O fantasma do Marxismo Cultural*

Originalmente publicado na The Hedgehog Review, de Andrew Lynn, na edição de outono de 2018. Traduzido com permissão.

Um fantasma está assombrando a imaginação de muitos no Ocidente moderno – o fantasma do Marxismo Cultural.

Sua influência, para os que o temem (que envolve desde conservadores moderados até os ruidosos da extrema direita, conhecidos como “alt-right” nos EUA), é evidente em tudo, desde pronomes neutros quanto ao gênero, até treinamento para detectar micro agressões e, praticamente, todos os aspectos do que agora é chamado de políticas identitárias. Diz-se que o Marxismo Cultural foi criado na academia e que domina o corpo docente dos departamentos das Ciências Humanas e Sociais. Todos os anos legiões de seus prosélitos seriam lançados sobre a cultura mais ampla para espalhar essa doutrina corrosiva.

Uma pergunta a ser feita é: como Karl Marx, um filósofo do século XIX, leitor de Hegel, fundamenta o pensamento desses guerreiros da justiça social de hoje?

Para os opositores do Marxismo Cultural , a história poderia ser exprimida como se segue para dar uma resposta: Em meados do século XX, a doutrina do “Marxismo econômico” foi fatalmente desacreditada pelo fracasso dos regimes comunistas ao redor do mundo, estimulando a intelligentsia desiludida a buscar um novo e aprimorado Marxismo, que pudesse falar para o capitalismo de consumo pós-guerra.

Esses, então chamados “Marxistas culturais”, empreenderam o que o psicólogo-guru canadense Jordan Peterson chamou de “truque ilusionista” para conseguir a recuperação de suas mercadorias ideológicas, passando da economia para a cultura.

Pensadores que vão de Antônio Gramsci a Jacques Derrida estão envolvidos nesse esforço, mas no centro dessa história quase sempre se encontra a Escola de Frankfurt, um grupo de Marxistas do meio do século que fugiram da Alemanha e se refugiaram nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A experiência deste grupo não era em Economia, mas em Filosofia, Teoria Social, Arte e Literatura. Consequentemente, seus membros reembalaram seu Marxismo para os assuntos que eles conheciam melhor. Eles também, frequentemente, se voltaram para as teorias de Freud, misturando a preocupação de Marx com a alienação com as ideias de repressão e sublimação de Freud.

Avançando para o presente

Segundo o jornalista e blogueiro conservador Andrew Sullivan, os marxistas culturais de hoje estão profundamente investidos em derrubar estruturas de poder do patriarcado e dos privilégios dos brancos. Eles o fazem, de acordo com esta versão da história, seguindo os pensadores da Escola de Frankfurt na transposição do conflito oprimido-opressor entre o proletariado e a burguesia para a dominação cultural, atribuindo status de oprimido a vários grupos identitários desprivilegiados.

O surgimento de uma cultura de vitimização segue, à medida que os grupos que reivindicam várias identidades articulam queixas contra grupos dominantes e as estruturas que atendem a seus interesses. A adjudicação racional da verdade torna-se então subordinada às exigências de subversão do poder, patriarcado e privilégio entre instituições sociais injustas, perpetuando a identificação contínua de conflitos dentro da ordem social estabelecida.

Existem muitos problemas com essa narrativa, é claro, e aqui está uma: essa visão de uma ordem social sempre em conflito é apenas vagamente “cultural” e pode ser construída inteiramente independente de qualquer coisa “Marxista”. Você pode encontrá-la em Maquiavel, Hobbes, Nietzsche e Ayn Rand, para citar apenas alguns. De fato, hoje os relatos mais populares da sociedade como grupos em conflito perpétuo por recursos – materiais, simbólicos ou políticos – são encontrados nos livros mais vendidos por psicólogos e biólogos evolucionistas ansiosos por aplicar suas ideias disciplinares a questões muito fora de seu campo. É mais a difusão de Darwin – não Derrida – que está na base dos relatos populares de conflitos que envolvem moralidade e cultura nos dias de hoje.

No entanto, o século XX viu várias escolas de pensamento marxistas passarem da economia e da política para preocupações culturais depois que o comunismo deixou de produzir utopias proletárias e ditadores stalinistas. A “cultura” realmente chegou ao radar marxista, mas funcionou de uma maneira muito particular: não para identificar antagonismos entre grupos sociais, mas para explicar melhor a falta de antagonismo observada nas sociedades.

Por que a classe trabalhadora não estava enfrentando os cúmplices de sua opressão? Talvez, como observou o crítico literário Richard Hoggart em seu livro de 1957 “The Uses of Literacy”, essa subjugação fosse um produto de uma cultura de consumo de massa recém-emergida.

