Deputado da Bancada Evangélica afirma que apenas Bolsonaro comprou vacinas

Em postagem em mídia social, o  deputado federal pastor da Assembleia de Deus, Otoni de Paula (PSL/RJ), reproduziu imagem na qual afirma que apenas o presidente da República Jair Bolsonaro, comprou vacinas contra a covid-19. O objetivo da postagem foi levantar a discussão de uma suposta incompetência de gestores estaduais do Nordeste do país, por terem desistido da compra da vacina russa Sputnik-V e exaltar o presidente Bolsonaro.

Reprodução do Twitter

Até a finalização desta matéria, a postagem já havia recebido 4.503 curtidas, 1283 retweets e 44 comentários. Dentre as interações, a que mais se destacou foi o posicionamento contra a obrigatoriedade de tomar qualquer vacina. 

O Consórcio Nordeste, ao qual o deputado se refere, foi criado em 2019, com o objetivo de ser um instrumento jurídico, político e econômico de integração dos nove Estados do Nordeste do Brasil, antes mesmo da chegada da pandemia no país. Em 2020, por conta da inação do Governo Federal, o consórcio decidiu iniciar um processo para comprar doses da vacina russa, Sputnik V, e acelerar a vacinação dos estados e o combate contra a covid-19.

O presidente do Consórcio Nordeste, o governador do Piauí Wellington Dias (PT), de fato suspendeu a importação de 37 milhões de doses da Sputnik V, no último dia 05 de agosto, uma vez que o uso da vacina não foi completamente autorizado pela Anvisa. 

A corrida pelo imunizante russo não foi feita somente o Consórcio Nordeste. Também havia o interesse de consórcios de municípios e do Consórcio Brasil Central (BRC), que conta com os estados do Maranhão, Rondônia, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal, mas que também desistiu da compra ainda no começo do mês de julho

O caso das vacinas no Brasil

Desde meados de 2020 a gestão de Jair Bolsonaro vem se posicionando contra a compra e a aplicação das vacinas no Brasil. Entre as propostas de compra e gestão da pandemia, o presidente trocou e desautorizou ministros da saúde, fez piada com os imunizantes e declarou que ele mesmo não tomaria a vacina. Apenas em 10 de março de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.124, que autoriza a administração pública a celebrar contratos de compras de vacina contra a covid-19, sem a dispensa de licitação, e antes mesmo do aval de uso emergencial do imunizante. 

O desinteresse do presidente de firmar a compra de vacinas e estabelecer o Plano Nacional de Imunização, fez a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) exigindo que o presidente Jair Bolsonaro comprasse doses suficientes para a imunização em massa contra a covid-19. 

Outro fator que demonstra a falta de compromisso do governo federal com a população brasileira é a rejeição ou a falta de resposta para 90% dos 81 e-mails enviados pela farmacêutica Pfizer, oferecendo ao menos 70 milhões de doses de vacinas para o país. O imunizante já havia sido aprovado pela Anvisa e chegou a ser ofertado pela metade do preço oferecido à países como Israel. 

Também, no dia 21 de outubro de 2020, horas depois de o então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmar a compra de 46 milhões de doses da vacina Coronavac para o Brasil, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou a operação em uma live no Facebook, afirmando não haver a intenção de “comprar a vacina chinesa”. Após polêmicas, a live foi apagada da rede social do presidente. 

Em fevereiro de 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a compra de imunizantes contra a covid-19 por estados e municípios. Contudo, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sidusfarma) declarou que a negociação e distribuição das vacinas da Astrazeneca, do Instituto Butantan (Coronavac), da Janssen e da Pfizer – todos autorizados pela Anvisa -, seria feita exclusivamente para órgãos federais e organismos públicos internacionais da área da saúde. Ou seja, na prática a compra de vacinas por estados e municípios dos imunizantes já autorizados, estava impossibilitada pelo Plano Nacional de Imunização (PNI). Dessa forma, a gestão dos imunizantes pelo governo federal não foi uma iniciativa exclusiva do presidente Jair Bolsonaro, mas um cumprimento de sua obrigação como chefe de Estado. 

No caso do município do Rio de Janeiro, que em dezembro de 2020 havia declarado o interesse na compra de vacinas, o prefeito da cidade, Eduardo Paes (PSD), voltou atrás no início de janeiro e decidiu esperar a distribuição dos imunizantes pelo Ministério da Saúde. 

