala em antissemitismo, o medo de que vai haver uma nova situação crítica envolvendo os judeus por razões raciais. É a mesma estratégia usada pela extrema direita no Brasil com o fantasma do comunismo, claro guardadas as devidas proporções, não se trata da mesma coisa”, explica o professor, comparando as estratégias e não os fatos, em entrevista ao Bereia

O professor cita o documentário Difamação (2009), do cineasta Yoav Shamir, que examina se o antissemitismo se tornou um rótulo abrangente para qualquer um que critique Israel. “Eles estão se organizando para denunciar o antissemitismo com números bastante absurdos e a partir disso mobilizar a opinião pública, políticos, imprensa à favor de Israel. No próprio documentário alguns deles confessam que muitas vezes exageram no uso dessas informações com discurso de perseguição o governo Netanyahu tem feito isso”.

A questão de um estado Palestino constituído é levantada pelo professor. Para ele, as ações na Faixa de Gaza tem o propósito de expansão territorial e não vingativa. “Durante os últimos anos o governo de Israel tem feito muitas provocações ao povo palestino, as expansões dos assentamentos seguiram firmes, operações com bombas na Esplanada das Mesquitas, desrespeitando simbolos religiosos, eles não conseguem viver um clima de normalidade, há sempre um risco contra a população Palestina”, conta.

Góis integra a coordenação brasileira do Programa de Acompanhamento Ecumênico na Palestina e Israel, do Conselho Mundial de Igrejas, e viveu por quatro meses, de julho a outubro de 2015, na região. “Israel já está se tornando um país um pouco mais isolado do que antes. O apoio inicial que foi dado pela comoção (em torno do ataque de 7 de outubro), e toda a propaganda que foi feita da vitimização de Israel por causa disso, já começou a esfriar e a sociedade começou a perceber que tem muitos limites a serem analisados antes de apoiar Israel”. 

Para o professor que é cristão anglicano e leciona Teologia em cursos de tradição batista, metodista e pentecostal, o mundo acompanha atônito o massacre da população Palestina com a justificativa de que se pretende  desmantelar o Hamas. “Entretanto, esse ‘Hamas’, com muitas aspas, já passa de 30 mil pessoas da sociedade civil que foram mortas. As estruturas do Hamas estão sendo destruídas e junto com elas toda a sociedade Palestina, que já tinha uma situação bastante crítica”, lamenta. 

Wallace Góis ressalta ainda que há interesses escusos por trás da ofensiva israelense. “O presidente Benjamin Netanyahu pediu para que os palestinos deixassem Gaza antes de bombardeá-la, para muitos um sinal de compaixão, mas será mesmo? Com a terra vazia, fica mais fácil a ocupação. Já tem, por exemplo, empresa israelense de construção fazendo, digamos assim, projetos computadorizados de pequenos loteamentos de casas, com a frase ‘Morar na praia não é mais só um sonho’”. 

Além da indústria imobiliária, o professor denuncia outro setor interessado nas terras palestinas. “A indústria de combustível também quer explorar essa região, porque já se sabe que tem bastante gás e petróleo lá, algo na ordem dos bilhões que vão aos poucos se somando ao motivo do porquê Israel está fazendo o que faz”, constata o professor.

Até mesmo o sólido apoio dos EUA está dando sinais de desgaste diante das atrocidades em Gaza. Para o presidente dos Estados Unidos Joe Biden, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está “prejudicando mais do que ajudando” Israel com a postura na Faixa de Gaza. A declaração foi feita durante uma entrevista à emissora de TV MSNBC, no dia 9 de março. 

“Ele tem o direito de defender Israel, o direito de continuar perseguindo o Hamas, mas ele precisa prestar mais atenção às vidas inocentes que estão sendo perdidas como consequência das ações tomadas”, disse

Apesar da afirmação, Biden disse que não vai deixar Israel e afirmou que não pretende cortar o fornecimento de armas ao país.

Imagem: reprodução do site BBC Brasil

Como está Gaza hoje?

O Comissário Geral da UNRWA Philippe Lazzarini, em discurso na sede da ONU, em Nova York, em 4 de março, denunciou os horrores aos quais o povo palestino está passando diante dos ataques israelenses na Faixa de Gaza, que já duram cinco meses incessantes.  

Lazzarini pediu em discurso que o Estado de Israel tome todas as medidas ao seu alcance para impedir a prática de atos no âmbito do Artigo II da Convenção sobre Genocídio, o que inclui permitir a prestação de serviços básicos e assistência humanitária urgentemente necessários.

“Em um período de apenas cinco meses foram mortas mais crianças, jornalistas, profissionais de saúde e funcionários das Nações Unidas do que em qualquer outro lugar do mundo durante um conflito. O número de mortos em Gaza é impressionante. Mais de 30 mil palestinos teriam sido mortos em apenas 150 dias”, disse o comissário e continuou denunciando os excessos do conflito em Gaza.

“É impossível descrever adequadamente o sofrimento em Gaza. 5% da população está morta, ferida ou desaparecida. Os médicos estão amputando crianças feridas sem anestesia, a fome está em toda parte. Mais de 100 pessoas foram mortas há poucos dias enquanto procuravam desesperadamente por comida”, falou Lazzarini se referindo ao ocorrido em 29 de fevereiro, durante uma distribuição de comida e ajuda humanitária na Faixa de Gaza. De acordo com o governo palestino, os soldados israelenses, que intermediavam a distribuição, abriram fogo contra a população. Em nota, as Forças Armadas de Israel disseram apenas que houve “empurrões e correria”, com mortos e feridos.

O duro discurso do comissário geral da agência da ONU levantou questões que o governo Israelense não dá sinais de que pretende responder, ou levar em consideração. “Qual é o destino de cerca de 300 mil habitantes de Gaza isolados no norte, sem acesso ao abastecimento humanitário? Quantas pessoas permanecem soterradas sob os escombros em toda a Faixa de Gaza? O que acontecerá às cerca de 17.000 crianças que estão órfãs, abandonadas num lugar cada vez mais ilegal e perigoso?, indagou. 

Lazzarini denuncia ainda que, apesar de todo esse horror passado, a gana do governo sionista sobre a Faixa de Gaza não está perto de acabar. “O pior ainda pode estar por vir. Parece que um ataque a Rafah, onde se concentram cerca de 1,4 milhões de pessoas deslocadas, é iminente. Não há lugar seguro para eles irem”. 

O ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 matou 1.200 pessoas, e fez 253 reféns, segundo cálculos israelenses. Desde então, a campanha militar de Israel matou mais de 30 mil palestinos e feriu quase 73 mil, segundo as autoridades de saúde de Gaza, até o fechamento da matéria.

Apesar da pressão internacional, Israel nega a possibilidade de encerrar os bombardeios na Faixa de Gaza e condiciona um cessar-fogo à libertação de todos os reféns pelo Hamas. 

As equipes humanitárias da ONU alertam que 160 crianças estão sendo mortas todos os dias em Gaza. O que representa uma morte a cada 10 minutos. Em 4 meses de guerra, de outubro de 2023 a fevereiro de 2024, O número de crianças mortas na Faixa de Gaza superou o total de crianças mortas em todas as guerras no mundo durante 4 anos, de 2019 a 2022.  Os quatro primeiros meses do conflito em Gaza tirou a vida de 12.300 crianças, equanto todas as guerras combinadas de 2019 a 2022 mataram 12.193 crianças, Se acrescentarmos as mortes computadas em março, o número de crianças palestinas mortas ultrapassou os 13 mil, de acordo com o Ministério de Saúde palestino.  

 Israel sofre pressão de diversos países do mundo para suspender as ações militares na região. Além disso, O governo israelense responde na Corte Internacional de Justiça (CIJ), pela acusação de genocídio em Gaza. Apresentado pela África do Sul, a denúncia foi endossada pelo Brasil. 

Israel nega as acusações de genocídio, diz que respeita a lei humanitária internacional e promete continuar as ações militares até destruir totalmente as capacidades militares do grupo Hamas.

Imagem: reprodução do site BBC Brasil

Reféns

O Hamas ainda mantém cerca de 130 reféns capturados no levante de 7 de outubro, segundo o governo de Israel. Em Tel Aviv, centro financeiro do país, milhares de pessoas, entre familiares das vítimas, de soldados mortos e israelenses inconformados com a reação do governo Netanyahu, saíram às ruas no dia 9 de março para protestar contra o governo e pressioná-lo a firmar um acordo com o grupo extremista. As negociações por um cessar-fogo, que prevê a troca de reféns por prisioneiros palestinos. 

A ONU divulgou no dia 11 de março, um relatório que apontou que os reféns mantidos em Gaza foram submetidos à violência sexual. A representante especial da ONU sobre Violência Sexual em Conflitos Pramila Patten e uma equipe de especialistas encontraram “informações claras e convincentes” de estupro e tortura sexualizada cometida contra reféns capturados durante os ataques do Hamas.

 A missão realizou 33 reuniões com representantes israelenses, examinando mais de 5 mil imagens fotográficas e 50 horas de filmagens em vídeo. Foram realizadas 34 entrevistas confidenciais, inclusive com sobreviventes e testemunhas dos ataques de 7 de outubro, reféns libertados, socorristas e outros. O relatório afirma que as autoridades israelenses enfrentaram vários desafios na coleta de dados.

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Foto de capa: Freepik

Editor da Casa Publicadora Brasileira compartilha fake news sobre Hamas em postura política pró-Israel

Publicado originalmente na Revista Zelota

Essa é uma das muita informações, explícitas ou veladas, que o editor da Casa Publicadora Brasileira veicula no contexto de genocídio palestino em desobediência à postura apolítica oficial da Igreja Adventista do Sétimo Dia

No início de novembro do ano passado, em sua conta no X, Michelson Borges afirmou que “em Israel, terroristas mataram um pai e estupraram uma mãe, enquanto assavam um bebê no forno”. Ele também afirmou, no mesmo post, que “imagens dessas atrocidades foram exibidas para jornalistas nos EUA e no Brasil”. Tal informação é seguida de outra sobre uma menina encontrada com as mãos decepadas, a fim de concluir a máxima adventista de que “Jesus precisa voltar logo” para que Deus possa finalmente punir todos aqueles que perderam seu “traço de humanidade” e pretendem ir ao paraíso para “encontrar suas virgens” — uma referência à religião muçulmana. 

Imagem: reprodução do X

Ao veicular essa notícia, o editor da Casa Publicadora Brasileira (CPB) se alinha ao comportamento de outros jornalistas, como Dovid Efune e John Podhoretz, ambos conhecidos por sua agenda aliada à direita política e declarações pró-Israel. Eles foram os primeiros a, indiscriminadamente, popularizar a informação de que o Hamas cozinhou um bebê em um forno durante os ataques de 7 de outubro contra Israel. Em sua conta no X, o jornalista adventista também soma à notícia outros relatos sórdidos associados ao evento, de que o Hamas teria assassinado o pai, estuprado a mãe três vezes seguidas e, inclusive, registrado em vídeo suas ações. 

A princípio, a notícia de que um bebê foi assado no forno veio à tona por Eli Beer, presidente e fundador do United Hatzalah, na Cúpula Anual de Liderança da Coalizão Judaica Republicana (RJC), no sábado, 28 de outubro de 2023, em Las Vegas. Na ocasião, Beer afirmou: “Um bebezinho no forno. Esses bastardos colocaram bebês no forno”, atribuindo a informação a um conjunto de atrocidades que o Hamas teria cometido no dia 7 de outubro. Este seria um entre outros relatos entregues a ele pela equipe de socorristas do Hatzalah; entre eles, Asher Moskowitz, vice-diretor da filial United Hatzalah em Elad. Em um vídeo, gravado pelo Hatzalah, Asher afirmou ter, pessoalmente, carregado o corpo da criança queimada quatro dias após o ataque, enquanto coletava corpos na base militar de Shura. Em suas palavras, “eles pegaram o bebê e o colocaram literalmente no forno da cozinha”.

Mas o resumo dos fatos desvelam um cenário muito menos preciso: relata-se que o corpo da criança foi encontrado, entre outros, em uma sacola, duro, queimado, inchado e com “marcas de forno” na região do estômago. Ele foi transportado do Kibbutz Kfar Aza por um caminhão até a base militar de Shura, que recebia os corpos das vítimas para identificá-los. Em entrevista ao The Jerusalem Post, Moskowitz afirmou que a maioria dos corpos de Kfar Aza estavam queimados, mas as marcas na barriga do bebê causaram estranheza por conta de sua forma peculiar. Por um momento, Moskowitz deixou o corpo de lado, quando foi abordado por um “patologista ou médico” com um uniforme do exército israelense, dizendo que, pelos sinais do corpo, o bebê teria sido colocado vivo em um forno.