A cultura não é um novo local de batalha; é mais um ópio salva-vidas que mantém os feridos de guerra permanentemente à margem.

Hoggart pertencia a um grupo dissidente Marxista do meio do século chamado Nova Esquerda Britânica, um movimento que também reivindicava figuras importantes de estudos culturais como Raymond Williams, Stuart Hall, E.P. Thompson durante algum tempo, os filósofos Alasdair MacIntyre e Charles Taylor. Como relata o historiador cultural Dennis Dworkin em seu livro “Cultural Marxism in Postwar Britain”, esses estudiosos se inspiraram em uma variedade de fontes intelectuais – incluindo o pensamento mais conservador de T.S. Eliot e F.R. Leavis – para aplicar métodos críticos às dimensões não-políticas da vida comum.

Para todos esses pensadores, a cultura era a arena na qual as potencialidades humanísticas inscritas nos primeiros escritos de Marx deveria se manifestar. Mas todos eles acreditavam que a cultura contemporânea frustrava a agência e a criatividade que Marx via como essenciais à liberdade humana.

Há boas razões pelas quais a versão do Marxismo cultural da Nova Esquerda Britânica não se parecesse em nada com o Marxismo cultural deplorado por Jordan Peterson e Andrew Sullivan. A moderna narrativa conservadora remonta a uma “Carta aos Conservadores” de 1997, escrita pelo cofundador da “Heritage Foundation” Paul Weyrich. Weyrich foi o primeiro a denunciar o Marxismo cultural por inventar a “ideologia do politicamente correto”, que ele traçou até a Escola de Frankfurt e descreveu como “alienígena”, “amargamente hostil” e “inimiga de nossa cultura tradicional”. Weyrich e seus colegas da “Free Congress Foundation” – incluindo William Lind, historiador e colunista prolífico – raramente discutiam como o judaísmo da Escola de Frankfurt se relacionava com a ideologia de seus membros, mas as dicas foram captadas e exploradas por pessoas com agendas mais radicais.

Grupos de extrema direita, inspirados em Weyrich, produziram vários documentários – que hoje acumulam milhões de visualizações no YouTube – afirmando a existência de uma trama do início do século XX da Escola de Frankfurt para subverter a cultura americana por meio da promoção do multiculturalismo, de grupos identitários belicosos e do politicamente correto. Ainda é possível encontrar sites mal formatados dessa época, exibindo diagramas elaborados que traçam a nefasta infiltração cultural da Escola de Frankfurt, com um site alegando expor o papel direto do cientista social e musicólogo Theodor Adorno na composição de grande parte da discografia dos Beatles.

O endosso de tais vozes periféricas não impediu os paleoconservadores como Pat Buchanan e Paul Gottfried de promover a narrativa vagamente conspiratória em círculos conservadores mais estabelecidos no início dos anos 2000. Ao mesmo tempo, grupos nacionalistas brancos e “alt-right” começaram a se apegar à narrativa. O terrorista norueguês Anders Behring Breivik, que matou setenta e sete pessoas em dois ataques na Noruega em 2011, citou e plagiou a redação da “Free Congress Foundation” em seu manifesto de 1.500 páginas, culpando os pensadores da Escola de Frankfurt por desenvolver um “Marxismo Cultural” que justifica um contemporâneo “genocídio branco”.

Breivik também citou Richard Spencer, ativista do nacionalismo branco parcialmente responsável pela manifestação de 2017 “Unite the Right” em Charlottesville, cuja história abertamente antissemita de infiltração cultural veio moldar o movimento “alt-right” americano. A descoberta de 2017 de um memorando de advertência de uma conspiração Marxista Ccultural – um esforço coordenado de globalistas, banqueiros, islâmicos, figuras do Black Lives Matter e republicanos do establishment que planejavam derrubar o presidente Donald Trump – resultou na demissão do autor do documento, Rich Higgins, da equipe do Conselho de Segurança Nacional de Trump.

Mas, além de sua associação inabalável com pensadores marginais, a narrativa do Marxismo Cultural tem outra falha: uma compreensão fundamentalmente defeituosa da esquerda. Quase todos os observadores do desenvolvimento da esquerda durante o século XX veem discordâncias e descontinuidades substanciais. Mas a narrativa do Marxismo Cultural, ao reproduzir as convenções do pensamento conspiratório, afirma uma profunda consistência oculta sob a aparente heterogeneidade: a política identitária pós-modernista é Marxismo. Essa distorção procrusteana obscurece as variedades do passado e do presente da política e do pensamento progressistas.