Já o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), declarou, em julho de 2021, a compra de quatro milhões de doses da vacina Coronavac exclusivas para o estado. Contudo, essa compra só seria validada após o Instituto Butantan cumprir com o acordo de exclusividade firmado com o governo federal, de entregar 100 milhões de doses da Coronavac ao Ministério da Saúde para serem redistribuídas aos estados. Apesar da ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza estados e municípios comprarem vacinas, os contratos de exclusividade impedem que a decisão aconteça na prática.

Não apenas, em junho deste ano, um documento interno, datado de 2020, apresentado na CPI da Covid, provou não haver interesse do governo federal em estabelecer um calendário de vacinação no país e desdenhar do governador de São Paulo, quando ele firmou uma data de início para a aplicação das vacinas. 

No mesmo depoimento dado à CPI da Covid pelo presidente do Instituto Butantan Dimas Covas, a compra da Coronavac poderia ter sido firmada ainda em outubro de 2020, se não houvesse a interrupção das negociações ocorridas a partir das declarações do presidente. 

Sputnik V

O imunizante que já estava sendo aplicado em diversos países pelo mundo, inclusive em pelos países vizinhos, como Paraguai, Argentina e Bolívia, foi embarreirado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por não garantir a segurança e qualidade da vacina russa para a população brasileira. Na análise foram verificadas falhas de pesquisa em todas as etapas de teste da vacina, além de lotes em que o adenovírus, vetor que carrega o SarsCov-2 até o interior da célula, estava se replicando – fato não previamente exposto pelos fornecedores e que poderia causar efeitos colaterais, desenvolvimento de doenças e a ocorrência de óbitos. 

Além disso, questões de falta de segurança em infraestrutura em algumas fábricas produtoras da vacina também contribuíram para o veto inicial da Anvisa.

Em julho deste ano, a agência reguladora brasileira autorizou o país a importar doses da Sputnik V, desde que esta atendesse aos requisitos de segurança estabelecidos. Dentre esses, consta a limitação do número de importações de imunizantes a apenas 1% da população dos seis estados autorizados, a compra de vacinas vindas única e exclusivamente de fábricas inspecionadas pela Anvisa na Rússia, a análise dos lotes para garantir que em nenhum deles exista vírus replicante, a notificação de efeitos adversos graves em até 24 horas e a responsabilização dos estados quanto a monitoração das condições de aplicação da vacina. 

No comunicado feito após a reunião entre o Consórcio Nordeste e o Fundo Soberano Russo, o governador Wellington Dias declarou

“É lamentável. O Brasil vive uma situação com alta mortalidade, mais de mil óbitos por dia. Temos vacinas disponíveis, mas impedidas de entrar no Brasil devido a uma decisão da Anvisa, que faz uma alteração no padrão de teste junto com a não inclusão do Ministério da Saúde no plano nacional de vacinação e a falta da licença de importação, tivemos a suspensão da entrega da vacina, até que se tenha uma autorização do uso do imunizante no Brasil”. 

Já o secretário executivo do Consórcio Brasil Central Paco Britto, em declaração dada ao Correio Braziliense, afirmou que o motivo da desistência foi o aumento da confiança na compra e distribuição e vacinas pelo governo federal: “Seria agora um trâmite muito longo e complicado concluir a compra (da Sputnik). Manifestamos interesse, mas o cenário mudou e temos a real perspectiva de sermos abastecidos totalmente pelo governo federal, pelo Programa Nacional de Imunização. A previsão é que até outubro o DF esteja vacinado”.

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Com base nesta verificação,  Bereia classifica o conteúdo da postagem feita pelo Deputado Federal Otoni de Paula como falso. Ao dizer que ninguém, além de Jair Bolsonaro, comprou vacinas, e afirmar que as outras narrativas de compra de vacinas são mentirosas, o deputado omite a sabotagem de medidas sanitárias e o retardo na compra de vacinas pelo governo Jair Bolsonaro e não contextualiza os processos de compra dos imunizantes que vêm sendo negociados desde novembro de 2020. A menção única do Consórcio Nordeste na desinformação do deputado, apesar de outros consórcios de estados e municípios também terem tentado fazer a compra da vacina Sputinik, reproduz a estratégia de parlamentares governistas de atingirem negativamente o grupo articulado por governadores do Nordeste, que têm se colocado como oposição ao governo Bolsonaro.