Mas além da interpretação de Moskowitz, baseada na fala do israelense uniformizado, não há qualquer evidência sobre a narrativa do ocorrido além de especulações. De fato — como afirmou o jornalista adventista — a fim de documentar os atos do Hamas no dia 7 de outubro, o governo israelense apresentou uma compilação (em 48 minutos) de imagens bárbaras sobre o incidente numa exibição privada a dezenas de jornalistas numa base militar em Tel Aviv. Contudo, ainda que violento, o vídeo não apresentou nenhuma evidência de práticas semelhantes à relatada por Moskowitz. O vídeo, embora visualizado por muitos outros jornalistas posteriormente, não está disponível ao público, tornando-se objeto de especulações e notícias falsas a seu respeito, como o caso do bebê queimado.

Além disso, dois jornalistas que investigaram o caso, Chaim Levinson, do Ha’aretz, e Yishai Cohen, do Kikar Hashabbat, não encontraram nenhuma informação sobre o “bebê assado” após checá-la com as Forças de Defesa de Israel (IDF), representantes da base de Shura e voluntários do Zakah. Eles não foram os únicos jornalistas a visitar a área, verificar as informações in loco e negar a veracidade do ocorrido. Em sua defesa, Eli Beer disse que os voluntários que coletavam os corpos são ortodoxos demais para registrar algo em vídeo; e que o número de vítimas é muito grande, sendo impossível a qualquer um ter conhecimento de todos os mortos.

Ainda assim, para os que pretendem manter a narrativa, até o momento, pode-se apenas defender que, como muitas das mortes em Kfar Aza, a família morreu em sua casa incendiada. Após a polêmica, o próprio Eli Beer afirmou à The New York Sun e à Jewish Telegraph Agency (JTA) — com muito menos confiança — que a informação ainda é imprecisa e está rodeada de hipóteses. Ele supôs que o bebê também poderia ter sido escondido no forno por seus pais, e posteriormente carbonizado por conta do incêndio — já que muitas mães, em ocasiões semelhantes, costumam esconder seus filhos em armários, máquinas de lavar e geladeiras. Em ocasião anterior ao seu primeiro relato — que causou a comoção inicial — Eli Beer já havia confessado que o objetivo de seu relatório era obter apoio dos EUA.

A informação falsa compartilhada por Michelson Borges em suas redes sociais, é apenas uma das outras de seus conteúdos ideológicos — em especial, neste momento, pró-israelenses. A pressa do jornalista em afirmar seu posicionamento político durante a guerra fala mais alto que a ética jornalística, que deveria se comprometer com a verdade, ou no mínimo com a precisão ao relatar os fatos. Ao espalhar a fake news, como diria o ditado, Michelson “joga fora a água do banho com o bebê junto” — com a exceção, neste caso, de que o bebê foi lançado ao forno para ser queimado. Essa é uma evidência de que seus leitores precisam desconfiar de seu conteúdo, e principalmente de sua imparcialidade como jornalista, reconhecendo seu evidente posicionamento político em tempos de guerra.

https://x.com/criacionismo/status/1759410214896283669?s=46&t=sArJDxjZ5vHRbCsKhoSeKw As fake news são umas das muitas narrativas fabricadas por ideólogos pró-Israel a fim de vitimizar o governo israelense e alimentar o ódio das massas contra os palestinos. Por óbvio, não basta apenas afirmar que o Hamas é violento, já que o exército de Israel pratica um apartheid genocida desde 1947 contra os palestinos[1] — fato que toma cada vez mais reconhecimento midiático nos últimos dias. Para ideólogos como Michelson Borges, o peso da balança precisa ser acentuado em prol de Israel e, para tanto, a resistência palestina precisa ser caracterizada como “cruel”, “demoníaca” ou “satânica”, para que o público consiga preferir uma violência à outra.


[1] Veja PAPPE, Ilan. The Ethnic Cleansing of Palestine. 2. ed. Oxford: OneWorld Publications, 2007.

Foto de capa: Mohammed Abubakr/Pexels

Relação do Brasil com agências da ONU é alvo de desinformação nas redes

Publicações relativas a doações do governo brasileiro a agências da Organização das Nações Unidas (ONU) tomaram as redes digitais nas últimas semanas. O portal de notícias gospel Pleno News divulgou medida jurídica adotada pelo Partido Novo, contra Lula, por doação que o presidente da República teria feito a agência internacional, em matéria intitulada ‘Novo abre queixa-crime contra Lula por doação a agência da ONU’.

Imagem: reprodução Pleno News

O deputado federal evangélico Helio Lopes (PL-RJ) também publicou, em seu perfil no X, imagem da matéria do portal Terra Brasil Notícias, com o título ‘Doação milionária do Brasil à Agência da ONU é entregue por Janja’. Em tom alarmante, o parlamentar usou a expressão “absurdo” e apelou à religiosidade de seus seguidores ao escrever: “Você cristão que votou na esquerda está arrependido?”. Bereia checou os fatos e se há desinformação nas afirmações disseminadas.

Imagem: reprodução X

Doação do governo brasileiro ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)

O governo brasileiro doou, em 17 de fevereiro, por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), 65 purificadores de água e 18 toneladas de alimentos, dos quais quatro toneladas de arroz parboilizado orgânico e quatro toneladas de leite em pó foram produzidos e doados pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a Agência da ONU para Refugiados, na Etiópia. A publicação do deputado federal Helio Lopes (Pl-RJ) fala em “doação milionária”, mas, por se tratar de uma doação humanitária de alimentos e purificadores de água, o valor da doação não foi divulgado em valores monetários.

A cerimônia de doação ocorreu em Adis Abeba, por ocasião da visita de Estado do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ao país africano e da participação do líder do governo brasileiro na 37ª Cúpula da União Africana. A entrega simbólica das doações foi feita pela primeira-dama Rosângela Lula da Silva, Janja.

Imagem: reprodução ACNUR

As doações foram feitas em apoio aos 385 mil refugiados da região de Gambela, na Etiópia, oriundos principalmente do Sudão do Sul, que vive uma guerra civil de terríveis consequências para a população desde 2019. Segundo a agência, “a doação realizada pelo Governo do Brasil é feita em um momento crucial” e “na Etiópia, foram observados um contexto de insegurança alimentar e surtos de doenças transmissíveis atribuíveis ao abastecimento de água inseguro”.