O próprio Marx teve pouco ou nenhum interesse nos precursores ideológicos daqueles movimentos que envolvem muitos conservadores contemporâneos – multiculturalismo, feminismo, política identitária – e teria descartado muitas dessas preocupações como desvios “superestruturais” das realidades da luta de classes. Marx é um pobre pós-modernista; de fato, sua metanarrativa restritiva da luta de classes é aquela que muitos pós-modernistas jogaram no lixo das ideologias mortas na década de 1970.

Os próprios líderes da Escola de Frankfurt brigavam abertamente com os guerreiros da justiça social de seus dias, encontrando-se entre as vítimas dos protestos e interrupções nas salas de aula dos anos de 1960. O elitismo europeu deles não se dava bem com o multiculturalismo caloroso e abrangente.

“Acordei” eles não estavam.

Também são subestimadas as rupturas mais recentes na esquerda. Nos círculos acadêmicos, estes são melhor representados pelo confronto duradouro entre os remanescentes do Marxismo ocidental e as novas vozes da esquerda do pós-estruturalismo, pós-colonialismo, feminismo e “pós-Marxismo”. Essas facções raramente jogam bem juntas. De fato, os Marxistas incondicionais são responsáveis por alguns dos enfrentamentos mais sofisticado das várias perspectivas agrupadas sob a rubrica de “Marxismo Cultural”. Perry Anderson, Alex Callinicos, Nancy Fraser e Terry Eagleton produziram críticas mordazes ao beco sem saída político do pós-modernismo. Nos últimos anos, surtos de natureza ainda mais internacional revelaram tensões subjacentes a finos valores esquerdistas: feminismo radical versus direitos dos transgêneros; disputas entre movimentos de defesa de direitos como ACLU e  Black Lives Matter;  divergência entre autores como no caso de Ta-Nehisi Coates e Cornel West; ou quando apoiadores de Bernie Sander (os “Bernie Bros”) se colocaram em oposição ao comitê nacional do seu partido, os Democratas. Se existe uma conspiração, não está indo muito bem.

A cultura – como Marx, Gramsci e a Nova Esquerda britânica viram – não é politicamente neutra. Tampouco são apenas valores subjetivos, gostos ou ideias da vida privada dos indivíduos. Em vez disso, é o próprio palco público no qual os interesses políticos e ideológicos frequentemente reivindicam legitimidade. Essa é exatamente a função da cultura que está energizando aqueles da direita que afirmam ver e desmascarar a perigosa agenda “marxista” que se esconde por trás de toda crítica e ativismo cultural de esquerda.

Essa “hermenêutica da suspeita”, por muito tempo apenas uma marca de seminários desconstrutivistas nas faculdades, parece agora ter encontrado um novo lar nas telas de TV e celulares que passaram a exibir discursos nacionalistas e a bandeira do país como peça de decoração. Talvez os verdadeiros marxistas culturais tenham se escondido à vista de todos o tempo todo.

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Andrew Lynn é sociólogo, doutorando em sociologia na Universidade da Virgínia

Comunicação e Discriminação

A discriminação é o abuso dos pré-conceitos. Ela acontece quando falhamos em reconhecer as variações, nuanças e diferenças entre pessoas, grupos étnicos e símbolos. De fato, a discriminação pode se manifestar instantaneamente numa mera reação mental ou emocional, quando pensamos em: homem feio, mulher loira, travesti, político, corintiano, carioca, motoqueiro, milionário, pastor, coronel, católico, evangélico, e assim por diante. Simples palavras podem despertar retratos gravados na memória e causar reações diversas, dependendo da experiência e de acordo com os pré-conceitos.

Três razões apontam para o agravamento da discriminação na mídia pós-moderna:

Em primeiro lugar, nós experimentamos o declínio da racionalidade. Todo ser humano tem uma cosmovisão ou um conjunto de valores acerca do mundo, da sociedade, da religião e de si mesmo. Essas ideias foram estruturadas na Era da Razão com um foco meramente cognitivo e coerente. Na Pós-Modernidade, com frequência nos utilizamos de conceitos que são contrários à lógica e à racionalidade. Isso é perceptível na dialética da espiritualidade, na psicologia popular, na gestão e administração de organizações, bem como na forma com que as ciências sociais articulam os reality shows e propagandas nas redes sociais.

Além disso, aceitamos como fato a relativização da verdade. A abrangência das fake news nas redes sociais demonstra claramente a dificuldade que os indivíduos têm para separar e julgar boatos, sentimentos, imaginações, pressentimentos e hipóteses dos fatos reais, acontecimentos concretos, evidências, dados estatísticos e teorias da conspiração. O que é real e o que é imaginário? Terraplanismo e grupos anti-vacina são apenas dois exemplos da subjetividade do pensamento e da pressão do achismo (e com frequência, triunfo) sobre os dados científicos. A verdade absoluta foi desprezada.