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Referências:

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G1. https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2021/08/05/presidente-do-consorcio-nordeste-anuncia-a-suspensao-da-compra-de-doses-da-vacina-sputnik-v.ghtml  Acesso em: [27 ago 2021]

Correio Braziliense. https://blogs.correiobraziliense.com.br/capital-sa/2021/07/01/consorcio-brasil-central-decide-suspender-compra-de-vacina-russa/  Acesso em: [27 ago 2021]

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G1. https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2021/08/05/presidente-do-consorcio-nordeste-anuncia-a-suspensao-da-compra-de-doses-da-vacina-sputnik-v.ghtml Acesso em: [27 ago 2021]

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Foto de capa: YouTube da Câmara dos Deputados. https://www.youtube.com/watch?v=dcxdnqUJW6Y Acesso em: [27 ago 2021]

Líderes religiosos pedem que Bolsonaro acione Forças Armadas contra medidas de combate à pandemia

No último dia 18 de março, o site gospel Pleno News repercutiu um vídeo em que o Pastor Silas Malafaia pede ao Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que convoque as Forças Armadas porque “a lei e a ordem têm que ser estabelecidas.” O pastor inicia o vídeo esclarecendo que seu pedido não trata do fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF), ditadura militar ou de um golpe militar. De acordo com o líder religioso, decretos que estabelecem estado de sítio, toque de recolher ou multas não podem ser editados por prefeitos e governadores porque seriam ações inconstitucionais. 

Além disso, entre outros comentários, o líder religioso crítica desmontes de hospitais de campanha, questiona medidas de isolamento social, propõe que estados e municípios paguem salários de informais, tributos de empresas que fecharem e responsabiliza corrupção de governos petistas por falta de investimento em saúde.

O argumento contra ações de governadores e prefeitos

Para sustentar seu pedido, Malafaia cita trechos da Constituição Federal de 1988. São eles:

Art. 5º: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 5º: XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 5º: XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

Art. 142 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem

Trechos da Constituição de 1988

O pastor diz que governadores e prefeitos não podem impedir o trabalho e também não podem, em tempo de paz, restringir a locomoção. Além disso, o inciso II do Artigo 5º da Constituição permitiria agir contra as restrições porque governadores e prefeitos realizam tais restrições por meio de decretos. Diante desse cenário, alega-se que as Forças Armadas poderiam ser convocadas para garantir a lei e a ordem. Malafaia explica ainda como o Artigo 5° é uma cláusula pétrea.

Comparação de lockdown com estado de defesa e de sítio por Bolsonaro

A argumentação de Silas Malafaia dá suporte das iniciativas de Jair Bolsonaro em comparar as medidas de combate à pandemia por estados e municípios com os estados de defesa e de sítio, medidas atribuídas à Presidência da República, previstas na Constituição. 

Em 4 de março, durante discurso na cerimônia de assinatura para inauguração de um novo trecho da ferrovia Norte-Sul em São Simão (GO), Jair Bolsonaro voltou a atacar o isolamento social: “Temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de mimimi, vamos ficar chorando até quando? Respeitar obviamente os mais idosos, aqueles que têm doenças. Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”.

As definições para aplicação do Estado de Defesa estão dispostas no Artigo 136 da Constituição: “O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.”

A decretação desse estado, que passa por aprovação do Congresso Nacional, implica restrições de direitos como o de reunião, sigilo de correspondências e sigilo de comunicação telegráfica e telefônica.

Já o Estado de Sítio está previsto nos Artigos 137, 138 e 139 da Constituição. O requisitos para que essa situação seja decretada pelo chefe do Executivo Federal estão especificados nos incisos I e II do Artigo 137: “I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.” Assim como Estado de Defesa, o Estado de Sítio passa por aprovação do parlamento, mas contém algumas restrições a mais, por exemplo: obrigação de permanência de localidade determinada (Artigo 139, Inciso I) e até restrições à liberdade de imprensa (Artigo 139, Inciso III).

As leis do Brasil para enfrentamento da pandemia e atividades essenciais

O que o Brasil viveu de março até 31 de dezembro de 2020 foi uma situação de calamidade pública decretada pelo Congresso Nacional. O estado de calamidade pública está relacionado com gastos governamentais e regras fiscais reguladas pelos artigos 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G da Constituição.

