Um papa de duas pátrias
Na manhã do dia 21 de abril, a humanidade amanhecia triste com a morte do papa Francisco. O papa que veio do fim do mundo, fez do mundo a sua casa e com o mundo dialogou, trazendo em evidência os gritos dos pobres e da terra. Passados os dias, toda a atenção se volta para o sucessor, se a pessoa escolhida seguirá a linha de Francisco ou se teremos um fechamento e um retorno ao passado.
Surgem sentimentos como expectativa, medo, mas também esperança e abertura ao novo, porque a memória de Francisco e as portas que foram abertas por ele trazem fatos que são irrenunciáveis e que devem permanecer.
Começam as congregações e o perfil do novo papa vai sendo desenhado, desejando ser em continuidade a Francisco, mantendo as suas reformas, de alguém que pudesse ser pastor e ao mesmo tempo atuante, experiente e com uma visão global, em atenção dos dramas humanos.
Então, na tarde do dia 08 de maio, sai a fumaça branca, os sentimentos ecoam e a expectativa toma conta de todos e de todas. No anúncio, a surpresa: a eleição como papa do cardeal Robert Francis Prevost, de nascimento norte-americano, mas de nacionalidade peruana, assumida em missão e de entrega a este povo.
No nome escolhido, outra surpresa: Leão XIV, em continuidade a Leão XIII, que trouxe à Igreja Católica a sua dimensão social, a defesa do trabalhadores explorados e a necessidade de dialogar com o mundo que avança e que muda constantemente. O tempo ainda é precoce para uma especulação mais precisa e para definir os rumos deste pontificado, mas o histórico de Prevost dá pistas de sua relação com Francisco, sua visão de mundo e de Igreja e o que dele se pode esperar.
Prevost nasceu em Chicago (Estados Unidos) e viveu a sua infância e adolescência no suburbio da cidade. Ainda nela, entra na ordem dos agostinianos e segue para a formação. Como padre, ele se faz missionário na América Latina, vindo para o Perú, atuando em regiões empobrecidas e de grande vulnerabilidade e precariedade.
Podemos dizer que isso marca a sua trajetória e visão de mundo e de igreja, porque o período era de meados da década de 1980 e estávamos no auge da Teologia da Libertação que influenciava o modo de ser Igreja e se fazer pastoral e missão neste continente. E esta teologia tem o seu nascimento, digamos assim, no Perú, com Gustavo Gutiérrez, e desta região se espalha para todo continente e depois pelo mundo.
Prevost volta aos Estados Unidos em 1999, torna-se provincial dos agostinianos e depois superior-geral em Roma, mas em 2014, é enviado novamente ao Perú, desta vez pelo próprio papa Francisco, que o faz bispo e depois cardeal. Esta ligação com a cidade peruana de Chiclayo, torna-se evidente, uma vez que em seu primeiro discurso na Praça de São Pedro, Prevost, agora como papa Leão XIV, passa do italino para o espanhol e saúda a sua igreja local, com a qual caminhou e pela qual se fez um com eles. É o autêntico da frase de Agostinho, que ele também traz no discurso: “com vocês sou cristão e para vocês sou bispo”.
Dizemos, com isso, que Prevost conviveu com a realidade sofrida e empobrecida daquele país e teve proximidade com este modo de ser igreja e de se ter uma teologia da práxis com a Teologia da Libertação e com Gutiérrez. Se sua origem é estadunidense, como primeira pátria, podemos dizer que a realidade peruana, assumida como segunda pátria, é que o faz padre, missionário, bispo e pastor. Sua visão de igreja é marcada pela formação e espiritualidade agostiniana, sim, mas também pelo modo de ser Igreja neste continente.
Pensando no Conclave e na eleição do Papa, estes fatores tiveram o seu peso, pela experiência missionária e pastoral. Hoje, o mundo é marcado por uma geopolítica preocupante, no aumento de excluídos, nos afetados pelo clima e pela política agressiva do presidente dos EUA Donald Trump. Uma verificação rápida nas redes sociais de Prevost, nos faz perceber as inúmeras críticas dele a este tipo de política, chamando a atenção para a defesa dos migrantes, refugiados e deportados.
Este é um ponto que também favorece a escolha do nome de Robert Prevost, porque é alguém que pode atuar nesta condição, falando como papa e falando desde dentro, sendo, portanto, uma voz autorizada e de peso e repercussão. Os impactos da política trumpista são de abrangência global e todas as pautas socioambientais defendidas por Francisco estão aí implicadas. Pelo seu histórico e postura, Prevost, agora como Leão XIV, pode atuar como uma voz firme, profética, em defesa dos excluídos e na construção de pontes e espaços de paz.
No balção da basílica de São Pedro, Prevost chorou, o que mostra que o humano prevalece acima de tudo. Um papa que chora, sabe da responsabilidade que assume, da história que leva e de quem caminha com ele. O peso do cargo é enorme, mas o chamado sinodal de Francisco o fortalece. O homem de duas pátrias agora é um homem do mundo.