Finalmente abraçamos a seletividade intelectual. Walter Lippman escreveu o seguinte:

“Sob certas condições, os homens reagem tão poderosamente a ficções, quanto o fazem a realidades, e em muitos casos, eles mesmos ajudam a criar as próprias ficções às quais reagem.”

A politização do Covid-19 comprova que é comum escolher e comprar os conceitos e valores de maneira subjetiva, interesseira, hedonista e individualista.

A tendência diante do declínio da racionalidade, da relativização da verdade e da seletividade intelectual é desvalorizar as diferenças e supervalorizar as semelhanças. Morei alguns anos no Canadá e ficou muito claro para mim as dificuldades para eu me comunicar numa segunda língua com imigrantes de vários países, que falavam outras línguas. Da mesma forma, numa sociedade multicultural, intergeracional e globalizada como a nossa, precisamos reconhecer claramente as diferenças para evitar a discriminação. Não fomos fabricados em série, numa linha de produção de fábrica. Não existem no mundo duas pessoas, duas impressões digitais, dois fatos, duas coisas que sejam absolutamente iguais. Quando exageramos as semelhanças, sem considerar as diferenças, criamos vários obstáculos à comunicação ética da verdade.

Há vários remédios para ajudar a corrigir e superar a discriminação na comunicação da verdade. Entretanto quero lidar diretamente com um clássico erro social, causador de alguns dos maiores pré-conceitos: a tendência humana ao ensimesmamento.

As pessoas acham que são autossuficientes e que sabem o bastante sobre vários assuntos. Pelo menos pensam que sabem o suficiente para criar fórmulas perfeitas para resolver grandes problemas sociais, expor opiniões sobre a crise econômica, atacar tal partido político e governo, opinar fortemente sobre as celebridades da TV e fazer comentários íntimos nas mídias sociais. Satisfeitas com a própria sabedoria, elas ficam desejosas para expor um certo conhecimento que, no final do dia, demonstra ser extremamente superficial, errôneo e, até mesmo, inapropriado.

A Psicologia demonstrou que o ensimesmamento – e seus filhotes autossuficiência, autopromoção, exibicionismo e assim por diante, se associam diretamente ao conceito Freudiano de Narcisismo. A palavra foi primeiramente cunhada por Sigmund Freud no artigo “Sobre a Introdução do Conceito de Narcisismo”, publicado em 1914.

Na mitologia grega, Narciso era um belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado pela ninfa e apaixonou-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Incapaz de levar a termo sua paixão por si mesmo, Narciso suicidou-se por afogamento.

O narcisista produz um tipo de discriminação que distorce a realidade, altera as evidências e modifica os fatos, em prol dos seus próprios interesses. Ele curte nas redes sociais aquelas posições que refletem os seus próprios pensamentos e lê apenas os jornais que concordem com ele. Ele prefere os programas que reforcem suas ideias e frequentará somente os grupos de afinidade onde se encontrem pessoas iguais. Os preconceitos do narcisista dirigem os fatos e as pessoas com as quais se comunica. Pessoas iguais, contudo, acham que sempre tem razão. Resultado: discriminação e intolerância distorce suas opiniões e hábitos.

Por isso, pessoas discriminadoras mostram uma precária capacidade para perceber intimamente o mundo dos outros seres humanos. Falta-lhes empatia. Muitas vezes, elas agem de forma exploradora, à custa dos outros. Em contraste com o uso do poder socializado e participativo para promover o bem-estar social, os narcisistas tentam manipular e dominar outros seres humanos, usando o poder e a força para controlar sua agenda pessoal. Raramente compreendem que a única maneira de preservar a integridade da personalidade é relacionar-se com outros homens e mulheres, com genuíno amor, compaixão, maturidade, solidariedade e humildade.

Na verdade, o melhor remédio para vencer o narcisismo e, consequentemente superar a discriminação na comunicação é a humildade. C. S Lewis descreve a humildade como um “abençoado auto esquecimento”:

“Não é pensar menos de si mesmo, mas pensar menos em si mesmo.”

O foco da pessoa humilde não está em si mesmo, em seu desenvolvimento, condição e progresso, mas em outros lugares, em outras pessoas. Acima de tudo, a comunicação eficaz parte do reconhecimento das limitações e deficiências de cada um de nós. Aprendamos a sublinhar a diversidade e celebrar as diferenças com a pessoa mais inteligente que já existiu, Jesus Cristo, que era “manso e humilde de coração (Mt: 11.29).

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Fonte/imagem: https://www.wikiwand.com/pt/Narcisismo

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