Além disso, as medidas de combate à pandemia estão reguladas pela Lei 13.979/2020, sancionada pelo Presidente Bolsonaro. A lei prevê a possibilidade da aplicação de isolamento e de quarentena (Artigo 3º, Incisos I e II), e ainda afirma no parágrafo 9º do Artigo 2º: “A adoção das medidas previstas neste artigo deverá resguardar o abastecimento de produtos e o exercício e o funcionamento de serviços públicos e de atividades essenciais, assim definidos em decreto da respectiva autoridade federativa”.

Conforme Bereia já verificou, o Governo Federal propôs concentrar no Presidente a definição de quais atividades seriam consideradas essenciais. Enquanto o Partido Democrático Trabalhista (PDT) movia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ao STF, o Palácio do Planalto chegou a editar um Decreto-Lei que tornava essenciais as atividades religiosas de qualquer culto, obedecidas as regras do Ministério da Saúde. Foi apenas em 15 de abril de 2020 que o STF julgou a ADI apresentada pelo PDT e reconheceu a competência concorrente de União, estados, Distrito Federal e municípios nas ações de combate ao novo coronavírus, sem eximir o papel do governo federal, por ser o Brasil uma federação de estados

Reações de Bolsonaro à decisão do STF

A mesma verificação feita pelo Bereia mostra como o Presidente adotou o discurso de “mãos atadas”, dizendo que o STF o impediu de tomar medidas de combate ao coronavírus. O próprio Supremo desmentiu Bolsonaro a esse respeito

Em 19 de março de 2021, Bolsonaro seguiu seu novo argumento sobre estado de defesa e de sítio e protocolou uma ADI contra decretos dos Governos do Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia que estabeleciam toque de recolher e fechamento de atividades não essenciais. O Presidente argumentou que só a legislação formal poderia impor restrições de locomoção ou exercício de atividades econômicas. Segundo ele, restrições de locomoção estão previstas na Constituição apenas no estado de defesa e estado de sítio, sob a prerrogativa da Presidência mediante aprovação no Congresso. Além disso, Bolsonaro avaliou as medidas que contesta como desproporcionais diante de sua finalidade.

O Ministro Marco Aurélio Mello negou o trâmite da ADI, argumentando que faltou assinatura do Advogado-Geral da União (AGU) à Ação, e reafirmou a necessidade de o Presidente, como representante da União, coordenar e liderar esforços para o bem-estar dos brasileiros. A não assinatura do então Advogado-Geral da União José Levi do Amaral à ADI, por discordância do teor da ação, é apontada como uma das razões que levaram a sua demissão em 29 de abril, o terceiro ministro a deixar o governo naquele dia.

Diferenças entre combate à pandemia e estados de defesa e de sítio

Em entrevista à BBC Brasil, o professor de direito da FGV-Rio Wallace Corbo detalhou as diferenças entre os estados de defesa e de sítio e as ações de combate à pandemia. Corbo explica que as medidas de combate à pandemia como lockdowns têm punições administrativas, como multas. Já o estado de sítio prevê uma série de limitações aos direitos fundamentais, podem ter o uso das forças de segurança para imposição de restrições estabelecidas e suas punições chegam à detenção.

“Mas ninguém vai ser preso por desrespeitar o horário de fechamento do comércio. Isso [uso de forças para impor restrições] não vai acontecer nas medidas de isolamento social. Para o lockdown não existe essa previsão”, afirma o professor.

O Artigo 268º do Código Penal chega a prever detenção e multas em casos nos quais alguém “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. “Mas é algo válido para situações pontuais, em que houve um crime, e que não têm nada a ver com a necessidade de proteger o Estado em si, como no caso do estado de sítio”, explica Corbo.

Ações de outros líderes religiosos

O ex-senador evangélico Magno Malta e o deputado federal Pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP) também postaram em suas mídias sociais declarações em apoio ao Presidente Bolsonaro. Ambos se colocam contra aos confinamentos sociais decretados pelos governadores e prefeitos do Brasil, assim como o presidente e o pastor Malafaia fizeram.

Feliciano compara o lockdown com as ações contra cristãos da parte do imperador Nero: “Escutem perseguidores tiranos: em 2000 anos de existência como igreja nós enfrentamos gente muito pior do que vocês, que dirá Nero. Nós fomos crucificados, fomos serrados, esquartejados, queimados vivos, jogados às feras e nas arenas servimos de espetáculo para pessoas tão impiedosas como vocês. Nos mataram no passado e se preciso morremos no tempo presente”.