O ACNUR é uma organização presente em 135 países, com o objetivo de garantir a pessoas refugiadas, deslocadas internas e apátridas, segurança e apoio para reconstruir suas vidas. No Brasil, a Agência da ONU para Refugiados atua junto ao Comitê Nacional para Refugiados (Conare), em apoio principalmente a pessoas refugiadas do Afeganistão, Venezuela, Colômbia e Haiti.

Anúncio de doação à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (Unrwa)

Em discurso na Liga dos Estados Árabes, em 15 de fevereiro último, o presidente Lula informou que o Brasil fará novos aportes financeiros à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (Unrwa). Sem especificar o montante a ser doado, Lula criticou a suspensão do financiamento anunciada por alguns países em resposta à denúncia israelense contra funcionários da agência.

Dez países – Estados Unidos, Canadá, Austrália, Itália, Reino Unido, Finlândia, Países Baixos, Alemanha, Japão e Áustria – anunciaram a suspensão do apoio financeiro à Unrwa, em resposta à denúncia israelense de que 12 funcionários da agência estariam envolvidos com os ataques de 7 de outubro de 2023, perpetrados pelo Hamas no território israelense.

Criada em 1949, a Unrwa tem mandato para fornecer assistência humanitária aos refugiados palestinos registrados na área de atuação da agência (Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Líbano e Síria). As atividades humanitárias incluem serviços de educação, assistência médica, serviço social, infraestrutura, entre outros. Apenas em Gaza, a agência conta com cerca de 13 mil funcionários. 

Imagem: reprodução Agência Brasil

A Organização das Nações Unidas (ONU) rescindiu, de imediato, o contrato com dez funcionários acusados. Outros dois foram confirmados como mortos. Ao mesmo tempo, o Secretário-Geral da ONU António Guterres deu início a uma investigação por parte do Escritório de Serviços de Supervisão Interna (Essi), para apurar o suposto envolvimento de funcionários da organização com o Hamas.

O Secretário-Geral da ONU António Guterres destacou, em recente coletiva à imprensa, que a Unrwa tem, em Gaza, três mil funcionários dedicados à ajuda de emergência, trabalho que consiste no principal foco de ajuda humanitária neste momento de crise.

O anúncio brasileiro de continuidade dos repasses acompanha o posicionamento de países como Noruega e Espanha. O Ministro das Relações Exteriores da Noruega Espen Barth Eide, em entrevista à rede japonesa NHK, reconheceu que as acusações israelenses são sérias e exigem investigação, mas afirmou que a interrupção do financiamento à agência seria uma punição coletiva ao povo palestino. Em posição semelhante, Lula afirmou que as denúncias precisam ser investigadas, mas que a agência deve continuar funcionando. “Basta de punição coletiva”, disse.

Repercussão das ações humanitárias do governo do Brasil no meio religioso

O site gospel Pleno News deu destaque à queixa-crime apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo Partido Novo contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em resposta ao anúncio de doações brasileiras à Unrwa. O Novo alega que, ao anunciar doação à Unrwa, Lula cometeu o crime de terrorismo. A manchete veiculada pelo site Pleno News faz parecer que a doação já ocorreu, o que não é verdade.

O deputado federal cristão Carlos Jordy (PL-RJ) publicou, em seu perfil no X, críticas ao anúncio de futuras doações à Unrwa. Jordy diz que a agência da ONU “funciona de fachada para o Hamas” e que Lula “não tem pudor algum em estreitar laços com o terrorismo e desrespeitar Israel e o povo judeu”. O texto foi reproduzido por diversos perfis autodeclarados conservadores e religiosos. O Hamas é considerado um grupo terrorista por alguns países e não por outros, portanto, não há consenso na comunidade internacional. O Brasil segue a classificação das Nações Unidas, que não considera o grupo terrorista.

Imagem: reprodução X

O deputado federal Helio Lopes (PL-RJ) declarou “absurda” e “milionária” a doação humanitária do Brasil à Acnur na Etiópia. Em publicação no X, Lopes e outros perfis conservadores e religiosos repercutiram matéria produzida pelo site Terra Brasil Notícias, que já promoveu desinformação sobre o caso das joias ligadas a Jair Bolsonaro e sobre dados econômicos brasileiros, entre outros temas.

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Bereia classifica as publicações como enganosas, pois os títulos foram estruturados com o intuito de confundir, ao provocar uma associação de doação financeira feita pelo governo brasileiro a uma mesma agência da Organização das Nações Unidas (ONU). 

Os conteúdos foram elaborados a partir de substância verdadeira, como a doação de itens feita pelo governo brasileiro à Etiópia, a declaração de Lula sobre doação à agência da ONU e a apresentação da queixa-crime contra o presidente da República, pelo Partido Novo. No entanto, ao divulgar a medida adotada pelo Novo com relação a uma doação, o título da matéria do portal Pleno News omite a informação de que, na verdade, houve apenas uma promessa de doação.

Ao passo que a notícia publicada pelo portal Terra Brasil Notícias, e compartilhada pelo deputado federal Helio Lopes (PL-RJ), desinforma ao empregar a palavra milionária para categorizar a doação dos itens como financeira, uma vez que vários deles foram produzidos e doados pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST). O parlamentar complementou a publicação em seu perfil no X com sensacionalismo, ao lançar mão de apelo ao desperdício de dinheiro público e apelo moral, com questionamentos acerca de valores ligados à religiosidade. Tais afirmações negam a prática da diplomacia internacional que inclui ações humanitárias a povos e grupos humanos em situações-limite.

Já o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), foi taxativo ao relacionar agência da ONU, que pode receber doações a grupos humanos que delas carecem, ao movimento islâmico palestino Hamas, considerado por alguns grupos como grupo terrorista, sem que haja comprovação destas alegações. Em sua declaração, Jordy radicaliza e associa o discurso de Lula a um apoio ao terrorismo e acusa o líder político de desrespeitar a nação de Israel e o povo judeu, como estratégia para amplificar a oposição da esquerda brasileira ao sionismo cristão.

Juntas, as publicações funcionaram como voz única nas redes digitais, levando leitores à ideia enganosa de que o governo brasileiro errou ao promover doação a agências internacionais. O conjunto das publicações associou a doação ao Acnur e o anúncio de doação à Unrwa a gasto público e associação a práticas terroristas, o que não se verifica.

