Pós-eleições municipais: por que alguns candidatos evangélicos “promissores” não foram eleitos?

Uma pastora de uma megaigreja, o filho de um pastor midiático ou o preferido da liderança candidatos a cargos públicos em 2024 perderam as eleições. Apesar de não apresentar aqui números sobre candidatos evangélicos eleitos e não eleitos nos últimos pleitos, já é percebido dentro das igrejas evangélicas a frustração por candidatos por elas indicados ou apoiados não obterem a desejada vitória eleitoral. E por que isso está acontecendo?

Em minha experiência evangélica já presenciei candidatos ao cargo de deputado ou de vereador não obterem o número de votos dos eleitores de suas próprias congregações, fato também observado na cidade que atualmente resido e na silenciosa insatisfação de evangélicos que são um membros frequentes em sua comunidade local.

Isso ocorre, basicamente, por dois motivos. Primeiro, o cansaço dos próprios membros com o uso dos púlpitos para estabelecer em quem devem votar. Todos sabem, embora não admitam, que muitos candidatos não estão ali para representar o povo e sim os interesses institucionais de determinadas igrejas. Silenciosamente as pessoas acabam votando no candidato que atua localmente e oferece mais sentido ao cargo.

Ainda pastores, ao subirem nos púlpitos, afirmem que todos possuem o direito de votar em quem quiserem, existe um discurso impositivo velado ao usar palavras que são marcadores da fé, como o fato de certos candidatos representarem “o propósito de Deus”, a “expansão do Reino de Deus na Terra”, o “projeto da Igreja da qual todos fazem parte”.

Um segundo motivo é que esses candidatos não possuem eleitorado orgânico. Estas pessoas acabam submetendo-se à lideranças das igrejas e ao discurso embasado na “teologia do domínio” (a que afirma que Deus governa nações quando cristãos consagrados são eleitos para representá-lo em cargos de poder) porque seu destaque como líder está dentro das paredes da igreja e não na comunidade que vive. Não existe atuação social, não existe causa, não existe presença em audiência pública ou qualquer atividade que coloque esse indivíduo no papel de líder comunitário ou de ativista político. Isto é percebido no intenso discurso moralizante da maioria dos candidatos e pelo desconhecimento técnico, jurídico ou social que a vida pública exige e é revelado nas campanhas. Assim, muitos candidatos não conseguem votos fora de seu “curral religioso” e não se consolidam em novos pleitos.

Esses aspectos não são regra absoluta, mas refletem a votação inexpressiva que muitos candidatos acabam recebendo. Alguns deles até conseguem algum sucesso devido ao apadrinhamento religioso, o que lhes confere uma atenção especial dentro do partido, mas o eleitorado se revela cansado desse jogo político que muitas megaigrejas adotam. Essa pressão, muitas vezes, recai sobre pastores locais que, para permanecerem no seu próprio cargo, precisam promover candidatos indicados pela cúpula da denominação religiosa.

Contudo, já observamos insatisfações nesse tipo de candidatura que não representa a realidade local. Isto porque evangélicos são, também, a mulher que precisa de iluminação pública quando chega do trabalho à noite, o pai que precisa de escola para seus filhos, os moradores de uma rua sem saneamento básico ou asfalto. Evangélicos são pessoas comuns que necessitam de atendimentos imediatos que são de responsabilidade do poder público local.

É claro que essa estrutura de poder que envolve igrejas e partidos não apresentam sinais de uma relação desgastada, mas sofrem uma resistência com a falência do jargão “irmão vota em irmão”. O que todo evangélico quer é a vida comunitária e o culto na forma devocional mais singela de viver a fé: algo ainda presente na periferia, sem a instrumentalização do discurso de sua fé.

** Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

Foto de capa: Mikhail Nilov/Pexels

Sobre evangélicos, política e o constrangimento

Direto ao ponto: a situação que começamos a viver a partir deste 30 de outubro se tornou pertinente para uma reflexão sobre fé e eleições. Convertido à fé evangélica desde os meus 14 anos, acompanho o uso do púlpito por candidaturas políticas que se tornou intenso com o bolsonarismo. 