Foto: Declaração em vídeo do deputado federal Pastor Marco Feliciano em 18 de março de 2021 em sua conta no Twitter.

Sem qualquer referência concreta que justificasse a acusação, Malta afirma que o anseio da implementação das medidas preventivas seria tirar o presidente do poder. “Estão decididos a derrubá-lo, a tirá-lo do Brasil, a quebrá-lo, não importa”. E vai além, dizendo que o STF tirou deles o direito de falar.

Foto: Declaração em vídeo de Magno Malta em 18 de março de 2021, em sua conta no Facebook.

Desgaste de Bolsonaro contra as Forças Armadas

Durante o mandato do Presidente Jair Bolsonaro, em diversos momentos houve algum tipo de embate entre o Governo e as Forças Armadas. Na semana em que o golpe militar de 1964 completou 57 anos, o acúmulo de atritos do chefe do executivo com líderes do Exército levou à demissão do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.

Já em dezembro de 2020, o então comandante do Exército, general Edson Pujol afirmou “não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis.” De acordo com o jornal Folha de São Paulo, o alvo dessa fala era o então Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello.

Outro evento que ajudou no recente desgaste, veio após o então responsável pela área de saúde do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira relatar ao Correio Braziliense que medidas de distanciamento social ajudaram o Exército a combater a covid-19. Bolsonaro se queixou das falas porque poderiam afetar a imagem do governo e pediu a demissão do militar. O Ministro da Defesa se negou a fazê-lo e se demitiu. No anúncio de sua demissão, o ministro afirmou que preservou as Forças Armadas como instituições de Estado – ideia pela qual órgãos não mudam suas finalidades de acordo com o governo corrente.

Depois da demissão de Azevedo, os comandantes das três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição. O general Walter Braga Netto que atuava na Casa Civil, assumiu o Ministério da Defesa, confirmou a saída dos três e nomeou os novos comandantes.

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Bereia classifica como verdadeiro que líderes evangélicos tenham pedido que o Presidente Jair Bolsonaro acione as Forças Armadas para impedir medidas de combate à covid-19, como lockdowns. Tal discurso está alinhado e servem de apoio às diversas declarações em que o Presidente compara – erroneamente – medidas restritivas de estados e municípios com os estados de defesa e de sítio. Essas afirmações estão também no contexto do desgaste entre Bolsonaro e comandantes militares, que levou à demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e à troca dos comandantes das Forças Armadas. As postagens dos pastores Silas Malafaia e deputado Marco Feliciano e do ex-senador Magno Malta atuam também na disseminação de pânico moral contra supostos inimigos, elemento que tem atuado na manutenção do apoio de vários segmentos religiosos ao governo federal, como já demonstrado em matérias do Coletivo Bereia.

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Foto de Capa: Sgt Bianca – Força Aérea Brasileira/Reprodução

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Referências

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Congresso em Foco, https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/senado-aprova-estado-de-calamidade-publica/. Acesso em: 31 de março de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/site-gospel-desinforma-ao-noticiar-que-cidades-ignoram-decreto-presidencial-sobre-abertura-de-igrejas/. Acesso em: 31 de março de 2021.

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Correio, https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/stf-desmente-que-impediu-governo-federal-de-atuar-na-pandemia/. Acesso em: 31 de março de 2021.

STF, http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462626&ori=1. Acesso em: 31 de março de 2021.

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Poder 360, https://www.poder360.com.br/governo/jose-levi-deixa-agu-e-e-3o-ministro-a-desembarcar-do-governo-em-1-dia/. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Planalto, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 02 de abril de 2021.

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Correio Braziliense, https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/03/4914583-general-paulo-sergio-diz-que-exercito-ja-espera-3—onda-da-covid.html. Acesso em: 04 de abril de 2021.

G1, https://g1.globo.com/politica/blog/gerson-camarotti/post/2021/03/30/comandantes-das-forcas-armadas-decidem-colocar-cargos-a-disposicao-de-braga-netto.ghtml. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Folha de São Paulo, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/03/veja-o-perfil-dos-novos-comandantes-de-exercito-marinha-e-aeronautica.shtml. Acesso em: 04 de abril de 2021.

Coletivo Bereia, https://coletivobereia.com.br/sao-falsos-videos-sobre-suposta-operacao-storm-no-brasil/. Acesso em: 05 de abril de 2021.