Referências de checagem:

ACNUR. https://www.acnur.org/portugues/2024/02/17/brasil-fornece-18-toneladas-em-doacao-de-alimentos-e-purificadores-de-agua-ao-acnur-para-milhares-de-refugiados-afetados-pela-inseguranca-alimentar-na-etiopia/ Acesso em: 19 fev 2024

GOV.BR. https://www.gov.br/abc/pt-br/assuntos/noticias/brasil-doa-alimentos-para-refugiados-da-etiopia Acesso em: 21 fev 2024

UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2024/02/17/novo-apresenta-noticia-crime-contra-lula-na-pgr-por-discurso-que-prometeu-mais-doacoes-a-unrwa.htm#:~:text=O%20Partido%20Novo%20apresentou%20uma,no%20Oriente%20Pr%C3%B3ximo%20(UNRWA). Acesso em: 21 fev 2024

CNN.

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/lula-anuncia-aporte-brasileiro-para-unrwa-e-defende-estado-palestino-soberano/ Acesso em: 21 fev 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/pelo-menos-metade-dos-principais-doadores-da-unrwa-suspendem-financiamento/ Acesso em: 21 fev 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/israel-pede-que-agencia-da-onu-em-gaza-faca-investigacao-interna-urgente/ Acesso em: 21 fev 2024

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/o-que-sabemos-sobre-as-alegacoes-de-israel-contra-funcionarios-da-onu-em-gaza/ Acesso em: 21 fev 2024

Euro News. https://pt.euronews.com/2024/01/29/dez-paises-suspendem-ajuda-a-agencia-da-onu-para-refugiados-palestinianos Acesso em: 21 fev 2024

Unrwa.

https://www.unrwa.org/newsroom/official-statements/allegations-against-unrwa-staff Acesso em: 21 fev 2024

https://www.unrwa.org/who-we-are Acesso em: 21 fev 2024

NHK. https://www3.nhk.or.jp/nhkworld/pt/news/20240213_19/#:~:text=Em%201993%2C%20a%20Noruega%20intermediou,outros%20terem%20suspendido%20seu%20financiamento. Acesso em: 21 fev 2024

YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=9b8Zdi1AZFI&ab_channel=ONUNews Acesso em: 21 fev 2024

Oios. https://oios.un.org/about-us Acesso em: 21 fev 2024

Nações Unidas. https://brasil.un.org/pt-br/249138-onu-em-gaza-5-fatos Acesso em: 21 fev 2024

Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-02/brasil-enviara-novos-recursos-agencia-da-onu-para-ajudar-palestinos Acesso em: 22 fev 2024

Perfis religiosos e políticos mantêm postagens enganosas associando governo federal ao partido palestino Hamas e ao terrorismo

No contexto das amplas discussões em torno do conflito bélico entre a ala armada do partido palestino Hamas e o governo de Israel, iniciado em 7 de outubro, postagens que atrelam o partido extremista ao governo federal do Brasil seguem circulando amplamente nas mídias digitais da extrema direita. O conteúdo, divulgado já no 7 de outubro, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, relaciona o Hamas , que é classificado, por alguns países, como “terrorista”, ao presidente da República Luis Inácio Lula da Silva (PT).

Imagem: reprodução do X

Além de Bolsonaro, outros políticos e veículos de comunicação de extrema-direita têm gerado engajamento nas redes sociais digitais associando o presidente Lula, seu governo e o Partido dos Trabalhadores ao Hamas. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, realizada entre os dias 7 e 10 de outubro, que analisou cerca de 800 mil posts do debate sobre o conflito bélico no X/Twitter, no Facebook e no Instagram, houve uma intensificação, naquela primeira semana do conflito, do protagonismo da extrema direita.

 Na avaliação dos pesquisadores, isto ocorreu com a tentativa de  transformar o debate a respeito do complexo conflito Israel x Hamas em polarização Lula x Bolsonaro, gerando grande engajamento nas redes digitais extremistas no Brasil, sobretudo entre grupos evangélicos ultraconservadores alinhados à ala política extremista.

Foi neste contexto, de guerra de discursos que o ex-presidente publicou em sua página do X/Twitter  sobre uma suposta aproximação ideológica ou preferência política do presidente brasileiro pelo Hamas, e vice-versa, em detrimento de Israel.

Na postagem, Bolsonaro cita o ataque do Hamas a Israel e afirma: “[…] grupo terrorista que parabenizou Luiz Inácio Lula da Silva quando o TSE o anunciou vencedor das eleições de 2022”. Esta publicação teve dezenas de milhares de curtidas e milhares de republicações. Os deputados do PL, de identidade religiosa cristã, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreia (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ) foram uns dos primeiros a compartilhar a publicação, o que foi amplamente praticado por outras pessoas e veículos de comunicação da extrema-direita, como a deputada católica Bia Kics e a mídia Jornal da Cidade Online.

Imagem: reprodução do X

Imagem: Reprodução da página do Jornal da Cidade

O portal evangélico, o Pleno News, repercutiu a publicação, em matéria sob título   “Bolsonaro expressa apoio a Israel e cita: Hamas parabenizou Lula”.

Imagem: Reprodução da página do Pleno News

Outros veículos alinhados à extrema-direita seguiram a mesma linha, como Gazeta do Povo, Diário do Poder, o R7 Notícias, O Antagonista e no YouTube, a Jovem Pan e a Revista Oeste, entre outros. 

Imagem: Reprodução da página da Jovem Pan

A grande imprensa também fez matérias dando destaque à fala de Bolsonaro. O jornal O GLOBO publicou matéria com título: Bolsonaro ataca Lula ao repudiar ofensiva do Hamas contra Israel

“Ex-presidente afirmou que grupo palestino parabenizou Lula pela vitória nas eleições do ano passado”. E o Estadão também publicou matéria com título: “Bolsonaro repudia conflitos em Israel e destaca que Hamas parabenizou Lula logo após as eleições”.

Imagem: Reprodução do site do jornal O Globo

A jornalista da Folha de S. Paulo Mônica Bergamo publicou matéria sob o título, “Grupos embarcam em conspiração que associa Lula ao Hamas”. Ela descreve o que parece ser um movimento organizado, de diversos grupos de oposição ao governo federal, de associar o presidente Lula ao Hamas de forma negativa.

Já a diretora de Monitoramento do Instituto Democracia em Xeque e pesquisadora do grupo de Comunicação, Internet e Política da PUC-RJ Letícia Capone, comentou em matéria da revista Veja, os números da pesquisa que realizou sobre o tema: “A extrema-direita vem usando como narrativa relacionada ao conflito a associação de Lula e da esquerda ao Hamas”.

O Hamas parabenizou Lula pela vitória?