E a vitória do candidato do PT é, também, um resultado disso. Parte dela veio do voto silencioso. Muitos evangélicos acuados pela versão “venha para Jesus e vote em Bolsonaro”, com gritos de “mito” em cultos e batismos e a elevação de um humano num pedestal simplesmente causaram uma rejeição somada: já há alguns anos os próprios “candidatos da igreja” nem sempre conseguem ser eleitos e isso é, claramente, porque os próprios membros não os elegem.

Muitas igrejas evangélicas tornaram-se terreno fértil para teorias da conspiração e pânico moral. O apoio a um candidato vem com uma série de informações polemizadas, alarmistas, sem rastro de racionalidade, como visto nos últimos anos. Não há sequer esclarecimento sobre as notícias, existe apenas a veiculação conveniente. 

A defesa cristã foi sequestrada pelo discurso partidário, pelo personalismo com pitada de messianismo, e o outro feito de inimigo em uma luta pelos “princípios” da fé. Não assumem que, na realidade, nunca haverá um candidato que corresponda aos anseios cristãos. Vamos criar uma lista para competir? É nisso que vamos reduzir a nossa fé? É a ideologia partidária que vai substituir as doutrinas do evangelho?

Não há voto cristão sem constrangimento, pois nunca haverá um candidato suficiente que corresponda a nossa fé. O mundo, a humanidade, os ideais, sempre apresentarão lacunas nos princípios, quanto mais estar em um partido!  Sempre ocorrerá o constrangimento sobre em quem votar, pois, a humanidade está em jogo e homens imperfeitos pleiteiam cargos públicos. Um cristão nunca estará satisfeito sobre seja quem for e, no final, sobra ódio, pessoas excluídas e descrédito para as instituições religiosas que afirmam representar Aquele cujo Reino é superior a tudo isso.

Nosso país passou por um momento decisivo, e líderes religiosos optaram por entrar em jogos de mentira, deturpar notícias e não perceberam que, no silêncio, as pessoas calaram-se para conviver em suas comunidades, rejeitando, porém, suas “orientações”. 

A presença dos evangélicos no Brasil é fato incontestável, com atuação em vários campos da sociedade e, de fato, ainda existe uma resistência em alguns setores para a presença de pessoas que não escondem a sua fé. O evangélico conservador sofre dificuldades em meios políticos mais progressistas – que desejam o seu voto e pouco a sua voz. A participação política faz parte da vida em sociedade. Todavia, esse caminho, que mistura pregação, espiritualidade e conveniência, está causando uma ferida difícil de curar. 

Na defesa da família, partidos com candidatos cristãos votaram em mudanças nas leis que, na prática, deixam pais e mães cada vez mais ausentes de seus filhos pela necessidade de trabalhar. Pessoas estão passando fome e essa gravidade social se tornou menos importante que o direito às armas. Fantasmas do comunismo e sobre professores que ensinarão o filho a ser gay ultrapassaram a razão. E depois do pleito deste domingo, ainda candidatos apoiados por pastores continuaram sustentando uma narrativa de inimigos do “povo de Deus”. 

A categoria “evangélico” caminha para um patamar mais político do que religioso, dando espaço para o fundamentalismo que incita a violência em nome de Deus. E Jesus já nos advertiu sobre esse perigo. Nunca haverá um candidato que corresponda de maneira suficiente aos anseios da fé cristã genuína, da qual nenhum segmento possui a patente. Não existe voto sem constrangimento, mas, combate à desinformação e aos discursos inóspitos do bem contra o mal são saudáveis para restaurar as comunidades evangélicas fraturadas. E se os líderes não escolherem esse caminho, o povo pode escolher.

**Os artigos da seção Areópago são de responsabilidade de autores e autoras e não refletem, necessariamente, a opinião do Coletivo Bereia.

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Foto de capa: Pexels/Luis Quintero