Matéria publicada pelo site Último Segundo.IG  apurou ser verdadeira afirmação feita por Bolsonaro de que o Hamas parabenizou Lula pela vitória das eleições no Brasil em 2022. De acordo com o site, “Apesar do longo histórico de mentiras e distorções de fatos do ex-mandatário, a afirmação é verdadeira. Em 31 de outubro de 2022, o site oficial do Hamas, que neste momento está fora do ar, publicou uma nota congratulando Lula pela vitória contra Bolsonaro nas urnas”.

Conforme a matéria do Último Segundo.IG, o líder político do Hamas Basem Naim foi o autor do texto que parabenizou o presidente vencedor das eleições no Brasil em 2022. Na ocasião, Naim disse que a eleição de Lula “foi uma vitória para todos os povos oprimidos em todo o mundo, particularmente para o povo palestino”, e concluiu: “Lula é conhecido pelo seu apoio forte e contínuo aos palestinos em todos os fóruns internacionais”.

Imagem: Reprodução do Último segundo

O que a matéria do IG deixa de explicar aos leitores e leitoras é que a manifestação do Hamas sobre a eleição de Lula, em 2022, se deu dentro de um contexto de congratulações de várias autoridades políticas internacionais, entre chefes de Estado e líderes partidários.

Hamas, um partido político

O Hamas, apesar da classificação de “terrorista”, por alguns países (Estados Unidos, Israel, Japão, Austrália e os que compõem  a União Europeia), é um partido da Palestina. Já o Brasil e nações como Grã Bretanha, China, Rússia, Turquia, Irã e Noruega não adotam essa classificação. Historicamente, o governo brasileiro só aceita classificar uma organização como sendo terrorista se ela for considerada assim pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Desta forma, o Hamas segue atuando como partido em suas relações na Palestina e com outros países.

Criado em 1987, o Hamas (uma sigla para Ḥarakah al-Muqawamah al-‘Islamiyyah, que significa Movimento de Resistência Islâmica) tinha, inicialmente, o duplo propósito de implementar uma luta armada contra Israel – Estado que o grupo não reconhece – liderada por sua ala militar, as Brigadas Izzedine al-Qassam, e de oferecer programas de bem-estar social aos palestinos.

O Fatah é o outro partido, o mais antigo, fundado em 1959. Diferentemente do Hamas, o Fatah reconhece o Estado de Israel e atua pelo estabelecimento dos dois Estados.

Já a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que dirige a outra região palestina, a Cisjordânia, foi formada em 1994, nos termos dos Acordos de Oslo entre a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e o governo de Israel. Esta tem um caráter diplomático mais oficial por conta deste status.

Há outros grupos políticos palestinos com a Organização para Libertação da Palestina (OLP), criada em 1964, presidida pelo líder do Fatah. Todos estes grupos têm conflitos entre si diante dos propósitos e estratégias de ação mas têm em comum a luta pelo estabelecimento do Estado Palestino, não concretizado desde 1948, quando da determinação da criação do Estado de Israel.

“Doação de R$ 25 milhões ao Hamas” também é usada para acusação ao governo

Bereia verificou outro conteúdo que circula, durante o atual conflito bélico Hamas-Israel, que também associa o Hamas ao governo federal. Refere-se ao presidente Lula ter doado R$ 25 milhões ao partido palestino, em 2010, quando no segundo mandato da Presidência.

Nota publicada pelo site do Governo Federal em 9 de outubro passado, desmentiu a desinformação e pontuou que o governo brasileiro fez uma doação à Autoridade Nacional Palestina (ANP), com aprovação do Congresso Nacional no ano de 2009. O repasse foi realizado em 2010, durante o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A doação fez parte de um esforço global movido pela ONU para a reconstrução da Faixa de Gaza. O Hamas não integrou a iniciativa e nem recebeu recursos do fundo formado. A doação foi destinada à ANP, controlada pela Fatah, partido que faz oposição ao Hamas na Palestina”, informa a nota do Governo.

A posição do governo brasileiro sobre o conflito

Logo após o ataque do Hamas a Israel, em 7 de outubro passado, o governo brasileiro divulgou nota condenando os bombardeios e ataques terrestres a partir da Faixa de Gaza, e lamenta a morte dos primeiros 20 cidadãos israelenses e os mais de 500 feridos. Na nota o governo expressou condolências aos familiares das vítimas e manifestou sua solidariedade ao povo de Israel.

“Ao reiterar que não há justificativa para o recurso à violência, sobretudo contra civis, o governo brasileiro exorta todas as partes a exercerem máxima contenção a fim de evitar a escalada da situação. Não há, até o momento, notícia de vítimas entre a comunidade brasileira em Israel e na Palestina”, disse a nota do governo brasileiro, na qual também o governo lamentou que “em 2023, ano do 30º aniversário dos Acordos de Paz de Oslo, se observe deterioração grave e  crescente da situação securitária entre Israel e Palestina”.

O governo federal afirmou ainda, que, como Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil convocaria uma reunião de emergência do órgão. “O governo brasileiro reitera seu compromisso com a solução de dois Estados, com Palestina e Israel convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas. Reafirma, ainda, que a mera gestão do conflito não constitui alternativa viável para o encaminhamento da questão israel-palestina, sendo urgente a retomada das negociações de paz”, finalizou a nota.

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Bereia classifica que o conteúdo inicialmente divulgado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, seguidores e outras lideranças políticas e religiosas, com repercussão em veículos de notícias, que ainda circula em espaços digitais religiosos, como enganoso.

Embora ofereça um elemento de substância verdadeira – de fato, o Hamas, que é um partido político, fez um pronunciamento parabenizando Lula pela vitória eleitoral em 2022 – a afirmação que associa o atual presidente ao grupo palestino é desenvolvida para confundir. Com isso, induzo o público a assimilar que o presidente Lula apoia a violência praticada pela ala do partido palestino no contexto do atual conflito bélico. Isto é desinformação e necessita de correções, substância e contextualização.

Na mesma direção, é falso que o governo Lula tenha doado R$ 25 milhões ao Hamas, pois o repasse foi feito 13 anos atrás, à Autoridade Nacional Palestina em caráter humanitário, reconhecida pelo acordo de Oslo, em 1984, portanto, pela ONU, seguindo os trâmites legais, incluindo a aprovação do Congresso Nacional..

Referências de checagem:

FGV. https://midiademocracia.fgv.br/estudos/direita-domina-debate-sobre-palestina-e-israel-associando-lula-e-esquerda-ao-hamas.

Exame. https://exame.com/mundo/guerra-em-israel-lula-moderou-postura-em-relacao-a-palestina-avalia-pesquisador/. Acesso em 30 Out 2023

Estadão. https://www.estadao.com.br/internacional/bolsonaro-israel-palestina-faixa-de-gaza-hamas-guerra-conflito-oriente-medio-lula-luiz-inacio-lula-da-silva-eleicoes-2022-pl-mulher-belo-horizonte-npr/ . Acesso em 04 nov 2023

Congresso em foco. https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/lula-eleva-tom-pede-cessar-fogo-em-gaza-e-israel-e-libertacao-de-refens/. Acesso em 30 out 2023

Diário do poder.https://diariodopoder.com.br/brasil-e-regioes/lsf-brasil/site-oficial-do-hamas-parabenizou-lula-como-diz-moro-veja. Acesso em 10 out 2023

Folha/Uol. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2023/10/grupos-embarcam-em-conspiracao-que-associa-lula-ao-hamas-diz-palver.shtml . Acesso em 11 out 2023

Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/republica/considerado-organizacao-terrorista-hamas-parabenizou-lula-por-eleicao-em-2022/ Acesso em 10 out 2023

SECOM-Brasil. https://www.gov.br/secom/pt-br/fatos/brasil-contra-fake/noticias/2023/3/governo-brasileiro-nao-financiou-hamas. Acesso em 05 nov 2023

Hamas. https://hamas.ps/en/post/4368/Hamas-congratulates-Lula-da-Silva-on-election-victory. Acesso em 11 out 2023

Infoescola. https://www.infoescola.com/oriente-medio/fatah/. Acesso em 05 nov 2023

Veja.  https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/direita-x-esquerda-quem-levou-vantagem-no-debate-nas-redes-sobre-a-guerra. Acesso em 30 out 2023 

Lupa. https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/10/09/gleisi-hoffmann-nao-fez-video-pedindo-ajuda-ao-hamas-para-libertar-lula . Acesso em 11 out 2023

R7. https://noticias.r7.com/internacional/grupo-terrorista-palestino-hamas-parabeniza-lula-por-vitoria-nas-eleicoes-01112022. Acesso em 10 out 2023

O Antagonista. https://oantagonista.com.br/brasil/moro-nao-e-a-toa-que-hamas-parabenizou-lula/. Acesso em 10 out 2023

O Globo. https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2023/10/07/bolsonaro-ataca-lula-ao-repudiar-ofensiva-do-hamas-contra-israel.ghtml . Acesso em 04 nov 2023

Último Segundo.ig. https://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2023-10-07/e-verdadeiro-que-o-hamas-parabenizou-lula-pela-vitoria-de-2022.html. Acesso em 10 out 2023

Último Segundo.ig. https://ultimosegundo.ig.com.br/2023-10-07/brasil-condena-ataques-hamas-israel.html. Acesso em 11 out 2023

Brasil Escola  https://brasilescola.uol.com.br/historiag/hamas.htm. Acesso em 04 nov 2023

Conjur https://www.conjur.com.br/2023-nov-02/controversias-juridicas-olhar-raizes-historicas-conflito-israel-palestina/ Acesso em 13 nov 2023

BBC https://www.bbc.com/portuguese/articles/c845d489kdyo Acesso em 13 nov 2023

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Foto de capa: BNC

Solidariedade: num israelense bate um coração palestino

Em meio a uma guerra profundamente desproporcional entre Israel e o Hamas, com atos de terrorismo em Israel por um grupo do Hamas em 7 de outubro e consequentemente uma retaliação por parte do governo de Israel, chefiada por Benjamin Netanyahu, tão violenta que  se chegou a denunciar como um genocídio. São 3345 crianças mortas e 2060 mulheres, até a presente data (31/10), mais de 8 mil civis mortos e milhares de feridos. Depois de tapetes de bombardeios que arrasaram os principais centros e centenas moradias de palestinos, iniciou-se uma perigosa invasão israelense da Faixa de Gaza. Como é notório em tais casos, ocorre um número incalculável de vítimas de ambos os lados. Há os que se desesperam em sua fé num Deus justo e bom (“Senhor, onde estás?Por que permites tanta destruição?”) e na própria humanidade, agora negada inequivocamente.

Mesmo assim continuamos a crer que pode haver surpreendente humanidade entre palestinos e judeus. Vejamos dois testemunhos, um de um palestino e outro de um israelense. O primeiro foi relatado pelo jornalista espanhol Ferran Sale no El Pais no dia 7 de junho de 2001 e o segundo testemunhado por mim mesmo.

Eis o primeiro, do palestino: Mazen Julani era um farmacêutico palestino, de 32 anos, pai de três filhos, que vivia na parte árabe de Jerusalém. Certo dia quando estava tomando café com amigos num bar foi vítima  de um disparo fatal vindo de um colono judeu. Era vingança contra o grupo palestino do Hamas que, quarenta e cinco minutos antes, em 5 de junho de 2000, havia matado numa discoteca de Tel Aviv inúmeras pessoas mediante um atentado feito por um homem bomba. O projétil entrou pelo pescoço de Mazen e lhe estourou o cérebro. Levado imediatamente para o hospital israelense Hadassa chegou já morto.

O clã dos Julani decidiu aí mesmo nos corredores do hospital de entregar todos os órgãos do filho morto, o coração, o fígado, os rins e o pâncreas para transplantes a doentes judeus. O chefe do clã esclareceu em nome de todos que este gesto não possuía nenhuma conotação política. Era um gesto estritatamente humanitário.

Segundo a religião muçulmana, dizia, todos formamos uma única família humana e somos todos iguais, israelenses e palestinos. Não importa em quem os órgãos vão ser transplantados. Com tanto que ajudem a salvar vidas. Mas achamos os órgãos bem empregados com nossos vizinhos israelenses.  Com efeito, no isralense Yigal Cohen late agora um coração palestino.

A mulher de Mazen Julani tinha dificuldades em explicar à filha de quatro anos  a morte do pai. Ela apenas lhe dizia que o pai fora  viajar para longe e que na volta lhe traria um belo presente. Aos que estavam próximo, sussurrou com os olhos marejados de lágrimas: daqui a algum tempo eu meus filhos vamos visitar a Yigal Cohen na parte israelense de Jerusalém.                                                                                                                                        

Ele vive com o coração de meu marido e do pai de meus filhos. Será grande consolo para nós escutar o coração daquele que tanto nos amou e que, de certa forma, ainda está pulsando por nós.

Este gesto generoso é carregado de significação simbólica.  No meio de um ambiente altamente tenso e carregado de ódios, como atualmente, surge uma flor de esperança e de paz. A convicção de que somos todos membros da mesma família humana alimenta atitudes de perdão, de reconciliação e de incondicional solidariedade. No fundo, aqui irrompe o amor que supera os limites de religião, de raça e de ideologia política. São tais virtudes que nos fazem crer numa possível cultura da paz.

Na imaginação de um dos mais perspicazes intérpretes da cultura brasileira, Gilberto Freyre, em nosso ensaio civilizatório (Casa Grande e Senzala), não obstante as muitas contradições, consistiu em ter criado um povo capaz de conviver com as positividades de cada cultura e com uma enorme potencialidade de lidar com conflitos.

Eis o segundo, de um israelense, assistido por mim pessoalmente em Estocolmo na Suécia. Por ocasião da concessão do título The Rigth Livelihood Award, considerado  o Nobel Alternativo da Paz nos começos de dezembro de 2001 quando entre outros, eu mesmo fui contemplado. Mas um dos galardoados impressionou a todos. Foi o testemunho de um alto oficial israelense, encarregado da repressão aos palestinos. Num enfrentamento foi ferido. Um palestinense o socorreu, prontamente em seu jipe, levando-o para o hospital palestino. Acompanhou-o até ficar são.

De volta a Israel este oficial criou uma ONG de diálogo entre israelenses e palestinos. Tal iniciativa foi considerada como alta traição, levado ao tribunal militar, pois se tratava de estabelecer um diálogo com o inimigo. Mas acabou sendo absolvido e  continuou com seu diálogo e foi, por fim, contemplado com o prêmio por suas persistência na busca da paz entre judeus e palestinos.

Aqui se mostra, uma vez mais, a capacidade humana de socorrer o um ferido que o reprimia, como um bom samaritano, na parábola de Jesus. Reconheceu nele  um ser humano a ser prontamente acudido.

Já dissemos repetidas vezes em nossas intervenções que o amor e a solidariedade pertencem à essência do humano e estão inscritas até em nosso DNA. Por ser assim, não nos é concedido desesperar face à crueldade e à barbárie que estamos assistindo nas guerras atuais. Elas também são possibilidade do negativo de nossa condition humaine. Mas não podemos deixar que prevaleçam, caso contrário nos devoraremos uns aos  outros. Estes dois exemplos são expressão de nossa humanidade num momento dos mais sombrios de nossa história atual. Eles nos atualizam o esperançar, quer dizer, a invenção das condições reais que garantam o amor e a solidariedade, presentes em cada um de nós. São elas que nos salvarão.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

***Foto de capa: Libertinus/Creative Commons

Crianças em gaiolas não foram presas por palestinos do Hamas no atual conflito com Israel

Horas depois de o Hamas, o grupo armado palestino ter atacado Israel em 7 de outubro passado, as mídias sociais em todo o mundo já estavam inundadas de vídeos, fotos e informações enganosas e falsas sobre o conflito.

Desde o início, o conflito tem gerado uma onda de desinformação também no Brasil e está sendo usado como arma no debate político da oposição ao atual governo federal. 

Um vídeo que começou a circular no domingo, 8 de outubro, em diferentes mídias sociais, como Instagram, Facebook, Twitter e TikTok, mostra cinco crianças com cerca de dois anos de idade em uma gaiola, comumente usada para aprisionar animais. Segundo a mensagem, elas teriam sido sequestradas pelo movimento Hamas. 

O áudio tem vozes infantis com música instrumental e risadas de um homem que, aparentemente, estaria fazendo a gravação das imagens. 

Não é possível determinar, no entanto, a origem do som do vídeo. As imagens foram compartilhadas com legendas que indicam que as crianças são israelenses, feitas reféns pelos palestinos. 

Imagem: reprodução do Instagram

A postagem circulou amplamente em perfis de mídias sociais de pessoas religiosas, promovendo comoção e revolta contra palestinos.

No entanto, agência de checagem israelense Fake Reporter informou que o vídeo circulava na plataforma Tik Tok antes mesmo dos ataques do Hamas a Israel.

O site espanhol de combate à desinformação “Maldita” também afirmou que o vídeo começou a circular antes do conflito. O veículo também desmentiu diversas falsidades relacionadas a Israel e ao Hamas.

Bereia não conseguiu descobrir onde o vídeo foi publicado pela primeira vez, e não é possível afirmar que as imagens mostrem crianças sequestradas pelo Hamas, pois já circulavam antes do conflito.

De acordo com as informações das agências de notícias internacionais, crianças, idosos e famílias inteiras foram sequestradas no contexto dos ataques iniciados em 7 de outubro passado. Porém, as verificações do vídeo em questão indicam que não há imagens destes sequestros ou de crianças presas pelo movimento palestino Hamas no atual conflito. 

Uma captura de tela realizada em 8 de outubro, pela agência Fake Reporter, mostra que o conteúdo havia sido postado em 4 de outubro, por um usuário do TikTok. Após verificação do conteúdo, a conta desapareceu.

Bereia alerta leitores e leitoras para toda e qualquer informação circulante que explore violência contra crianças, causadora de comoção, no contexto de guerras ou mesmo de debates de pautas políticas.  Antes de repassar imagens e textos, é preciso buscar o contexto (data e situação) no qual foram produzidos para que pessoas sensíveis à causa da justiça para crianças não sejam usadas na propagação de desinformação.

Referências de checagem:

AP News. https://apnews.com/ Acesso em 09 OUT 2023

CNN. https://cnnportugal.iol.pt/guerra/israel/nuno-mateus-coelho-pro-palestina-e-pro-israel-a-guerra-nas-redes-sociais/20231009/65244d74d34e371fc0b88511 Acesso em 10 OUT 2023

Estadão. https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/video-criancas-gaiolas-israel-hamas/ Acesso em 10 OUT 2023

Tjekdet. https://www.tjekdet.dk/faktatjek/video-af-boern-i-bur-haevdes-baade-vaere-fra-israel-og-palaestina-men-dokumentationen Acesso em 11 OUT 2023

Fake Reporter. https://fakereporter.net/ Acesso em 11 OUT 2023

Maldita. https://maldita.es/malditobulo/20231009/ninos-jaulas-hamas-israel-palestina/ Acesso em 11 OUT 2023